Audiência pública na CLDF reforça necessidade de combater a reforma da Previdência
“Não é uma reforma da Previdência e sim o desmonte da seguridade social brasileira”. Essa é a conclusão da audiência pública sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16, realizada na tarde desta quinta-feira (16) , no Plenário da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
Os debatedores avaliam que a proposta é tão prejudicial aos/às trabalhadores/as que não vale a pena tentar discuti-la no Congresso Nacional e propor emendas. “É tão ruim que é o caso de retirá-la da tramitação”, disse o deputado distrital Chico Vigilante.
Convocada pelo deputado distrital Wasny de Roure (PT), a audiência teve como palestrantes o senador José Pimental (PT-CE); Wilson Antônio Romeiro, presidente da Anfip; Carlos Eduardo Gabas, ex-ministro da Previdência do governo Dilma; Clóvis Scherer, coordenador-adjunto do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese); Luciana Custódio, diretora do Sinpro-DF.
Luciana disse que o desafio da categoria docente agora é lutar pela retirada da PEC 287/16 e anunciou que os/as professores/as estão em greve em todo o país contra a reforma da Previdência “porque ela joga por terra nosso direito de nos aposentar”, disse.
A diretora entende que o país vive um dos momentos mais difíceis da luta de classes e conclamou as categorias a se unificarem em defesa dos seus interesses. “Estamos vivendo um período muito duro, muito difícil, que requer unidade na luta. Não está na hora de potencializarmos as diferenças, e sim de unificarmos, tornarmo-nos mais fortes naquilo que nos unifica”, observou a diretora.
Ela citou também uma vitória da categoria docente em greve, nesta quinta-feira (16), que conseguiu, após uma ação na Secretaria de Estado da Educação (SEEDF), forçar o Governo do Distrito Federal (GDF) a retroceder da decisão de demitir professores/as temporários que aderissem à greve. “Conseguimos forçar o governo Rollemberg a retroceder de uma decisão arbitrária. Exigimos a revogação”. Lembrou ainda do ato público realizado nessa quarta-feira (15), dia em que o magistério público de todo o país e do Distrito Federal entrou em greve por tempo indeterminado.
Após apresentação e análises dos palestrantes, que mostraram não haver nenhum rombo e apontaram os inúmeros problemas que a reforma da Previdência irá causar, o representante do Dieese alertou para aspectos da PEC 287/16 que não estão sendo observados pela população e que irão trazer mais prejuízos ainda ao povo.
Representante do Dieese diz que 30% da população irá morrer sem se aposentar
Carência contributiva
Clóvis Scherer disse que nos itens relativos à idade mínima e à expectativa de vida há um dado importante a observar que, dos/as brasileiros/as que chegam aos 50 anos, 30% não irão viver até os 65 anos. Vão morrer antes de atingir a idade mínima de aposentadoria, o que não é uma fração muito pequena da população.
Ele alertou sobre o que tem na PEC 287/16 sobre carência contributiva, ou seja, o tempo de contribuição que a pessoa terá de cumprir para se aposentar e que na proposta de reforma está aumentando de 15 para 25 anos.
Embora não tenha sido muito comentado, é importante saber que hoje há duas formas de se aposentar no Brasil: por tempo de contribuição – a mulher pode se aposentar quando completa 30 anos de contribuição e, os homens, 35, e pode se aposentar em qualquer idade. Sherer disse que a aposentadoria por tempo de contribuição, no setor privado, representa um terço das aposentadorias e que dois terços das aposentadorias são por idade. “É aquela aposentadoria concedida às mulheres aos 60 anos e, aos homens, 65, desde que tenham comprovado contribuição por 15 anos e, os trabalhadores da agricultura familiar, comprovado o tempo na atividade agrícola por 15 anos, o que já não é fácil de se conseguir”.
Ele lembra que muitos brasileiros trabalham na informalidade, não têm emprego, não conseguem contribuir por esse longo tempo de 15 anos. E há países que tem esse tempo menor do que 15 anos. O Japão, por exemplo, recentemente, reduziu para 13 anos a exigência de tempo de contribuição.
A PEC 287/16, no entanto, está propondo aumentar de 15 para 25 anos: dois terços a mais tempo de contribuição para o trabalhador rural, que passa a ter de contribuir individualmente para a Previdência e não simplesmente comprovar a atividade agrícola, o que vai colocar dificuldades suplementar aos trabalhadores rurais para atingirem a aposentadoria porque, segundo a Contag nos alerta, 70% das unidades de produção da agricultura familiar não têm renda monetária suficiente para fazer contribuição previdenciária.
