Escolas cívico-militares: mais uma derrota para um projeto falido

Depois de o Ministério da Educação decidir encerrar o programa das chamadas escolas cívico-militares, depois de alguns governadores insistirem com o projeto falido e ilegal, e depois de diversos ministérios públicos estaduais apontarem a irregularidade desse formato, foi a vez de, no final de novembro, a justiça gaúcha decretar a ilegalidade das escolas cívico-militares.

No dia 22 de novembro, uma decisão da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre declarou a ilegalidade do projeto de escola cívico-militar em território gaúcho. Em despacho, a juíza Paula de Mattos Paradeda confirmou decisão do TJ-RS de novembro do ano passado, que já apontava a inconstitucionalidade do decreto que autorizou militares para atuarem na gestão educacional das escolas.

O argumento da magistrada coincide com o argumento dos Ministérios Públicos estaduais: por ser contrário à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), e contrário à Lei de Gestão Democrática, o projeto de escolas cívico-militares é ilegal. Foi apresentado pelos Ministérios Públicos do Paraná e do Distrito Federal.

 

Ineficiente, autoritário, precarizador…

O modelo de escolas cívico-militares é um projeto fadado ao fracasso. Além de não seguirem o projeto dos Colégios Militares (as escolas que pertencem ao Exército, polícias militares ou Corpo de Bombeiros), em alguns casos traz para dentro da escola, para sua gestão, policiais que entendem que lidar com estudante indisciplinado é o mesmo que lidar com bandido. Pior: traz para dentro das escolas profissionais de segurança pública afastados das ruas após serem submetidos a situações de estresse e pressão intensas.

Por conta disso, as escolas militarizadas também promovem a desvalorização dos(as) trabalhadores(as) da educação. Recursos que deveriam ser investidos na infraestrutura das escolas e na melhoria das condições de salário e trabalho dos(as) professores(as) e funcionários(as) são desviados dessa finalidade para engordar a remuneração de policiais aposentados ou afastados de suas funções.

Impedem estudantes de expressarem suas identidades étnico-culturais, acabam com a liberdade de cátedra de professores e professoras, tudo sob uma pretensa e falsa ideia de disciplina como solução para todos os problemas da escola.

A pedagoga e doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), Catarina de Almeida Santos, em entrevista à Revista Forum, associa a lógica da escola cívico-militar à lógica da juventude hitlerista: “é a lógica do bater continência, obedecer comando, da uniformização, da negação do sujeito. Quando você tenta padronizar todo mundo, você está negando a diversidade, o diverso dentro da escola. Então tem muito dessa lógica da juventude hitlerista. (…) Costumo dizer que a militarização mexe em toda a complexidade do processo educativo e do que esperamos que a educação possa fazer.”

 

… e ilegal

Depois da revogação da portaria pelo MEC, depois de diversos pareceres de Ministérios Públicos Estaduais, ainda corre no Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do ministro Dias Toffoli, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6791, requerida pelo PT e pelo PSOL. Ela foi ajuizada em 2021, e questiona a lei que cria as escolas cívico-militares do Paraná, sob a alegação de que a mudança de regime de gestão escolar é de competência exclusiva da União, e por isso o estado do Paraná não possuiria competência para editar tal lei.

A Adin argumenta ainda que a escolha de militares inativos ou afastados das ruas para atuar nas gestões das escolas viola a Constituição Federal, pois representa desvio de função dos membros das forças de segurança.

A Adin está em fase final. No final de novembro, seguiu com argumentações e petições concluídas para análise do ministro relator.

“O projeto de escolas cívico-militares é uma grande gambiarra que busca projetar dentro da escola a lógica disciplinar das forças armadas. É uma lógica que não se aplica a adolescentes, pessoas que estão em fase de formação de suas identidades e personalidades. Não se trabalha essa formação na base da força e do excesso de autoritarismo. E é uma grande gambiarra porque contraria todo o arcabouço legal do país, da Constituição Federal à portaria do MEC, passando pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Não tem como dar certo”, analisa a diretora do Sinpro Márcia Gilda.

O SInpro-DF defende a presença e a ampliação dos batalhões escolares como instrumento de segurança das escolas e de toda a comunidade escolar.

MATÉRIA EM LIBRAS

Militarização vai contra Constituição, ECA e LDB

Dissertação de mestrado de professor do CEF10 do Gama ouviu 17 docentes de escolas periféricas do DF

Acaba de ser adicionada ao repositório da biblioteca da Universidade de Brasília a dissertação de mestrado do colega Amaral Rodrigues Gomes, que atualmente está lotado no CEF 10 do Gama.

Intitulada Militarização de escolas públicas no Distrito Federal (2019-2020): o que dizem os professores?, a dissertação de mestrado de Gomes ouviu, em entrevista virtual, 17 docentes de escolas públicas periféricas já militarizadas.

Em seu estudo, Gomes concluiu que “a implantação do regime de militarização de escolas públicas caracteriza uma contradição com as concepções teóricas contidas no currículo, uma vez que a escola militarizada impõe uma série de normas que ferem os princípios de liberdade estabelecidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Constituição Federal de 1988.”

 

Entrevistas com 17 docentes

No estudo de Gomes, 9 docentes entrevistados se declararam contrários à militarização, contra 7 que se disseram favoráveis e um que se absteve, pois queria observar o retorno das aulas presenciais para ter um posicionamento, uma vez que a militarização ocorreu a pedido da própria comunidade escolar.

Foi realizada também a análise documental a partir do Currículo em Movimentos das Escolas Públicas do Distrito Federal e das Propostas Pedagógicas (2020) das 12 escolas militarizadas, e foram encontradas contradições em relação à concepção de educação prevista nos documentos, tendo em vista que se alinham a tendências críticas não reprodutivistas: Saviani (Pedagogia Histórico Crítica) e Paulo Freire (Tendência Libertadora).

 

Contradição com várias leis

Em sua dissertação, o professor lembra ainda que a Gestão Democrática aprovada no governo de Agnelo Queiroz (PT) estabelece a eleição direta da direção das unidades escolares pela comunidade escolar e, para poderem participar da eleição, os candidatos devem necessariamente pertencer às carreiras do Magistério Público (pelo menos um indivíduo) ou de assistência à educação do DF. A inserção de militares nesse processo fere esse princípio, o que gera um precedente perigoso segundo o professor.

“Quando se inserem militares na escola, sejam eles da PM, do CMB ou da FA, há uma desconfiguração da referida lei [da Gestão Democrática]; além disso são pessoas que, muitas vezes, não têm formação específica na área de educação e são oriundos de corporações que treinam a obediência sem questionamentos.” O estudo conclui que a militarização das escolas públicas é uma contradição, “pois a pluralidade cultural, garantida pela Constituição Federal, pela LDB e pelo próprio ECA é violada a partir de uma padronização imposta pelas forças de segurança que compõem a gestão escolar das escolas públicas militarizadas do DF.”

 

Militarização afasta, segrega e padroniza em excesso

O projeto segrega e não inclui. Em outras unidades da federação, o uniforme das escolas militarizadas é cobrado. Isso (ainda) não ocorre no DF, cujos estudantes usam blusa branca e calça jeans. Um dos professores entrevistados para a dissertação de Gomes lembra que se ocorrer essa cobrança haverá possivelmente mais adolescentes sendo excluídos de uma escola pública, ainda que muitos já o sejam quando não se sujeitam ao conjunto de regras impostas pelos militares, presentes no Regimento Escolar, regulamento básico do uniforme e pelo regulamento disciplinar.

Os entrevistados que se declararam contrários à militarização se mostraram preocupados com o excesso de padronização imposta pela militarização, consequentemente com o podamento das manifestações culturais diversas inerentes e com questões identitárias dos adolescentes. “Além disso, o trabalho na escola, principalmente aquele voltado para que os negros assumam sua negritude (muitos usavam cabelo rastafari, Black Power), foi também eliminado com a militarização.”

 

Menos polícia, mais inclusão

A escola não necessita de polícia, mas de política de inclusão, principalmente nas localidades de maior vulnerabilidade social. O texto de análise de dados traz uma preocupação quanto à perda de autonomia do direito de cátedra, principalmente numa época em que vivenciamos uma miríade de projetos conservadores que tentam minar o trabalho do professor.

 

É papel do professor

Gomes conclui que “os docentes da educação que defendem uma escola pública, gratuita, laica e inclusiva necessitam se organizar para combater o discurso de quem aponta a escola insuficiente e apoia uma maior divisão social do trabalho dentro da escola, pois Florestan Fernandes, em O Desafio Educacional (Ed. Expressão Popular), alerta acerca dos que desqualificam a escola pública com a finalidade e a defesa de que a educação seja uma mercadoria. Nesse sentido, o professor deve assumir a luta em defesa da escola pública e, que acima de tudo, contribua no processo de emancipação humana.”

Além de professor do CEF 10 do Gama, Amaral Rodrigues Gomes é membro  do Grupo de Estudos Materialismo Histórico Dialético em Educação UnB, coordenado pelo professor Erlando da Silva Rêses.

 

Sinpro na Luta

A dissertação de Gomes usou informações disponíveis no site do Sinpro como referência bibliográfica, inclusive um artigo da professora Edileuza Fernandes silva sobre Defender o Currículo em Movimento e resistir à BNCC, de maio de 2018.  

Quem quiser ler mais sobre a dissertação de Amaral Gomes pode baixá-la diretamente da biblioteca virtual da UnB.

Educadores de todo o país se solidarizam com a professora Luciana Paim e denunciam os limites do projeto de militarização das escolas brasileiras

Foto: Michael Melo/Metrópoles

Educadores de todo o país se solidarizam com a professora Luciana Paim e denunciam os limites do projeto de militarização das esclas brasileiras

No último sábado (20/11), o caso do CED 01 da Estrutural, uma escola pública de Brasília, tornou-se o último exemplo da inviabilidade de um projeto levado a cabo pelo Governo Bolsonaro e copiado pelo Governador do DF Ibaneis Rocha: a militarização das escolas públicas brasileiras deixa evidente que, na escola, os protagonistas devem ser sempre os/as professores/as, funcionários/as da educação, estudantes e comunidade escolar.

Uma exposição dos estudantes sobre o Dia da Consciência Negra, em um trabalho pedagógico orientado para que eles expusessem sua visão sobre o assunto a partir de charges e tirinhas de revistas e jornais, foi o palco para que, mais uma vez, os setores mais reacionários da nossa sociedade pudessem regurgitar suas ideologias e preconceitos mais vis. O diretor disciplinar da escola, um militar, tentou censurar a atividade. Um representante de um movimento autointitulado conservador de Brasília e um deputado do Ceará criaram uma celeuma e um clima de distúrbio e enfrentamento que passou longe até do tom assumido pela Polícia Militar do DF, protagonista do que o Governo do Distrito Federal veio a chamar de parceria cívico-militar.

A reação da comunidade escolar foi imediata. No seio de uma escola militarizada, na periferia de Brasília, os estudantes se puseram imediatamente ao lado da vice-diretora da escola que, mesmo sob ameaça, garantiu e assegurou a liberdade do projeto pedagógico de sua unidade de ensino. Luciana Paim, que sofreu todo tipo de pressão dos militares que estão na escola e do próprio deputado bolsonarista do Ceará, que invadiu a escola e a ameaçou, foi uma gigante na defesa da liberdade de seus estudantes. Não por outro motivo recebeu
a sua solidariedade de pronto.

As referências feitas pelos estudantes em sua exposição no que se refere à atuação da Polícia é reflexo direto de um país que conta com os maiores índices de violência policial do mundo. Em uma escola de uma das regiões mais pobres da cidade, que conta com uma maioria de estudantes negros/as, cabe à PMDF desconstruir, a partir de ações concretas, essa imagem pública negativa da qual ela também é vítima. Sabemos que a polícia brasileira é a que mais mata no mundo, mas também é a que mais morre. O genocídio da
população jovem e negra nas periferias do Brasil é reflexo dessa absoluta ausência de legalidade praticada por muitos de seus membros que, certamente, não honram a missão pública que lhes foi conferida.

A própria nota pública da PMDF sobre o caso, que assumiu um tom muito mais sóbrio e de defesa dos direitos humanos, para além de destoar do histerismo desses representantes mais radicais do bolsonarismo, é um indicativo de que pontes podem e devem ser construídas nesse diálogo tão necessário. E será pelo diálogo a resolução de todo e qualquer tipo de conflito, em especial no ambiente escolar. Esse deve ser o valor norteador de uma escola laica e republicana pela qual muitas gerações de brasileiros e brasileiras lutaram.

Os/as educadores/as de todo o país se solidarizam com a professora Luciana Paim, vice-diretora da unidade escolar do DF, que soube defender a liberdade de ensino do projeto pedagógico da escola, princípio assegurado em nossa Constituição. Nossa solidariedade também se estende aos estudantes e comunidade escolar do CED 01, que de imediato se colocaram ao lado do justo e contra todo tipo de censura. Esse evento nos mostra claramente o papel central e diferencial que um educador de formação e por vocação deve ter
naquele que é o seu espaço por excelência: a escola. Por isso continuamos a defender e empunhar a bandeira da luta contra a militarização das escolas brasileiras!

Brasília, 26 de novembro de 2021
Direção Executiva da CNTE

Via CNTE

Governo contratou militares da reserva até para escolas que ainda não existem

Mesmo sem ter uma previsão para início das aulas, o governo federal já contratou ao menos 141 militares da reserva para atuar nas novas escolas cívico-militares, promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Esses profissionais já recebem remuneração pela prestação de serviço, alguns desde o mês de abril, de acordo com a data de contratação, mas parte das unidades ainda não estão funcionando no novo formato. Há casos em que os militares estão cuidando da infraestrutura de prédios. Também há escolas que sequer foram inauguradas e até um município em que o termo para início das atividades no novo modelo ainda não foi assinado pelo governo local, segundo gestores.

CNN coletou informações das contratações publicadas no Diário Oficial da União (DOU) e por  por meio da Lei de Acesso à Informação para obter o nome dos militares escolhidos, as unidades em que estarão lotados e as datas das contratações. O processo de contratação ainda está em andamento. Segundo as regras do programa, as funções que podem ser exercidas por esses militares são as de oficial de gestão escolar, oficial de gestão educacional e monitor escolar. Os monitores tiveram suas contratações confirmadas em julho e os gestores, em março, abril e maio. A reportagem pediu informações a todos os governos, estaduais e municipais, responsáveis por 25 colégios em que houve ao menos uma contratação de militar até o momento, segundo dados disponibilizados pelo MEC e disponíveis no DOU e houve resposta sobre 19 unidades. 

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim) tem como objetivo implementar 216 colégios nesse formato em todo o país, até o ano de 2023, com foco em criar um “modelo de excelência’, reduzir índices de violência na escola e melhorar os indicadores educacionais. Para este ano, a previsão é de implementação em 54 escolas. Há duas modalidades possíveis do Pecim: na primeira, o Ministério da Educação (MEC) transfere os recursos e o Ministério da Defesa contrata militares da reserva para trabalhar nas escolas, com remuneração extra de 30%. Como essa remuneração não é divulgada, não é possível saber ao certo quanto os militares do programa já receberam até o momento. No segundo modelo, em cidades em que não houver efetivo da Defesa, serão contratados policiais e bombeiros, mas com recursos do governo local. Neste caso, os recursos do MEC serão repassados com a contrapartida de investimento nas unidades, com materiais escolares, uniformes e pequenas reformas.

Para a Escola Municipal Embaixador Martim Francisco, em Barbacena (MG), foram contratados ao menos sete praças em julho. Todos os contratos têm prazo de 12 meses. A diretora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação da cidade, Helen Castro, afirmou à CNN que ainda não houve assinatura de um termo de adesão ao programa por causa da pandemia. “Eu ainda não sei como a gente vai fazer. A partir do momento que a gente assina o termo, nos comprometemos à questão financeira de arcar com uniforme e reforma, que não são baratos. Não sabemos ainda o que será decidido.” Segundo a gestora, não há militares atuando com a rede até o momento. A reportagem conseguiu contato por telefone com um dos militares contratados em julho, que confirmou que ainda não começou a atuar com o colégio cívico-militar, mas não quis dar outras informações e desligou o telefone.

No Estado do Amazonas, ao menos três escolas estaduais serão inseridas no programa, mas a Secretaria Estadual de Educação informou que o projeto não foi finalizado. Em uma das escolas as aulas presenciais voltaram em 10 de agosto, mas somente na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), sem a presença de militares. O governo diz que os militares ainda não estão atuando com as escolas e que nenhuma atividade relacionada ao programa está acontecendo. Segundo os dados do governo federal, já houve um oficial contratado para atuar em uma das escolas, em abril, e outros oito monitores foram contratados em julho.

Em Roraima, um capitão da reserva remunerada foi contratado para atuar na gestão da Escola Estadual Fagundes Varela, em Boa Vista a partir de 1º de abril. Como o período de implementação do programa coincidiu com a chegada da pandemia, o governo disse que “algumas ações, como capacitação de servidores, tiveram de ser adiadas. O governo disse, em nota, que nenhum militar começou a trabalhar até o momento com a unidade.

No Distrito Federal houve a contratação de ao menos quatro militares oficiais em abril, um mês depois da suspensão das aulas presenciais por causa da pandemia. A Secretaria Estadual de Educação informou, por meio de nota, que o ano letivo foi retomado, com ensino remoto, em 29 de junho. Segundo a pasta, as atividades estão ocorrendo remotamente nas duas escolas escolhidas para serem cívico-militares, o Centro de Ensino Fundamental 05 do Gama e o Centro Educacional 416 de Santa Maria, mas o apoio disciplinar dos militares ainda não está acontecendo. “As ações poderão ser iniciadas assim que as atividades presenciais puderem ser retomadas. Enquanto isso, os militares têm se reunido com as equipes gestoras das escolas em questão, para tratativas necessárias ao retorno dos estudantes, quando for possível” diz. A pasta não especificou que funções os militares têm exercido neste momento.

Capacitação

Se em algumas unidades os militares ainda não começaram a trabalhar diretamente com as redes, em outras existem tarefas das mais diversas, como atividades administrativas ligadas à infraestrutura do prédio e organização do espaço para aulas no futuro (Rio de Janeiro-RJ e Jaboatão dos Guararapes-PE, por exemplo), atividades de formação (Natal-RN), suporte nas atividades à distância (Cuiabá-MT), capacitação (João Pessoa-PB e Feira de Santana-BA). Nessas unidades há militares oficiais contratados pelo menos desde abril. Já os monitores começaram em julho.

Por parte do governo federal, houve três capacitações até o momento, mas somente uma, virtual, foi voltada aos militares contratados, no período de 26 a 29 de maio deste ano. As outras duas aconteceram antes das contratações, uma para diretores, coordenadores pedagógicos e técnicos das secretarias estaduais e municipais de educação, feita no ano passado, e outra em fevereiro deste ano, com foco em bombeiros, policiais militares e representantes das secretarias estaduais e municipais de educação.

Procurados, Marinha, Exército e a Aeronáutica disseram que os questionamentos deveriam ser feitos ao Ministério da Defesa, que por sua vez afirmou que a gestão do programa é de responsabilidade do Ministério da Educação. Em nota, o MEC afirmou que os militares estão exercendo as funções para as quais foram contratados “conforme o caso” e que cada escola tem calendário de atividades para o período da pandemia, conforme orientação de sua respectiva secretaria de Educação.

Fonte: CNN Brasil 

Uma escola diferente do mundo lá fora

Dando prosseguimento à série de artigos sobre o processo de militarização, Margrid Burliga Sauer e Karla Saraiva abordam a temática no artigo Uma escola do mundo lá fora. O artigo investiga porque os pais escolhem escolas militares para matricularem os filhos. A pesquisa foi desenvolvida em duas etapas. Os dados da primeira etapa permitiram compreender que a motivação dos pais para procurar a escola foi o bom desempenho em vestibulares e no ENEM, bem como seu sistema disciplinar. As entrevistas da segunda etapa mostram que os alunos gradativamente abandonam amigos e atividades que não estejam relacionadas à escola e que a rígida disciplina modifica não apenas os alunos, mas suas próprias famílias. O desempenho no vestibular apareceu também nesta segunda etapa e justifica os sacrifícios impostos pela disciplina.

Este artigo, o décimo primeiro da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

INTRODUÇÃO
O soldado é antes de tudo alguém que se reconhece de longe; que leva os sinais
naturais de seu vigor e coragem, as marcas também de seu orgulho: seu corpo é
o brasão de sua valentia
(FOUCAULT, 2007, p.117)

Nos últimos anos, diversos Estados brasileiros vêm entregando a gestão
de escolas públicas à Polícia Militar, em um processo que está sendo denominado
de militarização das escolas (BERTONI, 2015). Na página da Associação Nacional
de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) encontra-se um artigo, de
agosto de 2015, intitulado “Militarização” das escolas públicas – solução? (ANPED,
2015), apontando que a adoção desta estratégia visaria a implantar uma maior
disciplina nas escolas, o que supostamente resultaria em redução da violência e
melhora do desempenho dos alunos. Ainda de acordo com esse artigo, Goiás foi
um dos estados pioneiros na militarização de escolas.
Guimarães e Lamos (2018) corroboram a análise da ANPED, afirmando,
ainda, que a militarização das escolas brasileiras se dá principalmente em instituições
situadas em zonas de periferia. Segundo os autores, a partir da implantação desse
sistema, as escolas militarizadas passaram a exibir bons resultados em avaliações
externas, como o Enem, consagrando o modelo junto à população. Desse modo,
passaram a ser apresentadas como modelo de escola pública com qualidade de
ensino e capaz de enfrentar o caos que aí se encontra. O artigo sinaliza que a
população aceita abrir mão de uma escola democrática e submeter-se a uma
organização militar em troca de melhor desempenho dos alunos.
A militarização das escolas tem ganhado força. No ano de 2019, logo
após assumir a presidência da República, Jair Bolsonaro emitiu um decreto para
reorientar a organização do Ministério da Educação. O Decreto Nº 9.465, de 2 de
janeiro de 2019, em seu artigo 11, parágrafo XVI, determina que a Secretaria de
Educação Básica tem como uma de suas atribuições
Promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por
adesão do modelo de escolas cívicomilitares nos sistemas de ensino municipais,
estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa, educacional
e didáticopedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e
Bombeiros Militares (BRASIL, 2019).

No Rio Grande do Sul, não está ocorrendo um processo de militarização
de escolas públicas, como descrito acima. Porém, desde 1980, existe em Porto
Alegre o Colégio Tiradentes, subordinado à Brigada Militar1
e fundado no intuito
de preparar jovens para ingressar futuramente em seus quadros (COLÉGIO
TIRADENTES, 2018a). Gradativamente, a rede Tiradentes de escolas de Ensino
Médio foi ampliada e atualmente existem seis outras escolas no interior do Estado.
Portanto, apesar de não estar ocorrendo a militarização das escolas gaúchas, existe
uma gradativa expansão de escolas militares (TENTARDINI, 2015).
Este artigo resulta de uma pesquisa ensejada pelas discussões em curso
sobre a militarização das escolas. O objetivo é compreender as razões que levam
as famílias a buscar que seus filhos estudem em uma escola militar fortemente
disciplinar e como as famílias de alunos percebem os efeitos dessa disciplina. A
questão foi inicialmente colocada tendo em vista que existe um crescente consenso
de que a disciplina estaria perdendo espaço na sociedade contemporânea frente às
novas configurações sociais, em especial do trabalho (SARAIVA, 2014).
A investigação foi desenvolvida com autorização da direção do Colégio
e realizada em duas etapas: a primeira, por meio de entrevistas estruturadas
com 41 responsáveis por candidatos que participaram do processo seletivo da
escola e a segunda, por meio de entrevistas semiestruturadas com cinco mães de
candidatos aprovados após um ano de ingresso. Na seção seguinte, apresentamos
sucintamente o Colégio Tiradentes, de modo que os leitores tenham maior clareza
sobre o perfil da instituição. A seguir, detalhamos a metodologia da pesquisa e,
posteriormente, analisamos os dados produzidos. Por fim, tecemos algumas
considerações acerca dos resultados obtidos nessa investigação.

