Sobre os dias atuais: neoconservadorismo, escolas cívicomilitares e o simulacro da gestão democrática

Sobre os dias atuais: neoconservadorismo, escolas cívicomilitares e o simulacro da gestão democrática. Com este título, André Antunes Martins analisa, inicialmente, a aliança entre o neoconservadorismo e o neoliberalismo no campo educacional, assim como, os desdobramentos desse processo no avanço das parcerias das redes públicas educacionais com as instâncias militares. Fizemos uma revisão dos documentos que normatizam essas alianças, sobretudo, do Estado de Goiás e do Distrito Federal. Consideramos que ideia de gestão democrática é apresentada nos documentos, mas sem intenção de efetividade, visto os diferentes dispositivos de (re) disciplinarização e produtividade que abrandam a vida comum.

Este artigo, o sétimo da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

INTRODUÇÃO
O movimento neoconservador ganhou consistência, amplitude e
visibilidade no campo educacional pelas ações conhecidas como ‘escola sem
partido’ que, de certa forma, se disseminou no país por iniciativas legislativas,
em diversos entes federados, para efetivar limites a uma suposta doutrinação
dos docentes. Por sua vez, as escolas cívico-militares, também expressão
contemporânea desse movimento neoconservador, vêm-se expandindo em
diversas regiões do país. Essa proposta foi pauta de programa de governo na
campanha eleitoral presidencial em 2018 e, neste momento, por iniciativa do
executivo nacional, como também de estados e municípios, há algum tempo,
alguns desdobramentos de institucionalização começam a se efetivar.
Nossa intenção neste texto é, inicialmente, estudar as peculiaridades, no
campo educacional, da articulação do movimento neoconservador com a vertente
neoliberal. Esta, com seus desdobramentos em curso desde os anos 1990, vem
criando condições para a institucionalização do campo conservador na educação.
Num segundo momento, imbricado ao anterior, visa-se a analisar as iniciativas
institucionais do governo federal e, sobretudo, do estado de Goiás e do Distrito
Federal, que já concretizaram parcerias com instâncias militares, avaliando os
documentos que definem a gestão democrática no âmbito específico dessas
colaborações.

ARTICULAÇÕES NEOCONSERVADORAS E NEOLIBERAIS
Acreditamos que, contemporaneamente, a perspectiva neoconservadora
agudiza uma ruptura com as experiências instituintes em defesa da escola pública
no período de redemocratização. Destacamos que esse movimento de ruptura
não é novo, mas ganha novos contornos na atualidade.
As vivências democratizantes marcaram o período de transição na
Nova República e, de maneira mais ou menos intensa, reconfiguraram o campo
educacional pelo desejo de participação na gestão administrativa, financeira e
didático-pedagógica. Devedoras desse período, de certa forma, a Constituição
de 1988 e a Lei 9.394 de 1996, a LDB, delineiam a importância de instâncias
democráticas no campo educacional. OLIVEIRA (2010) argumenta que a
legislação educacional nesse período foi tensionada para contemplar o trabalho
coletivo, como: a incumbência dos estabelecimentos de ensino na elaboração da
proposta pedagógica e a efetiva participação das famílias e da comunidade no
processo deliberativo colegiado.A própria noção de qualidade escolar passa por
esse envolvimento participativo comunitário, ou seja, a referência social torna-se

princípio organizador das redes e das escolas públicas (PARO, 2000) Portanto,
não seria razoável pensar a gestão pública por orientações discrepantes da noção
do comum.
O comum, como perspectiva democrática, visa a abolir as estruturas
e instituições dominantes; é o campo das singularidades/multiplicidades, da
liberdade revolucionária e em nada se assemelha a lógica da propriedade. Essa
experiência comunitária é dispositivo para criação de novas subjetividades,
de processos de inovação social e institucional (NEGRI; HARDT, 2016). Os
autores argumentam que a abolição das instituições que corrompem o comum e
incrementam a subordinação dos minoritários deve dar-se como tarefa democrática
de construção revolucionária de outras formas institucionais. Os processos
recentes em defesa da elaboração e vivência da gestão pública educacional são
devedores dessa compreensão ao ter como objetivo uma orientação ampla e
efetiva de participação democrática.
A despeito dessa intensa mobilização por processos de constituição
do comum no campo educacional, de forma concomitante, no contexto da
redemocratização, a matriz neoliberal começa a ser introduzida nas políticas
educacionais, configurando, desde os anos 1990, um embate entre concepções e
práticas. Ou seja, de um lado, a orientação neoliberal pautada em privatizações,
desregulamentações e em políticas de resultados, próprias da lógica de mercado
(CAMINI, 2013). De outro, em pleno conflito, a perspectiva de gestão democrática
com suas características de valorização das referências sociais, dos conselhos
deliberativos e plurais, das elaborações de projetos pedagógicos na/pela efetiva
participação comunitária etc.
Esse embate manifesto na virada dos anos 1980 e durante os anos 1990
vai-se caracterizando, cada vez mais, por uma tendência à institucionalização das
políticas neoliberais e uma crescente ressemantização produtivista dos significados
constituintes da gestão democrática, as quais são ancoradas, sobretudo, em
políticas de avaliações externas e currículos nacionais.
A crise do capital financeiro, em 2008, poderia levar-nos a um
deslocamento dessa predominância neoliberal, vistos, inclusive, os efeitos
evidentes de uma política econômica desastrosa promotora de desigualdades e
injustiças (SAFATLE, 2017). A despeito desse fato, a segunda onda neoliberal
acontece, mas, nesse momento, apoiada no discurso do medo, da promoção
contínua de uma guerra civil e do racismo. A gestão da segurança pública
encaminha a militarização da vida e a definição de territórios onde a ordem
deve ser estabelecida, inclusive, com mecanismos de exceção (TELES, 2018). É
justamente nesse cenário, de estado de sítio permanente, no qual a vida cotidiana
é militarizada e o exercício do direito de matar deixa de ser uma exclusividade do

Estado (MBEMBE, 2018), que o movimento conservador encontra terreno fértil
para aliar-se aos liberais, numa aliança que se materializa pela administração da
insatisfação, do desencanto e da falta (SAFATLE, 2017). Esse estado policial que
faz morrer, portanto, é uma resposta à necessidade de conservação das condições
necessárias à produção capitalista no momento de crise.
Compreendemos que essa aliança contemporânea entre liberais e
conservadores, quando analisada no campo educacional, encontra dispositivos
institucionais, na Reforma de Estado de 1990, que favoreceram seu surgimento.
Um deles foi o incentivo a gestão pública gerencial que propugnava, entre outros,
uma flexibilização das instâncias educacionais e escolares por meio de parcerias
com o terceiro setor e empresas (CAMINI, 2013). Diversos mecanismos são
incrementados nesse momento; todos, de certa forma, ratificam a ideia central
de esgotamento da gestão pública e a eficiência da gestão liberal gerencial. Algo
que deu margem, portanto, ao cenário atual de terceirização da gestão das redes
públicas, por meio da colaboração entre as instâncias militares e as secretarias de
educação, compartilhando funções administrativas, financeiras e pedagógicas.
Outro argumento, para fazer valer esse arranjo colaborativo, é o da
insegurança, o medo que atravessa o cotidiano das escolas, sobretudo das
localizadas em áreas urbanas conflagradas. A colaboração com a instância militar
visaria, entre outros motivos, a trazer tranquilidade aos pais e seus filhos nas
escolas cerceadas pela violência urbana, como aos profissionais para que possam
atuar com eficiência. Enquanto na matriz neoliberal há controle pós-fordista dos
docentes, dos gestores, das escolas (e das famílias) pelo não alcance dos resultados,
na matriz neoconservadora o controle fordista disciplinar se torna necessário
para combater os desvios que provocam o caráter conturbado do cotidiano e do
concomitante distanciamento dos valores tradicionais.
O estado policial, nesse momento, alcançaria o dia a dia das escolas
instituindo condutas compatíveis com os valores da ordem. Embora
compreendamos muitas das dificuldades dos profissionais da educação ao
considerarmos a temática da violência, assim como a preocupação dos pais em
relação a seus filhos, esse apelo pela militarização pode promover o efeito de
silenciamento e consequente exclusão dos alunos, famílias e professores. Não
duvidamos que escolas precarizadas dificilmente conseguirão promover iniciativas
efetivas de enfrentamento dessa questão. Logo, não se trata de (re) disciplinar a
escola como solução, mas de garantir condições adequadas de funcionamento
dos equipamentos públicos, atendimento dos profissionais da educação em suas
peculiaridades de trabalho, aproximação da comunidade pelo fortalecimento dos
espaços públicos deliberativos etc.

Essas parcerias avançam em estados e municípios e em diferentes
regiões do país, sinalizando aprofundamentos autoritários em plena contramão
aos desejos recentes de realização de uma escola democrática. Nessa perspectiva,
cabe indagar sobre os efeitos dessa aliança do produtivismo e da ordem nas
possibilidades de realização da gestão democrática na atualidade.

ESCOLAS CÍVICO-MILITARES
Como era aguardado, a julgar pela proposta na campanha eleitoral
presidencial de 2018, a ideia de militarização da rede escolar básica começa a
ganhar feição institucional nacional pelo Decreto nº 9465, de 2 de janeiro de
2019 (BRASIL, 2019), que aprova a nova estrutura regimental do Ministério da
Educação. De maneira mais clara, há, junto à Secretaria de Educação Básica,
a criação de uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, tendo
como competência direta
Promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por
adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais,
estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa, educacional
e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e
Bombeiros Militares; (BRASIL, 2019, Art. 11, XVI, grifo nosso).
E ainda, complementando:
II propor e desenvolver um modelo de escola de alto nível, com base
nos padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios
militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares,
para os ensinos fundamental e médio; […] III promover, progressivamente, a
adesão ao modelo de escola de alto nível às escolas estaduais e municipais,
mediante adesão voluntária dos entes federados, atendendo, preferencialmente,
escolas em situação de vulnerabilidade social; (Idem, Art. 16, XVI, grifo nosso).
A nova pasta teria como função precípua articular a parceria, por adesão,
dos entes federados,ao modelo de gestão realizado nas escolas militares. Nota

se que a gestão à qual se refere o documento abarca o âmbito administrativo e
didático-pedagógico, e a qualificação do modelo em questão, é referida como
sendo de alto nível. Parceria por adesão soa sempre como um eufemismo quando
estados e municípios, estando de acordo ou não com a proposta, são praticamente
obrigados à adesão, em virtude dos benefícios materiais e/ou financeiros
disponibilizados, pois, em sua maioria, apresentam grandes dificuldades em
manter as redes. Portanto, nem sempre as colaborações acontecem por ampla
concordância, mas por circunstâncias estruturais.

A menção ampla ao caráter da gestão, abarcando o administrativo
e o didático pedagógico e seu correspondente alto nível não é dissimulado
no documento. De fato, como veremos nos exemplos adiante, essa separação
não deveria ser concebível, sobretudo, quando a linha de força disciplinar e
hierarquizante é majoritária. Ou seja, o campo da ordem conservadora não se
contenta com uma administração burocrática segmentada, restrita ao campo
documental, mas, certamente, almeja espraiar-se pelo comum ou pelos mais
públicos e plurais espaços deliberativo-pedagógicos para colocá-los em acordo ao
modelo da caserna.
Ao tomarmos como exemplo a escola de formação dos cadetes das
forças armadas, os valores de obediência, submissão, dependência, paternalismo,
assiduidade, pontualidade, racionalidade e meritocracia concebem um determinado
modo de vida social e político peculiar à proposta formativa militar (LUDWIG,
1998), portanto, a menção a gestão, mesmo que se pretenda preservar a autonomia
pedagógica dos entes federados, deve ser entendida de forma ampla a abarcar os
diferentes domínios da vida educacional e escolar, colocando-os sob a perspectiva
formativa militar.
Outro aspecto que corrobora essa assertiva de impossibilidade de uma
gestão segmentada e/ou restrita está na qualificação ‘alto nível’, pois denota o
entendimento de um rendimento desejável a ser alcançado. Logo, a afirmação
de uma de orientação pedagógica vinculada ao produtivismo, que esmaece
qualquer compreensão em relação a uma eventual permanência da autonomia
pedagógica curricular das escolas. Vale destacar que a aliança à qual nos
referimos anteriormente tem uma explicitação neste momento, quando o campo
conservador é necessário para garantir o alto nível da gestão e da aprendizagem,
pelas perspectivas meritocráticas.
Algumas experiências, já existentes nos estados, são potenciais balizadores
para a política nacional. O estado de Goiás, por exemplo, foi, provavelmente,
pioneiro na introdução de um modelo em que a gestão foi entregue à polícia
militar, mais especificamente, pela implantação do Colégio Militar da Polícia de
Goiás (CPMG).
Em 2001 foi criado o CPMG (Colégio da Polícia Militar de Goiás), o antigo
Colégio Estadual Hugo de Carvalho Ramos, com a Lei Estadual n°14.050,
através da Lei de iniciativa do Executivo, aprovada pela Assembleia Legislativa
em caráter de urgência, transformou escolas estaduais em instituições de ensino
geridas pela Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO) (GUIMARÃES, 2017,
p.10).