Com isso, haverá uma profunda exclusão dos trabalhadores da agricultura familiar do acesso à aposentadoria por causa dessa nova fórmula que está se propondo fazer de contribuição previdenciária. Ele explica que essa elevação do tempo de contribuição irá afetar os trabalhadores da agricultura familiar e todas as categorias mais vulneráveis, com empregos mais precários, como trabalhadores da construção civil, do comércio, dos serviços, as mulheres – que são as pessoas que têm mais dificuldade de manter ao longo da vida laboral a continuidade do emprego com carteira assinada, com uma contribuição previdenciária.
“São essas as pessoas que serão seriamente atingidas por essa medida que está sendo muito pouco comentada. Temos ficado muito no esclarecimento do problema da idade mínima, mas todo o texto da PEC 287/16 é nefasto e prejudica profundamente os brasileiros. Esse dispositivo da PEC é especialmente prejudicial aos trabalhadores”, alerta o coordenador do Dieese.
25 anos de tempo de contribuição elimina direito à aposentadoria da maior parte da população
Clóvis Scherer disse também que quando se fala dos trabalhadores que se aposentam por idade, não são apenas os do campo: “44% das mulheres do meio urbano do Brasil, aposentam-se por idade; 20% dos trabalhadores homens do meio urbano se aposentam não por tempo de contribuição, mas por idade; e, portanto, esse contingente estará submetido a essa exigência de maior tempo de contribuição”.
Dados divulgados apenas recentemente pela Folha de S. Paulo mostram que se a PEC estivesse em vigor hoje, 80% das pessoas que se aposentaram por idade no ano passado não teriam cumprido os 25 anos de contribuição. Ou seja, 80% daqueles que se aposentam nas condições mais difíceis, com a idade mais elevada, tendo percorrido uma vida laboral cheia de percalços, como desempregos, formalidade, baixos salários, não teriam se aposentado.
“No cômputo geral, significa que mais da metade das pessoas que se aposentaram em 2015, se estivesse vigorando essa exigência de 25 anos de tempo de contribuição, não teriam conseguido se aposentar. Portanto, é preciso inserir isso nos protestos porque essa regra vai excluir uma parcela importante dos trabalhadores do direito à aposentadoria porque temos uma intensa rotatividade no Brasil”.
O representante do Dieese esclareceu que, no Brasil, as pessoas que atuam na iniciativa privada não conseguem permanecer muito tempo no emprego e isso é um dado que irá influir na eliminação desse grande contingente do direito à aposentadoria. De cada 100 empregos existentes no Brasil, 43 há a demissão por iniciativa do empregador antes de completar um ano. Essa rotatividade afeta 43% dos nossos empregos a cada ano. O desemprego de longa duração. Nosso desemprego dura muito.
“Só para se ter uma ideia, o ano de 2016, em São Paulo a duração média do desemprego para as pessoas com até 50 anos de idade era de 35 semanas. Ou seja, a pessoa era demitida e ela, em média, procurou emprego por 35 semanas antes de conseguir uma nova colocação.
As pessoas de 50 anos ou mais, passaram 50 semanas procurando emprego até encontrar uma colocação ou desistiu de se colocar no mercado. Ou seja, se a pessoa tem de contribuir por um longo período enfrentando a rotatividade, quando acontece o desemprego, ela fica um longo tempo sem contribuir. Torna-se mais difícil acumular a contribuição necessária para se aposentar.
No caso da informalidade, cerca de 45% da população está na informalidade: não tem emprego de carteira assinada, não tem a contribuição previdenciária. Pois bem: quando chega na faixa etária de 55 a 59 anos, a informalidade já sobe para 45 anos. Para as pessoas que têm entre 60 e 64 anos, que pela PEC terão de continuar contribuindo, a informalidade já alcança 67%.
Isso mostra que à medida que as pessoas envelhecem as empresas não as querem mais em seu quadro de pessoal. Demitem e não contratam pessoas com 50 anos ou mais. Essas pessoas vão para o mercado informal: as alternativas do trabalhador para garantir uma renda. Vai ficar muito difícil para as pessoas da faixa etária entre 50 e 60 anos contribuir para a Previdência e, por isso, estarão excluídas da aposentadoria aos 65 anos ou a idade a que for fixada porque não terá acumulado as condições suficientes.
Ao mesmo tempo em que a proposta eleva a idade mínima, aumenta a exigência de tempo de contribuição, e, portanto, coloca a perspectiva de o indivíduo não ter uma renda ao chegar aos 65, afasta, ao mesmo tempo, para 70 anos a última possibilidade de ter uma renda que proteja o brasileiro da pobreza que é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que é concedido hoje no valor de um salário mínimo para quem tem uma renda muito baixa.
O resultado é um buraco entre o momento em que a pessoa está trabalhando e tem uma renda e o momento em que ele vai ter o benefício da Previdência da assistência. Esse buraco ocorre porque as pessoas perdem o emprego e vão ter de esperar a aposentadoria. Quem não conseguir se aposentar, terá de esperar cinco anos a mais para o último recurso que é o BPC.