COLÉGIO TIRADENTES – CTBM
A disciplina fabrica indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma
os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu
exercício.
(FOUCAULT, 2007, p.143)
O Centro de Ensino Médio Tiradentes foi criado através do Decreto
nº 29.502/1980, então com a denominação de Escola Estadual de 2º Grau da
Brigada Militar, passando a ter a denominação atual no ano de 2000. A Rede
Estadual de Ensino Militar inclui sete estabelecimentos de ensino, localizados
nas seguintes cidades: Porto Alegre, Passo Fundo, Santo Ângelo, São Gabriel,
Pelotas, Santa Maria e Ijuí (COLÉGIO TIRADENTES, 2018a). O foco desta

pesquisa é o Colégio Tiradentes de Porto Alegre, mantido pela Secretaria de
Segurança Pública/RS e administrado por oficiais superiores, auxiliados por um
efetivo militar especialmente designado pelo Comando da Brigada Militar. A
coordenação pedagógica e alguns professores pertencem aos quadros da Brigada
Militar e outros à Secretaria de Educação.
O Ensino Médio ministrado pelo Colégio Tiradentes destina-se à
comunidade em geral,porém, com a reserva de trinta das noventa vagas existentes
a dependentes de policiais militares, pois um de seus objetivos é a garantia de
oferta educacional de qualidade a esse público. Nessa escola, o ingresso se dá por
meio de um disputado concurso2
. A primeira etapa da seleção para ingresso no
Colégio Tiradentes é um exame intelectual, com questões de língua portuguesa
e matemática. Os classificados nessa etapa passam por um exame de saúde e,
posteriormente, por um teste físico, conforme critérios descritos no edital de
seleção (COLÉGIO TIRADENTES, 2018d).
Os exames de saúde e testes físicos exigidos impedem o ingresso de
alunos com deficiências, bem como aqueles com preparo físico considerado
insuficiente (inclusive alunos considerados acima do peso ideal). No caso do
Colégio Tiradentes, essas barreiras de entrada se encontram na Lei nº 12.349/2005,
que instituiu o Ensino Médio da Brigada Militar como “forma preparatória para o
ingresso na carreira de policial militar” (ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL,
2005), permitindo que sejam impostas restrições relativas às limitações físicas dos
alunos.
Portanto, é possível afirmar que o Colégio Tiradentes não se configura
como escola inclusiva, abrigando apenas alunos que mostram competências
intelectuais e físicas avançadas. Frente a isso, o excelente desempenho que a escola
tem em avaliações de larga escala, como o Enem, não pode ser creditado apenas
às condições da escola em termos de infraestrutura bem acima da média e de
uma rígida disciplina, pois seu corpo discente é composto por um conjunto de
indivíduos muito homogêneo e com capacidade de alto desempenho.
A exclusão de alunos que não atendam aos padrões de exigência da
instituição é parte daquilo que Foucault (2007) denominou de sistema disciplinar.
Segundo este autor, a disciplina fixa os corpos no espaço e tende a segregar aqueles
considerados anormais por não se enquadrarem nas exigências normativas. As
escolas militares, bem como as militarizadas, são fortemente pautadas por uma
organização disciplinar, ressoando as teorizações foucaultianas sobre o tema. Os
alunos são controlados por um sistema que combina vigilância hierárquica, exames
e sanções normalizadoras, os três instrumentos da disciplina, segundo o autor. Seus

corpos seguem uma rígida distribuição espacial, o tempo é finamente fracionado
e intensamente utilizado e os regulamentos prescrevem microfisicamente os
comportamentos aceitáveis e as penalidades para as infrações. Nas análises que
desenvolveremos posteriormente, esses elementos ficarão bastante evidentes.
Contudo, antes de passarmos às análises, é necessário um maior detalhamento da
metodologia de pesquisa adotada.

OS CAMINHOS DA PESQUISA
Pesquisas sobre a escolha da escola pelas famílias vêm sendo desenvolvidas
desde os anos 1980 (RESENDE; NOGUEIRA; NOGUEIRA, 2011). Em geral,
essas pesquisas buscam compreender como os diferentes extratos sociais, em
diferentes países e culturas, orientam seu processo decisório sobre a educação
dos filhos. Gostaríamos de destacar, entretanto, que nesta pesquisa não buscamos
detectar a o perfil socioeconômico das famílias que procuram o Colégio Tiradentes,
mas apenas o que os levou a essa escolha.
Conforme já mencionamos, esta pesquisa foi desenvolvida por meio
de entrevistas, em uma primeira etapa, com os responsáveis por jovens que
postulavam uma vaga nessa escola e, em uma segunda etapa, com responsáveis por
jovens que já estudavam na instituição. A primeira etapa de produção de dados,
desenvolvida em 22 de novembro de 2015, consistiu em entrevistas estruturadas
com pais e mães enquanto aguardavam no pátio da escola por seus filhos e filhas,
que realizavam naquele momento a prova de seleção para ingresso no 1º ano do
Ensino Médio. Na ocasião, cerca de 600 jovens participavam do processo seletivo
para o preenchimento de 90 vagas.
A escolha pelo formato de entrevista estruturada se deu em função
da necessidade de entrevistar o maior número de pais e mães possível, tendo
em vista que a segunda etapa seria realizada apenas com aqueles cujos filhos
tivessem sido aprovados e que concordassem em participar da continuidade da
pesquisa. Ao se abordar um potencial sujeito da pesquisa, era exposto o objetivo
do trabalho, sendo necessário seu consentimento para a realização da entrevista.
Com isso, ao final da prova, haviam sido realizadas 41 entrevistas. Aqueles que
manifestaram interesse em participar da segunda etapa da pesquisa forneceram
espontaneamente seus nomes e telefones para que pudessem ser encontrados
posteriormente.
Um ano após esta primeira etapa, voltamos a contatar os pais e mães
entrevistados anteriormente e que haviam aceitado participar da segunda etapa.
Aqueles cujos filhos haviam sido aprovados e estavam cursando o Ensino Médio
no Colégio Tiradentes foram convidados a realizarem uma segunda entrevista,

desta vez com formato semiestruturado, tendo em vista a necessidade de se
explorar a relação dessas famílias com a disciplina imposta pelo Colégio. O
primeiro contato para essa segunda etapa da pesquisa se deu por telefone, com
o objetivo de agendar uma entrevista. Nesse contato, em 24 casos, os filhos não
foram aprovados na seleção. Em dez casos, não foi possível obter retorno com
o número informado. Nos sete casos de contato com responsáveis cujos filhos
tinham sido aprovados, cinco mães se dispuseram a ser entrevistadas, um dos pais
não quis participar e uma menina precisou sair do colégio porque engravidou,
ficando fora do perfil selecionado para a pesquisa.
Novamente, foi solicitado o consentimento dos entrevistados, desta vez
por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, apresentado após a
exposição dos objetivos do trabalho e do modo como seria conduzida a entrevista.
Houve somente um encontro com cada uma das cinco mães participantes. Das
entrevistadas, três são mães de meninas e duas, de meninos. A seguir, analisamos
os dados obtidos em cada uma das etapas da pesquisa.

MAPEANDO OS CANDIDATOS AO COLÉGIO TIRADENTES
Os dados produzidos na primeira etapa da pesquisa permitiram definir o
perfil dos candidatos que buscam o Colégio Tiradentes. A maioria das questões
desta primeira entrevista era objetiva. Houve um equilíbrio entre os gêneros
daqueles que realizavam a prova, sendo 49% meninos e 51% meninas, e uma
predominância de candidatos oriundos de escolas da rede pública de ensino, que
perfaziam 63%, sendo os demais oriundos da rede privada. Em 46% dos casos,
a decisão de estudar no Colégio Tiradentes foi do próprio estudante, segundo
afirmaram os familiares entrevistados, e 40% vinham de famílias que tinham a
presença de algum militar. Apenas 20% dos entrevistados declararam que os
filhos poderiam ter algum problema de adaptação ao regime militar da escola, no
caso de serem aprovados.
A entrevista estruturada era finalizada com uma questão aberta em que
os pais deveriam apontar os motivos que levaram à escolha do Colégio Tiradentes.
A análise das respostas permitiu mapear o que consta na Tabela 1.

Na Tabela 1, os dados totalizam um valor maior do que 100%, tendo em
vista que na maioria das respostas foi possível identificar mais de um motivo para
a escolha. Conforme os dados tabulados, o interesse pelo Colégio Tiradentes se
deve, em primeiro lugar, ao forte desempenho da escola nos processos seletivos
para o Ensino Superior. É importante sublinhar, como já o fizemos anteriormente,
que esse bom desempenho não pode ser creditado somente às condições da escola,
tendo em vista que o processo seletivo rigoroso cria uma barreira que permite
a apenas alunos com potencial de alto desempenho frequentarem a escola. Se
levarmos em conta que a valorização do desempenho nos processos seletivos
está relacionada com a qualidade de ensino, é possível associar esse ponto às
indicações sobre a precariedade da rede pública e com a boa infraestrutura do
colégio.
Outro ponto amplamente destacado foi a disciplina da escola, que
podemos conectar com outros que também estão na lista: segurança, boas
companhias, valores cívicos e bons colegas. Nesse sentido, parece-nos que os
pais veem a ordem fortemente disciplinar, que já não se manifesta de modo tão
intenso em outras escolas, como uma salvação moral dos filhos. É importante
notar que, apesar de a escola ter sido criada como preparação para ingresso na
carreira militar, apenas 12% dos entrevistados manifestaram interesse nesse
sentido.
Portanto, sintetizando os dados produzidos nesta etapa, é possível
afirmar que as duas grandes motivações que levam a uma opção pelo Colégio
Tiradentes é a qualidade de ensino, o que seria previsível para uma escola pública
de alto desempenho em uma sociedade de alta competição por vagas no Ensino
Superior, mas também a valorização da disciplina, questão que está no cerne das

motivações desta pesquisa. Esses achados corroboram as discussões de Guimarães
e Lamos (2018), que apontam para uma aprovação de métodos conservadores
articulada com o desejo de bom desempenho escolar como o que constitui o
apoio à militarização das escolas.
As entrevistas realizadas nessa primeira etapa permitiram conhecer um
pouco melhor o público do Colégio Tiradentes e suas motivações, contribuindo
para construir o instrumento que foi utilizado na etapa posterior.

OS APROVADOS E SUA NOVA VIDA
Esta segunda etapa, realizada aproximadamente um ano após a primeira,
permitiu conhecer como cinco mães avaliavam a experiência dos filhos neste
primeiro ano no Colégio Tiradentes. A partir dos dados produzidos nas entrevistas,
construímos três focos de análise, que são apresentados a seguir: ‘abandonando
o mundo lá fora’, ‘disciplina para a vida’ e ‘desempenho no vestibular como
passaporte para o futuro’. Cabe destacar que os focos de análise confirmam o
que foi levantado na primeira etapa da pesquisa. Os dois primeiros focos estão
relacionados à valorização da disciplina e o terceiro com a preocupação com os
processos seletivos para o Ensino Superior.
Abandonando o mundo lá fora
As heterotopias sempre pressupõem um sistema de abrir e fechar que ao mesmo
tempo as isola e as torna penetráveis. Em geral, não se entra nesses lugares à
vontade. Ou a entrada é obrigatória, como no caso da caserna ou da prisão, ou
então o indivíduo que tem que se submeter a rituais e purificações.
(FOUCAULT, 2003a, p.415)
A partir das entrevistas, foi possível perceber que, no decorrer deste
primeiro ano, parece ter ocorrido uma separação desses jovens do mundo que
está fora do Colégio. O que as mães relatam, por vezes com preocupação, ainda
que disfarçadamente, é que seus filhos vão abandonando os amigos que não
pertencem ao Colégio e deixam de se preocupar com celular, maquiagem, roupas

Mãe 1: Tem alguns pais [referindo-se às reuniões de pais e mestres], que ficam falando [entre
eles] que os filhos não têm tempo para mais nada. Acham a escola puxada, “coitadinho”. Mas
eles não sabiam como era a metodologia da escola?
Pesquisadora: E seu filho, também tem pouco tempo para outras atividades, qual a sua opinião?
Mãe 1: Ele não tem mais tempo para ficar no WhatsApp, brincando no celular e coisas assim,
como ficava antes. Agora está preocupado com os estudos. Eu acho que isso é bom!
O distanciamento do ‘mundo lá fora’ que o Colégio vai produzindo nos
seus alunos marca a família e as relações que nela se estabelecem. O processo
que o sistema altamente disciplinar, com cobranças rigorosas dos alunos, coloca
em movimento faz pensar nesses sujeitos como ‘incluídos’ dentro do espaço do
Colégio e ‘excluídos’, por assim dizer, do mundo que corre lá fora. Esta ‘exclusão’,
mesmo que contingente, parece ocorrer com bastante força, moldando corpos e
subjetividades.
Mãe 2: A exigência da escola acaba afastando eles da vida social. Isso no início foi um
problema para ela, mas agora já está mais adaptada.
Pesquisadora: Ela não tem mais vida social?
Mãe 2: Tem, mas é menos que antes, quando saía mais com os colegas e ia ao cinema. Agora
precisa estudar muito mais.
A convivência intensa do grupo entre si, que aparece como uma
consequência do rigor disciplinar da escola, sinaliza que os alunos compartilham
valores de conduta, morais e éticos de acordo com uma perspectiva interna ao
grupo, promovendo a sua própria normalização. O Colégio retira os adolescentes
da exterioridade, do convívio com aqueles que estão fora de seus muros,
enquadrando-os em uma norma que lhe é própria e que se aloja nos corpos,
acompanhando os alunos mesmo fora do ambiente escolar.
Mãe 3: O sistema educacional é excelente, é uma educação que não se vê “ali fora”.
Pesquisadora: O que, dessa educação, não se vê “ali fora”?
Mãe 3: A educação, o respeito, o coleguismo, responsabilidade. Eles aprendem a respeitar
também o horário e a aceitar as regras. Se o horário é às 7h é 7h, não 7h e 1 minuto, como
temos o hábito de fazer.
A família também é envolvida pela disciplina da escola, poi,s para que as
regras sejam respeitadas, os demais membros precisam compreender e aceitar o
que é imposto pelo Colégio. E, pelo que pudemos perceber nas entrevistas, parece-

nos que, em geral, os pais aceitam essas regras sem maiores questionamentos,
reconhecendo, eventualmente, a superioridade dos comportamentos preconizados
pela instituição em relação a seus próprios, como assinala a mãe no excerto acima.
As normas disciplinares enquadram os alunos e, também, suas famílias.
Mãe 4: Essa questão de horário foi o que mais “pegou” a todos nós aqui em casa. Porque a
gente pensa, são só cinco minutos! Não, até nas reuniões de pais, horário é cumprido à risca.
Aos poucos, nós fomos nos adaptando a isso. Eu aprendi a cumprir horário, e aprendi isso
com ele.
A aliança entre família e escola foi discutida por Comenius já no século
XVII. Para esse educador, passada a primeira infância, os pais deveriam confiar a
educação de seus filhos à escola, que seria planejada por especialistas capazes de
dar-lhes uma melhor formação (NARODOWSKI, 2006). Nesse sentido, parece

nos que o Colégio Tiradentes continua mobilizando essa aliança, ao impor às
famílias seus valores e regras.
Mãe 2: A família teve que se adaptar à rotina dela, que precisa estar de volta no colégio para
o turno da tarde. As aulas lá iniciam às 7h da manhã, então isso exigiu uma adaptação de
horário. É preciso fazer o almoço dela, deixar tudo pronto para ela levar (marmita). Acabamos
nos mudando para perto do colégio e isso facilitou um pouco essa questão dos horários dela.
A aliança da família com o Colégio fica evidenciada pela confiança
necessária para submeter-se a uma disciplina tão rigorosa que chega a obrigar a
uma mudança de endereço. É preciso uma forte crença de que este é o melhor
caminho para a formação daqueles jovens. Muitos dos discursos acerca da escola
contemporânea têm procurado mostrar o distanciamento dessa instituição dos
modos de vida atuais. Há uma incessante busca por parte das escolas, e também
dos indivíduos, de estratégias para lidar com a velocidade do mundo fora dos
muros da instituição. E o que nos parece é que o Tiradentes está ainda mais
desconectado com o que acontece fora de seus muros. Porém, dá-se ali um
processo inverso, e o familiar que está ‘fora’ é que precisa se adaptar a quem está
‘dentro’ daqueles muros. O Colégio Tiradentes parece seguir com sua rigidez sem
concessões a esse mundo líquido, mutável. Nesse sentido, o espaço do Colégio
Tiradentes pode ser pensado como uma heterotopia foucaultiana, que, segundo o
autor, são
Espécies de utopias efetivamente realizadas nas quais os posicionamentos reais,
todos os outros posicionamentos reais que se podem encontrar no interior da
cultura estão ao mesmo tempo representados, contestados, invertidos, espécies
de lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente
localizáveis (FOUCAULT, 2003a, p.415).

O Colégio Tiradentes, com seu desencaixe em relação à cultura atual,
funcionaria como uma heterotopia que visa a resgatar valores e comportamentos
que estão sendo deixados para trás nas sociedades contemporâneas. O ingresso
nessa heterotopia, nesse lugar tão diferente dos outros lugares, exige uma
transformação dos alunos, que é regrada pela própria escola. Eles passam por
um período de adaptação de cerca de dois meses antes de serem definitivamente
incorporados ao Colégio por meio de uma cerimônia em que devem mostrar
que sabem conduzir-se adequadamente, fazendo continências e saudações e
portando o uniforme de modo impecável. A pertença a esse lugar heterotópico
exige esforços que visam a uma conversão de si que assegure sua integração aos
valores e crenças da instituição. O caráter altamente ritualizado da incorporação à
instituição é parte de um sistema disciplinar.
Portanto, no que foi possível observar ao longo das entrevistas, não só os
alunos, mas a própria a família deve adaptar-se para que seja possível manter o filho
ou a filha no Colégio Tiradentes. Deixar o ‘mundo lá fora’ e incorporar-se a essa
heterotopia faz com que sejam necessários ajustes muitas vezes difíceis. Porém, a
disciplina que é aprendida no Colégio Tiradentes, segundo as entrevistadas, será
um bem que seus filhos levarão para a vida.

DISCIPLINA PARA A VIDA
Conforme Foucault (2007), no sistema disciplinar, o binômio
“gratificação-sanção” se torna operante no processo de treinamento e correção,
tendo a função de marcar os desvios e hierarquizar as qualidades, competências e
aptidões (FOUCAULT, 2007). Este mecanismo se faz bastante presente no Colégio
Tiradentes. Os alunos que se destacam por atingir os objetivos da instituição e por
não incorrerem em falhas puníveis são condecorados com medalhas durante a
formatura
e podem até assumir o posto de comando da turma.
Para os que não atingem desempenho disciplinar ou escolar satisfatório,
o regulamento do Colégio prevê uma série de sanções, chamadas de medidas
disciplinares educativas, constantes do regulamento (COLÉGIO TIRADENTES,
2018c). As medidas disciplinares também são lidas durante a formatura. Portanto,
no momento da formatura, os alunos que se destacam por se conduzirem segundo
as normas da escola são premiados e aqueles que apresentaram desajustes têm
suas punições publicizadas, constituindo-se aí um suplemento punitivo.

De acordo com as mães entrevistadas, a disciplina presente neste Colégio
vai preparar melhor seu filho ou filha para a vida e para o mercado de trabalho.
Lembramos que, por ocasião da primeira etapa da pesquisa, 80% dos pesquisados
disseram que os filhos ou filhas não teriam problemas de adaptação. Entretanto,
na segunda etapa da pesquisa, as cinco participantes referiram que os filhos ou
filhas, e também as famílias, encontraram dificuldades.
Mãe 2: A exigência da escola a pegou de surpresa, porque na outra escola ela tirava notas boas
e quase não estudava. Então, achava que sabia tudo, que estava muito bem. Quando iniciaram
as aulas, ela viu que não conseguia acompanhar o ritmo de exigências do colégio.
Porém, essas dificuldades são, em geral, significadas pelas entrevistadas
como algo que produz bons resultados. Nesse sentido, as mães veem o zelo
com o próprio uniforme, bem como o comprometimento com a manutenção e
limpeza da escola, aprendizagens que transformam seus filhos positivamente e os
preparam para a vida.
Mãe 3: Ela tem que limpar o sapato, tem que se responsabilizar pelo uniforme, e são diferentes
uniformes. Foi caro comprar todos eles, tem o dia do uniforme completo, dia do abrigo, o cabelo
precisa estar arrumado, puxado para usar a boina. Tudo isso são responsabilidades que ela
acabou assumindo e isso prepara para a vida dela depois.
Mãe 4: Fiquei feliz de vê-lo tomando conta de suas coisas, cuidando daquele uniforme, nem me
deixa passar. Ele dá valor, tem respeito [pelo uniforme]. Cumpre o que é combinado. Creio que
isso a gente acaba relaxando na educação e lá ele aprendeu. Acho que todo o jovem devia passar
por essa escola. Vejo que em outras escolas tem vandalismo, está tudo sujo, quebrado. Lá não
tem isso e eles ajudam na limpeza da sala e do pátio do colégio.
Mãe 5: Ela aprendeu muito nesse último ano. Amadureceu, ficou mais responsável. Ela tem
que cuidar do próprio uniforme, passar todos os dias, arrumar cabelo. Enfim, obrigações com as
quais ela não estava acostumada. Eles limpam a sala, ajudam a limpar o pátio, recolhendo as
folhas, são responsáveis em manter a sala de aula e aquele espaço em ordem.
Outra mãe declara que a disciplina é necessária para a vida, que regras são
importantes e que estas devem ser cumpridas.
Mãe 1: A disciplina é necessária para a vida e as regras devem ser cumpridas. A escola é como
o mercado de trabalho, tem regras e horários que precisam ser cumpridos. Acredito que isso vai
tornar ele um profissional mais capacitado para enfrentar as adversidades do mundo. Tenho
incentivado ele a estudar fora do país. Acho que essa escola só irá contribuir para isso.

Percebemos, ao longo das entrevistas, uma defesa intensa do sistema
disciplinar do Colégio. Parece-nos que essas mães querem livrar seus filhos da
instabilidade de um mundo líquido (BAUMAN, 2014) com a solidez das normas
disciplinares. Por meio da disciplina, esses jovens estariam tornando-se mais
responsáveis, desenvolvendo habilidades importantes para a vida, inclusive para
garantir o sucesso profissional. Para as entrevistadas, o duro sistema disciplinar
potencializaria o “desempenho no vestibular”, sendo o preço a pagar para garantir
o ingresso em uma universidade pública.

DESEMPENHO NO VESTIBULAR COMO PASSAPORTE PARA O
FUTURO
Desde o início desta pesquisa, ficou claro para nós que o ingresso numa
universidade pública é o principal motivo da busca pelo Colégio Tiradentes. Na
primeira etapa, 61% dos familiares entrevistados responderam que a busca por
uma vaga numa universidade pública, com ênfase na Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS), era a razão de o filho ou filha estar participando da
seleção. A maioria desses jovens (63%) é oriunda da rede estadual de ensino, como
mostramos na primeira etapa desta pesquisa. Tendo em vista o fraco desempenho
das outras escolas dessa rede em processos seletivos, é compreensível a aspiração
destas famílias. Na segunda etapa, das cinco mães entrevistadas, apenas uma
referiu que o filho desejava estudar neste Colégio por pretender seguir a carreira
militar.
Mãe 4: Ele era escoteiro, então ele que queria vir para esta escola, porque quer ser militar. Essa
escolha é dele e quando vim conhecer o colégio eu me surpreendi com tudo o que vi. Ele fez a
prova e rodou na primeira vez e depois fez novamente. Nós apoiamos a decisão dele.
As demais mães apresentaram o ENEM e/ou vestibular, como motivo
principal da procura pelo Colégio Tiradentes. Desse modo, os benefícios da
disciplina e do abandono de atividades e relações fora da escola ficam subsumidos
a esse grande objetivo de garantir o ingresso em uma universidade. Embora as
falas tenham se concentrado mais na palavra vestibular como forma de acesso à
universidade, elas percebem que um bom desempenho no ENEM também pode
garantir acesso a instituições públicas de reconhecida qualidade, além de aumentar
a probabilidade de acesso a instituições privadas pelo Programa Universidade
Para Todos (ProUni). Em suma, as mães entendem que o Colégio Tiradentes é
uma garantia de bom desempenho nesses processos seletivos de acesso ao ensino
superior, seja ENEM, seja um concurso vestibular.

Mãe 5: Queremos uma boa preparação para ela, para prestar o vestibular. Neste Colégio, eles
ensinam com base nas provas de vestibular. Há toda uma preparação para isso. O processo [de
seleção] é rigoroso e quem está lá, é porque quer estar lá.
Mãe 3: O Colégio Tiradentes tem ótimo desempenho no vestibular e no Enem. Sempre achei
que esta fosse a melhor escola e depois dos resultados de vestibular desse ano eu não tenho mais
nenhuma dúvida.
Mãe 1: O Colégio tem bom desempenho no vestibular, as provas do colégio já são no mesmo
formato do vestibular, o que prepara o aluno para isso e eu quero que ele vá se especializar fora
do País, por isso buscamos a aprovação na UFRGS.
Tendo em vista o rigoroso processo seletivo por que passam os alunos
do Colégio Tiradentes, acreditamos que eles possam ser tomados como aqueles
que Bauman (2005) chama de válidos, ou seja, indivíduos com capacidade de
encarnarem de forma modelar as virtudes do mundo atual, adaptando-se
plenamente às regras sociais, em contraposição aos falhos, que não conseguem
integrar-se adequadamente à ordem vigente. Esses alunos, mesmo oriundos,
em sua maioria, de escolas estaduais que apresentam sérias deficiências,
conseguiram superar essa limitação e obter uma vaga em uma acirrada disputa.
Soma-se a essa vitória sua capacidade de adaptação às rígidas normas da escola,
ficando evidenciado que elas podem ser consideradas válidas de acordo com a
normatividade vigente. Porém, em alguns casos, os alunos, mesmo superando as
dificuldades do processo seletivo, precisam passar por um processo de conversão
que consolide sua validade, conforme demonstra o excerto abaixo.
Mãe 2: A busca foi pelo desempenho no vestibular. Ela provavelmente vai rodar nesse primeiro
ano. Mas não faz mal, muitos iniciam no Tiradentes depois de já ter feito o primeiro ano em
boas escolas de Porto Alegre. Ela já está lá dentro. Mesmo que rode, ano que vem será mais
fácil. Ela é jovem, tem somente 15 anos. Então tem tempo para seguir em frente, e também ela
vai ficar mais bem preparada para o vestibular da UFRGS, que é o objetivo.
Portanto, a aprovação no processo seletivo para ingresso no Colégio é
apenas uma etapa inicial de um processo amplo de validação dos alunos. Ou
seja, de conformação dos alunos a determinadas normas. A ideia de qualidade
educacional no país, principalmente entre pais e alunos, está estreitamente ligada
hoje ao desempenho em avaliações externas, em especial, ao desempenho em
avaliações que constituem parte de processos seletivos para ingresso no ensino
superior, tendo em vista a acirrada concorrência que se estabelece para a obtenção
de vagas nas universidades e cursos mais disputados. Para muitas famílias, o
indicador mais importante, senão o único, para a escolha da escola de Ensino
Médio dos filhos é o desempenho em processos seletivos para o Ensino Superior.