A autora argumenta que a partir desse momento houve a intensificação
de transferências das escolas estaduais para a gestão da Polícia Militar, e afirma
que, até 2016, quarenta e sete escolas já constavam como CMPG (Idem, Ibidem).
O primeiro aspecto a ser destacado diz respeito à forma de pactuação
existente entre as Secretarias de Segurança Pública e de Educação. Os CMPG
estão vinculados à estrutura hierárquica da primeira secretaria por meio do
Comando de Ensino Policial Militar (CEPM) e a segunda torna-se uma parceira no
processo de gestão dessas escolas específicas:
Art. 1º O Colégio da Polícia Militar do Estado de Goiás, (…) está subordinado
à Secretaria da Segurança Pública por meio da Polícia Militar do Estado de
Goiás, através do Comando de Ensino Policial Militar, Unidade Gestora
de Grande Comando onde se encontram inseridos os Colégios da Polícia
Militar do Estado de Goiás, tendo como parceira a Secretaria Estadual de
Educação – SEE, por meio do Termo de Cooperação Técnico pedagógico
(GOIÁS, 2015, art 1º, grifo nosso).
A subordinação da Secretaria de Educação, ao Comando de Ensino da
Polícia Militar, enseja uma articulação cujo protagonismo estará num setor com
uma expertise incomum aos processos de gestão educacionais de uma rede pública.
O campo da segurança pública, embora seja um tema transversal importante em
educação, não se confunde e, muito menos, substitui a organização e gestão de
escolas públicas cujos princípios estão pautados pela participação deliberativa
plural.
O Regimento Interno do CPMG, como artifício, tende a contemplar
a legislação atual que confere legalidade à gestão democrática na rede pública;
contudo, contraditoriamente, sinaliza um centro deliberativo forte e o consequente
esvaziamento das redes e das escolas como lugar de decisão.
A gestão escolar democrática e colegiada é entendida como o processo que rege
o funcionamento do CPMG, compreendendo tomada de decisão conjunta no
planejamento, execução, acompanhamento e avaliação das questões pedagógicas
e administrativas com a participação do Comando de Ensino Policial
Militar – CEPM, como unidade gestora dos CPMG e de toda a comunidade
escolar (GOIÁS, 2015, art 5º, grifo nosso).
Neste artigo, a sinalização da centralidade do Comando de Ensino
Policial Militar (CEPM) explicita-se numa espécie de organização dual, onde essa
instância, tomada como unidade gestora, de fato exerce essa função pelo princípio
do comando, algo próprio ao contexto militar. A comunidade escolar é entendida
na/pela negação do status de grupo gestor, como um grupo à parte, com
prerrogativas deliberativas limitadas. Há, nesse arranjo organizativo, a nucleação

de um centro de poder separado da comunidade. Esse entendimento fica mais
evidente pela existência de um Conselho Geral dos CPMG organizado com base
numa forte hierarquia de comando, cuja presidência e vice-presidência cabem,
respectivamente, ao comandante e subcomandante do CEPM (Idem, art. 8º).
O Conselho Escolar, por sua vez, margeia o campo figurativo da gestão,
torna-se um conselho auxiliar, tendo que se enquadrar às padronizações definidas
no Conselho Geral.
O Conselho Geral Colegiado dos CPMG é o órgão representativo das partes
envolvidas no processo de ensino dos CPMG e comunidade escolar (…)
suas decisões e deliberações possuem caráter de padronização de
procedimentos administrativos e financeiros no âmbito dos CPMG, as
quais serão adotadas imediatamente por todos os entes participantes de
sua composição (Idem, art 9º, grifo nosso).
A padronização para um imediato cumprimento das decisões fica
evidente nesse cenário organizativo. O Conselho Geral, como instância central
e hierarquicamente acima das que atuam nas escolas, limita fortemente o campo
deliberativo destas. Corrobora essa perspectiva a definição de uma fiscalização em
questões administrativas, financeiras e pedagógicas (Idem, art. 10, § 2º, VIII); logo,
enfaticamente, desconfigura nos espaços ordinários escolares as possibilidades
efetivas de se estabelecerem laços democráticos em suas localidades. A cadeia
deliberativa se verticaliza, enrijece-se e cria dispositivos de controle para a sua
reprodução.
Como se não bastasse, a composição do Conselho Escolar também é
modificada pela redução de quem pode ocupar os cargos diretivos nas escolas,
sendo de direito regimental, reservados aos oficiais: nas funções de diretor
comandante e subcomandante, na divisão disciplinar do corpo discente, na
divisão de ensino e na coordenação pedagógica (GOIÁS, 2015, arts. 14, 17, 19,
21 e 22). Todas essas funções, no topo de uma hierarquia organizacional, são
ocupadas exclusivamente por militares. Não cabe, nesse modelo, qualquer tipo de
consulta à comunidade para designar gestores. Embora docentes, pais e alunos
possam participar do Conselho Escolar, evidentemente, o arranjo participativo/
deliberativo se torna um arremedo democrático.
O projeto piloto de Gestão Compartilhada do Distrito Federal
(DISTRITO FEDERAL, 2019), por sua vez, inova aparentemente em relação à
proposta anterior, apresentando uma configuração organizativa de colaboração,
por divisão de funções, entre a Secretaria de Educação e a de Segurança Pública.
Esta, por meio da Polícia Militar, ficará responsável pela gestão disciplinar cidadã

e àquela caberá a gestão pedagógica e, ainda, a gestão estratégica administrativa
será compartilhada entre as pastas; conquanto, a equipe executiva desta última
será disposta pela Secretaria de Segurança.
Embora os objetivos anunciados sejam de resguardar a centralidade da
escola no sistema e seu caráter público quanto à gestão (DISTRITO FEDERAL,
2012, art 2º), esse imbróglio organizativo cria, de fato, uma estrutura tripartite
em pleno desacordo com a compreensão de uma gestão democrática. O que
se verifica é a impropriedade de se separar o administrativo do pedagógico por
secretarias, como se eles não se atravessassem e se influenciassem mutuamente.
Em outros termos, essa tentativa de modelo híbrido, com suas características
patriótico-cívicas, conjuga a introdução de uma linha de força deliberativa pela
especialização/separação de funções, simulando uma suposta autonomia das
pastas nas atividades designadas. Não duvidamos de que esse artificialismo
favoreça o simulacro de uma gestão democrática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não negligenciamos a ideia de que os efeitos da aliança do produtivismo
e da ordem são nefastos, pois, para se afirmarem, valem-se da produção e da
consequente e necessária manutenção de narrativas de esgotamento da gestão
pública. Nesse sentido, o simulacro da gestão democrática foi a forma encontrada
para dar uma aparência de legalidade às parcerias com as instâncias militares. Isso
se deve ao fato de a gestão democrática ser um preceito constitucional; sendo
assim, ainda que formalmente, ela deve figurar nos princípios anunciados dos
documentos que regulamentam essas parcerias, mesmo que, de fato, não haja
intenção de se vivenciá-la. Afinal, a congruência do discurso da falência da gestão
pública está, exatamente, na proposição de outras formas de gestão, ou seja, no
exato oposto da gestão democrática.
Nesse sentido, a perspectiva de parceria entre o setor militar e as
secretarias de educação é um eufemismo para o exercício do controle por meio
da (re)introdução de dispositivos disciplinares. A gestão da ordem visa a espraiar

se pelos diferentes campos de atuação das escolas, por meio de dinâmicas
hierarquizantes e ortopédicas, desautorizando, assim, qualquer possibilidade de
autonomia pedagógica dos docentes e/ou da comunidade escolar.
Nesse contexto, almeja-se a democratização de um ensino de alta qualidade
semelhante ao modelo das escolas das corporações militares. Essa qualificação
pode ser traduzida pelo rendimento em exames; portanto, uma vinculação
reducionista da aprendizagem a resultados. Não podemos desconsiderar os efeitos

excludentes de uma formação que deslegitima as referências sociais e culturais
de grupos populares ao limitar-se ao rendimento, sobretudo, sabendo que essas
parcerias estão sendo realizadas, em boa parte, em escolas periféricas.
Enfim, poderíamos argumentar que existe um duplo dispositivo
excludente de controle: pela permanência do rendimento meritocrático, numa
aproximação aos pressupostos produtivistas liberais; como pelo silenciamento
imposto pela ordem disciplinar policialesca, no afã de combate à violência. Na
base desses dispositivos, o simulacro da gestão democrática que desvirtua a
constituição do comum ou qualquer iniciativa de valorização e legitimação das
formas de vidas minoritárias.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto Nº 9.465, DE 2 de janeiro de 2019. Aprova a Estrutura
Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e
das Funções de Confiança do Ministério da Educação. Disponível
em: <https://brasil.estadao.com.br/blogs/vencerlimites/wpcontent/
uploads/sites/189/2019/01/MINIST%C3%89RIOEDUCA%C3%87%C
3%83O_ESTRUTURA_DECRETO9465_02JANEIRO2019_DOU_IN_
blogVencerLimites.pdf>. Acesso em: jan. 2019.
CAMINI, Lucia. Política e gestão educacional brasileira: uma análise do
Plano de Desenvolvimento da Educação/Plano de Metas Compromisso Todos
pela Educação (2007-2009). São Paulo: Outras Expressões, 2013.
DISTRITO FEDERAL. Portaria Conjunta, nº1, de 31 de janeiro de 2019.
Diário Oficial do Distrito Federal, nº 23, sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019.
Disponível em: http://www.se.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2019/02/
portaria-conjunta-gestao-compartilhada_07fev19.pdf. Acesso em: fev. 2019.
DISTRITO FEDERAL. Lei Distrital nº 4751, de 07 de fevereiro de
2012. Disponível em: http://www.tc.df.gov.br/sinj/Norma/70523/
Lei_4751_07_02_2012.html. Acesso em: fev. 2019.
GOIÁS. Secretaria de Segurança Pública. Regimento Interno do Colégio
da Polícia Militar do Estado de Goiás. Disponível em: <https://www.
cpmganapolis.net/wp-content/uploads/2015/05/regimento interno.pdf>.
Acesso em: jan. 2019.

GUIMARÃES, Paula Cristina Pereira. Os novos modelos de gestão militarizadas
das escolas estaduais de Goiás. XXIX Simpósio Nacional de História. Brasília,
Julho de 2017. Disponível em: https://www.snh2017.anpuh.org/resources/
anais/54/1502846486_ARQUIVO_TRABALHO_COMPLETO_ANPUH_-
Paula_2017(1).pdf. Acesso em: jan. 2019.
LUDWIG, Antonio Carlos Wil. Democracia e ensino militar. São Paulo: Cortez
Editora, 1998.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Biopoder, soberania, estado de exceção,
política da morte. 3ª edição. São Paulo: n-1 edições, 2018.
NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Bem estar comum. Rio de Janeiro: Record,
2016.
OLIVEIRA, Dalila Andrade. Mudanças na organização e na gestão do trabalho na
escola. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; ROSAR, Maria de Fátima Felix. Política
e gestão da educação. 3ª Edição, Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
PARO, Vitor Henrique. Gestão democrática da escola pública. 3ª Edição. São
Paulo: Ática, 2000.
SAFATLE, Vladimir. Só mais um esforço. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
TELES, Edson. A produção do inimigo e a insistência do Brasil violento e
de exceção. In: GALLEGO, Esther Solano (org.). O ódio como política. A
reinvenção das direitas no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018.
_____________________________________________________________
ANDRÉ ANTUNES MARTINS é Doutor em Educação pela Universidade Federal
Fluminense/RJ. Atualmente é professor adjunto na mesma universidade do
doutoramento. Desenvolve pesquisa no campo das ações coletivas de produção
do comum e das políticas com foco na gestão democrática educacional. Também
atuou em redes públicas de ensino na educação básica.
E-mail: andreantmartins@gmail.com
Recebido em julho de 2019
Aprovado em setembro de 2019

Militarização das escolas e a narrativa da qualidade da educação

Com o tema Militarização das escolas e a narrativa da qualidade da educação, Daniel Calbino Pinheiro, Rafael Diogo Pereira e Geruza de Fátima Tome Sabino desenvolveram o trabalho, que tem por objetivo analisar as concepções e condições para a qualidade manifesta na defesa dos colégios militares e escolas militarizadas. Enquanto resultados mostraremos que por trás do resgate da pedagogia militar da educação, os padrões de qualidade reproduzem a mesma dinâmica dos sistemas de avaliação dos governos anteriores, silenciando ainda as condições materiais que legitimam os supostos desempenhos acadêmicos.

Este artigo, o sexto da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

INTRODUÇÃO
A pesquisa mostrou que o nível de educação atravessa momento crítico, refletido
no baixo desempenho escolar de seus alunos, destacando-se, problemas de
alfabetização, falta de domínio de capacitações para escrever com correção e
desconhecimento de noções básicas de aritmética elementar.
A citação acima parece uma das frases ou relatos recentes, explicitados
nas manchetes dos telejornais brasileiros sobre a “baixa qualidade” da Educação
Básica. No entanto, o trecho foi retirado de um relatório elaborado por Vianna
(1989, p.98) há três décadas para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (INEP), ao analisar o desempenho de estudantes do ensino básico
do país.
Se o dito problema da qualidade na educação não parece atual, na fala
do recém-eleito presidente da república tem tido uma piora em consequência da
perda da autoridade e de disciplina do professor em sala de aula. A alternativa
para ele passa pela criação de instituições pautadas em pedagogias militares que
“estão à frente em grande parte das demais”, porque “ainda impõem hierarquia e
autoridade aos alunos” (DOLZAN, 2018, p.1).
A militarização das escolas no atual governo se fundamenta no decreto
nº 9.665, de 2 de Janeiro de 2019 e no documento lançado em 11 de Julho de 2019
denominado “Compromisso Nacional pela Educação Básica”, os quais propõem:
“A criação de colégios militares “tradicionais” em todos os Estados, gestados
pela esfera federal (marinha, exército e aeronáutica); e a expansão da gestão
compartilhada entre sociedade civil e militar, a partir de escolas cívico-militares, a
cabo dos Estados e Municípios”.
A expressão ‘cívico-militar’, cunhada e disseminada pelo governo federal,
é passível de problematização. Do ponto de vista discursivo, a aproximação entre
os termos cívico e militar acena para uma aproximação harmônica ou, talvez,
para um equilíbrio entre essas duas dimensões no contexto da escola. Contudo,
como veremos no decorrer deste artigo, a transposição das escolas para o modelo
‘cívico-militar’ acarreta, dentre outros fatores, impactos diretos sobre a autonomia
do corpo docente e o cerceamento de liberdades fundamentais dos estudantes.
O fenômeno da militarização tem apresentado intensa ampliação nos últimos anos.
Entre 2013 e 2017, as escolas estaduais geridas pela Polícia Militar e Bombeiros
saltaram de 39 para 122 em 18 estados (SANTOS; PEREIRA, 2018; CABRAL,
2018) e, até meados de 2019, registram-se 203 escolas militarizadas em 23 estados
e no Distrito Federal (BRASIL, MEC, 2019).

Chama a atenção que, se a gestão das escolas por militares é preconizada
por governantes que defendem o modelo, pesquisas recentes também apontam
para o apoio de parte da população para resolver o problema da qualidade de
ensino1
. A suposta melhoria do rendimento de estudantes através da militarização
vem propagando um ideal de modelo de educação a ser adotado (GUIMARÃES,
2017; ALVES; TOSCHI; FERREIRA, 2018).
Frente às narrativas construídas em prol do uso de regras rígidas para
gerenciar a educação, este artigo busca identificar as concepções e condições para
a qualidade manifesta na onda da militarização das escolas. Para tal, buscaremos
situar a narrativa à luz das transformações da qualidade ao longo da educação
brasileira, bem como, em relação às condições político-pedagógicas que sustentam
os supostos resultados da qualidade nas escolas militarizadas.
Em termos metodológicos, este artigo está ancorado em uma pesquisa
documental e bibliográfica nos decretos, legislações e documentos que regem o
ensino público brasileiro, bem como, a partir da análise de matérias disponíveis
na grande mídia que apresentam narrativas em defesa da qualidade da educação a
partir das pedagogias militares.

AS CONCEPÇÕES DE QUALIDADE NA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO
A discussão sobre a qualidade da educação no Brasil se populariza a
partir do final da década de 1980, ocasionada por, pelo menos, dois fatores. O
primeiro se refere à mudança paradigmática nas políticas públicas. Os sistemas
de massificação da educação, a partir do acesso das camadas populares, passaram
a representar a necessidade de distinguir outras dimensões de qualidade
(CASASSUS, 2009; MARCHELLI, 2010; XIMENES, 2014).
1 No ano de 2015, um programa de televisão da emissora Bandeirantes emitiu uma enquete online
cuja pergunta era: “Você é a favor da militarização das escolas públicas”? Ainda que a pesquisa não abordasse
o número e o perfil dos respondentes, os resultados apontaram para 90% favoráveis ao modelo militar. Em
similaridade, no ano de 2019, uma pesquisa realizada pelo Instituto Exata OP no Distrito Federal, indica que
de um total de 925 pessoas entrevistadas, 84,9% são favoráveis ao modelo implantado na região. Na classe
econômica de perfil A (de maior poder aquisitivo) a aprovação chegava a 95% (CAMPOS, 2019).
2 Neste trabalho as escolas militarizadas se referem às 203 escolas que haviam, até 2018, passado
por processos de militarização nos 23 Estados do Brasil e no Distrito Federal. Além disso, é válido apontar
para a existência de 13 Colégios Militares do Exército que não integram essa lista, por nascerem vinculados ao
Ministério da Defesa e criados com a função específica de formar quadros para o exército, além de atender os
filhos dos militares, disponibilizando um pequeno percentual de vagas para alunos proveniente de famílias civis.

O segundo está relacionado às influências internacionais na importação
de modelos de gestão de empresas privadas para contextos públicos. Sob a onda
da qualidade total, os mecanismos de padronização e mensuração passaram a
influenciar o sistema de educação no Brasil, cuja ideia é padronizar para comparar
(OLIVEIRA; ARAUJO, 2005; DIAS SOBRINHO, 2008).
Mas, o que é qualidade? O termo advém do latim, qualitas, cuja procedência
também é do grego, poiótês, que significa definidor de uma categorização. A
qualidade tem sido considerada como uma agregação que confere valor superior
a um bem, a um serviço ou a um sujeito. Trata-se de um atributo ou predicado
virtuoso pelo qual esse sujeito, bem ou serviço se distingue de outros (CURY,
2010).
Morosini (2001) e Davok (2007) citam que, na literatura, o conceito de
qualidade se aproxima de um conjunto de propriedades, atributos e condições
inerentes a um objeto e que são capazes de distingui-lo de outros similares,
classificando-o como o atributo que permite aprovar, aceitar ou refutar o objeto
com base em um padrão de referência. Assim, qualidade implica em uma ideia de
comparação.
No entanto, no campo da educação, a qualidade admite uma variedade
de interpretações, dependendo da concepção que se tenha sobre o que esses
sistemas devem proporcionar à sociedade. Uma educação de qualidade pode
significar tanto aquela que possibilita o domínio eficaz dos conteúdos previstos,
como aquela que desenvolve a máxima capacidade técnica para servir ao sistema
produtivo ou, ainda, promover o espírito crítico e fomentar o compromisso para
transformar a realidade social (DAVOK, 2007).
Se a qualidade na educação é uma distinção entre medidas (condicionando
a forma de avaliar), que possui como pressuposto uma concepção anterior do que
se entende por educação, questiona-se: Quem define os padrões de comparação
e a quem atende a qualidade na Educação Básica? (DIAS SOBRINHO, 2008;
CABRITO, 2009).
A história da educação brasileira é marcada, como pano de fundo, por
mudanças e continuidades nas concepções da qualidade. Fonseca (2009), ao
analisar os planos brasileiros de educação sobre a dinâmica socioeconômica e
cultural observa que as primeiras discussões se iniciaram em 1932, promovidas
pelo Manifesto dos Pioneiros.
A Constituição Brasileira de 1934 incorporou ideias do Manifesto,
estabelecendo o ensino primário integral, gratuito, de frequência obrigatória e
extensiva aos adultos. O ideal de qualidade da educação básica se movia pela

adoção de uma pedagogia que facilitasse a individualização do educando pela
atividade livre e espontânea, estimulando a atividade criadora da criança por meio
do exercício prático.
Porém, a instauração do Estado Novo reformulou os planos de educação.
A partir de 1937, com o apoio de setores militares e católicos, o governo lançou
um plano de educação que inseriu o ensino religioso e moral cívico, como espaço
de aprendizagem de valores de hierarquia e disciplina dos Homens. Tais valores
se tornaram referência para a qualidade que buscava a formação de um indivíduo
útil e disciplinado para um Estado que queria ser industrial e nacionalista.
As décadas de 1950 apresentaram uma continuidade no ideal de qualidade
na formação de um modelo de sujeito útil para o mercado de trabalho. No governo
de Juscelino Kubitschek, a educação reproduziu o programa de metas, cujo
propósito era preparar técnicos para a industrialização de base. Nesse período, a
concepção de qualidade da educação se aproxima da produção de competências
para o emprego e agregação de valor à mão de obra no mercado de trabalho.
O ano de 1959 é marcado pelo Manifesto dos Educadores, que
contrapõem uma alternativa social ao enfoque economicista. A qualidade não
deveria se fundar em um saber exclusivamente de natureza técnica, mas abrir
a percepção do educando para compreender as condições políticas com que se
defronta e prepará-lo para o empenho coletivo de superação do atraso do país
(FONSECA, 2009).
Porém, o golpe militar de 1964 acarretou a continuidade do modelo
de educação que apreendia a qualidade enquanto um mecanismo de formação
de mão de obra para o mercado. Ao afirmar a padronização como princípio, a
educação distanciou-se mais das ideias dos pioneiros de 1933 e 1959. A qualidade
definida pelo Ministério de Educação (BRASIL, MEC, 1971, p.15) era “formar
um cidadão capaz de participar eficazmente das atividades produtivas da nação”.
O fim do regime militar e a abertura gradual da economia foram
acompanhados por mudanças no acesso à Educação Básica. Até 1971, para o
acesso ao ginasial, não bastava concluir o Ensino Fundamental; necessitava-se
da aprovação em um exame de admissão. Portanto, uma minoria conseguia ter
acesso aos níveis mais elevados. Com a reforma da educação no governo militar, a
obrigatoriedade da escolarização de oito anos gerou um paradoxo: se, por um lado,
expandiram-se as oportunidades de acesso e permanência no sistema escolar para
amplas camadas da população, por outro, suscitou-se uma massificação do acesso
à educação básica em um momento em que os gastos com educação atingiam
patamares mais baixos em decorrência da desvinculação mínima de recursos para
a área (CARREIRA; PINTO, 2007).

Nos interstícios desse período (final dos anos de 1970 e nos anos de
1980), Oliveira e Araújo (2005) acrescentam uma fase em que a qualidade foi
medida a partir da ideia de fluxo, definido como número de estudantes que
progridem dentro de determinado sistema. Assim, a comparação entre a entrada
e a saída de alunos era a medida da qualidade de uma escola.
A mudança do período da década de 1980, no entanto, trouxe uma disputa
conceitual sobre as dimensões da qualidade e de seus critérios de avaliação. De um
lado, um grupo formado por educadores progressistas defendia que a qualidade
da educação se baseava no atendimento, ao mesmo tempo, das demandas dos
movimentos sociais e dos problemas revelados pelos estudos existentes nas
escolas públicas.
Do outro lado, grupos com interesses conservadores argumentavam que
a expansão das matrículas levou à perda da qualidade. Defendiam a criação de
indicadores de avaliação comparativos entre as escolas (CASASSUS, 2009), na
medida em que não era mais possível verificar a qualidade dos sistemas unicamente
sob os aspectos da exclusão e da repetência (XIMENES, 2014).
Ainda que a primeira vertente tenha obtido conquistas na Constituinte de
1988 e, mais à frente, nas Leis de Diretrizes e Bases de 1996, o que se observou
foi a prevalência da mudança nos padrões de qualidade a partir da avaliação da
totalidade do sistema educacional (OLIVEIRA; ARAUJO, 2005; FONSECA,
2009).
Na década de 1990, sob os governos de Fernando Collor e Fernando
Henrique Cardoso, os sistemas de avaliação e monitoramento adotaram
indicadores de avaliação de grande alcance. Para tal, a nova política se centrou na
mudança da regulação do sistema, apoiando se na qualidade interpretada como
sen¬do equivalente à pontuação em uma prova estan¬dardizada (CASASSUS,
2009; MARCHELLI, 2010). A padronização de indicadores de qualidade manteve
continuidade nos 16 anos seguintes do Governo do Partido dos Trabalhadores,
aprofundando os parâmetros de comparação ao investir recursos financeiros e
técnicos na ampliação do sistema em larga escala (FREITAS, 2007; FERREIRA,
2017).
Nessa perspectiva, os processos formativos se baseiam em resultados
quantificáveis que medem desempenhos e servem de informação básica aos
índices. Por sua vez, tais índices se transformam em classificações e rankings, que
atendem ao mercado e supostamente atestam a “qualidade” dessas instituições
(DIAS SOBRINHO, 2008; THIENGO et al., 2018).
Ao analisar os indicadores nacionais de desempenho como parâmetro de
qualidade, Almeida, Dalben e Freitas (2013) abordam que a lógica se baseia em
avaliações externas, através de um aparato normativo-jurídico que não considera

as particularidades de cada instituição de ensino, mas a média do desempenho
cognitivo de determinada turma. Ademais, ao aplicar uma prova padronizada e
ranquear as escolas com base nas notas dos estudantes, a qualidade é jogada para
a perspectiva de responsabilizar a escola, expondo à sociedade seus resultados,
sem considerar as condições específicas e desiguais entre as diferentes instituições
(FREITAS, 2007).
Com base na breve retomada dos planos de educação no Brasil, é
possível notar que a qualidade é um construto imbricado nos distintos paradigmas
de interpretação da educação (MOROSINI, 2001). Logo, analisar a qualidade é
compreender que se trata de uma categoria histórica e socialmente construída,
cujos discursos se alteram no tempo e no espaço, vinculando-se às demandas
de um dado processo (XIMENES, 2014; FERREIRA, 2017). Desse modo,
a qualidade emerge como um conceito em constante disputa, onde diferentes
setores se mobilizam frente às distintas concepções político-pedagógicas que
possuem (CURY, 2010).
No caso brasileiro, ao se analisar o período de 1933 a 2016 é possível
notar mudanças nas concepções dos padrões e mecanismos de avaliação da
qualidade. Apesar disso, observam-se continuidades na maior parte dos planos
nacionais, cuja lógica formadora é a mão de obra para o mercado de trabalho.
Para compreender o momento atual (2017 a 2019), torna-se necessário investigar
as visões que justificam a expansão das pedagogias militares, bem como o que
entendem por qualidade nesse modelo educacional.

AS NARRATIVAS DA QUALIDADE NA MILITARIZAÇÃO DA
EDUCAÇÃO BÁSICA
Enquanto o primeiro colégio militar surgiu em 09 de março de 1889, no
Rio de Janeiro, o formato de militarização das escolas emerge a partir de 2001, em
parcerias estabelecidas entre as escolas públicas e a polícia e bombeiros militares
(VELOSO; OLIVEIRA, 2016).
O contexto foi marcado por argumentos de que a escola pública
projetada na transição do regime ditatorial para a democracia havia fracassado,
o que acarretava a urgência de se pensarem outros mecanismos para as escolas.

De acordo com entusiastas, deveriam proporcionar a diminuição da violência,
indisciplina e evasão, emergindo, assim, narrativas em defesa da criação e expansão
de modelos militares (GUIMARÃES; 2017).
Como exemplo, em 2012, período em que se expande o processo de
militarização das escolas, a emissora Globo de Televisão realizou duas coberturas
jornalísticas apresentando “casos de sucesso” na área. A primeira, uma reportagem
divulgada no Programa de abrangência nacional, O Bom Dia Brasil. A matéria de
2 minutos e 41 segundos inicia com a fala do repórter Chico Pinheiro sobre as
questões da qualidade e desempenho nos indicadores nacionais:
Desigualdade, injustiça social se combate com educação de qualidade para todos!
E entre os resultados do IDEB, olha que surpresa… Foram divulgados na semana
passada e chama a atenção esse detalhe, das 30 melhores escolas públicas do país,
12 são militares (G1, 2012).
A narrativa estabelece uma analogia de que as melhores escolas são
aquelas que obtiveram altos desempenhos nas provas nacionais de avaliação.
Dessa forma, infere-se que o bom resultado no IDEB é o que determina o padrão
de qualidade da educação.
Durante a matéria, são citados os desempenhos de escolas militarizadas
sob a gestão das Polícias Militares de Anápolis (Goiás) e de Manaus (Amazonas),
ilustrando-as com os maiores resultados em seus respectivos Estados. Além
disso, três tradicionais colégios militares ligados ao exército foram referenciados
(Curitiba, Salvador e Belo Horizonte) entre os dez melhores do ranking geral da
rede pública.
No mesmo ano, uma matéria transmitida pela filiada da Rede Globo tinha
como título “Colégio Militar de Porto Alegre mostra segredo da qualidade de
ensino”. A reportagem de 8 minutos e 12 segundos inicia com o relato denominado
de “sucesso” da escola militar que teve uma aluna campeã do soletrando:

Você já deve ter ouvido falar da qualidade das escolas militares. No último
sábado, uma aluna do colégio militar aqui da capital foi a campeã do soletrando,
o programa do caldeirão do Luciano Huck. Pela instituição já passaram muitos
nomes ilustres como ex-presidentes e o poeta Mario Quintana. Mas, qual será o
segredo dessas escolas para ter um ensino tão reconhecido? […] Que fórmula
pedagógica é essa capaz de impulsionar os estudantes à beira da excelência? O
que faz destas instituições um centro de formação de alunos tão bem sucedidos?
(G1, 2012).
A matéria assume enquanto pressuposto que há um “segredo”, uma
“fórmula” pedagógica que conduz à excelência, desconsiderando, contudo,
as condições estruturais, financeiras e perfis socioeconômicos dos estudantes
para o suposto sucesso. Além disso, a qualidade da educação é associada aos
desempenhos acadêmicos em provas nacionais e nas ditas figuras “ilustres” que
passaram pela instituição.
Para adentrar os “segredos” do colégio militar de Porto Alegre, a
reportagem entrevista uma aluna que enfatiza “a fórmula pedagógica”: aprendizado
e seguir as tradicionais normas militares, como o uso do uniforme e cumprimento
de comportamentos inspirados nas forças armadas. Ao final, resgata a ideia de
que a qualidade é medida pelo indicador IDEB, o que justificaria a excelência do
colégio, ao estar acima da média nacional.
Com base nas matérias citadas, a qualidade da educação parece resgatar
ideais instaurados no Estado Novo, em 1937. Naquela época, a formação
educacional havia não só recebido influência dos setores militares, como também
utilizava da moral cívica no propósito de naturalizar os valores ditos centenários
das forças armadas: Hierarquia e a disciplina dos Homens. Porém, outra dimensão
da qualidade foi acrescida: Processos formativos baseados em resultados
quantificáveis. A mensuração do desempenho por indicadores transformada em
rankings, representando numericamente a “qualidade” das instituições.
Em 2015, a mesma narrativa foi utilizada para fomento e expansão do
processo de militarização das escolas no Estado de Goiás. O governo, ao encaminhar
à Assembleia Legislativa um projeto para a militarização de escolas, apresentava
como justificativa “os bons resultados deste modelo, que proporcionam rigoroso
padrão de qualidade, primeiro lugar no IDEB de Goiás e destaque no ENEM”.
Ademais, “os colégios militares têm sua efi¬cácia e credibilidade atestadas pela
comunidade, nos ensinamentos de cidadania que são ministrados, com destaque
para o respeito ao cidadão”, o que acarreta a “ampliação do padrão de qualidade”
(ALVES; TOSCHI; FERREIRA, 2018, p. 277).