Nesse sentido, para essas famílias seria importante que a escola fosse capaz de
proporcionar tanto um ensino de qualidade, quanto de disciplinar os alunos e
mantê-los longe do mundo lá fora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o início da pesquisa, o que nos moveu foi a curiosidade sobre
o papel desempenhado no mundo contemporâneo pelas escolas militares,
fortemente disciplinares. Nossa atenção para o tema foi atraída pela crescente
militarização de escolas públicas no país. Parecia-nos que se estava buscando
soluções para problemas atuais no sistema disciplinar, que, segundo Foucault
(2003b), caracterizou a Modernidade, mas estaria perdendo força no mundo
contemporâneo.
Os resultados da primeira etapa da pesquisa já deixavam evidente
a crença dos pais e das mães de que uma escola com mais disciplina poderia
preparar melhor seus filhos e filhas para o vestibular, ou seja, que a preparação
para enfrentar os processos seletivos não seria apenas fruto de um bom ensino
dos conteúdos, mas também da orientação curricular fortemente disciplinar, que
enfatiza a produção de sujeitos com um ethos orientado pelo senso de ordem e de
dever.
Em relação à segunda etapa, foi possível perceber que a organização
disciplinar transborda do ambiente escolar e se estende para o âmbito familiar. A
disciplina cobra um preço que família e alunos pagam para maximizar a chance de
ingresso numa universidade pública de qualidade, conforme foi possível observar
durante a segunda fase da pesquisa. Não apenas pagam como o consideram
justo por crerem que a disciplina é necessária para o sucesso não apenas nesse
empreendimento, mas na vida de modo mais amplo. De acordo com as mães
entrevistadas na segunda etapa da pesquisa, a disciplina que se faz presente no
Colégio Tiradentes será um aprendizado para a vida. Além disso, a necessidade
que as mães relataram de haver uma adaptação das famílias para que os filhos
pudessem seguir as normas da escola sinalizam o desencaixe dessas normas com
o funcionamento da sociedade atual.
Como em todos os sistemas disciplinares, no Colégio Tiradentes
funciona um pequeno mecanismo penal (FOUCAULT, 2007), distribuindo
sanções e prêmios que visam a normalizar os indivíduos. A disciplina se inscreve
na superfície dos corpos. Nesse sentido, vale trazer a fala do comandante por
ocasião da reunião inicial: “é bonito de ver aquele jovem que chega aqui civil e,
dentro de alguns meses, percebe-se a mudança no corpo, na postura deles”. A
forte disciplina que rege os alunos do Tiradentes acaba por distanciá-los do mundo

que está fora dos muros do Colégio, conforme relatam as mães entrevistadas. Os
modos de vida dos jovens na contemporaneidade não parecem encontrar espaço
na vida dos alunos desse Colégio, onde funcionam rígidas normas disciplinares.
Quando as mães entrevistadas se referem ao mundo lá fora, elas se referem a
um mundo que se move. Lembrando o que escreve Bauman (2014, p. 77), “alguns
dos habitantes do mundo estão em movimento; para os demais, é o mundo que
se recusa a ficar parado”. Parece haver nas falas das entrevistadas uma busca por
uma ordem que foi perdida, uma crença de que a disciplina vai preparar melhor os
filhos e filhas para o mundo e para o mercado de trabalho. Uma das mães justifica
a escolha pelo Tiradentes “pela disciplina, pelo respeito e porque o mundo de
hoje está perdido”.
De acordo com Bujes (2012, p. 159), “a escola tem sido percebida como
em descompasso com a sociedade que lhe corresponde. Ela não estaria mais
dando conta de promover em seus alunos as condutas necessárias para que a
sociedade atinja seus objetivos e concretize seus projetos”. E esse desencaixe
estaria, segundo a autora, fortemente ligado a uma herança disciplinar que ainda
está presente nas instituições. Segundo Saraiva (2014), a escola contemporânea
é chamada a transformar-se para continuar cumprindo uma função que já vem
desde a Modernidade: produzir trabalhadores adaptados ao sistema produtivo e
às formas de trabalho de seu tempo. A passagem de um sistema fabril calcado em
um trabalho disciplinar para uma produção organizada por um trabalho flexível e
imaterial exige outros tipos de subjetividade que a disciplina já não seria capaz de
produzir.
Nesse sentido, a forte organização disciplinar do Colégio Tiradentes a
tornaria ainda mais desencaixada do que as outras escolas? Ela não seria diferente
apenas do mundo lá fora, mas também de outras escolas estaduais do RS, onde há
greve, pichação, desordem, insegurança e uma baixíssima colocação no ranking
do ENEM, na opinião das mães. Entretanto, se a expectativa da sociedade, como
escreve Bujes (2012), é uma boa colocação no ranking final [vestibular], se esta
é a ‘caixa’, estaria o Colégio Tiradentes encaixado? Ou será que, apesar de sua
excelência nas avaliações, ele estaria desencaixado por promover modos de vida
particulares que promovem uma socialização fechada sobre o grupo de alunos?
Aqui, é possível perceber um dos dilemas educacionais contemporâneos.
A escola, inserida numa sociedade em que a disciplina tem cada vez menor
destaque (FOUCAULT, 2003b), é conclamada continuamente a buscar formas
de organização menos disciplinares, tanto em relação à disciplina-corpo, quanto
em relação à disciplina-saber. Os projetos de aprendizagem, por exemplo,
rompem com os princípios da fixação dos corpos, do corte da comunicação, da
coletivização do uso do tempo, das fortes hierarquias características da disciplina-

corpo e são fundamentados na ideia de interdisciplinaridade (SARAIVA, 2014).
Essas novas formas de organização escolar estariam mais alinhadas com a forma
com que os alunos aprendem e com as necessidades da sociedade atual, segundo
o que vem sendo defendido por diversos autores.
Contudo, também é possível perceber que escolas fortemente disciplinares
têm desempenhos destacados nas avaliações de larga escala. No cenário
nacional, os colégios militares apresentam uma história de alto desempenho de
alunos em concursos vestibulares e no ENEM, destacando-se entre as escolas
públicas e fazendo frente a muitas escolas privadas. Um dos pontos de defesa da
militarização das escolas em diversos Estados brasileiros é justamente a melhora
de desempenho dos alunos, além da promoção de um ambiente mais ordeiro
e seguro. Portanto, ao mesmo tempo em que se dissemina uma discursividade
amplamente aceita acerca da necessidade de suavizar a disciplina na organização
curricular para atender às novas geometrias do mundo, existe uma crescente
pressão pelo desempenho em processos seletivos para o Ensino Superior que
parece ser favorecido por um currículo fortemente disciplinar.
Desse modo, como já sinalizaram outras pesquisas, acreditamos que
haja aprovação de instituições como o Colégio Tiradentes no contexto nacional,
apesar de um desencaixe dos mecanismos disciplinares em relação aos modos
de vida contemporâneos. A aprovação das mães entrevistadas à dura disciplina
da escola, que isola os filhos do mundo lá fora, parece sinalizar que a solidez dos
valores institucionais seja um alívio às angústias de como educar um filho em um
mundo crescentemente líquido (BAUMAN, 2014).
Todavia, o mundo aqui fora requer sujeitos criativos, capazes de
tomar decisões, de aprender autonomamente, de se mover num mundo fluido
e cambiante. Para Saraiva e Veiga-Neto (2009, p. 192), na sociedade neoliberal
“o cronômetro foi substituído por indicadores e a visibilidade se deslocou do
corpo para o cumprimento de metas”. Segundo esses autores, o trabalho imaterial
modificou as atividades da cadeia produtiva e onde antes precisávamos de corpos
dóceis, hoje temos a ênfase nos cérebros flexíveis e articulados. Além disso, o
mundo contemporâneo é atravessado pela diversidade, exigindo capacidade de
convívio com uma multidão de singularidades, o que parece ser o oposto do que
ocorre no Colégio Tiradentes.
E talvez seja justamente este o desafio dos egressos desta escola: colocar

se de volta no mundo aqui fora. Se a busca pelo vestibular é o que os move hoje,
este é apenas um dos tantos desafios que irão enfrentar. Resta-nos questionar se
a rigidez disciplinar é capaz de produzir um sujeito integrado nesse mundo cada
vez menos disciplinar, mais líquido e em permanente transformação. E também
o quanto de sofrimento eventualmente está sendo causado a esses alunos que

deixaram o mundo lá fora e vivem em um outro mundo particular. Porém, estas
são questões que fogem ao escopo desta investigação e que necessitam novos
investimentos para serem respondidas.

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_____________________________________________________________
MARGRID BURLIGA SAUER é mestre em Educação (ULBRA) e graduada em
Ciências Sociais (Unisinos). Atualmente é diretora de pesquisa do Amostra
Instituto de Pesquisa.
E-mail: margridsauer@yahoo.com.br
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5548-8523
KARLA SARAIVA é Doutora em Educação (ULBRA), atualmente é professora do
Curso de Pedagogia e do PPG em Educação da ULBRA.
E-mail: profa.karla.saraiva@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2105-0619
Recebido em agosto de 2019
Aprovado em setembro de 2019

Do Oiapoque ao Chuí – As escolas civis militarizadas: a experiência no extremo norte do Brasil e o neoconservadorismo da sociedade brasileira

Dando prosseguimento à série de artigos sobre o processo de militarização, Adalberto Carvalho Ribeiro e Patrícia Silva Rubini abordam Do Oiapoque ao Chuí – As escolas civis militarizadas: a experiência no extremo norte do Brasil e o neoconservadorismo da sociedade brasileira. O artigo reflete sobre as razões do aceite social do novo modelo de gestão militar em escolas civis mostrando o ritual em determinada unidade localizada no norte do Brasil. A abordagem metodológica é qualitativa com estudos na literatura, consultas a sítios jornalísticos e pesquisa empírica com observações in loco, conversas informais e entrevista referentes a experiência situada no Amapá. O método de análise dos instrumentos de campo foi análise do discurso. Os resultados apontam que não há nenhuma novidade no modelo de escolas civis cuja gestão passou a ser feita por militares. É a velha Pedagogia Bancária que retira do aluno o protagonismo. Estamos diante de uma das facetas neoconservadoras em andamento no Brasil.

Este artigo, o décimo da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

Introdução
Este trabalho reflete questões advindas da intervenção de órgãos
estatais, como a Polícia Militar (PM), na organização administrativa e pedagógica
de escolas públicas civis, particularmente no estado do Amapá,. Centralmente,
pretendemos refletir sobre as razões pelas quais se deu o aceite e o apelo social
para a implantação desse ‘novo’ modelo de gestão, tido, no plano local amapaense,
como uma gestão militar compartilhada. Também vamos mostrar o ritual militar
– especialmente quanto ao controle de condutas e comportamentos, imposição
de disciplina, hierarquias e valores morais – implementados em determinada
escola pesquisada, que está localizada na periferia da cidade de Macapá, estado do
Amapá, no extremo norte do Brasil.
A preocupação da pesquisa está ligada principalmente a dois fatores:
o primeiro é a transferência de responsabilidade da família quanto à educação
moral, ética e social dos filhos, uma vez que existem fortes indícios de que as
famílias atuais não conseguem mais controlar seus filhos porque teriam perdido a
autoridade moral sobre eles.
O segundo fator, está voltado à suposta incapacidade de gestão escolar
dos civis para a obtenção de desempenhos escolares satisfatórios, uma vez que os
resultados das avaliações nacionais revelam desempenhos muito ruins dos alunos,
especialmente nas escolas de periferia.
É como se os dois fatores estivessem apontando para a falência de duas
instituições basilares da sociedade: a família e a escola. Sem conseguir conter

as brutais mudanças que a sociedade passou a sofrer na virada do século XX
para o XXI, sem conseguir dar conta da suposta inversão de valores que teria
reconfigurado as relações sociais, as famílias passaram a concordar com a presença
de militares (dos Srs. e Sras. de farda), e até a apelar por ela, nas instituições
públicas civis de ensino.
Nessa perspectiva, as questões que norteiam este trabalho são: que razões
explicam o aceite e o apelo social para a implantação de escolas civis cuja gestão
é feita por militares? Em quais bases teórico-pedagógicas pode-se enquadrar
o ‘novo’ modelo de gestão dessas unidades escolares? Quais evidências estão
manifestas no modelo que se alastra pelo país, especialmente no caso empírico
do estado do Amapá, que podem apontar para um modelo neoconservador de
educação? É possível afirmar que o perfil do jovem formado no modelo de gestão
militar compartilhada é de um cidadão acrítico?
A metodologia consiste em abordagem qualitativa. Fizeram-se estudos
na literatura optando-se, teoricamente, pelo Positivismo, como teoria que pode
explicar o modelo educacional de escolas civis de gestão militar, mas também
investigamos sítios jornalísticos que divulgam o debate social atual sobre o tema,
mostrando vários posicionamentos desde intelectuais, militares, autoridades
parlamentares, órgãos de fiscalização da sociedade, até as posições de pais de
alunos.
Realizamos pesquisa empírica com observações, conversas informais e
anotações em caderno de campo referentes à experiência de determinada unidade
escolar situada no estado do Amapá. Durante duas semanas, observações e
conversas informais, especialmente com monitores, foram registradas no caderno
de campo. Foi entrevistado o Diretor Adjunto da unidade pesquisada, cujo cargo
militar é de Tenente. O método de análise da entrevista e das conversas informais
foi baseado na análise do discurso.
No Brasil, a novidade ‘escola civil de gestão militar’ ocorre com mais
força no estado de Goiás, onde o modelo, até agora, mais avançou em termos
quantitativos dentre todas as unidades federadas. Foi no ano de 2013 que os termos
de acordos foram assinados, autorizados, e em 2014 as primeiras implementações
desse novo tipo de escola foram realizadas.
No estado do Amapá a implantação é mais recente e data do ano de 2017.
Por enquanto, três escolas civis estão funcionando sob a gestão de militares mas
com a perspectiva de o número ser aumentado.

No Rio Grande do Sul, existem os clássicos colégios militares e também
a rede de colégio Tiradentes vinculada às forças armadas. Todavia, a Assembleia
Legislativa criou uma frente parlamentar para fomentar a implantação do modelo
naquele estado com previsão de se iniciar no ano de 2020.
Transformar escolas públicas civis em locais controlados por militares,
na perspectiva de formar cidadãos passivos é um dos motivos pelos quais o
Ministério da Educação (MEC) apoia e fomenta as iniciativas. Segundo os
defensores deste tipo de escola, a disciplina, o respeito à ordem, dentre outros
atributos, e a valorização da meritocracia ajudarão positivamente os alunos nos
seus desempenhos escolares.
Apesar do ‘novo’ modelo ser bem recente no Brasil, sabemos que a teoria
que pode explicar esse tipo de filosofia de educação é o Positivismo. Fizemos o
escrutínio analítico sobre os fundamentos da teoria para comprovar seus vínculos
com uma pedagogia (neo) conservadora, ‘impositora’, domesticadora, como é a
natureza dos processos ensino-aprendizagem em corporações militares. O melhor
interlocutor para o diálogo só poderia ser Émile Durkheim.
Este trabalho está dividido em cinco seções, incluindo esta introdução.
Na seção 2 fazemos um breve histórico do surgimento das escolas civis de gestão
militar, revelando que princípios constitucionais, como gestão democrática, estão
sendo atacados e que a res pública educacional pode ser engolida por ideais do
campo econômico-ideológico neoliberal quando se transfere a responsabilidade
para com a educação pública para sistemas exógenos, ferindo de modo flagrante
a autonomia institucional das unidades escolares brasileiras.
Na seção 3 descrevemos o caso do estado do Amapá, no extremo norte
do Brasil, onde as escolas civis de gestão militar também vêm avançando. A
partir de pesquisa de campo, revelamos a rotina à qual os alunos e alunas são
submetidos, os códigos comportamentais e de condutas impostos, o controle e a
fiscalização das pessoas em nome da ordem e da hierarquia, o ritual diário militar
para enquadramento pedagógico, inclusive em relação à linguagem corporal dos
alunos e alunas, processos para valorização da competição baseada no mérito,
nos prêmios e nos castigos, admoestações e punições, conforme o caso, enfim, o
desenho institucional ritualístico da unidade escolar pesquisada.
Na seção 4, nossa preocupação foi comprovar o pano de fundo teórico
da escola civil de gestão militar. Aqui, analisamos a teoria positivista, seus
principais fundamentos e argumentos em defesa de uma sociedade conservadora
e a utilização do sistema educacional para formar pessoas que possam aceitar
as regras sociais sem sequer questionar as razões das desigualdades estruturais
da sociedade atual. Finalmente, na seção 5, à guisa de conclusão, procuramos
retomar nossos objetivos e, em síntese, mostrar os principais achados.

EDUCAÇÃO NO BRASIL E O SURGIMENTO DAS ESCOLAS
CIVIS DE GESTÃO MILITAR: O VIÉS IDEOLÓGICO
CONSERVADOR
Como se sabe, muitas são as reformas pelas quais o sistema educacional
brasileiro vem passando, especialmente desde a década de 1990. Guimarães
(2017) acredita que, no Brasil, essa nova gestão escolar de caráter militar surgiu
em decorrência de um processo de expansão do sistema educacional, mas sem o
devido investimento educacional, notabilizando-se nas últimas décadas a péssima
qualidade da educação pública nacional. Embora o ensino fundamental esteja
universalizado no país e passos importantes tenham sido dados para o acesso e a
permanência no ensino médio, esse nível de ensino apresenta sérios problemas de
distorção idade-série, de reprovação e evasão ainda bastante graves, por exemplo.
Segundo ele, desde a década de 1990, a reforma educacional
Nada mais foi do que o cumprimento de uma agenda internacional ‘recomendada’
por países desenvolvidos, e consistia no cumprimento de uma série de exigências
em que países em desenvolvimento teriam que executar uma reestruturação
política e econômica para se alinharem ao capital globalizado. (GUIMARÃES,
2017, p.8)
Isso explicaria a ideia de “falência do Estado” e por meio do Plano
Diretor da Reforma do Estado Brasileiro implementado a partir do ano de 1995
no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), buscou-se, portanto, realizar
a transferência de atividades que eram de responsabilidade do poder público, por
exemplo, às entidades sociais conhecidas como Organizações Sociais (OS).
Na perspectiva acima, não demorou para a tese do “apagão educacional”
ser disseminada. Conforme Guimarães e Lamos (2018, p. 72-73),
A tese de que a escola pública projetada na transição do regime ditatorial para a
democracia havia fracassado, tornou-se a principal justificativa para a emergência
de novos modelos de gestão do trabalho escolar inseridos nos sistemas estaduais
e municipais de ensino.
Desse modo, é possível inferir que a proposta de militarização das escolas
públicas civis no Brasil encaixa-se também nesse contexto de transferência de
responsabilidades da educação pública, gratuita, laica, e sobretudo autônoma,
quando se faz uma intervenção por meio de órgãos militares atingindo os
próprios princípios constitucionais que garantem a liberdade democrática, a
gestão democrática, no sistema educacional brasileiro.

São os acordos firmados entre Secretarias de Estado de Educação e
Secretarias Estaduais de Segurança Pública que preveem que escolas civis sejam
administradas pela PM. No estado de Goiás, por exemplo, as funções de comando
que determinam as tomadas de decisão estão restritas aos militares e, de acordo
com Guimarães e Lamos (2018, p. 75),
Na distribuição dos cargos e das responsabilidades dentro da esfera estatal,
constatamos que existe uma distribuição hierárquica a ser seguida. E, de acordo
com o Regimento Interno, os cargos de chefia estão concentrados dentro da
esfera da Polícia Militar, cuja função é designar os funcionários civis cedidos pela
Secretaria de Estado de Educação (SEDUCE) através do Termo de Cooperação.
Para Benevides e Soares (2015, p. 8) “escolas de ensino médio com
um viés militarizado ou que são diretamente geridas por militares existem há
bastante tempo em diversos países.” Todavia, os autores argumentam que essa
militarização de escolas civis, nos moldes atuais, é uma novidade, ideia com a qual
já concordamos acima, razão pela qual o estamos chamando de ‘novo’.
Utilizando novamente o estado de Goiás como exemplo, lá, o modelo
foi fortemente implantado e expandido em escolas públicas civis, mas nas de
“Periferia, com altos índices de homicídios e com baixos índices de aproveitamento
no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).” (GUIMARÃES, 2017, p. 4).
Com efeito, possivelmente um dos motivos relacionados à aceitação
social dessas escolas civis de gestão militar é a divulgação que se tem realizado
através da mídia nacional e mostrada na televisão. Assim, Guimarães (2017, p. 10)
infere,
Sobre as escolas, colocando a questão da violência como pano de fundo e
mostrando a melhora significativa do desempenho dos alunos nos exames
nacionais demonstrando claramente que os aparelhos privados de hegemonia
estão altamente comprometidos com o projeto político hegemônico do Estado;
na difusão e na criação de um consenso.
Uma das características institucionais desse modelo é que as escolas
públicas civis de caráter militar não têm a mesma finalidade de um colégio militar
no sentido estrito, visto que não preparam os alunos para ocuparem cargos
militares, nem mesmo para serem policiais (Guimarães e Lamos, 2018), embora,
no estado do Amapá, haja um fenômeno aparentemente se manifestando (em
decorrência da ausência de um colégio militar no estado) e que no momento
oportuno vamos abordar.

Outra característica que diferencia o novo modelo de um típico colégio
militar é que apenas a gestão institucional da escola (financeira, tomada de
decisões e definições da rotina escolar) é feita por militares; a presença de civis (de
professores e coordenadores pedagógicos e pessoal de apoio) é em grande maioria
disponibilizada pelas secretarias de educação, porém submetendo os profissionais
ao regulamento militar. Em outras palavras, as secretarias de educação vêm
delegando poderes de gestão administrativa, financeira e pedagógica nas escolas
civis aos militares. Na prática, é isso que está ocorrendo.
Entretanto, existem muitas semelhanças com os típicos colégios militares,
principalmente quanto à manutenção da hierarquia e às normatizações a serem
seguidas pelos alunos e demais atores que fazem parte da comunidade escolar.
Por exemplo, a prática disciplinar exercida não atinge apenas os estudos; ela é
corroborada com atividades extraescolares. Por isso, essas escolas tiveram aporte
de recursos em infraestrutura, a fim de incrementar a prática do esporte, que
passa a ser mais um dos mecanismos disciplinares, de hierarquia e de competição,
tudo, sob o argumento da meritocracia.
Segundo Benevides e Soares (2015), a disciplina das escolas militares é
uma característica fortemente marcante, o que faltaria, ao que parece, nas escolas
civis segundo a percepção da sociedade. Os autores destacam que existem regras
que devem ser seguidas, como: “O corte de cabelo, a proibição ao uso de adornos
e maquiagem usada pelas alunas, entre várias outras normas.” (p. 6). Desse modo,
os alunos e seus pais devem conhecer o regulamento da escola de gestão militar
logo que matricularem seus filhos e, inclusive, ter consciência das penalidades
disciplinares – graduadas em faltas leves, médias e graves – que fazem parte da
instituição.
Das inferências acima, pode-se perguntar: o que estaria permitindo o
novo modelo ser tão atrativo aos pais dos alunos? Uma possível resposta, além
das já reveladas acima, é a mudança ocorrida no escopo da família, que deixou
de ser aquela tradicional em que havia o temor reverencial (particularmente em
relação ao pai provedor) para se transformar em uma família democrática, com
papeis divididos entre homens e mulheres de forma mais democrática e horizontal
(a autonomia e o empoderamento das mulheres, por exemplo) transforando-se
também em espaço onde o amor entre pais e filhos passou a circular sem as
barreiras anteriores. É possível que hoje os pais se sintam, portanto, impotentes,
diante das “liberalidades” do mundo moderno das redes sociais e, sem a autoridade
(ou autoritarismo) de antes, clamam por uma escola do passado, onde a ordem, o
respeito, a moral impunham regras para os mais jovens, experiência essa, inclusive,
de que boa parte dos pais é fruto. Talvez, eles esperem de uma escola militar que
a disciplina imposta torne os filhos também mais obedientes em casa.