No ano de 2019, em um contexto de intensos cortes de verbas para a
educação pública, o Governo Federal tem proferido narrativas em defesa do
aumento de colégios militares e da militarização das escolas na esfera pública. Na
comemoração dos 130 anos do Colégio Militar do Rio de Janeiro, o presidente da
república enfatizou:
Estamos fazendo no Campo de Marte, na capital de São Paulo, o maior colégio
militar do Brasil. Queremos preparar os jovens para a quarta revolução industrial.
Desta forma mudaremos o destino no Brasil. […] As escolas militares honram
todos os brasileiros com a educação básica e são bem colocadas nos rankings
dos Estados. Queremos colocar colégios militares em todos os Estados do Brasil
(LUNA; DOLZAN, 2019).
A narrativa apresenta similaridades com ideais de qualidade sustentados
durante a ditadura militar. Naquela época o Ministério da Educação (BRASIL,
MEC, 1971) expressava a qualidade a partir da formação de um cidadão capaz de
participar eficazmente das atividades produtivas da nação. Enquanto isso, o atual
presidente lança mão da expressão preparar os jovens para a “quarta revolução
industrial”. No pano de fundo, reproduz a ideia de uma educação para formar
um indivíduo útil e disciplinado para o mercado, porém, agora se apoiando na
qualidade mensurada a partir de provas estan¬dardizadas.
Enquanto ações para ampliar essa concepção de qualidade, o Decreto
nº 9.665, de 2 de Janeiro de 2019, institui a subsecretaria de fomento às “Escolas
Cívico-Militares”. O artigo 1 do Capítulo I da Estrutura Regimental do Ministério
da Educação, estabelece: “O Ministério poderá estabelecer parcerias com
instituições civis e militares que apresentam experiências exitosas em educação”
(BRASIL, 2019, parágrafo único).
A expressão ‘experiências exitosas’ reproduz não só a visão das ditas ‘best
pratices’ comum no mundo dos negócios, como abre espaço para a correlação com
educação de qualidade a partir dos modelos de instituições militares. A referência
‘do êxito’ também estabelece aproximações com as pedagogias militares:
À Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares compete propor e
desenvolver um modelo de escola de alto nível, com base nos padrões de
ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios militares do Exército,
das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares, para os ensinos
fundamental e médio (BRASIL, 2019, art. 16, II).
Na passagem, é possível registrar que a adesão aos modelos de escolas
militarizadas implica a replicação das práticas de gestão administrativa e
educacional como também a utilização de processos pedagógicos, considerados
referência para desenvolver uma escola dita de ‘alto nível’.

Enquanto o decreto lança mão de expressões como “experiências
exitosas” e “alto nível” para tratar da militarização da educação, o texto reproduz
32 vezes a palavra qualidade, ao associá-la a ações, práticas, processos e avaliações
que envolvem a Educação Básica, Educação Técnica, Educação Profissional e
Educação Superior. Contudo, suas concepções são vagas, não definindo o que se
entende por qualidade, mas inferindo a utilização de indicadores para mensuração
dos seus padrões:
Compete à Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares:
VI – promover a melhoria da qualidade da educação básica em todas as suas etapas
e modalidades a partir do estabelecimento de objetivos, metas e indicadores que
visem ao alcance, validade, qualidade e efetividade das políticas, programas e ações
propostas; […] IX – subsidiar a implementação da política nacional curricular, em
alinhamento com o Sistema Nacional de Educação, e estabelecer parâmetros de
qualidade tanto para as condições de oferta da educação básica quanto para a
aprendizagem dos estudantes (BRASIL, 2019, artigo 11 – grifo nosso).
Em complemento, o governo elaborou o texto intitulado ‘Compromisso
Nacional pela Educação Básica’. Em um formato próximo ao uso de slides de
PowerPoint, apresenta um conjunto de propostas para a Educação até o ano de
2030, que, entretanto, não dialoga com as metas do Plano Nacional de Educação
2014-2024.
O texto afirma que o Brasil apresenta baixos resultados no Programa
Nacional de Avaliação de Estudantes (PISA) quando comparado aos países latinos
(Chile, Uruguai, Trinidad Tobaco, Argentina, Costa Rica, México e Colômbia), o
que indica a necessidade da elevação da qualidade da educação.
Porém, estabelece que o baixo rendimento não implica uma relação linear
entre gastos em educação e qualidade. Ao referenciar os resultados das notas do
PISA de 2015, ranqueia o Brasil com outras nações com desempenhos similares,
que supostamente investiram menores verbas. Não é por menos que, após a
divulgação do documento, o Ministro da Educação reafirmou a ideia de que não é
necessária a manutenção das propostas de 10% do PIB, aprovadas no PNE 2014-
2024 para aumentar a qualidade da Educação Básica, mas a utilização eficiente
dos recursos.
O pacote de ações educacionais encerra com a proposição de impulsionar
a militarização das escolas. A meta indica a criação anual de 27 escolas, totalizando
108 novas até o final de 2023. Para justificar o modelo, o documento esboça
um gráfico (FIGURA 1) com os dados do IDEB entre os anos de 2005 a 2017,
referenciando a superioridade da qualidade dos colégios militares (federais) e
escolas militarizadas frente à rede pública tradicional (civil).

Chama a atenção que os resultados englobam em um mesmo grupo
(civil) os Institutos e Centros Tecnológicos federais que apresentam desempenhos
semelhantes aos colégios militares e às escolas militarizadas. Ao diluírem as
instituições e os colégios técnicos federais junto ao montante das demais escolas
públicas e civis, o resultado joga para o topo do ranking as escolas com pedagogias
militares como únicas no padrão de ‘excelência’ de educação.
Não parece coincidência que no ranking relativo ao desempenho das
escolas públicas do ENEM de 2016, o INEP, sob o governo de Michel Temer
admitiu ter cometido o equívoco de excluir 96% dos Institutos e escolas federais
da classificação que mensura a qualidade (MORENO, 2016). Refeita a inclusão
no ano posterior, das 10 melhores instituições públicas do ENEM em 2017,
sete eram colégios de aplicação das universidades federais, Institutos federais e
Centros Tecnológicos (ANDES, 2019).
Por fim, a narrativa da qualidade na militarização escolar não considera
as particularidades de cada instituição, mas a média do desempenho cognitivo
de determinada turma. Ao aplicar uma prova padronizada e ranquear as escolas
com base nas notas dos estudantes, a qualidade é jogada para a perspectiva de
responsabilizar a escola, expondo à sociedade seus resultados, sem considerar as
classes de igualdade entre as diferentes instituições.

CONDIÇÕES PARA A QUALIDADE NAS ESCOLAS
MILITARIZADAS
Ao analisar as condições políticas das escolas militarizadas que sustentam
o dito padrão de qualidade, uma primeira dimensão é o recurso financeiro.
Enquanto o investimento médio por aluno em escolas públicas civis é de
aproximadamente R$ 6 mil por ano, os treze colégios militares federais recebem
três vezes mais, R$ 19 mil ao ano, de uma fonte específica, o ministério da Defesa
(CAFARDO; JANSEN, 2018).
As escolas militarizadas também apresentam particularidades em
comparação com a rede básica de ensino público. Se o recurso é o mesmo do
Ministério da Educação, muitas adotam estratégias para ampliar as fontes por
meio de “contribuições voluntárias”. No estado de Goiás, que possui 46 escolas
dessa natureza, até o final de 2018 cobrava-se a compra de uniforme militar (entre
R$250 e R$350), o pagamento de matrículas, rematrículas, apostilas e até taxas
mensais (CUNHA, 2019).
Em virtude de tais condutas, o Ministério Público do Estado de Goiás
lançou um ofício a todos os promotores informando que as cobranças nas escolas
militarizadas são ilegais e abusivas à luz da Constituição do Estado, que prevê a
gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais
(TOKARNIA, 2018).
Outra condição para a qualidade é o modo de acesso e o perfil dos
estudantes da rede pública básica. Enquanto a maioria das escolas públicas adota
o acesso amplo (sem provas para inclusão) e têm seu quadro composto por
estudantes cujo nível socioeconômico é médio, nos treze colégios militares do
exército, o nível socioeconômico é considerado muito elevado.
Além disso, o acesso é mais restritivo, já que possuem reservas de vagas
(70%) aos dependentes legais de militares. O restante (30%) inclui um intenso
processo seletivo por meio de provas de admissão, na qual em instituições como
o Colégio Militar de Porto Alegre e Belo Horizonte, o índice supera 70 candidatos
por vaga (MUZZI, 2015).

As escolas militarizadas também exibem um perfil socioeconômico
distinto da maioria das escolas da rede pública. Em pesquisa realizada por Saddi
(2015), no Estado de Goiás, praticamente não havia estudantes com renda menor
que um salário mínimo. Registrou-se apenas 5% com renda de um salário e a
maioria entre cinco e sete salários, o que caracteriza por um perfil socioeconômico
médio-alto e alto.
As escolas militarizadas fazem o uso de reservas de vagas para dependentes
de militares da Polícia, Corpo de Bombeiros e integrantes das Forças Armadas.
Um caso emblemático é o Estado do Rio de Janeiro, onde, no começo de 2019, os
editais de seleção para estudantes de três escolas controladas pela Polícia Militar
fixaram uma reserva de 90% das vagas para filhos de policiais
(SABOIA, 2019).
Enquanto a reserva implica um filtro para a composição de perfis
socioeconômicos distintos entre as três categorias de escolas públicas, o processo
ainda tende a gerar o ‘efeito Harvard’. Ou seja, as instituições de prestígio recebem
estudantes mais preparados e é admissível que tenham um desempenho relativo
maior que os demais.
Isto significa que a concepção de qualidade nas escolas militarizadas
não considera as especificidades ao estabelecer comparações. Os resultados não
necessariamente podem ser atribuídos ao “êxito” ou à ‘fórmula pedagógica’, mas
às condições que são oferecidas, já que as colocam em vantagem frente às demais
escolas públicas (CRUZ, 2017).
A condição para a dita qualidade da militarização implica ainda conflitos
com a legislação anterior. Se os colégios militares são regidos exclusivamente
pelo exército, nas escolas militarizadas a estrutura organizacional tem permitido
a indicação de policiais militares para funções de diretor militar, de disciplinas e
tutores, que atuam nas unidades de ensino conveniadas.
A nomeação para as funções tende a seguir livremente a escolha pela
Polícia Militar entre os membros da corporação, sem a exigência de formação
específica feita pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996). O
modelo adotado diverge da Constituição Federal, em seu artigo 206, inciso V, que
dispõe: “os profissionais da educação escolar das redes públicas ingressarão na
carreira exclusivamente por concurso público de provas e títulos”.
A militarização da educação afasta também da Gestão Democrática
(elucidada na meta 19 do Plano Nacional de Educação 2014-2024). Se não é
novidade que os modos participativos não fazem parte dos colégios militares,

Santos (2016) afirma que o regulamento das escolas militarizadas coíbe a
participação. Não há previsão regimental indicando a necessidade de se discutirem
coletivamente os rumos da aprendizagem, nem mecanismos de interação e
discussão dos problemas internos, cabendo-lhes seguir as normas e regras
estabelecidas.
Algumas desconsideram direitos previstos no Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), como no Estado de Goiás e da Bahia: usar óculos esportivos,
boné, tiaras, ligas coloridas ou outros adornos, quando uniformizados (violação
de natureza leve);apresentar-se com o cabelo fora do padrão, deixando soltos
com pontas ou mechas caídas, ou tingido de forma extravagante (violação de
natureza média); manter contato físico que denote envolvimento de cunho
amoroso quando devidamente uniformizado, dentro do Colégio ou fora dele
(natureza grave); provocar ou tomar parte, uniformizado ou estando no Colégio,
em manifestações de natureza política (natureza grave) (VELOSO; OLIVEIRA,
2016; MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2018).
Não é por menos que no Estado da Bahia foi instaurado um inquérito
civil público no âmbito da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão para
apurar a implantação da metodologia nas escolas públicas. Da mesma forma, o
Ministério Público recomendou que as escolas militarizadas se abstenham de
violar ou restringir a intimidade e vida privada dos estudantes. Propõe-se proibir a
imposição de padrões estéticos quanto ao estilo de cabelo, unhas, formas de vestir
e uso de acessórios (Idem).
Conforme se observa, a militarização modifica a estrutura das escolas
baseando-se na conjugação de consenso e de coerção, tendo em vista a necessidade
de assegurar, por um lado, a hegemonia do conjunto da sociedade em relação à
emergência dos novos modelos de gestão e, por outro lado, conformar corpos e
mentes dos discentes às estratégias de disciplina e hierarquia de uma instituição
militarizada (GUIMARÃES, 2017).
Em outras palavras, no modelo militarização os estudantes não são
sujeitos, mas objetos de intervenção e alvos de mecanismos disciplinares de
conformação e normalização. Assim, cabe questionar se realmente seria esse
o papel da educação que se espera na formação de jovens, marcada por sua
submissão e pelo esvaziamento de sua capacidade de ação política.
Além disso, a narrativa de que as pedagogias militares se apresentam
como um novo modelo a ser seguido, parece atingir os professores da rede
estadual, pois se volta às questões pedagógicas. Subliminarmente, a mensagem
pode expressar que os professores da rede estadual pública não têm competência
para produzir bons resultados, sendo necessário, por isso, transferir as escolas

para a Polícia e Bombeiros Militares (ALVES; TOSCHI; FERREIRA, 2018), sem
tocar em questões como a falta de valorização desses profissionais e a redução de
recursos destinados à educação pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar as concepções de qualidade no modelo de gestão militarizada
nas escolas, ainda que se busque sustentar uma narrativa do resgate da autoridade
do professor e em seguir normas militares tradicionais, reproduz-se a mesma
lógica dos sistemas comparativos e padronizados de avaliação para mensuração.
Ou seja, tais indicadores quantitativos ocultam a importância de aspectos
pedagógicos fundamentais para o pleno desenvolvimento e para uma formação
(e por isso cidadã) dos jovens brasileiros. A qualidade defendida se mostra como
fruto dos desempenhos obtidos nas provas do IDEB e ENEM; porém, os vieses
da narrativa não consideram as condições políticas que sustentam os supostos
resultados.
Conforme visto, a militarização das escolas públicas tem sido marcada
por: (i) maiores recursos aos colégios militares federais, (ii) estratégias de cobranças
voluntárias nas escolas militarizadas; (iii) reserva de vagas para dependentes de
militares; (iv) maior acesso a estudantes com um perfil socioeconômico alto. Com
base em tais singularidades, pode-se deduzir que a tomada de decisões políticas
sobre o orça¬mento e mudanças no processo seletivo pode aumentar a dita
qualidade das demais escolas, sem qualquer necessidade da transformação de
escolas públicas em colé¬gios militarizados (VELOSO; OLIVEIRA, 2016).
Outro fator a ser considerado é que as escolas militarizadas ao adotarem
reservas de vagas, selecionam o seu público, ação que impulsiona vantagens
quantitativas nos processos de avaliação pedagógica e nos indicadores de qualidade.
No entanto, isso revela um mecanismo de reprodução das desigualdades, visto
que as demais escolas públicas recebem todos os segmentos sociais num contexto
político de subsequentes reduções dos investimentos públicos.
Ademais, sob o pretexto do aumento da qualidade da educação, a
militarização não só se distancia da gestão democrática escolar, como aponta para
incongruências frente à Constituição Federal de 1988, ao Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA) e à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996),
ao permitir a inserção de professores militares sem concursos e formação na
área, bem como adotar normas e regras militares que violam ou restringem a
intimidade e vida privada dos estudantes.

É válido destacar que no presente artigo não se discutiram as peculiaridades
existentes nos processos de militarização de escolas estaduais e escolas municipais,
considerando suas diferentes nuances. Nesse sentido, a título de proposta para
novas agendas de pesquisa, sugere-se a discussão aprofundada das metodologias
específicas e dos distintos processos de militarização que têm sido levados a cabo
em escolas públicas pertencentes tanto ao nível estadual quanto municipal.
Em conclusão, na medida em que o espaço público passa a ser
estruturado de forma militarizada sob a égide da disciplina e da hierarquia, o
modelo aprofunda a narrativa da dita necessidade de aumento de qualidade da
educação brasileira, servindo, entretanto, aos interesses do mercado através da
formação de mão de obra qualificada em indicadores padronizadores, porém,
também dócil e obediente à manutenção da ordem vigente do sistema.

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_____________________________________________________________
DANIEL CALBINO PINHEIRO é Docente do Programa de Mestrado em Educação
da UFVJM. Doutor e Mestre Administração pela UFMG. Especialista em
Filosofia pela UFSJ. Professor Adjunto da UFSJ.
E-mail: dcalbino@ufsj.edu.br
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-8260-6126

RAFAEL DIOGO PEREIRA é Doutor em Administração pelo Centro de PósGraduação e Pesquisas em Administração (CEPEAD) da Universidade Federal
de Minas Gerais, na linha de pesquisa de Estudos Organizacionais e Sociedade,
com realização de doutorado sanduíche junto a Universidad Complutense de
Madrid, Espanha. Possui mestrado em Administração também pelo CEPEAD
(2010). Graduado em Turismo, com ênfase em Gestão de Empreendimentos
Turísticos, pela Universidade Federal de Minas Gerais (2006). Professor do
Departamento de Ciências Administrativas da Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador e Extensionista do Núcleo
de Estudos Organizacionais e Sociedade (NEOS/UFMG).
E-mail: rdp.ufmg@gmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0002-1057-2614
GERUZA DE FÁTIMA TOME SABINO é Doutora em sociologia pela Faculdade
de Ciências e Letras de Araraquara – Unesp (2008), Mestre em Ciências Sociais
pela Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília – Unesp (2003) e graduada
em Administração de Empresas pela Faculdade de Ciências Contábeis e de
Administração de Marília – FEESR (1998). Atualmente é Professora Associada
do Departamento de Computação, no curso de Sistemas de Informação da
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – UFVJM.
E-mail: geruzaft@hotmail.com
ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6326-3017
Recebido em agosto de 2019
Aprovado em setembro de 2019

Entre a escola e o quartel: a negação do direito à educação

Com o tema Entre a escola e o quartel: a negação do direito à educação, Andréia Mello Lacé, Catarina de Almeida Santos e Danielle Xabregas Pamplona Nogueira analisa a militarização nas escolas públicas com o objetivo de extrair evidências sobre a efetivação da garantia do direito à educação com qualidade nesse modelo de gestão. Analisa os pressupostos da militarização à luz
dos preceitos constitucionais do direito à educação e da qualidade socialmente referenciada. Foram realizadas análises documentais em fontes primárias e secundárias, matérias jornalísticas e produções teóricas sobre o tema. Concluiuse que o modelo analisado preconiza a negação do direito à educação e da efetivação do princípio da qualidade socialmente referenciada.

Este artigo, o quinto da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

O direito à educação é assegurado pela Constituição Federal de 1988,
tendo como um dos princípios o da garantia do padrão de qualidade. Para
atender ao dispositivo, os sistemas de ensino passaram a propor estratégias para
a universalização da educação básica e a melhoria da qualidade educacional, a
partir da década de 1990. Dentre as estratégias de melhoria da qualidade, desde
1999, o Estado de Goiás implementou o sistema de militarização de escolas
públicas e hoje conta com o maior número de escolas militarizadas no Brasil.
Outros Estados, como Bahia, Amazonas, Rondônia, e o Distrito Federal também
admitiram o modelo como possibilidade resolutiva da “má qualidade das escolas
públicas” e o implementaram com características e estratégias próprias.
No âmbito federal, em julho de 2019, o Ministério da Educação (MEC),
em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais (Undime) e com o
Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), lançou documento, em
apresentação de PowerPoint, intitulado “Compromisso Nacional pela Educação
Básica”. A visão de futuro do referido documento é, até 2030, tornar o Brasil
referência em educação básica na América Latina, pois acredita-se e propaga-se
que “O insucesso escolar na educação básica é um problema concentrado na rede
pública de ensino” (BRASIL, 2019).
O documento apresenta diagnóstico e ações breves que contemplam
desde a educação infantil, o ensino fundamental, médio, à educação de jovens e
adultos (EJA), formação docente e gestão educacional. Além disso, apresenta um
conjunto de dez ações intituladas “Projetos Transversais”. Dentre essas ações está
a implantação de escolas cívico-militares (ECM), única ação com breve explicação
desdobrada em duas telas, em que se vislumbra a intenção do governo em fomentar
e fortalecer as escolas cívico-militares. O referido documento não explicita como
será esse fomento e esse fortalecimento, mas acena que uma das metas é igualar
o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas públicas do
ensino básico ao Ideb dos colégios militares, conforme gráfico a seguir:

O critério de qualidade escolhido para a adoção do modelo proposto
nas escolas se refere ao Ideb, cujo cálculo se dá a partir de dados de fluxo escolar
(aprovação) e resultados de desempenho nas avaliações externas, Prova Brasil e
Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) – ambos instrumentos pertencentes
ao Sistema Nacional de Educação Básica (Saeb). A partir da interpretação da
diferença de desempenho das esferas administrativas, o governo federal atesta a
falência do modelo de gestão da educação básica pública, atribuindo a este uma
das causas para o insucesso escolar.
Parece-nos claro que a opção do executivo para a resolução no insucesso
escolar também é a de implementação do modelo de gestão militarizada das
escolas públicas como garantia de qualidade do processo educacional. O modelo
pressupõe parcerias entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de
Educação. Geralmente, a Secretaria de Segurança Pública assume a gestão
administrativa/disciplinar, ao passo que a Secretaria de Educação desenvolve a
gestão pedagógica das escolas.
Pautada, então, no argumento de que a qualidade educacional não é
alcançada pela rede pública de educação básica, a militarização dessas escolas
tem ocupado cada vez mais espaço na agenda de muitos governos estaduais e
do governo federal. Desse modo, o presente artigo objetiva extrair evidências
sobre a efetivação da garantia do direito à educação com qualidade, conforme
princípios da Constituição de 1988, na proposta do modelo de militarização de
escolas públicas. Para isso, parte da compreensão da educação como luta de classe
e direito social. Em seguida, analisa os pressupostos do modelo de militarização
à luz dos preceitos constitucionais do direito à educação e da perspectiva da
qualidade socialmente referenciada, por meio de análises documentais em

fontes primárias e secundárias, incluindo análise de matérias jornalísticas, além
de produções teóricas sobre os temas envolvidos. Por fim, apresenta algumas
questões sobre a efetivação do modelo discutido.

A EDUCAÇÃO COMO LUTA DE CLASSE E DIREITO SOCIAL
Marx e Engels (1999) iniciam o Manifesto do Partido Comunista afirmando
que a história de toda a sociedade é a história da luta de classes, da luta entre
opressores e oprimidos, que sempre estiveram em constante oposição uns aos
outros, travando “uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta”. Assim, não é
possível pensar o direito à educação sem considerar a lógica de que a concepção
de educação e quem a ela deve ter direito está intrinsecamente ligada às lutas
travadas entre as diferentes classes sociais e nos diferentes momentos históricos.
Aníbal Ponce (2001), ao analisar as diferentes perspectivas de educação
nos diferentes períodos da história da humanidade, aponta que nas comunidades
primitivas a coletividade era pequena,
assentada sobre a propriedade comum da terra e unida por laços de sangue,
os seus membros eram indivíduos livres, com direitos iguais, que ajustaram as
suas vidas as resoluções de conselho formado democraticamente por todos
os adultos, homens e mulheres, da tribo. O que era produzido em comum era
repartido com todos, e imediatamente consumido. O pequeno desenvolvimento
dos instrumentos de trabalho impedia que se produzisse mais do que o necessário
para a vida cotidiana e, portanto, a acumulação de bens (PONCE, 2001, p. 17).
Nessas comunidades, segundo o autor, mulheres e homens estavam
em pé de igualdade e o mesmo acontecia com as crianças, que até os sete anos
acompanhavam os adultos em todos os seus trabalhos. Assim, não existia um
único responsável pelo processo educativo das crianças, fazendo com que
o aprendizado se desse por meio da convivência diária que mantinha com os
adultos. Isso fazia com que elas aprendessem as crenças e as práticas do seu grupo
social.
Um pouco mais tarde, quando a ocasião o exigia, os adultos explicavam as crianças
como elas deveriam comportar-se em determinadas circunstâncias. Usando
uma terminologia a gosto dos educadores atuais, diríamos que, nas comunidades
primitivas, o ensino era para a vida e por meio da vida; para aprender a manejar os
arcos a criança caçava; para aprender a guiar um barco, navegava. As crianças se
educavam tomando parte nas funções da coletividade. E, porque tomavam parte
nas funções sociais, elas se mantinham, não obstante as diferenças naturais, no
mesmo nível que os adultos (PONCE, 2001, p. 19, grifos do autor).

Nessa perspectiva, Ponce (2001, p. 19) ainda aponta que “a educação na
comunidade primitiva era uma função espontânea da sociedade em conjunto, da
mesma forma que a linguagem e a moral”.
Para o autor, essa concepção de educação, como uma função espontânea
da sociedade, por meio da qual as novas gerações se assemelham às mais velhas,
foi se transformando e passou a não ter mais serventia à medida que a sociedade
foi se transformando numa sociedade dividida em classes.
A forma dos membros da comunidade se organizarem na sociedade
primitiva pautava-se na colaboração entre os homens, fundamentava-se na
propriedade coletiva e nos laços de sangue. Mas, a partir do momento em que
a sociedade começou a se dividir em classes, o autor aponta que a propriedade
passou a ser privada e os vínculos, que até então eram de sangue, deram lugar a
um novo vínculo inaugurado pela escravidão, qual seja, a imposição do poder do
homem sobre o homem. A partir desse momento, Ponce (2001, p. 26, grifos do
autor) afirma que
os fins da educação deixaram de estar implícitos na estrutura total da comunidade.
Em outras palavras: com o desaparecimento dos interesses comuns a todos os
membros iguais de um grupo e a sua substituição por interesses distintos, pouco
a pouco antagônicos, o processo educativo, que até então era único, sofreu uma
partição: a desigualdade econômica entre os “organizadores” – cada vez mais exploradores
– e os “executores” – cada vez mais explorados – trouxe, necessariamente, a desigualdade
das educações respectivas. As famílias dirigentes que organizavam a produção social
e retinham em suas mãos a distribuição e a defesa organizaram e distribuíram
também, de acordo com os seus interesses, não apenas os produtos, mas também os
rituais, as crenças e as técnicas que os membros da tribo deviam receber.
Para o referido autor, na comunidade primitiva, quando não havia divisão
de classes, quando a vida social diferia pouco de indivíduo para indivíduo, as
práticas dos grupos faziam com que as crianças seguissem o caminho do hábito,
não sendo necessária, portanto, nenhuma disciplina. As relações de dominação
e submissão que surgiram nas tribos com a divisão de classes demarcam as
diferenças entre os indivíduos, definindo-os de acordo com o lugar que cada
um ocupava na produção. Ainda de acordo com Ponce (2001), isso trouxe como
resultado o fato de que a educação das crianças já não pode mais se dar de forma
espontânea no seu meio ambiente. É preciso organizar a educação sistemática,
organizada e violenta, pautada em outra concepção, que reflita a mesma noção de
hierarquia que apareceu na estrutura econômica da tribo. Nessa nova organização,
é naturalizada a existência de deuses dominadores e crentes submissos. Essas
crenças estão tão ligadas à essência das classes sociais que até a vida após a morte,
presente na fé de todos, torna-se um privilégio dos nobres.

Não é necessária dizer que a educação imposta pelos nobres se encarrega de difundir e
reforçar esse privilégio. Uma vez constituídas as classes sociais, passa a ser um dogma
pedagógico a sua conservação, e quanto mais a educação conserva o status quo, mais
ela é julgada adequada. Já nem tudo o que a educação inculca nos educandos tem
por finalidade o bem comum, a não ser na medida em que “esse bem comum”
pode ser uma premissa necessária para manter e reforçar as classes dominantes.
Para estas, a riqueza e o saber; para as outras, o trabalho e a ignorância (PONCE,
2001, p. 28, grifos do autor).
Em sua análise, Ponce (2001, p. 36) aponta que toda educação imposta
pelas classes proprietárias deve “1º destruir os vestígios de qualquer tradição
inimiga, 2º consolidar e ampliar sua própria situação de classe dominante, e 3°
prevenir uma possível rebelião das classes dominadas”. Diz o autor que no campo
da educação a atuação da classe dominante se dá nestas três frentes distintas e,
embora cada uma dessas frentes possa exigir “uma atenção desigual segundo as
épocas, a classe dominante não as esquece nunca” (2001, p. 36).
Para ele, no momento em que ocorre a transformação da sociedade
comunista primitiva em sociedade dividida em classes, os fins da educação
voltam-se especificamente para a destruição das tradições do comunismo tribal,
a construção do ideário de que o objetivo das ações das classes dominantes
é assegurar a vida das dominadas, além de coibir, extirpar e corrigir qualquer
movimento de protesto da parte dos oprimidos. Assim,
O ideal pedagógico já não pode ser o mesmo para todos; não só as classes
dominantes têm ideais muito distintos dos da classe dominada, como ainda
tentam fazer com que a massa laboriosa aceite essa desigualdade de educação
como uma desigualdade imposta pela natureza das coisas, uma desigualdade,
portanto, contra a qual seria loucura rebelar-se (PONCE, 2001, p. 36).
Marx e Engels (1999) apontam para as diferentes posições sociais que
se fizeram presentes em praticamente todos as épocas da história, sendo possível
encontrar por quase toda parte a múltipla gradação das posições sociais e que
a “moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não
aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de
opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas” [mas, segundo os
autores, na época da burguesia], a sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois
grandes campos inimigos, em duas grandes classes que diretamente se enfrentam:
burguesia e proletariado (MARX; ENGELS, 1999, p. 67).
É no âmbito dessa sociedade cindida, dividida em classes cada vez mais
antagônicas, que urge a disputa para que os direitos saiam da esfera do divino,
deixem de ser privilégios de alguns e passem a se constituir em direitos sociais.