Desse modo, a proposta dessa nova gestão militar acaba por resgatar
um saudosismo do passado quanto ao controle que pais ou responsáveis tinham
sobre os adolescentes e jovens, quando as noções de disciplina e respeito, moral
e cívica, eram tidas (equivocadamente, a nosso ver) como responsáveis pela
melhoria de comportamentos juvenis infringentes. Objetivamente, entrementes, a
promessa de diminuição da violência nas escolas, a não entrada de drogas ilícitas
e seu consumo dentro ou fora da unidade escolar, o controle de práticas de
condutas e comportamentos indesejáveis como das relações intimas, chamaram
a atenção não só dos pais, da sociedade, como também dos próprios professores,
que passaram a sentir-se mais seguros com o conjunto de possibilidades que a
presença da farda militar pode garantir.
Outro possível fator a ser levado em consideração é que a disciplina
imposta e a cobrança pelos militares tendem a melhorar o desempenho escolar
dos alunos, uma vez que os pais tendem a associar uma coisa à outra esperando
que os filhos se tornem alunos mais apegados aos estudos.
O avanço do novo modelo é inquestionável, como ressaltam Guimarães
e Lamos (2018); só no estado de Goiás, no ano de 2014, já se alcançava o total
de 27 escolas civis militarizadas, quantitativo que aumentou para 47 escolas em
2016, caracterizando, assim, o “sucesso” dessa novidade.
O debate em torno do tema ganhou destaque porque são diversos os
interesses em jogo. A coordenadora do Comitê no Distrito Federal da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, Catarina de Almeida Santos, referiu-se ao
processo de militarização das escolas civis como uma inversão da lógica porque
se privilegia-a segurança pública em detrimento da educação. (REDAÇÃO RBA,
2019).
Em artigo publicado pela Revista Época, de autoria de Camporez (2018),
a matéria traz relatos, entre eles, de um pai de aluno de escola militarizada de
Goiás, que apoia o modelo e elogia a disciplina; ele diz: “Os alunos ficam bem
enquadrados. Outros colégios não cobram o respeito familiar, respeito à bandeira
do país, à pátria”.
Noutro artigo, publicado no Jornal Opção no ano de 2015, cuja autoria é
de Marcelo Gouveia, uma mãe de aluno também de escola pública civil militarizada
em Goiás, comentou a respeito
Acho que o colégio militar tem mais disciplina, tem mais organização. Hoje, o
que nós vemos são alunos desrespeitando professor. Por isso acho que o aluno
precisa saber que existe uma ordem. Conheço pessoas com filhos que estudaram
em colégios militares e que gostaram muito do ensino. Inclusive, em Brasília, tem
filhos de colegas que passaram até para medicina.

Os relatos acima apontam para a força que têm as questões morais e
para o apelo dos pais, preocupados que estão. Esses discursos de apoiadores se
amparam também na esperança de que o novo modelo melhore o desempenho
dos alunos nas avaliações nacionais pois acreditam ser mais eficaz do que os
resultados atuais (insatisfatórios de modo geral) das escolas públicas civis. Assim,
uma onda neoconservadora vem tomando conta do debate a respeito da eficácia
do ensino público brasileiro, creditando exclusivamente aos profissionais da
educação a culpa pelas mazelas do sistema de ensino nacional.
Com efeito, a implantação de escolas civis de gestão militar, segundo o
site Nova Escola, em reportagem de Ana Rachel Ferreira (idem), já alcançou 120
escolas em todo o Brasil. As chances desses números aumentarem são cada vez
maiores uma vez que o governo federal é um dos maiores incentivadores e criou
até uma subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (SECIM).
Ainda de acordo com Ana Rachel Ferreira da Nova Escola a escolha de
unidades escolares que podem receber o modelo “cívico-militar”, deve atender a
alguns critérios:
Baixo desempenho no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),
localização em áreas de alta vulnerabilidade social, dentre outros. Para participar
do programa deverá haver a adesão das secretarias de Educação, o aceite da
comunidade escolar e a disponibilidade de militares em cada localidade.
Como se nota, há intenção e esperança de que a novidade consiga
melhorar os índices do IDEB das escolas civis agora militarizadas. Porém,
alguns problemas de “exclusão” de determinados grupos de alunos já ficaram
evidenciados na operacionalização do modelo militarizado, como por exemplo:
1) reserva de vagas para filhos de policiais militares variando em torno de 50%,
e 2) custos cobertos pelos pais com os uniformes escolares. Ainda há relatos de
cobranças de taxas mensais. Ora, se a escolha se volta para escola de periferias,
cujo público alvo são alunos de camadas populares, as decisões tomadas pela
gestão militar estão em desacordo com as possibilidades reais de atender a
população do bairro. Com isso, um fenômeno começa a se desenhar em torno do
debate: a tendência de “elitização”3
das escolas civis de gestão militar localizadas
na periferia. Elas estão recebendo cada vez mais um público de classe média
como os filhos de militares, de professores, de funcionários públicos e etc., que
tendem a valorizar mais o capital escolar, entendendo que as chances das notas de
seus filhos melhorarem passam a ser maiores.

Em que pesem as questões acima, o modelo ora analisado ganha força e
visibilidade, mas gerando críticas e diferentes opiniões, pois, conforme Picarelli
(2019, p.02) em reportagem para a revista Educação,
A tese que sustenta o modelo de escolas cívico-militares é a de que a divisão
de responsabilidades da gestão entre militares (cuidando da administração e da
disciplina) e os educadores, responsabilizando-se pelas questões pedagógicas,
promove a pacificação das escolas, estimulando, de maneira indireta, a melhoria
da aprendizagem.
Telma Vinha, professora da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) entrevistada por Picarelli (2019, p. 02) dá a seguinte contribuição
Concordamos que os professores não podem ensinar e os alunos não podem
aprender em um ambiente permissivo, com altos níveis de incivilidades,
disrupção, indisciplina. Contudo, em nome da busca pela disciplina, está sendo
proposta como alternativa a adoção de um ambiente militarizado coercitivo, que
traz consigo a violência simbólica.
É exatamente o que está acontecendo, a nosso ver, com essa política
educacional híbrida, e com o beneplácito de autoridades educacionais das três
esferas públicas brasileiras.
No Rio Grande do Sul (RS), foi criada a Frente Parlamentar das Escolas
Cívico-Militares pela Assembleia Legislativa tendo como principal liderança o
Deputado estadual Tenente-Coronel Zucco, autor do projeto de lei (PL) 72/2019
que trata da “implantação de escolas cívico-militares no Rio Grande do Sul” e
que propõe a adesão de oficiais da reserva das Forças Armadas e da Brigada
Militar para exercerem as funções de monitores em escolas públicas, a partir
de convênios firmados com as prefeituras. Esses militares realizarão atividades
externas à sala de aula, atuando preventivamente na identificação de problemas que
possam influenciar o aprendizado e a convivência social do cidadão. O Deputado
estadual esteve em Brasília e comemorou os resultados obtidos junto ao Palácio
do Planalto e à Esplanada dos Ministérios por ter conseguido viabilizar o que ele
chama de “Projeto Escolas Cívico-Militares”. Recebeu do Ministro da Educação,
Abraham Weintraub, apoio, como também a promessa de que as escolas gaúchas
serão modelos. Inicialmente, serão criadas duas escolas-piloto no RS.
O parlamentar considera uma inovação, porque já existem colégios
militares em Porto Alegre e em Santa Maria, e alguns colégios Tiradentes da
Brigada Militar, todavia, no modelo de escola cívico-militar, não existe uma
sequer. No Jornal do Comércio, segundo o parlamentar declarou:

É uma inovação, o governo federal está apoiando, e a gente pretende, realmente,
que o Rio Grande do Sul seja contemplado com uma dezena de escolas. Já tem o
interesse de algumas cidades, como Santa Maria, Lajeado, Bagé, Alegrete, Bento
Gonçalves, entre outras que também querem instalar esse novo modelo de escola.
O tema, entretanto, não é pacífico e tem gerado a manifestação inclusive
de algumas autoridades e instituições que defendem a sociedade. Em 02 de
agosto do ano de 2019, o Ministério Público Federal (MPF) do estado da Bahia
recomendou aos prefeitos e diretores de escolas civis públicas de gestão militar
que se “abstenham de violar ou restringir a intimidade e vida privada dos alunos”.
(JORNAL GAZETA DO POVO, 2019).
As publicações dos alunos nas redes sociais, afirma o MPF, não devem
ser controladas pelos servidores civis ou militares. Ele também aconselha que os
estudantes não sejam impedidos de participar de manifestações “de qualquer tipo,
sejam políticas ou reivindicatórias, dentro ou fora da escola, fardados ou não”.
Ao Comando da Polícia Militar do Estado da Bahia, o MPF ainda
recomendou que
Se abstenha, imediatamente, de firmar ou colocar em execução novos acordos
que resultem na aplicação da metodologia dos Colégios da PM em escolas
públicas municipais nos termos em que vem sendo feito, por incompatibilidade
com a Constituição Federal, convenções internacionais, leis e resoluções do
Conselho Nacional da Educação, além de importar em violações múltiplas de
direitos fundamentais de crianças e adolescentes. (JORNAL GAZETA DO
POVO, 2019)
A questão, portanto, além de não ser pacífica, vem enfrentando resistência
de setores da sociedade brasileira: a Academia tem realizado boas e duras críticas;
intelectuais de diversos matizes também têm criticado o modelo; vozes, ainda
que individuais, de professores têm reverberado pelas redes sociais; órgãos de
controle e de defesa da sociedade, como o MPF, estão fiscalizando e defendendo
os direitos constitucionais. Temos, portanto, uma questão a enfrentar com bons
argumentos e revelando que esta não é a saída para os problemas educacionais
brasileiros.
Do exposto, resta comprovado que a questão aqui analisada abrange
todo o país, do Oiapoque ao Chuí. No extremo norte do Brasil a experiência está
em andamento com tendência a aumentar sua escala em nível local.

A IMPLANTAÇÃO DE ESCOLAS CIVIS DE GESTÃO MILITAR
NO ESTADO DO AMAPÁ: CARACTERÍSTICAS INSTITUCIONAIS
DO MODELO LOCAL
No Amapá, a implantação da gestão de ensino militar em escolas públicas
civis iniciou-se, segundo Rodrigues e Lopes (2019) no ano de 2017, e hoje conta
com três unidades: duas na capital Macapá e uma no município de Santana.
A iniciativa partiu da Secretaria de Estado da Educação, que propôs às
corporações militares a parceria, cujo objetivo é
Contribuir com (sic)o desenvolvimento de um ambiente que cultive a disciplina,
o respeito à hierarquia, a meritocracia, a ética, responsabilidades, a promoção de
um ambiente organizado e acolhedor, voltado para a melhoria do aprendizado
do aluno e para o benefício da comunidade. (RODRIGUES E LOPES, 2019,
p.325)
No extremo norte do Brasil, os militares que são destacados para o
exercício em unidades escolares civis públicas recebem gratificação específica
somada aos salários para desenvolver essas funções.
As três unidades escolares escolhidas atendem aos critérios de
vulnerabilidade social, localização periférica, e também neste caso, rotatividade/
alternância de gestores em função de problemas específicos que se apresentam
em escolas de periferia.
Uma questão importante no caso amapaense é a divulgação da ideia de
que a gestão dessas escolas militarizadas é realizada de forma compartilhada;
no entanto, “A gestão da escola militar é centralizada, pois os militares
possuem autonomia para tomar suas decisões sem a interferência da SEED.”
(RODRIGUES; LOPES, 2019, p.328).
Uma das escolas que implantou o novo modelo no Amapá foi
particularmente visitada, observada e pesquisada pelos autores deste trabalho.
Durante duas semanas foram realizadas as visitas, observações e conversas
informais com monitores e gestores militares da unidade escolar. Entrevista foi
realizada com o Diretor Adjunto, militar cuja patente é de Tenente. Perguntado
sobre a denominação “escola militar”, ele explicou que o termo é incorreto,
visto que a gestão não seria totalmente militar, porque a unidade está sob a
gestão maior da Secretaria de Educação, sendo considerada como civil, mas

segundo ele, a pretensão era que apenas os militares ficassem na gestão e na
operacionalização de todas as demais atividades da escola. A resposta, no fundo,
omitiu a centralização das decisões pelos militares. Embora a unidade esteja no
organograma da Secretaria de Educação, esta transferiu toda a responsabilidade
para a PM.
No Amapá, podem-se inferir algumas evidências reveladoras: 1) a
propaganda do governo estadual é de que a gestão é compartilhada, mas, de fato,
ela é centralizada, exclusivamente, nos militares, embora o pleito deles seja por um
típico colégio militar, que inexiste nessa unidade da federação; 2) os militares não
ficam completamente à vontade com a presença dos civis (que podem reivindicar
participações nas decisões), seja no âmbito da gestão institucional da unidade
escolar ou mesmo da gestão pedagógica, especificamente; 3) os civis, professores
e coordenadores pedagógicos estão realmente “enquadrados” na filosofia de
educação militar e ficam restritos às suas funções instrumentais sem grandes
questionamentos, salvo exceções ocasionais.
Nossos achados revelam que a escola pesquisada teve que passar por
reformas, pois as condições estruturais eram precárias. De acordo com as
conversas informais, foi realizada força tarefa por parte do corpo militar e vários
serviços foram realizados previamente. Na observação in loco, chamou nossa
atenção que a estrutura física da escola havia sido renovada, a escola possuía
cadeiras e carteiras novas e recursos financeiros tinham sido aportados ao caixa
escolar. Com isso, foi possível realizar a limpeza e manutenção das centrais de
ar condicionado, que estavam funcionando plenamente; a quadra encontrava-se
reformada e pintada, banheiros e cantina limpos em estado de “novos”, instalações
elétricas e hidráulicas funcionando satisfatoriamente.
O projeto de implantação da escola militar em escolas civis, conforme
os relatos do entrevistado e dos monitores militares, assim como da mídia
televisiva local, passou por várias etapas, como: pesquisa de local propício ao
novo modelo, análise técnica sobre como introduzir e mesclar a filosofia militar
aos moldes da base nacional curricular de educação, a sensibilidade e o diálogo
com a comunidade através de reuniões e audiências públicas com os pais e com
sindicatos, para, ao final, obter a aprovação por quase toda a comunidade.
A entrevista revelou que a escolha dos policiais designados para trabalhar
na instituição de ensino seguiu um critério específico: deveriam ser habilitados em
cursos de licenciaturas. Assim, além de destacar para a unidade de ensino policiais

formados na área de educação os gestores militares pensaram na possibilidade
das ausências pelos professores civis, ocasião em que os militares monitores
poderiam assumir as turmas de alunos, ensinando as noções de valores morais,
civismo, ordem unida, temas sobre drogas, trânsito, além de temas transversais.
Nas visitas realizadas, observou-se que, normalmente, os monitores ficavam pelos
corredores, garantindo que os alunos estivessem em sala de aula, sem a ocorrência
de qualquer “balbúrdia”.
Segundo o gestor militar entrevistado, o objetivo da gestão militar
compartilhada em escolas civis é criar um ambiente saudável, sadio e propício para
que o aluno tenha todas as possibilidades de obter e compartilhar conhecimentos.
Os militares têm particular preocupação com temas como: ética, cidadania e
respeito ao próximo, junto com várias ações civis que devem ser trabalhadas
durante o período letivo.
Sobre a rotina (o ritual) implementada pelos militares, a equação pode
ser compreendida pela sequência ‘comando – resposta – reforço do comando –
assimilação – reforço – acomodação’. Esse método era amplamente utilizado nos
modelos de internato que Émile Durkheim exemplificou como melhor modelo
para inserir a cooperação coletiva, em um esquema de subordinação e reforço. A
padronização dos alunos foi aspecto evidente, desde o uso de uniformes (blusa,
calça jeans e sapato fechado ou tênis), regras quanto ao cabelo (as meninas
deveriam prendê-los tipo coque e os meninos deveriam manter o cabelo curto no
estilo militar).
A dinâmica das atividades rotineiras na escola correspondia aos horários
matutino e vespertino, em que, todos os dias, os monitores reuniam os alunos na
quadra, em fila, para gerar relatórios e instituir o clima de escola militar, e lá faziam
as anotações quanto às faltas e abordavam as canções, brados de guerras e davam
as orientações diárias. Após esse momento, os alunos eram deslocados à sala de
aula, pelotão por pelotão (pelotão = turma), onde os professores aguardam em
sala e o aluno do dia ou o “chefe de turma” pedia ao professor a permissão para
o pelotão entrar na sala de aula.
Os alunos que chegavam atrasados eram separados na quadra, para que os
monitores anotassem seus nomes e retirassem ponto do aluno. Isto porque todos
os alunos têm uma pontuação por “bom comportamento”, começando a partir
da nota 8, que pode ser acrescida até 10, de acordo com o nível comportamental e
com o modo de se portar do aluno no ambiente escolar. E mais, eram atribuídos
cargos aos alunos, como é o caso do “chefe de turma” e o “aluno do dia”, com o
intuito de criar neles responsabilidades e as noções de meritocracia.

Quanto às responsabilidades observamos que a limpeza da sala pelos
alunos, após o término da aula, é uma das tarefas. Todo dia ficavam de 3 a 5
alunos/as, de acordo com a ordem da chamada, para realizar o trabalho. Além da
sala de aula, os gestores militares exigiam que qualquer local que fosse utilizado
pelos alunos/as deveriam ser limpos após seu uso, garantindo, assim, uma melhor
organização do espaço escolar, segundo a gestão. De acordo com a entrevista,
essas responsabilidades reforçam a ideia de solidariedade, pois, para os militares,
a cobrança dessas tarefas é não somente justa como também criaria nos alunos
preocupação com o ambiente escolar, que é de todos. Rotineiramente, há um
horário reservado para a ordem unida, onde são ensinados atividades civis, por
exemplo: hastear a bandeira; cantar o hino nacional, treinar as posições (esquerda
volver, direita volver, descansar, etc.) propiciando o reconhecimento das ordens
militares, entre outros.
Semelhante a uma corporação militar, cada turma tem um codinome e
passaram a ser identificadas como Batalhão. Nesse sentido, a ideia é formar uma
fraternidade e cada batalhão tem um “grito de guerra” reforçando o ideal e os
valores de cada equipe.
Na questão meritocrática, os pontos sobre comportamentos e condutas
dos alunos/as somam-se às notas dos componentes curriculares. O resultado
permite que os alunos com as melhores pontuações sejam presenteados nas
formaturas ou eventos que acontecem na escola: por exemplo, quem serão os
“alunos oficiais”, os “alunos sargentos”, e assim por diante, cada um exercendo
um cargo mais importante ou não, conforme seus méritos.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DE UMA EDUCAÇÃO
NEOCONSERVADORA: O POSITIVISMO E SUA RELAÇÃO COM
A GESTÃO ESCOLAR CIVIL MILITARIZADA
A educação de viés neoconservador das escolas públicas civis de gestão
militar pode ser associada, teoricamente, à corrente filosófica positivista de ensino.
Os ideais positivistas surgiram desde o século XIX, na França, tendo
como principal idealizador, Augusto Comte (1798-1857). No Brasil, as
concepções positivistas encontraram guarida no período da consolidação da
República, através principalmente de Benjamin Constant. Martins e Silva (2017)
destacam alguns pontos chave do Positivismo que se fundamentam no conceito
de que o conhecimento válido é aquele que pode ser provado cientificamente,
excluindo, com isso, todas as outras formas construídas socialmente, em especial
conhecimentos assistemáticos de matrizes populares.

Além disso, os ideais da educação positivista, conforme Martins e Silva
(2017), estão fortemente marcados pelos valores morais, de acordo com as
tradições familiares, valorizando a ordem como meio de manutenção social.
A influência ideológica do positivismo na educação esmaeceu com o passar
dos anos e com a chegada do neoliberalismo, todavia, ela sempre reverberou em
segmentos conservadores brasileiros, que tendem a responsabilizar os paradigmas
de uma educação progressista, responsáveis pelo “afrouxamento” da disciplina
em sala de aula e pelos maus resultados escolares do sistema público de ensino
nacional, nos últimos tempos.
Émile Durkheim (2008; 2011), é sem dúvidas, o teórico chave que pode
ajudar na explicação que leva pessoas a se apegarem a um modelo de sociedade
mais coeso que teria capacidade de manter a ordem social. Para ele, a escola serve
como mecanismo de manutenção da ordem social, onde os alunos deveriam
aprender como “se portar” em sociedade. A clássica definição de Durkheim
(2011, p. 53-54) é sempre reveladora
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda não
estão maturas para a vida social. Ela tem como objetivo suscitar e desenvolver na
criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais exigidos tanto
pelo conjunto da sociedade política quanto pelo meio específico ao qual ela está
destinada em particular.
Segundo Souza e Campos (2016, p .13), Durkheim defendia a ideia de
que
A harmonia de uma sociedade seria decorrência direta do reconhecimento e
acato, por parte de seus integrantes, do conjunto de normas, opiniões coletivas,
hábitos, leis, linguagens, dentre outros elementos que constituem a cultura de um
determinado grupo social.
Em A Educação Moral, Durkheim (2008) assevera que a moral é um
sistema de regras que predeterminam a conduta; elas dizem como devemos agir
em cada situação e que devemos agir bem porque agir bem é obedecer bem. Foi
sob essa perspectiva teórica que escolas públicas civis foram entregues nas mãos
de órgãos estatais que defendem a obediência, a sujeição dos in0divíduos e que
prioriza a meritocracia, mas, paradoxalmente, provoca a exclusão social com a (in)
consequente divisão social do trabalho nos termos da sociedade capitalista em
que vivemos.

Souza e Campos (2016) salientam também que Durkheim, sendo um
funcionalista, considerava existir “naturalmente” uma divisão social, portanto, em
dois grupos de homens: 1) os homens de sensibilidade, que são tidos como aqueles
que planejam, criam e pensam ações úteis para a evolução social, e 2) os homens de ação que
executam as atividades pensadas pelo grupo anterior. Obviamente, que forma de
organização social se divide entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem,
exatamente um formato que muito agrada as corporações militares.
Souza e Campos (2016, p. 16) ainda destacam que “A concepção apresentada por
Durkheim acaba por naturalizar, consensualmente, as desigualdades decorrentes
da lógica da divisão do trabalho na sociedade capitalista.”
Do que percebemos na pesquisa empírica, os gestores militares não estão
preocupados imediatamente com os problemas da desigualdade social. Para eles,
esse não é um problema da escola, é um problema do sistema. Desse modo, sem
dúvidas, uma escola que assim pensa, é reprodutora de todo tipo de desigualdades,
tidos, para ela, como uma dimensão natural da sociedade maior em que vivemos.
Durkheim (2011) ainda advogou que a educação atua exteriormente ao
indivíduo, de forma coercitiva e regulando socialmente a ordem, critérios estes
que tornariam o ensino um fato social. Em decorrência, Souza e Campos (2016,
p. 17) enfatizam que na teoria durkheimiana, “a escola, como consequência, se
organiza em meio a conceitos e critérios como: arbitrariedade, respeito, controle,
imposição, limite, rigor, ordem, consenso, moral e disciplina.” Ou seja, tudo em
conformidade com a novidade implementada no sistema educacional público
civil brasileiro, fenômeno ligado à onda neoconservadora que pretende varrer o
Brasil.
Do que restou comprovado dos pressupostos teóricos positivistas,
inspiradores de uma pedagogia militar, não temos dúvidas de que tal pedagogia
não permite a formação de um cidadão crítico e questionador. Estes atributos não
estão entre as competências a serem adquiridas por uma pedagogia durkheimiana.
Isto é, as matrizes teórico-metodológicas e, portanto, pedagógicas primam por
um ser humano que se adapte de bom grado à sociedade em que vive, mesmo que
ela seja desigual e que existam boas razões para criticá-la.
Por último, e ainda lembrando o Pai da Sociologia, Paugam (2017, p. 142)
continua esclarecendo a posição de Durkheim no debate indivíduo-sociedade,
Nos textos de Durkheim é frequente a questão da sociedade em geral como se
fosse apenas uma, encontra-se justamente em A Educação Moral uma análise da
multiplicidade de pertencimentos. Durkheim retém, principalmente, três tipos de
pertencimento: a família, a pátria e a humanidade.

Nota-se claramente a preferência durkheimiana por uma sociedade
conservadora, fundada primordialmente nas instituições Família, Pátria e
Humanidade revelando, assim, sua preocupação com elementos que poderiam
causar distúrbios funcionais na coesão social. Trata-se, sem sombra de dúvidas, de
uma visão de mundo que ampara e fundamenta os princípios do “novo” modelo
de gestão de escolas civis públicas militares, que ficou conhecido no estado do
Amapá como Gestão Escolar Compartilhada que, de compartilhada nada tem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As evidências revelaram que o aceite e o apelo social para a implantação
da gestão militar em escolas civis públicas deu-se em decorrência de alguns
fatores, como: 1) a violência urbana no entorno, e mesmo dentro, das escolas,
especialmente as de periferia; 2) com a colaboração da mídia, a crença pelas
famílias de que os militares garantirão a segurança dos alunos, a ordem dentro do
ambiente escolar e o controle dos comportamentos, evitando condutas ilícitas ou
tidas como inadequadas pelos pais, como o uso de drogas e conflitos entre alunos;
3) a transferência pela Família da educação moral e cívica de seus filhos para os
militares, uma vez que os pais, possivelmente, estão sentindo-se impotentes diante
dos novos desafios do século XXI e porque a instituição Família foi reconfigurada
hoje, noutras bases morais; 4) a esperança de que o modelo militar controlador e
divulgador das noções de mérito possa tornar os alunos e as alunas mais estudiosos
melhorando, assim, seus desempenhos escolares.
A reflexão teórica mostrou que a teoria pedagógica que explica os
fundamentos de uma pedagogia militar é o Positivismo. Teoria que tem como
alicerce a defesa da harmonia social, a divisão da sociedade entre os mais letrados
e indivíduos executores onde os valores morais são um dos pilares principais.
Na pesquisa empírica, os achados comprovam uma rotina cujo ritual é,
do ponto de vista pedagógico, a formação de alunos obedientes, disciplinados,
treinados, inclusive, para uma educação corporal tida como corretiva. A
meritocracia é o fundamento que explica o desempenho de cada um e uma
preocupação institucional da escola. O rito ordinário na escola é para formar
cidadãos passivos. No Amapá, isso ficou muito claro. Se o modelo vai conseguir
formar esses indivíduos menos questionadores, não se sabe ao certo, pois em
tempos de globalização e redes sociais as informações circulam de modo acelerado
e (por que não dizer?) incontrolável.
À guisa de conclusão, portanto, a novidade do modelo aqui analisado
só se sustenta do ponto de vista do arranjo institucional que transferiu a gestão
da escola pública civil para militares, constituindo-se assim, um modelo híbrido.

Do ponto de vista da Pedagogia não há qualquer novidade. Trata-se da velha e
conhecida Pedagogia Bancária, que Paulo Freire tão bem revelou, uma pedagogia
tradicional que retira do aluno o protagonismo que ele tem no processo
ensino-aprendizagem. Estamos diante de uma curva que acirra/estimula o
neoconservadorismo em andamento no Brasil. Os achados de campo, no caso do
estado do Amapá, não deixam qualquer dúvida quanto a esta afirmação.

REFERÊNCIAS
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Introduz modificações na Lei nº 15.108, de 11 de janeiro de 2018, que dispõe
sobre o Programa “Mais Efetivo” e dá outras providências, e na Lei nº 11.991, de
27 de outubro de 2003, que cria o Programa de Militares Estaduais Temporários
da Brigada Militar, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.al.rs.
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das escolas da rede pública no município de Macapá: reflexões sobre a gestão
militar compartilhada. In: Política e Gestão da Educação Básica I – Série Anais
do XXIX Simpósio Brasileiro de Política e Administração da Educação,
Organização: João Ferreira de Oliveira, e Daniela da Costa Britto Pereira Lima
[Livro Eletrônico]. – Brasília: ANPAE, 2019.
SOUZA, Audrey Pietrobelli de; CAMPOS, Névio de. A concepção de educação
de Émile Durkheim e suas interfaces com o ensino. Luminária, v. 18, n.02, 2016.
Disponível em: <http://periodicos.unespar.edu.br/index.php/luminaria/article/
view/955/> Acesso em: 21 jul. 2019.
_____________________________________________________________
ADALBERTO CARVALHO RIBEIRO é Doutor em Ciências pelo Núcleo de Altos
Estudos Amazônico/NAEA/UFPA. Realizou estágio de pós doutoramento
no Insituto de Educação da Universidade de Lisboa/Portugal. Professor e
pesquisador no Departamento de Educação da Universidade Federal do Amapá.
E-mail: adalb.cr@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-5039-7179
PATRÍCIA SILVA RUBINI é Licenciada Plena em Pedagogia pela Universidade
Federal do Amapá/UNIFAP.
E-mail: prubini444@unifap.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-2491-7345
Recebido em agosto de 2019
Aprovado em setembro de 2019

Colégio da polícia militar Alfredo Vianna: características de uma cultura escolar-militar

Dando prosseguimento à série de artigos sobre o processo de militarização, Amilton Gonçalves dos Santos e Josenilton Nunes Vieira abordam Colégio da polícia militar Alfredo Vianna: características de uma cultura escolar-militar. O artigo aborda as características da Cultura Escolar de um Colégio da Polícia Militar da Bahia, considerando a integração de elementos da
Cultura Militar na realidade escolar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que se debruçou, através de estudo de caso, sobre o contexto educacional da instituição por meio de análise documental, observações e entrevistas com gestores, docentes e alunos. Os resultados explicitaram um aparato militar objetivando a transmissão e ensino da Cultura Militar, num processo de padronização dos
indivíduos por meio de uma educação do corpo e do comportamento.

Este artigo, o nono da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

Introdução
O presente artigo aborda as relações que se estabelecem, a partir da
inserção de um rol de elementos próprios da Cultura Militar na realidade de uma
instituição de ensino; descreve os aspectos característicos da Cultura Escolar em
um colégio da Polícia Militar da Bahia e analisa a prática pedagógica decorrente
desse encontro de culturas institucionais e suas possíveis implicações na formação
dos estudantes matriculados no referido estabelecimento educacional.
Trata-se de um texto elaborado a partir de uma pesquisa que deu origem a
uma dissertação de mestrado defendida em 2018, no Programa de Pós-graduação
em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos da Universidade do Estado da
Bahia (UNEB). A metodologia da pesquisa se baseou na abordagem qualitativa,
na modalidade de estudo de caso, tendo como locus da pesquisa o Colégio da
Polícia Militar Alfredo Vianna, situado na cidade de Juazeiro – Bahia.
Os dados foram obtidos por meio de análise documental, em consulta ao
Regimento Escolar do Colégio da Polícia Militar da Bahia e ao Manual do Aluno;
por meio de observações sistemáticas e assistemáticas bem como de entrevistas
semiestruturadas com alunos do 3° ano do Ensino Médio, gestores e professores.
A análise dos dados e informações coletadas no campo da pesquisa baseou-se nos
princípios da análise de conteúdo, definida por Bardin (2011), como organização,
codificação, categorização e inferência. O corpus teórico que serviu como base
para as interpretações sobre o objeto de estudo se fundamenta nos conceitos e
teorias existentes sobre cultura escolar e cultura militar.
Os Colégios da Polícia Militar (CPM) apresentam uma proposta escolar
com características diferenciadas em metodologia, valores, finalidades, normas,
organização e funcionamento. Esse contexto distinto é fruto de normativas
governamentais (estaduais) que fixam um sistema de gestão compartilhada entre
duas secretarias, quais sejam, a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança
Pública, especificamente a Polícia Militar (PM). Assim, por meio de Termos de
Cooperação Técnica, que regulamentam a gestão e funcionamento dos CPM,
há o compartilhamento das atividades pedagógicas, administrativas, financeiras
e patrimoniais entre as referidas secretarias. Essa parceria integra às instituições
não apenas o termo ‘militar’, mas também atividades, valores e normas, um rol
de elementos próprios de instituições militares e, inclusive, Agentes Militares, que
atuam profissionalmente tanto na docência quanto administrativamente.

O Sistema de Colégios da Polícia Militar, que compreende uma rede de
escolas estruturadas e organizadas segundo normas próprias e comuns, é pautado
numa formação cívico-militar, destinada a filhos de militares, servidores e civis,
e tem chamado atenção por sua expansão nos Estados brasileiros. Segundo
levantamento realizado em 2015 pela Folha de S. Paulo3
, 93 estabelecimentos de
ensino funcionavam em 18 Estados brasileiros baseados no modelo de gestão das
Polícias Militares. Em 2017, esse número saltou para 122 unidades instaladas, com
destaque para os Estados de Goiás, com 36, Minas gerais, com 26, e Bahia, com
13 (SANTOS, 2018). A expansão desse modelo escolar continua avançando, o que
permite a interiorização dos CPM em várias outras regiões, situação perceptível,
ao se tomar, por exemplo, o Estado de Goiás, que conta, em 2019, com 604
unidades instaladas e em funcionamento.
O ato governamental de cooperação técnica é uma peculiaridade dessas
instituições, que as diferenciam das demais escolas, civis, principalmente pela interrelação

entre dois campos distintos: o Educacional e o Militar. Por essa relação,
esses estabelecimentos incorporam agentes, símbolos, valores, e outros elementos
da Cultura Militar que afetam diretamente o funcionamento, a gestão, as relações
sociais e o cotidiano escolar, engendrando assim uma cultura singular e com
características próprias. É em razão desses aspectos, desse contexto multifacetado
dos CPM, que se faz pertinente discorrer sobre a Cultura Escolar-Militar.

CULTURA ESCOLAR E CULTURA MILITAR: RELACIONANDO
OS CONCEITOS
As instituições escolares têm ocupado o lugar de “gestão e transmissão
de saberes e símbolos” (FORQUIN, 1992, p.28), espaço de educação formal,
encarregado de levar às novas gerações os conhecimentos construídos
socialmente. Ao mesmo tempo, também são dotadas de um caráter dinâmico,
criativo e multifacetado que se apresenta nas práticas cotidianas, da vida e do fazer
escolar e deles resulta. Nesse sentido, os estudos sobre a escola não podem excluir
as características do seu funcionamento.
Assim, para captar as características que possibilitam compreender o
funcionamento da escola, é preciso então levar em consideração a práxis da escola,
sua Cultura Escolar, produto cultural da capacidade criativa da escola (CHERVEL,
1990), a qual pode ser compreendida como resultado de todas as ações humanas

no ambiente escolar: toda prática escolar é cultura (BENITO, 2017; SILVA,
2009). A noção de Cultura Escolar permite incluir não apenas as estruturas
pesadas e reprodutivas da escola, mas também seus sujeitos, os comportamentos,
os conhecimentos, os espaços, as relações conflituosas ou pacificas, as práticas e
normas (JULIA, 2001; VIÑAO, 2006).
Para Julia (2001, p.10), um dos primeiros autores a discorrer sobre o
conceito, Cultura Escolar se configura como “um conjunto de normas que
definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas
que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses
comportamentos”.
Em linhas semelhantes, Antonio Viñao (2006) considera Cultura Escolar
como o conjunto de teorias, ideias, princípios, normas diretrizes, rituais, inércias,
hábitos e práticas sedimentados ao longo do tempo sob a forma de tradições
e regras e compartilhado por seus atores no interior das instituições de ensino.
Assim posto, a Cultura Escolar permite dirigir o olhar para o interior dos
processos escolares, para o estudo das questões escolares como as relações entre
os diferentes atores, os ritos, os procedimentos, tradições, costumes e as normas.
A Cultura Escolar centra-se na perspectiva do próprio ambiente escolar.
Vinão (2006) também nos apresenta um elemento pertinente ao introduzir
a ideia de ‘culturas institucionais’ como referência às culturas produzidas por
outras instituições distintas, sejam de caráter educacional (de níveis diferentes,
pública ou privada), governamental, político, religioso, etc., além também da
cultura dos professores e da sala de aula, dos alunos e das famílias ou pais, que
se incorporam à Cultura Escolar como produto dos tipos de alinhamento com a
instituição de ensino. Assim, embora cada estabelecimento educacional detenha
sua própria Cultura Escolar, esta carrega traços culturais que a caracteriza e
distingue das demais (VIÑAO, 2006, p.80).
Segundo Dussel (2014. p.261), “a cultura escolar abriu caminho para a
noção de culturas escolares plurais”. Essa acepção faz alusão às culturas específicas
de cada escola que, inclusive, conduzem Viñao a utilizar a expressão Culturas
Escolares, no plural, na qual cada escola é detentora de sua própria cultura. De
certo, as definições de cultura escolar referem-se claramente a uma variedade de
elementos culturais (ELÍAS, 2015, p. 290). Nessa mesma linha, Escolano Benito
(2000; 2017) advoga a existência e interação de diversos tipos de culturas da escola
e elenca ao menos três: a cultura empírico-prática, construída pelos professores
no exercício da sua profissão; a cultura científica, constituída pelos especialistas
e pelos conhecimentos acadêmicos; a cultura política, de origem políticoinstitucional e engloba os administradores e burocratas que regulam e gerenciam
os sistemas e instituições educacionais.

Escolano Benito (2000; 2017), ao argumentar sobre a cultura política,
concede bases para explorar as relações que se estabelecem nos CPM (instituições
criadas por meio normativo político-institucional) a partir do alinhamento entre
os campos educacional e militar, permitindo a incorporação de traços da Cultura
Militar à instituição escolar. Segundo Sousa (2015, p.16), a Cultura Militar pode ser
definida como “um conjunto de valores, costumes, tradições e base conceptual
que ao longo do tempo se tornaram o caráter da profissão militar”. Trata-se de
uma cultura que deriva de determinadas características esperadas dos militares,
como comportamento, lealdade, honra, respeito, trabalho em equipe, dever
altruísta, e dos valores que suportam esses elementos, tais como a hierarquia e a
disciplina.
A Cultura Militar não circunscreve apenas um aspecto cultural profissional;
não apenas define uma profissão, ela produz uma identidade militar, expressando,
assim, nos sujeitos um estilo de vida, um modo de ser diário e cotidiano (SILVA,
2012). É uma cultura que padroniza, tornando homogêneo o comportamento,
o pensar, as práticas e os uniformes, sob a tutela de um mesmo regulamento.
Por fim, a Cultura Militar é fruto de uma tradição secular, construída, ensinada e
transmitida por diferentes instituições militares e permeada por teorias e tradições
militares bem como pelo aspecto político.

O CPM ALFREDO VIANNA: UMA BREVE
CONTEXTUALIZAÇÃO
Na Bahia, a partir do Decreto n° 16.765, assinado pelo governador
Antônio Balbino e publicado no Diário Oficial do Estado em 09/04/1957,
regulamentou-se a criação do primeiro Colégio da Polícia Militar da Bahia – Unidade
Dendezeiros, em Salvador. Na mesma data, o Boletim Geral5
da Polícia Militar
documentava a fundação de uma “instituição escolar secundária, pública, gratuita,
militarizada e destinada aos filhos (do sexo masculino) dos policiais militares e de
outros funcionários públicos” (JESUS, 2011, p.51). Anos mais tarde, em 1998, é
criado mais um colégio, o CPM, Unidade Lobato, também em Salvador. Entre os
anos de 2005 e 2007 novas unidades foram criadas, alcançando o número de 13
instituições em funcionamento, garantindo a expansão e interiorização dos CPM
em todo o Estado. É nesse cenário que, em 2006, é criado o CPM Alfredo Vianna
em Juazeiro-BA.

Segundo histórico disponível no sítio oficial da Polícia Militar, antes da
transformação em Colégio Militar, a instituição teve suas atividades iniciadas em
1972, sob o nome de Centro Integrado Alfredo Vianna, contemplando o ensino
de 1° a 4° série. Em 1985, a partir da Portaria n° 10080, o estabelecimento passou
a se chamar Escola de 1° Grau Alfredo Vianna, contemplando agora o ensino
de 1° a 8° série. Somente em 2006, por meio de Termo de Cooperação Técnica,
firmado entre as Secretarias de Educação e Segurança Pública (Polícia Militar)
do Estado, a instituição foi transformada em Colégio da Polícia Militar Alfredo
Vianna (CPMAV), atendendo a alunos dos Ensinos Fundamental e Médio.
O sistema de gestão compartilhada entre as secretarias, firmado pelo
Termo de Cooperação Técnica, celebrado através do Convênio n° 018/2015
e reafirmado pela Portaria Conjunta SEC/SSP/PM n° 01 de 17/03/2015, dá

se através de um Colegiado Diretor (instância de deliberação administrativa,
financeira e pedagógica das unidades escolares) composto por um Diretor
designado por cada uma das secretarias.
O funcionamento e todas as atividades desenvolvidas no CPM se dá em
consonância com a Diretriz Educacional n° 001 de 2016, documento instituído
pelo Instituto de Ensino e Pesquisa da Polícia Militar (IEP), que define o
Regimento Escolar dos Colégios da Polícia Militar da Bahia. O regimento escolar,
dividido em sete títulos e um anexo, expressa as finalidades, valores e princípios,
bem como a estrutura organizacional e didática, a forma de ingresso, as normas
de convivência, disciplinares e de promoção.
A forma de ingresso na instituição se dá por meio de sorteio eletrônico,
embora, em seu primeiro ano de funcionamento, as vagas tenham sido definidas
por meio de seleção. Obedece a um determinado percentual de vagas por série,
sendo 50% para filhos de militares, servidores civis e professores e outros
50% para filhos de civis. Conforme o IEP, em 2017, a quantidade de alunos
matriculados somava 714, sendo 181 filhos de militares, 2 de servidores e 531
de civis. Percebe-se que, apesar do percentual reservado para filhos de militares,
a maioria das vagas era preenchida por civis. Seu corpo docente era composto
por 36 civis e 25 militares (Policiais Militares, designados pelo Diretor PM,
através do IEP e detentores de formação acadêmica exigida para o exercício da
docência, segundo Regimento Escolar, sendo o cumprimento da função custeado
pela Secretaria de Segurança Pública). O exercício da docência para os militares
habilitados contempla as funções de Instrutor e Monitor, sendo este último Praça
PM que auxilia ou substitui o Instrutor. Já o quadro administrativo do CPMAV
apresentava 16 civis e 34 militares (Policiais Militares).

O CPMAV, em 2018, teve seu local de funcionamento alterado, passando
a desenvolver suas atividades não mais na antiga instituição que lhe conferiu o
nome, operando então nas instalações do Colégio Polivalente Américo Tanuri,
que enterra seu patrimônio histórico-cultural-educacional de décadas e cede
lugar ao CPM que ainda carrega seu nome de origem e passa a contar com uma
estrutura maior e capaz a receber mais alunos.

AS CARACTERÍSTICAS DE UMA CULTURA ESCOLAR-MILITAR
A concretização do convênio que cria o CPMAV engendra uma
singularidade que diferencia essa instituição das demais escolas civis públicas ou
privadas. Trata-se do seu modelo de gestão partilhada, um caráter sui generis, que
normatiza a entrada da Cultura Militar na instituição e confere uma inter-relação
das esferas Escolar-Militar, permitindo a penetração de uma gama de elementos
militares na vida escolar, os quais são prescritos por um conjunto de normas e
regulamentos. Dentre essas normas, o Regimento Escolar dos Colégios da Polícia
Militar da Bahia constitui um interessante documento de análise e explicita seu
caráter militar, inclusive ao confirmar sua singularidade pelas características de
proposta pedagógica específica voltada para, além das suas atribuições legais e
regularmente definidas, a formação cívico-militar própria da PM da Bahia.
O referido documento, para além da definição da estrutura e funcionamento
dos CPM, expressa também sua identidade militar, principalmente pela presença
e quantidade de expressões de características militares: a palavra “Militar” (e suas
variações) é mencionada 168 vezes; os termos “Normas” e “Comportamento”
aparecem 54 e 50 vezes, respectivamente; a expressão “Disciplina” (e suas
variações) é explicitada 117 vezes, dentre as quais 29 fazem referência à matéria
(conteúdo de ensino ou área do conhecimento) e na Seção III, Das Normas
Disciplinares (onde estão prescritas as transgressões, as punições e penalidades),
se repetem 38 vezes.
Pela força das normas, a Cultura Militar penetra a escola, integrando

se e deixando sua marca na gestão escolar, na construção do currículo, nas
práticas docentes, na sala de aula, na divisão dos espaços e do tempo, nas relações
interpessoais e nas atividades dentro e fora da escola, inclusive com a inserção
de órgãos da Polícia Militar, bem como de um corpo específico de profissionais
(policiais) incumbidos da garantia e efetividade do que está regulamentado.
Nessas instituições, desenvolve-se uma educação profundamente regulamentada,
que normatiza práticas, comportamentos e saberes, fazendo-os singulares pelo
estabelecimento de uma “hierarquia” de valores militares sobre os civis.

Ao destacar a presença de elementos militares nos documentos
estudados, não podemos perder de vista que “os textos normativos devem
sempre nos reenviar às práticas” (JULIA, 2001, p.19) e como normas e práticas
são coordenadas em relação a determinadas finalidades. A Cultura Escolar não se
refere somente a normas, mas também a práticas que induzem comportamentos
e produzem configurações múltiplas e variadas no espaço escolar (DUSSEL,
2014; MUNAKATA, 2016). Nesse sentido, estudar normas juntamente com as
práticas nos permite compreender os processos educacionais que se estabelecem
na instituição. Assim, partindo do estudo de normas e práticas, com base nos
dados coletados, duas características de escolarização ficaram evidentes: uma que
atua sobre o corpo e outra sobre o comportamento dos indivíduos.

CONTROLE SOBRE A LINGUAGEM E A ESTÉTICA CORPORAL
Considerando que o corpo se expressa nas interações humanas, enquanto
linguagem utilizada nos processos comunicacionais (WEIL; TOMPAKOW, 2015),
nesta seção buscou-se descrever e analisar os dispositivos característicos da Cultura
Escolar do CPMAV utilizados para moldar e uniformizar os comportamentos a
partir do controle sobre as expressões do corpo.
Durante as visitas de observação, previstas na metodologia da pesquisa,
buscou-se conhecer a rotina escolar da instituição. Numa delas, logo pela manhã,
por voltas das 06h15min., os alunos, que começavam a chegar – uns de carro,
outros de bicicleta ou a pé – aglomeram-se em frente ao colégio, na calçada ou
encostados em árvores. Às 06h20min a entrada foi liberada, sendo o ingresso à
instituição condicionado à apresentação da carteira estudantil. No portão, um
Policial Militar, devidamente fardado, fiscaliza e controla o fluxo dos alunos,
deixando à parte àqueles com pendências no fardamento e que não apresentaram
a carteira estudantil.
Nas dependências do colégio, as salas de aula, laboratórios e salas
administrativas formam um quadrado, sendo seu interior o pátio e, no centro
deste a cantina. Os estudantes deixavam seus materiais nas salas de aula e voltavam
ao pátio para as atividades do dia. Uma sirene soou às 06h45min; era o aviso que
sinalizava para os alunos entrarem ‘em forma’ e iniciar a parada matinal.
A parada matinal diz respeito às revistas ao corpo discente e compreende,
além das atividades militares, a verificação do uniforme, da apresentação pessoal,
do cabelo e acessórios, dentre outros elencados no Regimento Escolar e no
Manual do Aluno. Os alunos iam tomando posição, agrupando-se por série, em
pé e enfileirados, organizando-se inclusive pela distância entre os corpos. Via ali,
na prática, uma “parada militar”, características da Cultura Militar, elementos

próprios de instituições militares, uma organização dos espaços, uma disciplina
dos movimentos, uma padronização dos uniformes, um respeito a símbolos da
pátria e da corporação militar.
Uma aparelhagem de sonorização estava montada, e a Aluna do
Dia 6, aparentemente nervosa, toma posse de um microfone e comanda as
ações: “Atenção! Silêncio! Sentido!”. A ordem é entendida e imediatamente os
movimentos se igualam, os corpos postam-se eretos, as pernas fechadas, os
braços alongados para o chão e as mãos (espalmadas) vão sobre as coxas. A aluna
dirige-se ao Coordenador do Corpo de Alunos7
, presta continência, identifica-se
pelo nome e número de matrícula e solicita autorização para iniciar as atividades.
Após permissão concedida pelo coordenador, e sob o comando da Aluna
do Dia, os demais alunos, enfileirados e em posição de sentido, passam a entoar
o Hino da Independência da Bahia. Nesse momento, inspetores PM circulam
entre as turmas verificando se todos entoam o hino, conferem o alinhamento e a
postura. Ao finalizar o canto, a Aluna do Dia dá a ordem: “Descansar!”. A postura
dos alunos muda, as pernas abrem ao nível dos ombros, enquanto os braços
voltam-se para trás.
O Coordenador toma a palavra e discursa sobre a disciplina e os valores
do CPMAV, enfatizando que o desrespeito às normas não é tolerável e finaliza:
“aqui não é a casa da Tia Sassá!”. Em seguida passa a palavra para a Aluna do
Dia que brada: “sentido; descanso; sentido; descanso!”. Os estudantes obedecem
às ordens de comando com seus corpos treinados, alternando movimentos e
posturas. Finalizando, as turmas são informadas que o deslocamento às salas dar

se-ia do ano inferior ao mais alto (9° ano do Ensino Fundamental, 1°, 2° e 3° ano
do Ensino Médio) e seguem as últimas ordens: “direita; volver; volver; esquerda,
volver”.
A obediência a esses comandos se constitui uma técnica corporal
específica, tradicional e eficaz: são “Técnicas do Corpo” (MAUSS, 2003). Para
o autor, a expressão reflete as maneiras como os homens sabem servir-se, de
forma tradicional, do seu corpo. Portanto, há uma técnica do corpo, um ato
de ordem mecânica, física ou físico-química que é efetuado com esse objetivo
(MAUSS, 2003, p.407), mas vejam, há também uma “educação do corpo”, ensino
de técnicas do corpo que possibilitam certas aprendizagens.

Uma análise dos documentos evidenciou que a educação do corpo
compete à disciplina de Instrução Militar, componente da matriz curricular do
CPMAV, a qual, objetiva promover a assimilação da Cultura Militar e da cultura
policial militar por parte dos alunos, bem como despertar o gosto e a vocação
pela carreira militar, sendo seu exercício de responsabilidade de Inspetores
e Monitores PM. Nessa disciplina, os alunos aprendem sobre os movimentos
corporais de modo a reconhecerem e obedecerem uniformemente os comandos
de uma tradição militar incorporada pela escola. Assim, o ensino-aprendizagem
de um conjunto de práticas corporais vivenciadas na escola visa a adaptar o corpo
às expectativas individuais e institucionais por meio do movimento ordenado dos
corpos que se submetem ao controle determinado pela ação pedagógica.
Enquanto disciplina do currículo da escola, a Instrução Militar prescreve
e define o que se quer desses corpos e como se quer. Por outro lado, enquanto
prática, ela materializa e permite a transmissão e incorporação dos conhecimentos
e práticas corporais desejadas, utilizando-se de técnicas operacionais para ‘adestrar’,
moldar, governar e produzir corpos homogêneos. Um elemento específico da
Cultura Militar que permite a eficácia da institucionalização e incorporação desses
mecanismos normativos e práticos é a disciplina.
A disciplina constitui um gerenciamento e controle sobre os
corpos, incidindo sobre seu funcionamento, bem como no tempo e espaço,
individualizando-os, e, por sua vez, ela “fabrica indivíduos” (FOUCAULT, 1987).
Ela é dotada de um poder de controle que opera sobre o corpo, impondo uma
obediência, uma relação de docilidade útil e em conformidade com um ‘regime
de legalidade’. No CPMAV, o regime de legalidade é representado pelas normas
disciplinares, especificadas no Regimento Escolar e no Manual do Aluno, que se
utiliza de elementos coercitivos da punição e penalização como dispositivos de
segurança contra transgressão e desvio do modelo prévio, determinado e padrão.
O dispositivo da punição é um agente inibidor que atua para impedir o erro
disciplinar e manter a obediência pelo medo. Assim, estabelece-se uma noção de
infra-penalidade, como coloca Foucault (1987, p.149):
Na essência de todos os sistemas disciplinares funciona um pequeno mecanismo
penal. É beneficiado por uma espécie de privilégio de justiça, com suas leis
próprias, seus delitos especificados, suas formas particulares de sanção, suas
instâncias de julgamento. As disciplinas estabelecem uma ‘infra-penalidade’;
quadriculam um espaço deixado vazio pelas leis; qualificam e reprimem um
conjunto de comportamentos que escapava aos grandes sistemas de castigo por
sua indiferença.