Mas é também no âmbito dessa sociedade que a disputa pela manutenção dos
privilégios e a negação dos direitos para os que não fazem parte das castas ou dos
grupos detentores do poder se dão.
A luta para que a educação, assim como os demais direitos, se constitua
em direito social e não em privilégio é uma luta entre classes. Se por um lado,
a classe trabalhadora busca a superação das estruturas de poder que a mantém
na condição de oprimida e destituída de direito, por outro, os detentores dos
meios de produção usam de todos os aparatos que dispõem para manter seus
privilégios e garantir, assim, sua condição de opressores. Nesse sentido, a luta por
uma educação que garanta processos formativos que desnaturalize a estrutura
social vigente, que é na sua essência pautada em desigualdades das mais diversas
ordens, está permeada de conflitos, tendo em vista que o que está em disputa são
concepções de educação, de homem, de mundo e de sociedade. Trata-se de uma
batalha entre classes antagônicas que, em que pese as contradições no seu interior,
uma busca a superação e a outra a manutenção das estruturas de poder.
A positivação do direito à educação no Brasil, bem como a luta pela sua
concretização no campo das relações sociais concretas, mobilizou educadores ao
longo do tempo. Anísio Teixeira, Dermeval Saviani, Darcy Ribeiro e Florestan
Fernandes são alguns desses exemplos. A incansável luta de Anísio Teixeira pela
educação pública, gratuita, laica e de qualidade é conhecida de todos nós. Em fins
da década de 1950, nos debates travados em torno da aprovação da primeira Lei
de Diretrizes Bases no Brasil, o protagonismo de Anísio foi essencial para situar
a importância da educação pública para todos, inclusive como principal elemento,
senão o mais estruturante, para se fundar a república brasileira e consolidar os
valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
Todavia, o movimento pendular da história brasileira e o esgarçamento
das classes sociais conduziram o país para 21 anos de Ditadura Civil-Militar. O
direito à educação durante esse período foi estudado por Góes e Cunha (1988)
e Cunha (2016). Esses autores, entre outros elementos, destacam o recuo na
laicidade do Estado, com forte influência das igrejas católicas, inclusive, na
determinação dos conteúdos da disciplina Moral e Cívica e na forte presença
de religiosos na condução das políticas educacionais. Além disso, o preceito da
sagrada família (Jesus, Maria e José) se apresenta como modelo ideal, ao passo que
todas as outras reconfigurações familiares eram tidas como anormais (CUNHA,
2016). Em nome da segurança nacional, da ordem e do patriotismo, o dissenso foi
coibido.
O recuo na laicidade do Estado foi proporcional ao recuo na qualidade
da educação oferecida. Penin e Vieira (2002) e Carvalho (2016) evidenciam a
massificação da educação a partir da Lei 5.692 de 1971, que, se por um lado,

ampliou de 4 para 8 anos a obrigatoriedade do Estado na garantia da educação
pública, por outro descontinuou o financiamento da educação, acarretando
elevado número de reprovação e evasão, alto índice de analfabetismo, desprestígio
e desvalorização docente, distorção série/idade e precarização dos serviços
educacionais oferecidos.
A IV Conferência Brasileira de Educação (CBE), realizada em Goiânia
nos dias 2 e 5 de setembro de 1986, foi um importante marco para o manifesto
dos educadores na assunção de suas responsabilidades na (re) construção da
democracia e para a superação dos impeditivos para a universalização da educação
pública e de qualidade para todos. As reivindicações dos educadores foram
inscritas na Carta de Goiânia e seu conteúdo influenciou a Constituição Federal
de 1988, na seção referente à educação (ANDE; ANPED; CEDES, 1986).
A Constituição cidadã, em seu artigo 205, define que a educação é
direito de todos e dever do Estado, da família mediada pela sociedade e visa
três finalidades: o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Estabelece ainda, no artigo 206,
oito princípios pelos quais o ensino deve ser ministrado. Entre eles: a igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola, a liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, o pluralismo de ideias
e concepções pedagógicas (BRASIL, 1988).
O tempo presente reverbera, portanto, dilemas educacionais que
pareciam ter encontrado certa segurança jurídica a partir do pacto social de 1988,
especialmente aqueles dilemas referentes ao direito à educação. De 1988 até
2014, um conjunto de emendas constitucionais, leis ordinárias, complementares,
decretos e diretrizes especificaram e prescreveram aspectos relativos ao direito
à educação consignados na Constituição Cidadã. Entre elas destacam-se: a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, as leis que instituíram a
política de fundos para financiar inicialmente o ensino fundamental e a partir
de 2007 toda a educação básica, os Planos Nacionais de Educação e a Emenda
Constitucional 59 de 2009 – que assegurou o dever do estado à educação básica
obrigatória e gratuita dos 4 aos 17 anos, dentre outras.

O MODELO DE MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS PÚBLICAS: O
DIREITO À EDUCAÇÃO COM QUALIDADE EM PAUTA
Conforme sinalizado anteriormente, o modelo de militarização é
motivado, sobretudo, pela necessidade de melhoria da qualidade educacional.
Nesse sentido, o Ministério Público do Distrito Federal expediu Nota Técnica
a fim de conferir publicidade ao posicionamento favorável das Promotoras

de Justiça de Defesa da Educação sobre a implementação da escola de gestão
compartilhada no DF. A Nota afirma que não vai julgar qualquer abordagem de
conteúdo do mérito da proposta de militarização, mas restringir-se aos aspectos
jurídicos e formais, privando-se assim de emitir juízo de valor de escolhas políticas
do Poder Executivo (MPDFT, 2019). Por outro lado, ao contextualizar a questão, a
Nota justifica o aumento da demanda, por parte da sociedade civil, por matrículas
em escolas militares devido à qualidade do ensino constatada no Ideb e afirma
textualmente que “não se pode ignorar que o modelo de educação adotado no
Brasil tem apresentado resultados insatisfatórios nos níveis de aprendizagem, em
especial entre os estudantes carentes” (MPDFT, 2019, p. 7).
Em Rondônia, o Ministério Público impetrou Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADIN), em face da Constituição Estadual, contra a
militarização das escolas públicas. No voto de alguns desembargadores, é possível
verificar, mais uma vez, a justificativa do voto favorável à militarização, já que as
“escolas militares” são exemplos de qualidade, hierarquia e disciplina (TJ/RO,
2019).
Analisou-se ainda postagens que foram feitas no perfil do Sindicato
dos Professores do Distrito Federal (SINPRO-DF), na plataforma Facebook, em
agosto de 2019. Dentre diversos tipos argumentativos, sobressaem aqueles que
alegam a qualidade do colégio militar do DF e o desejo da maioria dos pais de
oferecerem esse ensino para os seus filhos.
Observou-se, a partir disso, uma forte tendência nas diferentes esferas
da sociedade em compreender os colégios militares e as escolas militarizadas
como sinônimos e logo providos da mesma organização, gestão e financiamento.
Sobre essa questão, cabe esclarecer que o Brasil dispõe de 13 escolas militares
que compõem o Sistema Colégio Militar do Brasil. Essas escolas são geridas
e mantidas pelo Exército Brasileiro. A organização do ensino militar é regida
por lei específica, conforme assegura o artigo 83 da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação de 1996. No conjunto do ordenamento legal, a Lei 9.786 de 1999, que
dispõe sobre o ensino no Exército Brasileiro, foi regulamentada pelo Decreto
3.182 de 1999, cujo teor sofreu alteração em 2017, por meio do Decreto 9.171, de
17 de outubro de 2017. Em outras palavras, as escolas militares previstas em lei,
cujo aluno custa em média R$ 19 mil reais, três vezes mais que um aluno da escola
pública regular (BOLSONARO…, 2019), não podem ser tomadas como sinônimo
de escolas militarizadas.
Em outra direção, as escolas militarizadas não integram o Sistema
Colégio Militar do Brasil. Elas continuam fazendo parte do sistema estadual e/ou
municipal de ensino e são transformadas, geralmente, por meio de parcerias entre

a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria de Educação, em escolas geridas
pela polícia militar. Aos policiais militares da reserva cabe a gestão administrativa
e disciplinar e aos professores a gestão pedagógica.
Desse modo, institui-se um modelo de gestão nas escolas das redes
públicas do ensino que incorpora rotinas e procedimentos disciplinares do
padrão militar. Parafraseando Rui Barbosa (1893), a polícia gerindo a escola leva
ao militarismo e subsume as finalidades precípuas da educação aos ditames da
hierarquia, da obediência e da subordinação.
Apesar de não existir um único modelo de militarização implementado
pelos sistemas de ensino no Brasil, os princípios fundantes convergem para a
adoção de uma perspectiva de qualidade baseada na padronização e na dissociação
dos aspectos administrativos e pedagógicos da gestão escolar. Essas constatações
implicam na retomada do princípio constitucional da qualidade na educação
disposto no Art. 206. Esse disposto atribui à educação brasileira a garantia do
padrão de qualidade, ao mesmo tempo que estabelece a gestão democrática do
ensino público.
O entendimento acerca da qualidade na educação converge, numa
perspectiva democrática, para o conceito de qualidade social da educação ou o de
qualidade socialmente referenciada.
Segundo Belloni (2003, p. 232),
Educação de qualidade social é aquela comprometida com a formação do
estudante com vistas à emancipação humana e social; tem por objetivo a formação
de cidadãos capazes de construir uma sociedade fundada nos princípios da justiça
social, da igualdade e da democracia.
Nesse sentido, reforça-se o pressuposto de que, de acordo com Dourado
e Oliveira (2009), a discussão acerca da qualidade da educação remete à definição
do que se entende por educação. Assim, promove-se
o reconhecimento de que a qualidade da escola para todos, entendida como
qualidade social, implica garantir a promoção e atualização histórico-cultural,
em termos de formação sólida, crítica, ética e solidária, articulada com políticas
públicas de inclusão e de resgate social (DOURADO; OLIVEIRA, 2009, p. 211).
Logo, entende-se que a qualidade social é aquela que assegura o exercício
da cidadania, visando à construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Sobre
essa perspectiva de qualidade, Flach (2005) define como indicadores: educação
como direito de cidadania; participação popular na gestão; valorização dos

trabalhadores em educação; e recursos adequados. A fim de centrar as discussões
no objeto deste artigo – a militarização –, tomou-se como referência apenas os
dois primeiros.
O indicador de educação como direito de cidadania pressupõe que
educação deve basear-se numa perspectiva de emancipação humana e social e
permite que os indivíduos se tornem verdadeiros sujeitos de sua própria história.
Além disso, demanda uma política de inclusão social para propiciar à população
mecanismos que viabilizem sua entrada num contexto social mais amplo.
O indicador de participação popular na gestão é compreendido como um
verdadeiro exercício democrático.
Participar consiste em colaborar de forma efetiva na construção de um plano
de ação coletivo, observando que essa construção deve superar o conflito das
partes e alcançar um consenso, mas não o consenso entendido como aceitação
da concepção defendida pela classe dominante, o qual impossibilita totalmente
a elaboração de um projeto contra-hegemônico, mas o consenso baseado no
diálogo, onde a voz mais fraca, mesmo que oriunda de uma ínfima minoria, é
ouvida e considerada (FLACH, 2005, p. 12).
Tomando como base os entendimentos apresentados, compreende-se que
o processo de militarização das escolas públicas visa promover uma perspectiva
de qualidade muito distanciada da noção de qualidade socialmente referenciada.
Alguns argumentos podem ser levantados, a fim de subsidiar essa conclusão.
O primeiro deles se refere ao fator exercício da cidadania e da liberdade
individual. Nesse aspecto, a padronização exigida pelo processo de militarização
fere os preceitos da liberdade individual e do respeito à diversidade. Compreende

se que o sujeito que compõe a escola pública é diverso, possui as suas diferenças e
deve ser respeitado em sua própria diversidade. A qualidade social, portanto, não
se baseia na eliminação da diferença como pressuposto de melhoria.
Assim, a militarização fere a garantia da liberdade individual ao
instituir a padronização de vestimentas, comportamentos, formas de expressão,
manifestações culturais, interfere diretamente na constituição da identidade social
desses sujeitos, os quais devem ter assegurados o seu pleno desenvolvimento e o
exercício da cidadania.
O segundo, dentre outros, diz respeito ao pressuposto de que não
há qualidade social sem uma gestão democrática. A perspectiva de separar as
dimensões administrativas e pedagógicas na gestão escolar reforça o caráter
tecnicista, prescritivo e normativo, admitindo-se que a atividade-fim da escola
(pedagógica) pode ser dissociada do seu processo de gestão.

Essa separação desconsidera a diversidade das instituições escolares e a
sua autonomia para a elaboração de suas propostas pedagógicas. Dessa forma,
também leva ao apagamento da identidade da própria escola ao desconsiderar
a diversidade da dimensão socioeconômica e a heterogeneidade e pluralidade
cultural.
Além disso, diminui a função do gestor escolar, o qual atua nas dimensões
pedagógica, administrativa e política, ao inserir um agente de autoridade, com
visão educacional limitada e cuja atividade-fim não coincide com a função escolar.
Geralmente, a organização e o funcionamento das polícias, sobretudo
da polícia militar, são baseados na obediência ao comando, na hierarquia rígida
e na disciplina. Como apontam os regimentos dessas PMs, a hierarquia e a
disciplina são a base institucional da Polícia Militar, assim como a autoridade e a
responsabilidade que crescem com o grau hierárquico.
Não por acaso, apontam que o respeito à hierarquia deve ser observado e
mantido em todas as circunstâncias da vida, entre os policiais militares. O Art. 13
do regimento da Polícia Militar do Distrito Federal, por exemplo, traz ideais que
são comuns no regimento de todas as polícias militares do país, quais sejam, os
conceitos de hierarquia e disciplina que regem o funcionamento da instituição.
§ 1º – A hierarquia é a ordenação da autoridade, em níveis diferentes, dentro
da estrutura da Polícia Militar, por postos e graduações. Dentro de um mesmo
posto ou graduação, a ordenação faz-se pela antiguidade nestes, sendo o respeito
à hierarquia consubstanciado no espírito de acatamento da autoridade.
§ 2º – Disciplina é a rigorosa observância e acatamento integral da legislação que
fundamenta o organismo policial-militar e coordena seu funcionamento regular
e harmônico, traduzindo-se pelo, perfeito cumprimento do dever por parte de
todos e de cada um dos componentes desse organismo.
Na lógica da hierarquia e disciplina, a subordinação é elemento fundante
na constituição da instituição militar, assim como no funcionamento das unidades
de comando. A subordinação militar por definição constitui-se no respeito ao
princípio da hierarquia, no acatamento das ordens dos superiores, que devem
ser plena e prontamente executadas, sob pena de ser acusado de transgressor e
exemplarmente punido. Entre as consideradas transgressões por parte do policial
militar estão o retardamento da execução de qualquer ordem, sem justificativa, e
o não cumprimento de uma ordem legal recebida.
É possível observar que os princípios fundamentais que regem a
Corporação da Polícia Militar no país são a hierarquia, a disciplina, a obediência e
a subordinação. As finalidades precípuas da Polícia Militar nas diferentes unidades
federadas são a manutenção da ordem pública e segurança interna dos estados,
além de serem, por lei, força auxiliar reserva do Exército.

Por outro lado, a educação, como inscrita na Constituição, tem como
objetivo a formação dos sujeitos nas suas múltiplas dimensões, devendo para isso
ser amparada em princípios basilares da democracia e da horizontalidade.
O processo de militarização, ou melhor, de PMzação das escolas em curso
no Brasil requer, ainda, refletir sobre os papéis das duas categorias profissionais
responsáveis pela efetivação dos direitos estabelecidos no art. 6º da Constituição
Federal de 1988, a saber: educação e segurança.
O parágrafo único do art. 61 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(Lei n. 9.394/96) define que
Art. 61 a formação dos profissionais da educação, de modo a atender às
especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das
diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos
fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e
capacitação em serviço (BRASIL, 1996).
Já o art. 62 define que formação de docentes para atuar na educação
básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura plena e no desempenho
das suas funções. Participar de processos coletivos, como a construção do Projeto
Político Pedagógico da escola e de conselhos escolares, é parte obrigatória.
No tocante à segurança, o art. 144 define que a segurança pública é
dever do Estado, direito e responsabilidade de todos e deve ser exercida para a
preservação da ordem pública. Ao definir os órgãos responsáveis pela garantia
desse direito, elenca as diferentes polícias, dentre elas as polícias militares e corpos
de bombeiros militares. O § 5º do citado artigo estabelece que “Às polícias
militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos
de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução
de atividades de defesa civil”. Analisando educação e segurança, embora não reste
dúvidas tratar-se de dois direitos fundamentais na vida em sociedade, também
não há dúvidas que são duas áreas com especificidades distintas, que contam com
lógicas frontalmente opostas na sua operacionalização e que possuem princípios
completamente divergentes.
Colocado isso, retomamos o pressuposto de que a garantia do direito à
educação deve considerar o movimento de superação das estruturas de poder e
o intenso processo de lutas de classes para levantar algumas questões. A quem
interessa destituir a escola pública, laica, gratuita e de qualidade, socialmente
referenciada, de suas funções sociais? É possível pensar a Polícia Militar como
um insumo necessário e profícuo para garantia do direito à educação de qualidade
dos cidadãos e das cidadãs brasileiras que estudam nas escolas públicas? A

educação pensada em uma escola que funciona no regime do quartel é capaz de
garantir o pleno desenvolvimento dos diferentes sujeitos e suas especificidades?
A formação para obediência serve a superação das desigualdades resultantes pelas
diferenças de classe ou para manutenção da ordem estabelecidas e a naturalização
das desigualdades de classe, raça, etnia, gênero e orientação sexual? É capaz de
respeitar as diferentes manifestações culturais, religiosas e identitárias e garantir o
desenvolvimento dos sujeitos e suas diversidades?
A partir dos argumentos aqui levantados, concluímos que a militarização
das escolas conserva, defende e cultiva divisões, discriminações, abismos de
desigualdade e apagamento das individualidades. Dessa forma, evidenciouse o caminho de negação do direito à educação e da efetivação do princípio da
qualidade socialmente referenciada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A escola tem sido quase sempre o último dos refúgios para o preconceito, a
rotina, o dogma, o tradicionalismo cego ou os interesses mais egoísticos. Pobre
escola! É a mais humilde, a mais mandada das instituições e, ao mesmo tempo,
o bode expiatório de todas as nossas deficiências. Dela tudo se espera e nada lhe
permite! Quanto mais abandonada mais culpada fica de tudo o que nos suceda
(TEIXEIRA, 1959, p. 8).
Ao analisar a efetivação da garantia do direito à educação com qualidade,
na proposta do modelo de militarização de escolas públicas, este artigo evidenciou
um contexto de fortalecimento do conservadorismo e de ofensiva à escola e à
educação públicas. Na pauta das políticas em implementação, os discursos de
governantes reforçam a concepção de educação conservadora, impositiva e
preconceituosa que está em voga, como transparecem as falas seguintes:
1. Governador Ibaneis (DF): “esse é um projeto de governo. Quem
quiser barrar que vá à justiça […]. Não vou deixar a cidade ser aprisionada por
uma esquerda que ficou no passado, tendo a oportunidade de governar e não fez
nada para a sociedade (FORTUNA, 2019).
2. Ministro da Educação Abranham Weintraub (dia 5 de setembro de
2019, na cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Escolas Cívico
Militares): “nunca mais um regime totalitário tente ser implantado no Brasil
[…]. Nunca mais a gente se esqueça que nossa bandeira jamais será vermelha”
(SALDAÑA; COLETTA, 2019).
3. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (dia 5 de setembro
de 2019, na cerimônia de lançamento do Programa Nacional de Escolas Cívico
Militares) “Temos aqui a presença física do nosso governador do DF, Ibaneis.

Parabéns, governador, com essa proposta. Vi que alguns bairros tiveram votação
e não aceitaram. Me desculpa, não tem que aceitar, não. Tem que impor… me
desculpa, não tem que perguntar para o pai, irresponsável nesta questão, se ele
quer ou não uma escola, de certa forma, com militarização. Tem que impor, tem
que mudar” (MAUZI, 2019).
Tais falas demonstram, ainda, que a suposta luta contra as ideologias
de esquerda praticadas na escola e a dita neutralidade do Estado fundem-se ao
ideário do militarismo, promovendo uma fratura no sentido de escola pública
para todos.
Retomando Anísio Teixeira (1959), mais uma vez, a escola pública
é colocada como a principal causa das mazelas da educação brasileira,
indiscriminadamente excluindo-se os diversos fatores que estão para além dos
muros da escola e que interferem na sua qualidade. A ela se impõe um modelo
antidemocrático, controlador e que revela, em sua essência, as marcas da
perpetuação das desigualdades e do não acesso à educação como direito social e
de todos.
Por fim, é mister registrar os limites das análises aqui apresentadas,
cabendo a motivação e o incentivo a estudos que possam avaliar os resultados do
modelo de escolas militarizadas e do seu processo de implementação.

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ensino%20cabe%20%c3%a0%20sociedade. Acesso em: 4 set. 2019.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE RONDÔNIA. Ação direta de
inconstitucionalidade (ADI). Rondônia: TJ/RO. Disponível em: https://tjro.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/723810609/direta-de-inconstitucionalidadeadi-8026406120178220000-ro-0802640-6120178220000/inteiro-teor723810610?ref=juris-tabs. Acesso em: 5 set. 2019.
___________________________________________________________________
ANDRÉIA MELLO LACÉ, Professora Adjunta da Faculdade de Educação da
Universidade de Brasília. Doutora em Educação pela Universidade de Brasília na
linha de pesquisa: Políticas Públicas e Gestão da Educação.
E-mail: andreia.mello.lace@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3549-2696
CATARINA DE ALMEIDA SANTOS, Professora Adjunta da Faculdade de Educação
da Universidade de Brasília, Doutora em Educação pela USP.
E-mail: cdealmeidasantos@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1864-4608
DANIELLE XABREGAS PAMPLONA NOGUEIRA, Professora Adjunta da
Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, Doutora em Educação pela
UnB, atuando na área de Políticas Públicas, Gestão e Tecnologias Educacionais
E-mail: danielle.pamplona@gmail.com
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8500-0402

A militarização das escolas públicas: uma análise a partir das pesquisas da área de educação no Brasil

Com o tema A militarização das escolas públicas: uma análise a partir das pesquisas da área de educação no Brasil, Miriam Fábia Alves e Mirza Seabra Toschi apresentam os resultados de uma pesquisa bibliográfica acerca da militarização das escolas públicas no Brasil. Foram consultadas as bases de dados: Portal de Periódicos da Capes; Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações; Google Acadêmico. A partir do levantamento emergiram questões relativas à gestão militarizada e suas interferências na prática pedagógica, a formatação de um modelo de escola que prioriza a disciplina e o controle, a relação de dependência entre a melhora do desempenho escola e as características dos estudantes.

Este artigo, o quarto da série, é uma sequência dos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

O tema da militarização das escolas públicas, ou seja, a transferência
da gestão de escolas públicas para a Corporação da Polícia Militar entrou em
outra fase com a posse do presidente Jair Bolsonaro e a defesa das escolas cívico

militares como modelo a ser seguido pela escola pública brasileira. Essa opção
do governo federal ensejou a criação, no Ministério da Educação (MEC), de uma
subsecretaria para fomentar a implantação dessas escolas nas redes públicas, que
passaram a ser consideradas pelo MEC como “modelo de escola de alto nível”
que segue “padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios
militares do Exército, das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares”
(BRASIL, 2019, p.11 ). A assunção desse modelo por parte do MEC representa
um salto no processo de militarização das escolas públicas, uma vez que, de
experiência isolada em alguns estados, passa a ser apresentado como política a ser
adotada em todo o país.
No cenário de crescente conservadorismo que toma a sociedade brasileira,
a militarização vai ganhando proporções assustadoras e nos indica a urgência de
promover debates, pesquisas e publicações que possam desvelar os impactos
desse processo na formação de crianças, adolescentes e jovens brasileiros. Essa
realidade nos instigou a produzir uma pesquisa bibliográfica sobre a militarização
nas publicações brasileiras, buscando analisar o que o campo educacional tem
compreendido, pesquisado e publicado sobre o assunto. Tal empreitada se deve ao
fato de não ter sido encontrado qualquer levantamento relativo a essa temática, ou
seja, as autoras não localizaram estudos relacionados ao estado do conhecimento,
ou estado da arte, ou levantamento bibliográfico específico sobre a militarização
das escolas.
Para realizar o levantamento fomos aos seguintes bancos de dados: Portal
de Periódicos da Capes, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações e
Google Acadêmico. A exposição do resultado da pesquisa foi organizada em
duas partes: na primeira apresentamos o quadro geral do levantamento feito e, na
segunda, a análise dos principais achados.

O CONHECIMENTO PRODUZIDO SOBRE A MILITARIZAÇÃO
DAS ESCOLAS PÚBLICAS
O modelo de gestão militar da escola com atuação das corporações
militares estaduais antecede a 1998; no entanto, a transferência de escolas públicas
estaduais, que estavam em funcionamento, para a gestão da PM é um fenômeno
iniciado em Goiás, em 1998, quando o governo Marconi Perillo, criou e instalou
um colégio militar, amparado numa lei de 1976, para oferecer educação exclusiva
para os dependentes dos militares. (ALVES; TOSCHI; FERREIRA, 2018). Esse
processo de militarização se expandiu a partir dos anos 2010, ganhou adesão
de outros estados da federação, e os dados indicam que o número de escolas
militarizadas saltou de 93 em 2015, para 120 em 2018, espalhadas por, pelo
menos, 22 estados. (SALDAÑA, 2019). Das 120 escolas militarizadas em 2018,
quase metade pertence ao estado de Goiás, que possuía 55 escolas nesse modelo.
Considerando o nosso objeto de estudo, a militarização das escolas
públicas e o corte cronológico de sua implantação a partir dos anos 2000,
buscamos a produção acadêmica disponível sobre o tema. A pesquisa que fizemos
nos bancos de dados se pautou por uma compreensão da militarização como
processo de transferência da gestão das escolas estaduais para a corporação
da Polícia Militar, que implanta um modelo de escola semelhante aos quartéis:
rígida disciplina, uso de uniforme/farda, ritos da PM, ensino de civismo. Esses
balizadores guiaram nossa busca nos portais selecionados.
Conhecer e mapear os estudos sobre a militarização na educação brasileira
foi a atividade inicial dessa reflexão; por isso, definimos como descritores a)
militarização de escolas; b) militarização da educação; c) escolas militares; d)
militarização and escolas públicas; e) colégios da Polícia Militar. A busca das
produções acadêmicas foi realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações (BDTD), no Portal de Periódicos da Capes e no Google Acadêmico,
utilizando os mesmos descritores nos três repositórios. O objetivo era saber como
o conhecimento sobre a crescente instalação de colégios militares no país estava
se desenvolvendo e quais aspectos eram mais abordados nos estudos.
A busca no portal de periódicos da Capes localizou uma produção mais
expressiva com o buscador ‘escolas militares’, que localizou 58 artigos. Ao realizar
a leitura dos resumos, retiramos os artigos que não abordavam o tema diretamente
e diziam respeito, de forma mais expressiva, aos colégios militares da rede
federal do Sistema Colégio Militar do Brasil (do Exército), por se tratar de outra
experiência de escola. Feita essa seleção inicial, identificamos apenas cinco artigos
que tratavam do fenômeno da militarização das escolas públicas. São artigos dos
anos de 2018 e 2019, indicativos de que muito recentemente o tema começou a

ocupar espaço nas revistas brasileiras. Desses, um discute o tema da militarização
em Goiás, outro, no Tocantins e outro, na cidade de Campo Grande. Dois artigos
tratam de experiências específicas nas escolas militarizadas, relatando as práticas
docentes na Educação Física e uma experiência de educação ambiental em escolas
militarizadas de Goiás. Podemos dizer que a captura feita nesse portal sugere um
longo caminho a percorrer no que diz respeito à divulgação do conhecimento
sobre esse tema nos periódicos brasileiros.
Na busca realizada na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
(BDTD) foram encontradas oito dissertações e sete teses. Quatro livros foram
encontrados no Google Acadêmico e, também, quatro dissertações, duas
teses e 18 artigos. Um dos livros tratava da militarização na burocracia, outro
sobre a Educação no Estado Novo, outro sobre os militares e a República. O
livro intitulado ‘Estado de Exceção Escolar: uma avaliação crítica das escolas
militarizadas’, organizado por Ian Caetano de Oliveira Victor e Hugo Viegas de
Freitas Silva, contém seis textos sobre a militarização das escolas. Há um número
especial, do ano de 1998, da revista Cadernos de Pesquisa, sobre ‘A instituição
escolar e a violência’, no qual não consta qualquer artigo sobre a militarização.
Dos 18 textos localizados, muitos se referiam às mesmas teses/dissertações
achadas. Vinte e um estudos se referiam à militarização em Goiás, mas também
foram encontrados estudos sobre escolas militares em outros estados, como: São
Paulo (dois), Pernambuco (dois), Rio Grande do Sul (três), Ceará (três) e Minas
Gerais, Distrito Federal e Sergipe, com um trabalho em cada. Importa ressaltar
que a busca realizada, utilizando os descritores já apresentados, permitiu filtrar
trabalhos que tratam de experiências distintas, como é o caso de São Paulo em
que a instituição analisada é privada, criada, segundo Silva (2008) para atender os
dependentes dos policiais militares de São Paulo. Outro caso analisado foi um
dos Colégios Tiradentes da Polícia, de Minas Gerais (OLIVEIRA, 2017) que são
instituições públicas de ensino vinculadas as corporações das polícias militares e
que estão presentes em 23 estados da federação.
Para a elaboração desse artigo não foram levadas em conta as inúmeras
matérias de revistas semanais e jornais, uma vez que o caráter factual dessas não
inclui a crítica acadêmica a partir da análise científica, como acontece nas teses,
dissertações, artigos de livros e textos de revistas científicas, fugindo, portanto, ao
escopo do objetivo proposto para este artigo.
Os estudos bibliográficos fornecem dados atuais e relevantes que dão
sustentação a novas abordagens da temática, uma vez que estudos de um mesmo
tema, sob diferentes pontos de vista, possibilitam a ampliação do conhecimento

de determinado assunto. Nessa perspectiva, selecionamos alguns achados que
nos permitem analisar o fenômeno da militarização e que, também, indicam
possibilidades de novas pesquisas.