As técnicas de sujeição do corpo, habituais na Cultura Militar, são
incorporadas à dinâmica pedagógica da escola, tornando-se um caráter habitual pela
repetição e reprodução diária das suas práticas. A rotina, o hábito, institucionaliza
as práticas, cristalizando-as e corporificando-as na vida escolar, ao tempo que se
instituem como certos, normais e naturais. Assim, quanto mais tempo os alunos
convivem com esses mecanismos, mais eficaz é a assimilação e inculcação dos
valores e normas oriundas do meio militar, imprimindo fortes marcas na cultura
escolar.
O controle da linguagem corporal não abarca apenas a postura, os
movimentos, os gestos e ações do corpo; ela inclui também um aspecto visual,
da aparência, que nos permite falar de uma ‘estética corporal’. As definições
normativas instituem as vestimentas, os calçados, os acessórios, o corte de cabelo
e penteado, a maquiagem, cor e tamanho da unha; por meio de permissões e
proibições, fixam uma padronização, uma uniformização dos corpos. Por outro
lado, na prática, representa uma estética da aparência, cujo objetivo é comunicar e
identificar os corpos, formatar e criar iguais, apagar, assim, as diferenças.
O Regulamento de Uniformes, prescrito no Manual do Aluno, reforça
essa estética corporal ao definir o ‘código de vestuário’ da instituição que,
diferente das escolas civis, não permite variantes além do previsto como calçados,
calças e camisas de outros tipos, cores e modelos. Há diferentes uniformes e cada
um está relacionado a um evento ou atividade específica, mas, para além de uma
vestimenta, eles carregam uma identidade militar, pois transmitem os elementos
e significados próprios de instituições militares. O fardamento identifica o aluno,
sua patente, tipo sanguíneo, seriação, a instituição e seu Estado de origem,
características que o definem como elemento material e cultural do CPAMV, um
artefato de comunicação, como advogam Ribeiro e Silva (2012).
Enquanto artifício de comunicação, o uniforme também conforma
uma ideia de igualdade. Segundo a Coordenadora, “o fardamento padrão exclui
a concepção de diferença de classes, pois todos possuem a mesma vestimenta,
desde o tipo de tênis até as demais roupas” (Relato de entrevista). Porém, o que
se observou foi um “sistema de igualdade formal” (FOUCAULT, 1987), uma
igualdade estética que difere do real, principalmente pela dificuldade de alguns
alunos em adquirir o fardamento por falta de condições financeiras, o que leva
a escola a realizar campanhas para doação de uniformes por parte daqueles
estudantes que têm uma melhor situação econômica.

A estética corporal é esse culto à apresentação pessoal. Ela faz invisíveis
as diferenças, diminui a visibilidade do heterogêneo e atinge as individualidades,
padronizando o feminino e o masculino. Pela estética, o uniforme é inviolável,
deve estar limpo e passado, com fivela no cinto, sapatos e coturnos polidos, sendo
proibido aos alunos fixar ou pendurar óculos, broche ou distintivo.
Sobre o corpo a estética define distinções, segmentando o masculino e o
feminino. Ao primeiro fica proibido raspar a cabeça ou tingir o cabelo, bem como
o uso de topete, costeleta e bigode. Ao feminino é vedado o uso: de esmaltes em
cores fortes (preto, vermelho, violeta, etc.); de brincos em apenas uma orelha
ou mais de um em cada orelha, bem como argolas e pingentes; de anéis com
pedras de cor e não podendo ser colocado no polegar; de presilhas coloridas; de
maquiagem em excesso ou em cores chamativas. Outras proibições são dirigidas
a todos, como a proibição de lentes de contato diferentes da sua cútis, óculos de
sol, pulseiras, fitas, tornozeleiras, piercing e argolas, aparelho celular, dentre outros.
Constatou-se até aqui que o controle sobre a linguagem e a estética
do corpo permite a incorporação individual de elementos da Cultura Militar e,
coletivamente, faz-se homogênea. Assim, há um controle absoluto do corpo
que invisibiliza as diferenças, formatando, uniformizando e padronizando os
indivíduos, resultando na formação de Alunos PM’s. Eis o que se apresenta:
uma instituição que, para além do ensino formal, desenvolve um ensino da
Cultura Militar, uma formação militar. Tem-se, pois, uma escolarização que,
pelo imperativo da disciplina, forma indivíduos obedientes. Mas, a eficácia da
cultura militar não está apenas na educação do corpo, ele perpassa também uma
modelagem do comportamento.

MODELAGEM DO COMPORTAMENTO
A militarização de escolas representa a inter-relação entre a escola e
culturas exteriores a ela (BENITO, 2017), destacando-se aqui a cultura militar.
Na prática, essa interatividade das culturas escolar e militar proporcionou uma
metamorfose na realidade e no cotidiano da instituição pesquisada, a partir da
incorporação de normas e práticas militares ao ambiente de educação escolar,
representando um processo de “hibridação cultural” (VIDAL, 2006, p.159).
Nessa relação cultural escolar/militar, desenvolve-se um ensino cívico-militar, no
qual se observa um controle sobre a linguagem do corpo, como já destacado, mas
também, uma modelagem do comportamento.
A modelagem do comportamento compreende uma educação específica,
que se desenvolve por meio de métodos, técnicas, critérios, estratégias e
instrumentos, os quais permitem o ensino e transmissão de conhecimentos

direcionados à formação de determinado padrão de comportamento. Trata-se de
uma educação cujo imperativo é formar pessoas cujo comportamento, a conduta,
o caráter, a moral e os hábitos dos indivíduos se pautem pela obediência aos
padrões normativos instituídos.
O desenvolvimento dessa educação no CPMAV se institui com normas e
práticas formativas próprias da cultura militar, com destaque para o controle sobre
a linguagem corporal e padronização do comportamento dos discentes. Assim, o
conjunto de normas e práticas objetivam o ensino, a transmissão e a incorporação
de condutas e comportamentos específicos (JULIA, 2001), princípios doutrinários
da formação militar.
A efetivação do modelo de comportamento padrão se dá pela repetição
de rituais cotidianos, que visam a formar o sujeito dócil e convencido da sua
necessidade de adaptação às intempéries naturais e sociais e, ao mesmo tempo,
habituados a desafiar seus limites físicos e intelectuais em busca da superação.
Essa intencionalidade do ato educativo desenvolvido na instituição pesquisada é
demonstrada no Regimento Escolar, o qual prescreve uma deontologia estudantil,
que faz referência ao conjunto de deveres estabelecidos em código específico
aos quais os alunos estão submetidos e impõe a cada integrante do CPMAV uma
conduta moral, irrepreensível e adequada a qualquer espaço social, permitindo
que os indivíduos levem para a vida os valores apreendidos, o respeito às leis, às
normas e aos regulamentos.
A análise do regimento mostra uma educação do comportamento e um
controle deste, por meio da quantificação, mensuração e classificação, ao estabelecer
graus de conduta que variam de 0 a 10, divididos em seis níveis: excepcional
(10); ótimo (9 a 9,99); bom (7 a 8,99); regular (5 a 6,99); insuficiente (2 a 4,99); e
incompatível (abaixo de 2). Na prática, o valor atribuído ao comportamento do
estudante é que define sua permanência ou não no CPMAV.
Outro documento analisado, o Manual do Aluno do CPMAV, explicita
pormenorizadamente os elementos à formação da conduta militar. Ele prescreve
e regula a conduta diária dos alunos, dentro e fora da instituição, discorrendo
sobre o permitido e o proibido. Praticar o proibido, o não permitido ou vedado,
é ingressar no comportamento incompatível, na prática de indisciplina, numa
“irreverência que desacata as normas estabelecidas” (HECKERT; ROCHA,
2012, p.88). Não é por acaso que os referidos termos perpassam os 76 artigos do
documento, sendo que “proibido (a)” aparece 17 vezes; “não é permitido”, seis
vezes; e “vedado” é descrito 14 vezes, sendo nove apenas no segmento feminino.
Assim, toda conduta contrária ao modelo instituído é ‘anormal’, à medida que
todo aluno CPM carrega a personificação militar e deve zelar pelo nome da
instituição e da Polícia Militar, de tal forma que seu comportamento deverá ser

exemplar e modelo para os demais. Não se trata apenas de cumprir a norma; há de
ser exemplo, como expressa o slogan do CPMAV: ‘A palavra convence, o exemplo
arrasta’.
Ser exemplo é resultado da educação do comportamento e representa a
obediência às regras que definem o modelo prévio de conduta. A garantia dessa
obediência está atrelada, em grande parte, ao instrumento militar da disciplina
que, assim como na educação do corpo, exerce o controle sobre a conduta dos
indivíduos. A disciplina age regulamentando tudo acerca da instituição e, enquanto
elemento da Cultura, opera sobre a realidade escolar impedindo a prática do
‘anormal’ e o comportamento indisciplinado, exercendo seu controle por meio
de um regime de legalidade – Normas Disciplinares do CPMAV – que penaliza o
infrator e coercitivamente, pelo medo, inibe a prática da transgressão disciplinar.
Acerca da prática da penalização, o Professor “E” se expressa da seguinte forma:
“o aluno sabe quando ele está infringindo o regimento. Ele tem consciência
quando tá infringindo uma regra, e o professor ele tem a quem se reportar pra
que aquele aluno seja penalizado quando ele tá atrapalhando a aula, quando ele
comete algum erro de ordem disciplinar” (Relato de entrevista).
Segundo o Regimento Escolar, transgressão disciplinar é qualquer
violação à ética, aos deveres e obrigações escolares, às regras de convivência
social e aos padrões de comportamento impostos aos alunos e são classificadas
em quatro naturezas: leve, média, grave e eliminatória. Contudo, nem todas
as transgressões implicam a perda de pontos de comportamento, algumas são
convertidas em punição alternativa ou castigos.
O primeiro contato com a prática de punição ocorreu quando me retirava
da sala de direção, após entrevista com o Diretor Sec. Já no pátio, observava vários
alunos em forma, organizados em fila, sob o sol das 10:00 h e uma temperatura
próxima aos 35 graus. Pelas indicações no uniforme, percebi que todos eram
alunos do 2° ano. O comandante do Corpo de Alunos discursava, repreendendo

os pela prática de comportamento incompatível. Aproximou-se de mim o Chefe
de Setor. Explicava que a turma estava cumprindo punição de dez minutos por
indisciplina em sala de aula que impossibilitou o desenvolvimento das atividades
docentes. Denunciados pelo professor, todos foram punidos, porque cada um
é responsável pela ordem em sala de aula, de modo que quem comete conduta
irregular seja repreendido tanto pelo Xerife, quanto pelos demais alunos. Para
o Chefe de Setor, esse tipo de penalização constitui punição alternativa, um
“castigo” que não incide em perda de pontos por comportamento incompatível.

Nessas passagens, puderam-se destacar características da educação do
comportamento, desde o aspecto da fiscalização, que impõe a todos uma estrutura
de vigilância, um sistema de câmeras oculares organizado com a finalidade de
vigiar e controlar as condutas. Todas essas características explicitadas atuam
coercitivamente sobre a conduta dos discentes e, principalmente, pelo medo da
punição, concebem condições de governabilidade à instituição, assegurando o bom
funcionamento do estabelecimento e a aparência de bem-estar dos indivíduos.
Os efeitos da disciplina e controle sobre a conduta destacam-se também
em sala de aula. Nas cadeiras organizadas em filas, os alunos devem estar sentados
e manter a limpeza da mesma. O silêncio é obrigatório e as conversas paralelas
são proibidas. Os discentes devem manter total atenção à aula, permitindo que
o ensino flua sem interrupções. Quaisquer desvios de comportamento são
denunciados tanto pelo Xerife, quanto pelo professor. Os docentes recebem o
status de oficial, um tipo de personificação militar, um estatuto simbólico que
confere uma relação diferenciada com seus alunos. Todos devem respeito ao
professor, prestando-lhe continência e respondendo-o por Senhor. “Boa tarde,
Senhor!”; bradavam os alunos ao receber o docente em sala, que os respondia
com um “descansar!”. Essa personificação militar também está expressa na fala
do Diretor PM: “o aluno ao entrar na sala de aula ele lá também é olhado pelo
professor, mesmo o professor civil – dentro de colégio militar ele tem prerrogativa
de oficial. Lá dentro é idêntico a um policial militar que estivesse ali ministrando
aquela aula” (Relato de entrevista).
Os relatos explicitados foram úteis para demonstrar como a educação
do comportamento, a partir da Cultura Militar, é responsável pela conduta dos
indivíduos, utilizando-se de atividades e conteúdos que passaram a representar
um campo fértil e útil ao ambiente escolar. Destaca-se também a presença de
instrumentos coercitivos como um conjunto de normas disciplinares que, pelo
medo, impõe um controle sobre a conduta, a qual é reafirmada por uma disciplina
militar que fundamenta a obediência ao regulamentado e responde pelas diversas
faces e características da Cultura Militar. Além disso, ainda expressa o papel do
corpo militar como legitimador da cultura, dos valores, dos conhecimentos,
das práticas, da identidade e conduta militar. Os Policiais são os guardiões da
ordem institucionalizada e assumem o papel de fiscalizadores do comportamento
padrão, atuando para que os indivíduos incorporem as normas, sendo obedientes
e tornando possíveis as práticas.
Além dos aspectos apresentados, a educação da conduta ultrapassa os
muros do CPM e deixa suas marcas também na instituição família; isso porque
os pais, ao matricularem seus filhos, assumem o compromisso de auxiliar no
cumprimento dos regulamentos necessários à permanência no colégio. Esse

contexto ficou claro ao se observar a presença constante dos pais na escola
que, na maioria das vezes, estava associada ao comportamento incompatível, à
indisciplina e à conduta anormal dos alunos, como também pela ausência escolar
não comunicada. Por esses fatores, o Corpo de Alunos convoca a presença dos
responsáveis para comunicação das faltas cometidas e recebimento de justificativas.
Todo o aparelho militar é posto e desenvolvido como artefato de
formação à conduta militar, mas não circunscreve apenas a educação do corpo e
do comportamento; ele explicita, como observado nos documentos institucionais,
o pensamento militar, um aparato de componentes necessários à admiração pela
carreira militar e inculca nos indivíduos o sentimento de respeito e admiração
pelas instituições militares, seus valores e cultura, despertando-lhes a vocação para
a profissão Policial Militar. Familiarizados e adaptados à rotina militar, a partir
da educação do comportamento, como do corpo, os alunos passam a almejar a
profissão militar.
Pelo exposto, podemos afirmar que a Cultura Escolar do CPMAV, com
a incorporação da Cultura Militar, opera na conformação de uma conduta padrão
e de uma moral a qual ela mesma ajudou a criar, moldando e normalizando o
indivíduo em comportamento e caráter através de normas e práticas, inculcandolhes “valores e virtudes morais, normas de civilidade, o amor ao trabalho, o
respeito pelos superiores, o apreço pela pontualidade, pela ordem e pelo asseio”
(BARBOSA, 2011, p.7).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No estudo, constatou-se a inter-relação entre os campos Educacional
e Militar resultante do caráter político-normativo da cooperação técnica que
institui os CPM. Por essa dualidade, evidenciou-se a existência de um hibridismo
cultural que representa a interação entre diferentes culturas no âmbito escolar,
dentre estas a Cultura Militar, característica da cultura política, de origem políticoinstitucional.

A partir dessa interação, há uma institucionalização da Cultura Militar
na realidade da instituição. Primeiro, pela incorporação de um corpo de Agentes
Militares e uma seara de elementos do campo militar, tais quais valores, símbolos,
vestimentas, normas, práticas e conhecimentos. Segundo, pela pedagogização e
transmissão dessa cultura que, por meio de instrumentos e métodos distintos,
permite o ensino de comportamento e conduta específica, apreendida e inculcada
pelos indivíduos.
O resultado desse rol de elementos militares, desse aparato militar na vida
escolar é uma educação específica que atua na promoção dos aspectos militares,
objetivando a transmissão e ensino da Cultura Militar. Identificou-se então,

alicerçado nos dados, uma educação do corpo e do comportamento que detém
um controle sobre a linguagem e estética corporal, bem como uma modelagem
do comportamento, cuja finalidade é padronizar e homogeneizar os corpos e
condutas dos indivíduos.
Essa educação permite a formação de indivíduos conforme padrão
desejado e utiliza de uma disciplina militar e um regime de legalidade pautado
em normas de comportamento e conduta que prescreve castigos e punições pelo
seu descumprimento. Atrelado a isso, há o acompanhamento fiscalizador dos
profissionais militares que, em conjunto com os demais instrumentos de controle,
permite a eficácia na transmissão da Cultura Militar. Assim, padronizam-se os
indivíduos, apagando as diferenças e fabricando alunos obedientes e também
aptos à carreira militar.
O estudo permitiu concluir que a Cultura Militar está diariamente no
fazer escolar, nas atividades diárias, nos corpos e comportamentos, nas práticas
e normas, inserida e preservada na estrutura de funcionamento do CPM. Assim,
pela incorporação e apropriação de uma seara de características militares, define-se
a “genética cultural” da instituição, engendrando seu próprio patrimônio cultural
e estabelecendo uma Cultura Escolar-Militar.

REFERÊNCIAS
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AMILTON GONÇALVES DOS SANTOS é Mestre em Educação, Cultura e Territórios
Semiáridos (2018) e Graduado em Pedagogia (2009) pela Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) – DCH III. Especialista em Docência do Ensino Superior
(2013) pela Universidade Cândido Mendes. Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em História da Educação e Pedagogia da Pesquisa – GEPHEPP e
do Grupo de Pesquisa em Educação, Desenvolvimento e Profissionalização do
Educador – UNEB. Atualmente é Servidor Efetivo da Universidade Federal do
Vale do São Francisco – UNIVASF.
E-mail: amilton.santos@univasf.edu.br.
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3841-9723
JOSENILTON NUNES VIEIRA é Doutor em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (2009), Mestre em Educação pela Universidade Federal
da Bahia (2002) e Graduado em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia
(1993). Atualmente é Professor Adjunto na Universidade do Estado da Bahia no
Curso de Pedagogia e no Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos. É também Professor Titular da Autarquia Educacional do
Vale do São Francisco / Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina
– AEVASF/FACAPE e Professor Colaborador no Programa de Pós-Graduação
Mestrado Profissional em Formação de Professores e Práticas Interdisciplinares
– PPGFPPI.
E-mail: vieirajn47@gmail.com.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3415-1099

Escola cívico-militar em RO afasta professores que queriam ir a reunião do sindicato

Uma escola cívico-militar em Rondônia, gerenciada pela PM (Polícia Militar), mas com professores da rede estadual de educação, determinou a dispensa de dez professores por eles terem indicado interesse em participar de assembleia do sindicato da categoria.

O caso ocorreu no colégio Tiradentes da PM, em Porto Velho, na última quinta-feira (19). A direção da unidade argumentou que, por terem se organizado para a atividade, os docentes não teriam perfil para a escola. Há docentes no grupo que atuavam na unidade havia mais de 20 anos. Segundo eles, o episódio é inédito.

O Sintero (Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia) havia convocado uma assembleia para esta quinta-feira (20) para tratar de temas de interesse da categoria. Os professores da rede não estão em greve.

Os docentes haviam avisado com antecedência a direção da escola e, ainda na quarta-feira (19), o diretor da escola, o capitão da PM Jeferson Bezerra Pires, encaminhou ofício para a secretaria de Educação de Rondônia comunicando a “devolução de servidores”.

A professora Talita Pereira, 60, leciona na escola há 15 anos e foi incluída na lista de profissionais devolvidos à secretaria de Educação para alocação em outra unidade. Ela não quer mudar de escola.

“Nunca aconteceu algo parecido, inclusive já participei de greves anos atrás”, diz ela, que é professora de matemática. “Eu não estou satisfeita, quero voltar para lá porque sempre fiz meu trabalho bem feito, tenho vários projetos que elaborei com meus alunos que foram reconhecidos”.

O colégio é uma das cerca de 120 escolas com gestão compartilhada que inspiraram o projeto do governo Jair Bolsonaro de expansão de unidades cívico-militares. O MEC (Ministério da Educação) inicia neste ano projeto piloto para transformar 54 escolas em formato parecido.

No início do mês, a Folha de S.Paulo revelou que o governo de Rondônia havia distribuído uma ordem para recolhimento de livros que seriam inadequados. A pasta voltou atrás após questionamentos à medida.

O governador de Rondônia, coronel Marcos Rocha, é filiado ao PSL, ex-partido do presidente Jair Bolsonaro. A expectativa é que Rocha acompanhe Bolsonaro em seu novo partido.

A reportagem conversou com outros dois professores que pediram para não serem identificados, com medo de represálias. De acordo com um deles, a direção da escola tratou o caso como um motim, e os professores afastados foram criticados aos alunos da escola nesta quinta.

Ao diretor professores reclamaram de possível assédio moral. A reportagem entrou em contato com a escola e com o diretor da unidade, o capitão Pires, mas não teve retorno.

O documento ressalta que os profissionais “não apresentaram, por ora, o perfil exigido pelo sistema de ensino militar”. Para o capitão, que assumiu a direção da escola no ano passado, os servidores cedidos ao colégio pelo estado devem possuir um perfil condizente com “valores, ética e lealdade profissional”.

O Sintero divulgou texto em que afirma que a atitude “não condiz com o Estado Democrático de Direito” e deve ser revista. “O Sintero repudia a atitude da escola militar por se tratar de uma ação ditatorial, arcaica e opressora, em que, motivada por uma ação política, fere o direito constitucional dos profissionais”.

Professores relataram à reportagem que estiveram com o secretário de Educação, Suamy Vivecanda, para tratar do assunto. O secretário teria dito a eles que não teria o que fazer.

A reportagem entrou em contato com Vivecanda, mas ele não respondeu as mensagens. A Secretaria de Educação e o governo do estado também não atenderam aos questionamentos da reportagem.

Unidades militares ganharam evidência nos últimos anos por causa de indicadores educacionais positivos e por atacarem o problema da indisciplina. Por outro lado, educadores se opõem à militarização da educação.

Fonte: Folha de São Paulo

“Lugar de PM nunca pode ser a escola”, diz especialista em educação

Não é exatamente uma novidade a discussão de militarização das escolas no país. Mas é inegável que o assunto passou a chamar mais atenção depois que Jair Bolsonaro chegou à Presidência e adotou o tema como política nacional na área da educação, criando até mesmo a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares do Ministério da Educação.

Para Catarina de Almeida Santos, professora e pesquisadora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasilia, e coordenadora do Comitê-DF da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), o processo de militarização já presente em muitas escolas do país é a concretização do projeto “escola sem partido“, porque despreza o debate, a individualidade e subjetividade dos jovens.

Catarina afirma que educação e segurança são direitos sociais, mas que não podem ser confundidos. “Lugar de PM não é na escola. Nem ensinando, a menos que seja um policial com licenciatura, nem agindo de forma violenta na resolução de conflitos”, pondera. A pesquisadora se refere ao vídeo que mostra PMs intervindo dentro de uma escola pública em São Paulo, usando spray de pimenta e tirando dois estudantes a socos e pontapés de dentro da instituição.

O caso aconteceu na última terça-feira (18/2), na Escola Estadual Professor Emydgio de Barros, no Rio Pequeno, zona oeste de São Paulo, quando um aluno que não estava com o nome da lista de matriculados do período noturno se negou a sair da escola. A PM foi acionada pela diretora da escola, que foi afastada do cargo.

“Isso não é motivo para acionar a polícia. A não ser que o estudante puxasse uma arma, coisa que não aconteceu, ou que ele passasse a agredir alguém e a escola não conseguisse contê-lo. A arma mais poderosa que a escola tem será sempre o diálogo”, pontua Catarina.

A ideia de que a Polícia Militar é solução para a educação tem apoio popular e do governo federal, que pega carona nessa política populista justamente pela falta de compreensão do que realmente está em jogo.

“A polícia dentro da escola vai apagar o sujeito, apagar identidades, porque as escolas militarizadas impõem a regra do quartel, apaga a identidade da juventude, sobretudo da juventude negra, apaga a questão das mulheres trans, das lésbicas, dos gays. Não há espaço para isso”, explica.

Confira a entrevista:

Ponte – Lugar de PM é na escola?

Catarina de Almeida Santos – Nunca foi e não é por diferentes motivos. Primeiro, a gente precisa olhar a nossa polícia que é militar e militarizada, que tem vários problemas no desempenho da sua função. Educação e segurança são dois direitos sociais garantidos na nossa Constituição de 1988. E nós temos as bases legais que definem quem garante segurança e quem garante educação, dois direitos que a gente nunca garantiu de fato. Se formos olhar os problemas de segurança, eles aparecem muito mais no Brasil. A lógica da nossa PM, a forma com que atua, para quem ela é formada, é uma polícia que não dá conta de resolver aquilo para o que ela foi formada, e que não tem nada a ver com a escola. Nossa polícia sempre está agindo na reatividade. Ela é formada para tratar o cidadão, sobretudo determinados grupos de cidadãos, como inimigos. Quando você imagina que eu estou mandando para dentro da escola profissionais que são forjados para tratar esses cidadãos como inimigos, eu posso dizer que nossos inimigos são nossas crianças, jovens, adolescentes e que, por isso, a polícia precisa estar dentro da escola. A nossa polícia não tem formação e nem condições de trabalho, e essa é uma questão que não pode ser deixada de lado, porque a tropa é mal remunerada, mal equipada, há policiais que acabam adoecendo, basta ver os índices de suicídio entre policiais. Ou seja, não estão preparados para atuar dentro da escola.

Ponte – E como você avalia o vídeo gravada na escola em SP?

Catarina – Obviamente a forma com que a PM age não condiz com o papel que deveria exercer. Por exemplo, se um adolescente estivesse fazendo algo que colocasse em risco a vida dos demais, a polícia deveria estar preparado para imobilizar, impedir que esse adolescente colocasse os outros em perigo. O que ela faz? Coloca ele e os demais em perigo, inclusive apontando arma. Dentro de uma escola um policial jamais poderia usar uma arma. Fico pensando se aparecesse alguém armado e entrasse em confronto, começasse a atirar… O papel da polícia é o inverso. É impedir que isso aconteça. A polícia se mostrou despreparada para atender, se é que foi, uma chamada da escola. Se ela nem foi chamada dentro da escola, pior ainda. Mas ainda que seja chamada, ela precisa estar preparada porque está lidando com adolescentes, crianças, em um espaço fechado.

Ponte – No caso, a diretora chamou a PM porque um dos estudantes, que aparece no vídeo, não tinha encontrado o nome dele na lista. Ela queria que o aluno se retirasse da escola e ele se negou. Cabe lembrar que é uma escola que atende majoritariamente alunos negros e pobres…

 

Catarina – Por isso que eu falei, ela [Polícia Militar] é formada para tratar determinados grupos populacionais como inimigos. Esse policial chega dentro da escola acreditando que aqueles estudantes todos são bandidos, e não pensam isso porque eles fizeram alguma coisa, mas porque são negros, pobres, porque estudam na escola pública. Você identifica quem é mocinho e quem é bandido pela cor da pele, pela aparência, pela escola que estuda. Do jeito que nossa polícia é, ela cria provas para cobrir ilegalidades e abusos que possa ter cometido. Ela é formada para isso e essa é a questão. Eu não olho simplesmente aqueles trabalhadores policiais que aparecem no vídeo como os responsáveis. Eles recebem comando, eles são demandados para fazer aquilo. A formação deles é para criminalizar pela cor da pele, classe social. Não é uma ação individual do policial, tanto que você tem um agindo e os outros colaborando. Todos vão pra cima do adolescente. Você tem a análise de uma cena em que as únicas pessoas que não estão cometendo nada de errado são justamente aqueles que estão sendo imobilizados, ou seja, os estudantes.

Ponte – Nesse caso, acionar a polícia seria a última medida a ser feita?

Catarina – Não tem alternativa para chamar a polícia numa situação dessas. Até porque, pelo que você conta, o jovem estava exercendo o direito dele de estudar. O papel dela era conversar, ir atrás e tentar resolver no diálogo, e não chamar a polícia. E esse é um problema que temos com a anuência de profissionais da educação defendendo a militarização das escolas. A escola só é escola se ela for espaço de diálogo. Numa situação dessa, ela precisa buscar alternativas para que ele tenha o direito de estudar garantido. Isso não é motivo para acionar a polícia. A não ser que o estudante puxasse uma arma, coisa que não aconteceu, ou que ele passasse a agredir alguém e os funcionários não conseguissem contê-lo. A arma mais poderosa que a escola tem será sempre o diálogo. O processo de formação só se dá através do diálogo. Não posso pensar em processo formativo através da violência. O papel dessa diretora seria providenciar a vaga, procurar saber com quem ele havia falado e procurar essa pessoa, enfim, buscar uma solução. É muito lamentável que um profissional da educação não consiga dialogar com um jovem que está querendo estudar, como aparentemente foi o que aconteceu. A escola exercer papel de polícia é muito ruim. Quando você está numa escola de alta vulnerabilidade, o trato e o cuidado devem ser maiores ainda.

Ponte – Como assim?

Catarina – Me lembro quando comecei a dar aula foi numa escola no bairro da Vitória, em Goiânia, um local tão abandonado que o único equipamento público que tinha no bairro era exatamente esse colégio. Era o lugar onde os estudantes se sentiam seguros e nós fazíamos de tudo para dialogar com eles, e usávamos isso para que eles estudassem. Tinha uma política da escola de sempre acolher, jamais expulsar o jovem ou dar suspensão, porque seria uma bonificação. O que fazíamos era dialogar. E eles protegiam a gente, porque eles entendiam que nós éramos as pessoas que mais confiavam neles, que mais cuidavam deles, e que davam aulas para eles sem julgamentos. A relação da comunidade com a escola quando a instituição é verdadeiramente para o bem comum é outra. Nessas áreas de alta vulnerabilidade é importante que a gente trabalhe a auto estima dos estudantes, olhe com carinho o caso dos que precisam trabalhar e mudar de turno, porque, caso contrário, você vai acabar jogando esse jovem para fora da escola e ele poderá, por exemplo, se envolver com crime.

Ponte – Existe um modelo viável de escola militarizada?

Catarina – Não, porque todas as escolas militarizadas, inclusive o programa do MEC, são ilegais, inconstitucionais. Não existe na Constituição brasileira, na Lei de Diretrizes e Bases [LDB], nenhuma previsão de policiais agindo dentro da escola, seja como professores ou gestores. A não ser que ele seja formado em licenciatura e faça concurso para professor. A emenda constitucional 101 de 2019 deu aos policiais o direito de ter duas funções. Mas é o direito de atuar, isso não faz ninguém professor. A LDB vai trazer os princípios da educação nacional e lá não há nada que mencione a PM na escola. As nossas escolas militares seguem um conjunto de regras da corporação. A LDB prevê que o ensino militar será regido por lei específica, mas isso é o ensino que forma os militares, o ensino da academia de polícia. As escolas militares que formam dependentes desses militares e civis são escolas regidas pela LDB, que vai dizer quem são os profissionais da educação, a formação que esses profissionais devem ter e que ele precisa ter experiência na área de docência. Essa lógica de colocar militares dentro da escola para fazer gestão administrativa, pedagógica, disciplinar é inconstitucional, porque os profissionais dentro da escola precisam ser da educação. Não há base legal no Brasil para isso. Todos os projetos de militarização são inconstitucionais.

Ponte – E por que continuam crescendo?

Catarina – Vivo esperando o momento de o poder público entrar no Supremo Tribunal Federal para questionar as militarizações dentro da escola. Há uma crença de que o projeto se desgasta por si só, o que é um equívoco sem tamanho, porque ele só cresce, tem anuência da população, por estarmos numa sociedade conservadora, porque o governo vende isso como a grande solução para a qualidade da educação e para escola segura, e não estamos conseguindo debater com a sociedade que polícia não é insumo de qualidade nem de segurança porque ela tem que ser garantida primeiro fora da escola, o que não está acontecendo. É preciso também entender que há escolas militarizadas no país que estão em áreas de vulnerabilidade e que o PM que está lá dentro é o mesmo que vai matar os jovens que estão estudando nela. A gente não desenvolveu uma capacidade e uma compreensão crítica do que estamos fazendo e para onde estamos indo.

Ponte – Qual o tipo de compreensão que falta?

Catarina – Você vê professores e diretores que querem a polícia dentro da escola como forma de controlar jovens que estão insatisfeitos com o modelo de educação que está sendo oferecido para eles. A polícia não vai melhorar a escola. Ela vai apagar o sujeito, apagar identidades. As escolas militarizadas impõem a regra do quartel, então você vai ter que ter determinado corte de cabelo, você vai ter que se vestir de tal forma, não pode usar brinco. Você apaga a identidade da juventude, sobretudo da juventude negra. Você apaga a questão das mulheres trans, das lésbicas, dos gays. Nada disso vai ter espaço nessa escola. Os dados mostram que é uma escola que exclui aquele que não se adapta à lógica do quartel, quem não rende. Ela se sustenta, inclusive, por causa dos resultados no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Para ter esse Ideb, eles tiram aqueles que consideram “aluno-problema”, desprezando qualquer tipo de inclusão. Ou seja, é a ideia do “eu tiro, excluo, escolho com quem quero trabalhar, vou dar aula para os melhores e entrego os resultados”. Tudo isso para justificar que a polícia dentro da escola resolve o problema.

Ponte – Quais modelos de militarização existem no país?

Catarina – Há muitos modelos de militarização. Se você olhar o termo de cooperação de alguns locais, assinado entre prefeituras e o comando da polícia militar, vai ver que está previsto que a PM implemente a chamada “metodologia de ensino dos colégios militarizados”. Na Bahia, por exemplo, a cláusula primeira desse termo diz explicitamente que não poderá ser oferecido ensino para jovens e adultos e alunos com distorção de idade e série. Você imagina isso? O poder público assinar um documento desse, com uma cláusula dessa, que fere o direito à educação de morte. São essas pérolas que a gente encontra. Tem uma escola na Bahia que, depois que foi militarizada, trocaram as portas de madeira por portas de vidro, para vigiar professores e alunos. A militarização transforma a escola em quartel, porque você tem que bater continência, fazer hora cívica, crianças ficam estressadas porque toda hora precisam colocar a blusa dentro da calça. A juventude tem na vestimenta um forte elemento de identidade, de práticas culturais. Tudo isso tem que acabar. Em Ceilândia [cidade do Distrito Federal], há uma escola militarizada em que alunas queriam fazer um debate sobre feminicídio e a polícia disse simplesmente que não. É importante também dizer que a militarização não tem cor de bandeira partidária. Eu acho que a militarização da escola é o ato último e mais efetivo de apagamento da escola, de imposição do processo do patriarcado, do machismo, da naturalização do racismo. Impossível não lembrar da “escola sem partido”, que queria, na verdade, implementar isso. Todos os problemas da nossa sociedade são pouco debatidos no ambiente escolar e a polícia vai impedir objetivamente que isso seja debatido. Como vamos formar cidadãos menos racistas, menos machistas se não debatermos? E o genocídio da população negra, que atinge esses alunos de escola pública, onde isso será debatido. Formar outra mentalidade para todas essas questões passa pelo ambiente escolar. E militarizar é dizer: não vamos debater nada disso. A “escola sem partido” era isso. É uma escola que não toma partido de nada. É a exacerbação do “escola sem partido”, que é a negação da escola. Ninguém militariza escola privada. Só escola pública e isso não é apenas para controlar, mas para expulsar, para negar esse direito àquelas a quem já é negado uma série de coisas na nossa sociedade.

Fonte: UOL

A posição de docentes da educação básica acerca da militarização de escolas públicas em Goiás

O artigo A posição de docentes da educação básica acerca da militarização de escolas públicas em Goiás, de Erlando da Silva Rêses e Weslei Garcia de Paulo dá sequência aos textos sobre o processo de militarização. Os colégios da polícia militar do Estado de Goiás atendem estudantes da Educação Básica e são fruto de uma parceira entre a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública, iniciada em 1999 na cidade de Goiânia. Outras escolas de regiões periféricas e com alto índice de criminalidade receberam a implantação da militarização. Este texto apresenta uma pesquisa num colégio estadual de Valparaíso de Goiás com o objetivo de saber a posição de docentes acerca deste modelo de gestão escolar por meio de uma enquete por questionário com sete questões abertas para 12 professores/as da escola. Além de pesquisa bibliográfica, utilizamos pesquisa e análise documental e a categorização com o uso da Análise de Conteúdo das respostas ao questionário. Os resultados apresentaram a aprovação do modelo, enfatizando a valorização da hierarquia para o respeito, a disciplina para a efetividade das aulas e o controle sobre posturas e comportamentos de estudantes no ambiente escolar.

Este artigo, o oitavo da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

Introdução
O processo de militarização das escolas goianas se iniciou em 1999 com o
governo de Marconi Perillo, mas voltou a tomar força em 2015, quando se ampliou
o número de escolas estaduais que aderiram à militarização. A implementação se
deu por força de lei estadual, como política pública, e houve mudança curricular,
como a implantação de disciplinas como Noções de Cidadania e exercícios
físicos militares incorporados na Educação Física. As unidades escolares são
administradas pela PM do Estado de Goiás, mas a equipe de professores é a
mesma da rede estadual.
Os colégios da polícia militar do Estado de Goiás (CPMG) atendem
estudantes da segunda fase do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Esses
colégios não fazem parte do Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), o qual
é subordinado ao Exército, mas são fruto de uma parceira entre a polícia militar
goiana e a Secretaria Estadual de Educação de Goiás (SEDUCE), sendo um
modelo singular no contexto brasileiro.
As cidades goianas que receberam as escolas possuem as mesmas
características socioculturais, como o fato de serem regiões periféricas com alto
índice de criminalidade, segundo o Atlas da Violência 2018 (CERQUEIRA et al.,
2018). O Atlas mostra que as políticas públicas de segurança pública de Goiás e
as ações sociais destinadas à redução da violência da última década não surtiram
efeito ou, na melhor das hipóteses, fracassaram.
O professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Dijaci David
de Oliveira, em seu artigo “As escolas militares: o controle, a cultura do medo
e da violência”, publicado na obra de Oliveira e Silva (2016), reforça o caráter
imperativo da medida como forma de ampliar a agenda neoliberal e de ofensa aos
movimentos sociais. Para Oliveira (2016), existem várias razões que favorecem as
escolas militares, entre elas, o discurso do medo e da violência, que apresenta os
adolescentes como perigosos.

O Munípio de Valparaíso de Goiás compõe a RIDE e está localizado na
área Metropolitana de Brasília (AMB)1
e Entorno Sul do Distrito Federal (DF).
A Região Integrada do Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno – RIDE
foi criada por meio da Lei Complementar nº 94 e sancionada pelo Presidente da
República em 19 de fevereiro de 1998. Formam a RIDE, além do Distrito Federal,
19 Municípios do Estado de Goiás e 3 do Estado de Minas Gerais (BRASÍLIA,
2007).
O Município de Valparaíso-GO possui um Índice de Desenvolvimento
Social (IDS) bem abaixo da média do Estado de Goiás e está entre os 100 municípios
populosos, com baixa receita per capita e alta vulnerabilidade socioeconô¬mica,
segundo publicação ‘g100’ da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), de dezembro
de 2013 (RÊSES, 2015a).
Os estudantes de escolas públicas do Estado de Goiás e da área
metropolitana de Brasília-DF, como Valparaíso de Goiás-GO, são provenientes de
famílias de baixa renda, com baixa escolaridade e com alto índice de desemprego,
sendo marginalizados pela escassez de oportunidades e convivendo em salas de
aulas lotadas em estruturas físicas precárias.
Segundo dados da Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios
(PMAD 2017/2018) da Companhia de Planejamento do Distrito Federal
(Codeplan),
Valparaíso-GO tem 164.664 habitantes, sendo um dos municípios mais populosos
do Estado de Goiás (GDF, 2018).
A pesquisa do PMAD 2017/2018 apontou que o município conta com 53.817
domicílios urbanos tendo, em média, 3,06% moradores por domicílio. A renda
per capita real é de R$ 790,60, sendo uma renda domiciliar real de R$ 2.391,53
(GDF, 2018).

Dessa população, os dados mostram que apenas 1,11% são analfabetos
e 7,59% possuem nível superior completo. Chama a atenção o fato de que, em
56,54% dos domicílios, há automóveis e o município é o primeiro em desigualdade
social, atingindo 0,440 % em grau de desigualdade medido pelo Índice de GINI3
(GDF, 2018).
Os últimos dados do censo do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) de 2016, mostram que, em Valparaíso de Goiás-GO, a média
salarial dos trabalhadores formais não passa de dois salários mínimos (1,9). O
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município é de 0,7464
(BRASIL, 2016).
Os dados do IBGE demonstram que, apesar da alta escolarização de
alunos entre seis e 14 anos (96,8%), o Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) em 2015 era de 4,9 para os anos iniciais e de 4,1 para os anos finais
no município (BRASIL, 2016).
No desenvolvimento do texto realizamos uma breve abordagem histórica
do processo de militarização no Brasil e sua relação com a educação. Além de
pesquisa bibliográfica, utilizamos pesquisa e análise documental em fontes
oriundas da lei de criação do colégio militarizado pesquisado, o Projeto Político

Pedagógico da escola, o Regimento Interno, o IDEB, jornais e periódicos da
época e a grade curricular da parceria entre a SEDUCE e o Comando de Ensino
da Polícia Militar de Goiás. Por fim, aplicamos uma enquete por questionário
com sete questões abertas para 12 docentes da escola. A partir das repostas
fizemos a categorização com o uso da Análise de Conteúdo.

HISTÓRIA E IDEOLOGIA MILITAR NA EDUCAÇÃO
O processo de militarização não é algo novo no Brasil. Sua sistematizada
interferência na educação, igualmente, não é nada novo. Desde os primeiros
pensamentos sobre escola, instrução e ensino, sempre se evidenciou a forte
presença e a influência militar na construção, consolidação e efetivação da
educação.
Um nome de relevância nessa perspectiva de implementação militarizada
na educação foi Benjamim Constant. Ele entrou para o exército em 1852,
participou da Guerra do Paraguai e era um dos idealizadores do golpe que derrubou
o Império de D. Pedro II, sendo, por isso, considerado um dos fundadores da
República. Foi Ministro de Guerra e Ministro da Instrução Pública, Correios e
Telégrafos do governo do Marechal Deodoro da Fonseca.
Benjamin Constant, conceituado e respeitado professor da Escola Militar
– escola criada e mantida no Rio de Janeiro à época – determinou o lema da
bandeira brasileira. A ideia veio das influências sobre ele dos ideários positivistas
de Augusto Comte, que considerava a educação como prática essencial para
a anulação de tensões sociais. Sendo assim, Constant encabeçou uma nítida
reforma na educação do Brasil e publicou as obras “Memórias sobre a Teoria
das Quantidades Negativas” e o “Relatório sobre a Organização do Ensino dos
Cegos” (LINS, 1964).
Na década de 1850, o governo percebeu a situação que se configuraria
no ensino da Real Academia, e desmembrou-a em dois estabelecimentos: o
ensino militar, transferido para a Praia Vermelha, naquele estabelecimento que
ficou conhecido como Escola Militar, e o ensino de matemática, ciências físicas e
naturais e engenharia, aberto tanto a militares quanto a civis, com a implementação
da Escola Central, conhecida, em 1874, como Escola Politécnica (LINS, 1964).
Devemos considerar que, já na primeira república, com a política café
com leite, imperaram as práticas coronelistas em todo o país, especialmente em
Goiás. Evidentemente, a escola era elitizada e voltada aos interesses dos coronéis,
fortalecendo ideais militares como manutenção da soberania burguesa patriarcal.
Jappe (2013) lembra do pensamento positivista e da presença militar
na sociedade. Desde que a valorização do capital começou a cortar os víveres
do Estado, este recuou e abriu mão de setores cada vez mais amplos, que eram
próprios de sua intervenção. Quando não houvesse mais tantos enfermeiros e
professores no serviço público, haverla cada vez mais policiais. Em tempos de
crise, o Estado não tem mais nada a oferecer aos seus cidadãos além de “proteção”,

e ele não tem, portanto, qualquer interesse em perpetuar a insegurança que cria a
demanda por proteção. O Estado pode privar-se de todas as suas funções, com
exceção da manutenção da ordem.
O autor enaltece Estado que se transforma de novo no que sempre foi
em seus primórdios: um bando armado. As milícias se tornam polícias “regulares”
em numerosas regiões no mundo, e as polícias se tornam milícias e bandos
armados. Jappe (2013) explicita que por trás de toda essa retórica sobre o Estado
e seu papel civilizador, há sempre, em última análise, alguém que esmaga a cabeça
de outro ser humano, ou que, pelo menos, tem a possibilidade de fazê-lo.
Vicentini (2014) etnografou policiais militares (cabos e soldados) goianos
atendidos pelo serviço de psiquiatria do Hospital da PM, e notou um conflito
entre a caserna e a rua:
[É] possível afirmar que o contraste com o mundo dos civis, conforme asseverado,
“baliza” o ingresso na ordem militar e a construção dessa nova identidade social.
Enquanto a ordem militar é rigidamente organizada, moralizada, disciplinada
e tida como exemplo a ser seguido, o mundo dos civis é frouxo, desregrado,
permeado de vícios, imoral, sujo (VICENTINI, 2014,.p.65).
Quanto às atribuições, a PM é vista enquanto instituição “não pura” em
relação ao Exército, tendo em vista o contato direto com civis, compreendidos
enquanto “impuros” (VICENTINI, 2014, p. 66).
O contraste da PM em relação à Polícia Civil se dá pelo caráter disjuntivo da
polícia brasileira. No caso da PM, a ela é reservado exclusivamente o policiamento
ostensivo fardado com o objetivo de se preservar a ordem pública, ao passo que
à Polícia Civil cabem o registro de ocorrências e as investigações criminais.
Distinguem-se em relação à estrutura, a normas administrativas e
operacionais, à disciplina e ao salário (VICENTINI, 2014, p.67).
A repressão é essencial para que exista o controle do Estado e esse, por
meio de seus aparelhos ideológicos, é responsável por transmitir os pensamentos
e os desejos da classe dominante, com o objetivo de manter o status quo
estabelecido, como nos elucida Althusser (1980), em “Aparelhos Ideológicos
do Estado”. O aparelho repressivo de Estado funciona por meio da violência
e compreende o governo, a administração, o exército, a polícia, os tribunais, as
prisões, etc, para se garantir a reprodução das relações de exploração no Estado
capitalista e, também, para garantir as condições políticas do funcionamento dos
aparelhos ideológicos de Estado (ALTHUSSER, 1980).

Na escola contemporânea, por exemplo, a presença do sinal ou da sirene
para iniciar as aulas, o uso do uniforme, as fileiras, a distribuição de cadeiras e
mesas, o controle do diário com frequência, as disciplinas a serem cursadas, grade
curricular e departamentos, nos remete à institucionalização militar na esfera
educacional.
Não apenas a escola foi militarizada desde o princípio da república
brasileira, a partir das concepções positivistas, como afirma Lins (1964), mas a
escola reproduz toda a sociedade brasileira. Ela passa a desempenhar um papel
diferente daquele para o qual fora incialmente criada. Agora a escola é um grande
Panóptico de Bentham,
Espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos
estão inseridos em um lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados,
onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto
de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão,
segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente
localizado, examinado e distribuído, isso tudo constitui um modelo compacto do
dispositivo disciplinar (FOUCAULT, 2014, p. 192).
O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural da composição da escola
militarizada. O princípio é conhecido: na periferia, uma construção em anel; no
centro, uma torre vazada, com janelas largas que se abrem sobre a face interna
do anel. A construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda
a espessura da construção, sendo que cada uma dessas celas possui duas janelas,
uma para o interior, correspondendo às janelas da torre, outra para o exterior,
permitindo que a luz atravesse a cela toda. Basta, então, colocar um vigia na torre
central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário
ou um escolar.
A garantia da ordem se dá por meio da disciplina e de punições. O que
se espera dos estudantes é que não haja colas, barulho, conversas, dissipação.
A multidão, massa compacta, local de múltiplas trocas, individualidades que se
fundem, efeito coletivo, é abolida em proveito de uma colação de individualidades
separadas.
Foucault (2014) lembra ainda que o jurista e filósofo inglês Jeremy
Bentham, criador do panoptismo, idealiza que as instituições panópticas pudessem
ser tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas, basta
que as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas.
Militarizar escolas públicas do Estado não era apenas uma ação deslocada
do governo goiano, mas uma atitude eleitoreira e populista. O grande objetivo
alcançado da medida governamental em militarizar escolas estaduais, há quase
duas décadas em Goiás, é apresentar à sociedade uma gestão cujas palavras

fundamentais são monitoramento e punição, que constituem formas de controle social
capazes de “manter” a ordem estabelecida e vigente. Em nada a militarização
das escolas goianas enfatiza algum aprimoramento pedagógico na construção
do conhecimento por parte dos estudantes. Pelo contrário, a ação pode ser:
“analisar os métodos punitivos não como simples consequências de regras de
direito ou como indicadores de estruturas sociais; mas como técnicas que têm sua
especificidade no campo mais geral dos outros processos de poder. Adotar em
relação aos castigos a perspectiva de tática política” (FOUCAULT, 2014, p. 27).
A escola brasileira se estruturou com base no modelo taylorista, com uma
rígida especialização das tarefas a serem executadas e, desse modo, o professor é
visto como um especialista voltado apenas para a sala de aula, ou seja, é distanciado
do processo de pensar e planejar a ação educativa, perdendo-se, portanto, a visão
de totalidade inerente à prática pedagógica (RÊSES, 2015b).
Na escola militarizada, os estudantes são submetidos à vigilância e ao
monitoramento a todo momento por meio da presença de militares armados
num complexo educacional que mais lembra um quartel, com salas de aulas
e professores de jalecos brancos. Isso induz a uma íntima relação de poder e
submissão permanente.
Nada de criticidade nem de questionamentos; ao contrário, há uma
formação de jovens que sabem que estão sendo vigiados e que, portanto, agem
de maneira ‘dócil’, zelando pela manutenção do status quo. Ser observado sempre
é uma forma impositiva de poder e disciplina, havendo possibilidade de ações
punitivas. Ou seja, o medo impõe o ‘respeito’.
Outro fato que também chama a atenção na Polícia Militar é a presença
de discriminações, sejam raciais ou de gênero. Há democracia racial até o
ponto em que o negro não se coloca em condição de disputar com o branco.
Diferentemente da discriminação ocorrida nos Estados Unidos ou África do Sul,
que se caracterizou por ser segregacionista, a discriminação no Brasil pode parecer
não existir para os menos avisados, mormente por coexistirem negros e brancos
no mesmo ambiente. Mas há, tacitamente, e, em alguns casos, explicitamente,
delimitação social. O negro frequenta o mesmo espaço, porém não tem permissão
para disputá-lo com aquele que se julga dominador (ARAÚJO, 2008)
Em sua pesquisa, Araújo (2008), realizando grupo focal, evidenciou,
a partir das falas de policiais femininas, a visão machista/sexista de nossa
sociedade refletida nas ações de alguns policiais. No grupo focal, uma sargento
reclamou dos assédios diretos e indiretos de que foi vítima. Pelo fato de não
ceder às investidas de alguns policiais, foi taxada de lésbica e sempre teve sua
vida profissional dificultada por esses profissionais, sendo escalada em serviços
chamados de ‘boca podre’, onde o estresse e a tensão são maiores e a quantidade

de ocorrências também. A característica do dominador se revela nesse episódio:
se não te domino, então te calo, para mostrar quem é o dominador. As qualidades
e méritos das policiais mulheres são ignorados.
No grupo focal, foi revelado que há descontentamento entre o próprio
grupo feminino, pois quando uma policial se destaca, sendo promovida ou
fazendo um curso disputado, recebendo elogios, medalhas ou dispensas, as
companheiras de farda comentam que ela tem ou deve estar na iminência de
ter um ‘caso’ com algum superior. Também não há confiança de que elas sejam
capazes de desempenhar a função policial militar. Esse desconforto aumenta
quando a função é de comando (ARAÚJO, 2008).
A situação de discriminação contra a mulher parece ficar mais
constrangedora quando se é negra, afirma Jurema Werneck (2007). Segundo dados
colhidos no site ‘Diálogos contra o racismo’, as mulheres negras brasileiras estão
entre os contingentes de maior pobreza e indigência do país, possuem menor
escolaridade, apresentando uma taxa de analfabetismo três vezes maior que as
mulheres brancas, além de menor expectativa de vida.
Outra rejeição muito forte por parte dos policiais militares se dá em
relação ao policial homossexual. Os entrevistados, tanto oficiais quanto praças,
não se sentiram bem em conversar sobre o assunto. Alguns admitem a existência
de policiais homossexuais, mas alegam que não fica bem um Policial Militar com
gestos femininos, pois a farda exige respeito. Um tenente coronel confidenciou
que a homossexualidade, tanto masculina quanto feminina, enfraquece a moral da
tropa, mas que há maior tolerância para homossexualidade feminina que para a
masculina (ARAÚJO, 2008).
Além dessa questão, outro aspecto a ser questionado é o caráter público
das instituições de ensino militarizadas, na medida em que “taxas simbólicas”
são cobradas dos/as alunos/as, a exemplo de matrícula e fardamento militar,
impossibilitando que a população em vulnerabilidade socioeconômica da região
possa manter seus filhos e filhas na escola.
Frente ao exposto, cabe problematizar o impacto em esfera educacional
da gestão do ensino por parte de uma instituição balizada por assimetrias
de poder fundamentadas na violência. Assim sendo, o policial, sem formação
profissional, não possui condições para desempenhar o ofício pedagógico de um
professor. Na contramão disso, como forma de legitimar ainda mais o processo
de militarização, foi promulgada, no último dia 4 de julho de 2019, pelo Senado
Federal, a EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 101 DO SENADO FEDERAL,
DE 03 DE JULHO DE 2019 de autoria do senador e policial Alberto Fraga
(DEM/DF), que regulamenta o acúmulo de cargos ao Policial Militar, que pode

atuar agora também como professor. O modelo educacional militarizado em nada
preconiza qualidade no ensino e fere diretamente preceitos constitucionais, como
o fim da gestão democrática e o pagamento de taxas na escola pública.

A POSIÇÃO DE DOCENTES SOBRE A MILITARIZAÇÃO DE
ESCOLAS PÚBLICAS
Nesta pesquisa utilizamos observação com presença na escola e diálogo
informal com docentes, pesquisa documental e aplicação de questionário com
docentes de um colégio estadual de Valparaíso de Goiás. Para o tratamento dos
dados usamos a análise de conteúdo, com utilização de categorias.
No levantamento do perfil sociodemográfico dos questionários,
podemos apresentar situações para compreender o perfil de cada docente que
participou da pesquisa. Buscamos, com isso, compreender a totalidade em que se
insere o investigado e, a partir de sua experiência pessoal, política e educacional,
compreender como eles percebem a gestão militarizada nas escolas goianas e sua
relação com a comunidade escolar.
Na observação realizada na escola e no contato com o corpo docente
obtivemos a informação de que o procedimento mais apropriado para a
investigação seria a enquete por questionário. Certamente, o atual cenário político
brasileiro, em que o governo do Estado
e governo federal de Jair Bolsonaro
(PSL) defendem a ampliação da militarização em todas as escolas, promoveu essa
situação mais distanciada para a pesquisa de campo.
Das 12 pessoas entrevistadas na enquete por questionário, sete eram
mulheres e cinco homens. Desse total, apenas três residiam em Valparaíso

GO. Um outro mora no município de Cidade Ocidental-GO, três na região
administrativa de Santa Maria-DF, outras três na região administrativa do Gama

DF, uma na região administrativa de Águas Claras-GO e outras duas declararam
morar em Brasília ou no Distrito Federal. Portanto, apenas quatro docentes
moram em municípios goianos que formam a Área Metropolitana de Brasília
(Cidade Ocidental e Valparaíso).
Outro fato relevante é que, dos 12 docentes, oito possuem contrato
temporário com a rede pública de ensino goiano. Apenas quatro são efetivos
por concurso público. Ficou evidente durante o preenchimento dos questionários
que esses oito não gostariam de aprofundar muito no assunto da pesquisa, e que,

em geral, eram adeptos da gestão militarizada. Não havia muito interesse em
polemizar nada, até porque sua condição precarizada de trabalho não permitiria
muitos questionamentos.
Quanto à formação acadêmica dos docentes da pesquisa o quadro é: um
docente possuía somente graduação, cinco eram especialistas e outros seis tinham
concluído mestrado ou estavam em fase de conclusão. A maioria lecionava Língua
Portuguesa ou Matemática no colégio militarizado. Em relação à graduação dos
docentes, quatro tinham formação em Letras, dois em Ciências Sociais e dois em
Matemática. Os demais docentes apresentaram graduação em História, Pedagogia,
Engenharia Mecânica, Economia e Biologia. Alguns professores apresentaram
duas graduações.
Observamos que os docentes ministravam no colégio mais de uma
disciplina, como no caso dos formados em Letras com habilitação em Português
e Inglês; ou ainda aqueles que tinham duas graduações. Assim, observou-se
que três ministravam Matemática e três ministravam Língua Portuguesa. Dois
ministravam Inglês e dois História. Para cada uma das disciplinas, Ciências,
Geografia, Biologia, Espanhol, Sociologia e Química, havia apenas um docente.
Os investigados trabalhavam no Ensino Fundamental II e no Ensino Médio.
É interessante observar que todos os docentes possuem experiência em
sala de aula. Desses, três estão no colégio militarizado a partir de 2019; três estão
desde 2018; dois chegaram em 2016 e outros dois em 2017. Um docente está no
colégio desde 2015, e apenas um trabalha no colégio antes da militarização, ou
seja, desde 2012.
O questionário foi de sete questões e, a partir das respostas criamos
categorias, observando a regularidade ou frequência das respostas para a definição
da categoria. Algumas respostas foram reduzidas, mas tiveram sua essência e teor
mantidos nos quadros seguintes.

Partindo das categorias mencionadas, podemos perceber que os docentes
deram ênfase à questão da organização implementada pela gestão militar. Essa
compreensão foi determinada por uma escola que consegue impor disciplina
entre os estudantes e isso passa a impressão de que a gestão é competente e
age com profissionalismo. Um docente lembrou, entretanto, que a gestão não
age de forma democrática. As decisões são, em sua maioria, tomadas de maneira
unilateral pelo Comando e Direção e devem ser seguidas pelo colégio. Outro
docente chamou a atenção para o papel transformador da educação, que em
nada é lembrado pela militarização. Pelo contrário, ele deixa explícito que faltam
políticas de conscientização por parte da gestão que resgatem ou trabalhem esse
papel da educação, tão defendido por teóricos como Paulo Freire.
É importante ressaltar que o “profissionalismo da gestão”, citado por
alguns docentes, refere-se à possibilidade que os professores encontram de
cobrar dos estudantes que as tarefas sejam realmente realizadas, que os alunos os
respeitem e que as exigências sejam cumpridas, mesmo que por meio da imposição
pelo medo.

Aqui surgiram palavras como supervisionados, controlados e cobrados para
exemplificar que os docentes são submetidos a apreciação militarizada durante o
exercício da docência. Uma das respostas demonstrou que o investigado apenas
aceitou porque se adaptou às regras. Outro respondeu que não se sente vigiado,
e fez questão de comentar que os alunos tem total liberdade de descrever aos
militares qualquer ação fora do esperado dentro de suas aulas.
Um docente se sente controlado em algumas situações, respondendo
“às vezes”, e outro deixou claro que a presença de militares armados dentro do
ambiente escolar causava-lhe surpresa e gerava desconforto. Ele lembrou ainda da
postura sempre sisuda dos militares fardados.
Fica evidente, nas respostas dos docentes, que as aulas são monitoradas, de
maneira direta ou indireta com intervenção ou não da coordenação pedagógica.
Uma postura ou um olhar são exemplos dessa interferência.

Novamente, a maioria dos docentes revela a importância da disciplina
para manutenção de boas aulas. Foram as categorias mais repetidas, seguidas
também de organização e ordem. A grande maioria defende a gestão militarizada
por conseguir atingir também estudantes quietos, com a valorização da rotina e o
aproveitamento deles para o papel de vigilância e controle, como o desempenho
do papel de chefe de turma.
É importante notar os mecanismos estruturais subjacentes à formação do
espírito de corpo da PM. A hierarquia e a disciplina são dois princípios-chave para
se compreender os signos estruturantes da PM. A hierarquia possui um caráter
segmentador e organizador, ou seja, ela estrutura as condutas e as relações sociais
dos indivíduos; a disciplina, por sua vez, garante a manutenção da hierarquia,
bem como o sentimento de pertencimento a uma totalidade com o consequente
aviltamento da esfera individual (VICENTINI, 2014).
O processo de militarização das escolas goianas envolve uma educação
disciplinadora e controladora a serviço da docilidade do comportamento humano,
o que exemplifica a teoria do controle social. Grosso modo, essa teoria designa um
conjunto heterogêneo de recursos materiais e simbólicos que mantêm a ordem
social, ou melhor, que garantem que os indivíduos comportem-se de maneira
previsível e de acordo com as normas sociais vigentes em sua sociedade. Dessa
forma, o controle social é a regulação do comportamento (e até do pensar) dos
indivíduos dentro de uma conduta desejável por aqueles que governam e legislam
sobre o grupo social controlado.

Trata-se de um “conjunto de métodos pelos quais a sociedade influencia
o comportamento humano, tendo em vista manter determinada ordem”
(MANNHEIM, 1971, p. 178).
Um respondente pontuou que as regras são cumpridas e a ordem existe,
porém isso ocorre pela imposição e não por convencimento pedagógico. O que
há é obediência e não convencimento. Para esse docente falta carisma. Outro
docente acha que essa manutenção da ordem pela gestão utilizando-se da base
militar deveria ser mais humanizada. Ainda de acordo com o docente, poderíamos
refletir sobre os fins e os objetivos almejados pelos militares.
Os docentes destacaram valores normatizados e insistentemente
lembrados e trabalhados em todo ambiente do colégio militarizado, seja no diálogo,
nas reuniões ou nos regimentos. Disciplina, responsabilidade e compromisso são
termos sistematicamente lembrados nas respostas.
Organização e cidadania também foram bem citados, ainda que um
dos questionários tenha mostrado que essa organização e disciplina somente se
efetivam mediante a presença de militares.
Alguns docentes, de maneira informal, mesmo comentando não
concordar muito com a maneira como se trabalha no regime militarizado, ainda
assim concordam que a organização e a disciplina por parte dos estudantes é
fundamental para o aprendizado.

Os professores fizeram questão de afirmar que o currículo das disciplinas
segue o mesmo em todas as escolas da rede estadual (SEDUCE). Todavia, um
docente registrou que além das disciplinas previstas pela SEDUCE também são
trabalhadas Noções de Cidadania, matéria essa que é lecionada por militar.
Os professores participantes não fizeram nenhuma avaliação sobre
a disciplina lecionada por um militar, com orientações gerais que amparam a
militarização e seus valores no ambiente educacional. Trabalhar a Ordem Unida,
bater continência e hasteamento da bandeira não foram atividades problematizadas
pelos investigados. Preferiram fazer críticas ao atual currículo, apontando que ele
deixa de trabalhar conteúdos relevantes e que está defasado.
Os docentes não fizeram alusão à sua participação na elaboração do
currículo ou à sua participação em atividades escolares e pedagógicas. Houve
concordância com a imposição dos conteúdos, como os “aulões” para atingir
índices numéricos, e submissão a ação pedagógica dos militares.

A meritocracia sempre foi um assunto polêmico nos debates
educacionais. Não foi diferente nas respostas obtidas. Ainda que a grande maioria
tenha citado meritocracia e hierarquização entre os estudantes como algo bom,
favorável, positivo e necessário deve-se levar em consideração que docentes,
que em respostas anteriores defenderam a gestão militarizada, agora se mostram
contrários à meritocracia.
Uma das respostas questionou o caráter impositivo de meritocracia
e hierarquia. Para esse docente, a educação precisa de debates, o que favorece
o crescimento e a interação social. Ele não vê com bons olhos esse processo
de hierarquia entre estudantes. Outro ponto interessante é perceber que outro
docente, que defende a gestão militarizada, deixou “escapar” que o regime não é
aceito tão tranquilamente. Em sua resposta, observou que, no início, sempre há
dificuldade de compreensão por parte dos estudantes, mas que isso é superado
com o passar do tempo.
Uma das respostas apontou que esse processo meritocrático e
hierarquizado permite que alunos mais velhos ajudem os mais jovens na
realização das tarefas. Todavia, a professora não soube explicar se isso ocorre pela
importância da ajuda mútua ou por imposição, tendo em vista a hierarquização,
que ocorre por meio da atuação da figura do chefe de turma, ou por meio da
meritocracia, com a presença do aluno ‘zero um’.
Destacar alunos por meritocracia, com base no regime militar, é um
princípio do colégio e estimulado por todos. Além do chefe de turma, existe
também o chefe geral, e o aluno destaque chamado ‘zero um’. O chefe geral é

um estudante do terceiro ano do Ensino Médio. Geralmente, o cargo é designado
a alunos exemplares nas concepções militares de comportamento e notas. O
mesmo ocorre com o zero um. A esses são reservadas premiações, como o alamar
e certificados. No caso do zero um, haverá também exposição permanente desse
aluno em uma galeria de fotos que ficará disposta na entrada central do colégio

A hierarquia do policiamento brasileiro pode ser compreendida ainda
enquanto um fato social total, ou seja, os princípios estruturantes do universo
simbólico militar perpassam todas as esferas da vida dos sujeitos, desde o
campo do trabalho enquanto policial propriamente dito, até a esfera pessoal,
fora da corporação. Segundo Vicentini (2014), é possível reconhecer o policial
militar através de sua hexis corporal, ou seja, por meio da fala, dos gestos e dos
comportamentos.

O certificado de aluno zero um (Figura 2) é um modelo meritocrático
instituído no ensino militarizado. Aqui, foi preservada a identidade do estudante
que alcançou o “reconhecimento” no último período

De acordo com o levantamento das repostas da última pergunta do
questionário, segundo a concepção dos docentes, a comunidade aprova a gestão
militarizada. A grande maioria aprova, apoia, elogia, admira e gosta do modelo
do regime militar ao qual a gestão submete a escola. Para alguns é importante
ressalvar que essa aprovação está diretamente ligada à questão da violência nas
imediações do colégio e também nas suas dependências e à presença de drogas
ilícitas.
Os professores avaliam o alto número de procura de vagas por parte dos
pais como um dos indícios de que há aprovação entre a comunidade escolar em
relação à militarização escolar. Em nenhum momento foi evidenciado que essa
aprovação se respalda por aspectos pedagógicos ou mesmo por melhores índices
nas avaliações de larga escala, um dos motivos, aliás, defendido pelo governo
goiano para ampliar esse processo na rede estadual. O que leva à ampla defesa
da gestão por parte dos pais é a sensação de segurança com o colégio cheio de
militares armados.
O discurso da segurança pública tem-se tornado importante para muitos
governantes. Por meio desses discursos, governos como o de Goiás podem
ter maior controle sobre os movimentos sociais, pode ocorrer a ampliação
da capacidade de monitoramento dos grupos de oposição, assim como de
acompanhamento de setores apontados como socialmente incômodos como,
por exemplo, as pessoas em situação de rua, migrantes estrangeiros de países
considerados pobres ou arrasados, alem de movimentos sociais de contestação
(OLIVEIRA; SILVA, 2016).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde a Constituição Federal de 1988 a gestão democrática da educação
pública é um princípio constitucional, visando à integração e à participação
dos entes envolvidos no contexto escolar, diferentemente do que vem sendo
executado pela Polícia Militar nos colégios estaduais de Goiás.
Dois princípios são fundamentais para a caracterização e fortalecimento
da gestão democrática: o princípio da autonomia e o princípio da participação
da comunidade escolar. Isso se reflete na elaboração da proposta pedagógica
da escola, na constituição dos conselhos escolares e na existência e atuação de
grêmios estudantis. Sem esses elementos há uma grande tendência para a presença
da chamada cultura do medo, do adestramento, com objetivos tecnicistas, por
meio da imposição e da participação de pessoas portando armas no ambiente
educacional.

Consideramos a elaboração do Projeto Político Pedagógico o principal
instrumento para o exercício da autonomia e da participação escolar e, desse
modo, o principal instrumento para a realização de uma gestão democrática
na escola. Concebemos gestão democrática não apenas como a eleição direta
para gestores, e sim como um conjunto de ações que valorizem e estimulem
a participação coletiva de todos atores que estão diretamente envolvidos com
a escola; independentemente de como essa gestão democrática é estabelecida
pelos sistemas de ensino, seja por prova, lista tríplice ou por eleição do gestor ou
equipe gestora. Contudo, para a legitimação, é fundamental que, para o cargo de
diretor po diretora, haja eleição direta com a participação ativa da comunidade
escolar. Em Goiás, inclusive, existe a previsão de essa eleição ser substituída pela
indicação unilateral de um militar da reserva para gerenciar o espaço escolar.
A luta pela cidadania no campo educacional, diferentemente da visão
de cidadania dada pelos militares nos colégios militarizados, segundo Frigotto,
Gadotti e Romão (1997), é a mesma luta pela cidadania que constrói a emancipação
humana no conjunto das lutas sociais – pela terra, pela distribuição de renda e
reforma agrária, por emprego e remuneração digna, pelo direito à saúde, educação,
trabalho, seguro desemprego e aposentadoria.
Assim, parece-nos que a militarização de escolas estaduais visa tão
somente à promoção de uma “cura” social, banindo a criminalidade. Existe, nesse
contexto, uma total inversão de valores, segundo a perspectiva deste trabalho, em
que a vítima – o estudante excluído e marginalizado – passa a ser tratado como
potencial criador do caos e da desordem, precisando de intervenção repressora
para tornar-se “socialmente aceitável”.
O governo goiano e os partidos de sua base aliada decidiram pela
militarização como medida repressora de manutenção da ordem, a partir de uma
política pública, desconhecendo os estudos educacionais, que pontuam outras
políticas públicas, como educação integral e politécnica, além do fomento à
cultura e aos esportes como alternativas ao combate à criminalidade. Uma triste
realidade que, fatalmente, resulta em terríveis lacunas de aprendizagem desde a
alfabetização. Para além disso, os estudantes sofrem com a distorção idade/série e
a ausência de políticas públicas educacionais que visam não apenas aos resultados
avaliativos finais, mas sobretudo, êxito no processo ensino-aprendizagem
A própria PM reconhece que sua formação é para a repressão e não para
o trato com a sociedade civil. Policiais militares treinados para o embate com uso
de armas e viaturas. Sua postura denota constante ambiente de ataque ou defesa:
portanto, não há nada que possa caracterizar esse tipo de profissional enquanto
um gestor de escola. Para muitos policiais, inclusive, o caminho seria justamente
pela desmilitarização da polícia.

Outro ponto de total desacordo com a Constituição Federal é a cobrança
de “taxas voluntárias” mensais e a matrícula mediante sorteio. Tais situações
divergem daquilo que está elencado na Carta Magna sobre o mecanismo de
gratuidade da escola pública e da oferta de vagas para todos.
A própria organização da PM, etnografada e pesquisada por muitos
especialistas, alguns da própria corporação, apresenta indícios de problemas
na formação militar daqueles que se propõem estar gerenciando um espaço
educacional, inclusive lecionando, como no caso da disciplina Noções de Cidadania.
Policiais são treinados para cumprir ordens, bater continência, combater o crime
e agir com repressão. Vivem o conflito entre a caserna e a rua. Não possuem
liberdade de expressão, de opinião e de luta pelos próprios direitos via associações
e sindicatos. Sofrem com discriminação racial, homofobia e racismo no interior
dos quartéis. Portanto, não possuem as condições necessárias para trabalhar em
escolas, lidando diretamente com crianças, adolescentes e jovens.
Não é papel da Polícia Militar a direção de escola pública. A pesquisa
detectou docentes apoiando a gestão militarizada escolar, a disciplina militarizada
e a meritocracia. Disciplina que valoriza decorar conteúdos e cumprir regras. Esses
docentes estão trabalhando em condições precarizadas, sem garantias estatutárias
e trabalhistas, aderindo ao regime sob a ameaça do medo imposto por militares
para a resolução dos problemas. Inclusive, há imposição aos docentes de não
participar de assembleias da categoria ou aderir a greves.
Pensando nos policiais tambem enquanto classe trabalhadora, é
importante a luta pela liberdade de expressão, de livre associação sindical e política,
de luta pelo desarmamento e pela desmilitarização; pelo fim da discriminação
e por autonomia. Essa polícia não está apta a dirigir unidades escolares. Essa
função precisa ser desempenhada por aqueles que conhecem a educação,
sobretudo a educação pública e a comunidade em torno da escola. É inadmissível
um ambiente excludente e competitivo na escola, onde os ‘melhores’ sobressaem
em detrimento do processo de ensino-aprendizagem de forma isonômica e que
renegue os conflitos sociais.
O processo de militarização está intimamente ligado à sociedade
capitalista, sendo que a escola é um espaço privilegiado de lutas de classes; assim,
segundo alguns autores marxistas como Gramsci, Saviani e Lukács, ela resulta de
uma divisão de classes, passando a ciência e o conhecimento a ser propriedade do
capital na luta de classes. Nessa perspectiva, as consequências são o enfrentamento
de classes e a limitação do indivíduo.
O combate à criminalidade e às desigualdades sociais se faz com mais
investimentos na educação pública, na estrutura organizacional e estrutural das
escolas, no conhecimento e na pesquisa científica, na difusão dos desportos e das

artes como processo educativo e nunca na manutenção de ordem e controle social
por meio do medo e da imposição de uma farda e uma arma. A escola não precisa
de armas, precisa é de mais livros.

REFERÊNCIAS
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cultura midiática. Tese de Doutorado em Comunicação e Cultura, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, . 2007.
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ERLANDO DA SILVA RÊSES é Doutor em Sociologia pela Universidade de
Brasília (UnB). É professor da Faculdade de Educação (FE) e do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UnB (PPGE). Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Materialismo Histórico-Dialético e Educação (CONSCIÊNCIA)
da FE/UnB. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (GEPT)
do Departamento de Sociologia da UnB. Autor, co-autor ou organizador das
obras: De Vocação para Profissão: Sindicalismo Docente da Educação Básica
no Brasil (Ed. Paralelo 15, 2015); Universidade e Movimentos Sociais (Ed.
Fino Traço, 2015); Sociologia no Ensino Médio: Cidadania e Representações
Sociais de Professores e Estudantes (Ed. Fino Traço, 2016); Educação de Jovens
e Adultos Trabalhadores – Políticas e Experiências da Integração à Educação
Profissional (Ed. Mercado de Letras, 2017) e Ciganidade e Educação Escolar –
Saber Tradicional e Conflito Étnico (Tagore Editora, 2018). E-mail: erlando@
unb.br

WESLEI GARCIA DE PAULO é Mestre em Educação pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade de Brasília (PPGE/ UnB). Graduado
em Pedagogia pela Universidade Luterana do Brasil (2009). Especialista em
Docência no Ensino Superior pela Faculdade Apogeu. Professor da Secretaria
de Educação do Distrito Federal e do Instituto de Ciências Sociais e Humanas
-ICSH – CESB. E-mail: professorweslei50@gmail.com

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