ACHADOS DA PESQUISA – A MILITARIZAÇÃO DAS ESCOLAS
PÚBLICAS EM ANÁLISE
A produção de novos saberes sobre a militarização da educação só
pode ser feita levando-se em conta os estudos já realizados sobre esse tema.
Para produzir a análise contida neste texto, selecionamos e fizemos a leitura dos
resumos de todas as teses e dissertações e, também, dos textos encontrados.
Os textos lidos referiam-se a estudos, reflexões, pesquisas sobre a história e o
processo de militarização de escolas, sobre a disciplina militar adentrando na
educação escolar, a estrutura hierarquizada dessas escolas, a gestão militarizada,
a relação entre violência e militarização, e a relação entre desempenho escolar e
gestão militar.
Considerando o potencial das pesquisas bibliográficas no sentido de
permitir que se identifiquem as tendências dos estudos e as lacunas que ainda
persistem, constatamos que, em relação ao tema em debate, a tendência dos
estudos, verificada em grande parte dos trabalhos, é abordar a questão da gestão
da escola sugerindo que este tem sido um dos elementos mais impactantes para o
cotidiano escolar, uma vez que ocorrem mudanças do padrão de liberdade civil.
que é substituída por uma acentuada hierarquia militar – como se a função da
escola básica fosse formar soldados para atuar em situação de guerra. O título da
dissertação de Cruz (2017), ‘Militarização das escolas públicas em Goiás: disciplina
ou medo?’ aponta para isso. Nesse estudo, a autora conclui que há uma cobrança
exacerbada da disciplina nos colégios militares e, como consequência, um medo
gerado nos estudantes que funciona como estratégia de controle que ignora a
pluralidade e a subjetividade dos indivíduos. Santos (2016), que igualmente
estudou o movimento de militarização das escolas públicas em Goiás, observa
que a mudança de gestão modifica a estrutura das escolas, transformando-as,
de espaços democráticos e de acesso para todos, em espaços com estrutura
militarizada e seletiva.
Em se tratando da seletividade da escola militarizada, Santos (2016)
ressalta que nem todos os alunos que necessitam ou escolhem a escola pública
podem estudar em colégio militarizado, devido aos custos das mensalidades,
travestidas de ‘doação espontânea’, e caros uniformes, que, na verdade, são fardas,
como as usadas pelos soldados da Polícia Militar ou do Exército.

A partir desses estudos, é possível depreender que uma das narrativas
utilizadas para justificar a militarização das escolas, ou seja, de que é possível
separar gestão e prática pedagógica, não é comprovada nas experiências analisadas.
A gestão da escola entregue a um terceiro, nesse caso, à polícia militar, faz com
que a comunidade escolar vivencie novas práticas educativas, que interferem
no aspecto organizacional e pedagógico. Ou seja, não é possível isolar a gestão,
o modo de organização escolar, sem causar impactos no projeto formativo da
escola pública.
O cotidiano da escola militarizada reforça os aspectos visíveis da escola,
aqui compreendidos na perspectiva de Nóvoa (1995), para quem há uma cultura
própria nas instituições escolares que possuem aspectos visíveis e invisíveis. Os
invisíveis se referem às crenças, aos valores, às ideologias e os visíveis incluem
manifestações verbais e conceituais, como os currículos; manifestações visuais
e simbólicas, como os uniformes; e manifestações comportamentais, como os
rituais e as cerimônias. As escolas militares alteram e exacerbam todos esses itens;
por exemplo, a exigência do uso das fardas, consideradas como fundamental nas
normas dos colégios militares, e seu uso impõe regras que devem ser seguidas
dentro e fora da escola. Há muitas proibições aos estudantes de fazer algo quando
estão com o uniforme, mesmo que seja fora da escola, que vão desde “dobrar
short ou camiseta de Educação Física, para diminuir seu tamanho, desfigurando
sua originalidade”, considerada transgressão disciplinar leve, até “provocar ou
tomar parte, uniformizado ou estando no Colégio, em manifestações de natureza
política”, classificada como grave. (CEPMGO, 2017).
Pinheiro e Guimarães (2018), além de dizerem que os diretores das
escolas militares estão a serviço do governo do estado, reafirmam que eles não são
mais gestores democráticos devido à implantação na escola da mesma disciplina
hierárquica dos quartéis. É exigida uma obediência incondicional que atinge todos
os membros da comunidade escolar, mas especialmente os alunos.
Exemplifica o foco na obediência, a lista de 85 transgressões disciplinares,
classificadas como leve, média e grave, apresentadas no Regimento Interno dos
colégios, no título IX “Das transgressões disciplinares” (CEPMGO, 2017). As
regras do Regimento indicam esse controle estabelecido na escola militarizada,
bem como de uma concepção de educação limitada ao controle do corpo e do
comportamento, conforme pode-se constatar na lista abaixo:
5. Transitar ou fazer uso de vias de acesso não permitidas ao corpo discente; […]
6. Fazer ou provocar barulho excessivo em qualquer dependência do colégio;
[…] 14. Mascar chiclete ou similares nas dependências do CPMGO ou quando
uniformizado; […] 22. Apresentar-se com o cabelo fora do padrão, deixando-os
soltos com pontas ou mechas caídas (alunas), ou tingido de forma extravagante;
[…] 23. Sentar-se no chão estando uniformizado (CEPMGO, 2017)

Na análise de Belle (2011), esse modelo de escola militarizada se
sustenta em princípios burocráticos e, mesmo autoproclamando-se uma escola
democrática, fere-os quando não realiza eleições para escolha de diretores. O
caráter emancipatório da educação não ocorre, uma vez que o ensino é reorientado
para a lógica militar, na qual o castigo e a punição são respostas à desobediência
e, portanto, têm sentido diametralmente oposto à emancipação via educação
(VELLOSO; OLIVEIRA, 2015).
Se retomarmos a reflexão sobre a disciplina nas escolas militares,
constataremos que ela ocorre devido à forte hierarquia advinda da vida militar,
que valoriza a subordinação ao chefe, a seu poder de dirigir e punir. Na vida da
caserna, a obediência deve ser sem questionamentos. Esse tipo de obediência
pode ser compreensível na vida militar, na qual o subordinado deve seguir o
comandante sem questionar, devido aos riscos que podem advir numa situação
de guerra ou conflito. O mesmo, porém, não se aplica aos civis, que não viverão
esse tipo de situação, uma vez que a escolha profissional desses alunos não é
necessariamente a militar. Além disso, quanto mais esse modelo se expande e
ocupa espaços nas redes públicas, mais tal formação atingirá um número maior
de cidadãos civis, que, certamente, ocuparão diferentes espaços na sociedade.
Em consonância com esse debate, Lima (2015) identifica em seu estudo
que o objetivo das escolas militares é o de formar cidadãos disciplinados. A filosofia
de ensino tem seu foco na disciplina. O estudo de Lima (2018) demonstra que
o colégio militar se propõe uma formação com foco na disciplina, no respeito,
na pontualidade, na busca de sucesso pessoal e profissional. Mesmo incluindo
as mulheres como estudantes, Carra (2014) observa que o ethos masculino se
mantém; a escola não é coeducativa. Na conclusão da sua dissertação, Lima (2018.)
constata que a escola militar busca formar pessoas obedientes em relação a ordem
instituída, subservientes a uma sociedade autoritária. Formar cidadãos passivos
e alienados que contribuam com o processo de naturalização das diferenças
sociais. Diferentes modelos de educação formal consolidam diferentes valores na
vida adulta, e no caso das escolas militarizadas, o modelo ressalta um projeto de
educação que consolida uma perspectiva de formação de um cidadão adequado
à lógica do capital, do empreendedorismo, defensor da lógica meritocrática e
alinhado a uma sociedade conservadora.
No que diz respeito à disciplina, importa contrapor a essa visão uma
outra concepção, que considera as especificidades da escola e, principalmente,
do trabalho pedagógico. Nessa perspectiva, a disciplina tem outra acepção,
uma vez que ela não é a disciplina militar, que preconiza a dominação do
corpo imposta por regras externas, mas uma consequência do envolvimento/
comprometimento do próprio aluno em atividades intelectuais propostas pelo

professor por compreender que o discente tem a capacidade de manter atenção
ao objeto de estudo. A educação escolar, compreendida como trabalho coletivo
sob a direção de um professor, requer como afirma Vasconcelos (1994), uma
disciplina consciente e interativa, que deve ser analisada como meio e não como
fim em si mesma. Isso quer dizer que não se faz trabalho pedagógico significativo
sem disciplina, mas que não é a disciplina o fim último do processo educativo.
Outro aspecto que mereceu atenção nessa pesquisa foi o papel das
disciplinas escolares sendo conformadas para atender a objetivos militares. Como
campo científico, as disciplinas se referem à seleção de conhecimento de cada
campo científico, de forma a atualizar as novas gerações. Mesmo não tendo sido
objeto central de nosso estudo, importa ressaltar que a presença dos militares na
educação brasileira se evidencia com a Proclamação da República pelo Marechal
Deodoro da Fonseca, no final do século XIX. Esse fato mostra a forte presença
militar na vida social do país e na educação, por meio de introdução no currículo
escolar, ao longo do século XX, de disciplinas como Ginástica, Educação Física,
Escola de Tiro, Educação Moral e Cívica, Organização Social e Política Brasileira,
Estudos de Problemas Brasileiros. Para as crianças menores, estimulava-se o
escotismo, as fanfarras e o batalhão infantil.
Nessa direção, o estudo de Pinto (2015) analisou as manifestações
da cultura militar na educação brasileira e descobriu que a baixa escolarização
Porto das tropas e o despreparo para atirar, levou o Exército Brasileiro a criar a
instrução militar que, por sua vez, chegou às escolas civis com a introdução, nos
currículos, da disciplina Educação Física, pela pedagogia do escotismo e, também,
pelos códigos comportamentais, identificados no estudo de Oliveira (2017): pelas
marchas militares, pela exaltação dos símbolos nacionais e pelo uniforme, similar
ao das corporações militares. No início do século XX, de acordo com Souza
(2000), práticas de natureza cívico-militar levaram à introdução da disciplina
Ginástica e exercícios militares, dos Batalhões Infantis, do escotismo e, depois, da
disciplina Educação Física. Durante a ditadura militar, que se estendeu de 1964
a 1985, a disciplina Sociologia se esvazia de conteúdo crítico e a formação da
cidadania passa para o controle estatal (PERUCCHI, 2012), com os conteúdos
ministrados nas disciplinas de Organização Social e Política do Brasil (OSPB) para
o ensino de segundo grau, Educação Moral e Cívica no ensino de primeiro grau,
como era denominado o ensino fundamental à época, e Estudos de Problemas
Brasileiros (EPB) para o ensino superior. Vale destacar que os próprios militares
suspenderam a presença dessas disciplinas nos currículos pelo poder dos
professores, que são intelectuais, em usar os espaços dessas aulas para fazer um
contra discurso à ditadura.

O bom desempenho dos estudantes de colégios militares, insistentemente
apontado como importante diferencial positivo desse modelo, argumento
largamente utilizado como justificativa para a expansão dessas escolas, também foi
objeto de reflexão nos trabalhos acadêmicos produzidos. No entanto, o trabalho
de Benevides (2016) observa que essa informação é sobrevalorizada, uma vez que
os alunos mencionados já eram bons alunos anteriormente e as escolas avaliadas
possuíam boa estrutura física, o que não acontece nas escolas públicas regulares.
Para ela, se houvesse controle da performance anterior dos alunos haveria uma
queda de 50% do diferencial de notas. Segundo a mesma autora, as escolas
militares já impõem uma seleção pela classe social, pois os alunos devem pagar
mensalidade, comprar fardas, que são bem mais caras que os usuais uniformes
dos estudantes de escola pública regular.
Ferreira (2018) também corrobora esse argumento ao concluir que as
famílias de baixa renda são excluídas desse tipo de escola devido aos custos de
manter um filho nelas. Ainda em relação ao desempenho dos estudantes de
colégios militares, Santos (2011) ressalta que os indicadores educacionais devem
ser analisados levando-se em conta a origem dos alunos e as desigualdades iniciais
de rendimento, uma vez que as desigualdades sociais e culturais não podem ser
determinantes do êxito ou fracasso dos estudantes.
Essa interface entre desempenho dos estudantes e público atendido
pelos colégios militarizados ainda representa um campo fértil a ser explorado,
que possa englobar estudos quantitativos e qualitativos, e estudos longitudinais
que acompanhem as trajetórias estudantis. O que temos produzido sinaliza
que a melhora do desempenho está relacionada ao processo seletivo realizado
por essas escolas que atendem crianças, adolescentes e jovens que pertencem a
camadas sociais distintas das atendidas pela escola pública regular. Ademais, as
escolas militarizadas contam com infraestrutura e insumos diferenciados, que não
são oferecidos aos alunos das escolas públicas. Esse é um outro elemento a ser
considerado nessa complexa relação.
Outro elemento que se destaca é a identidade ambígua das escolas
militares, que possuem vínculos com dois sistemas estaduais, a educação e a
segurança pública, permitindo que a escola atue com privilégios e ordenamento
operacional próprios. A análise de Ferreira (2018) indica como essa ambiguidade
facilita a gestão da escola militarizada, com benefícios que dificilmente chegam às
escolas públicas. Assim, desde a origem, o colégio militarizado representou uma
mescla entre os interesses públicos e privados, entre os interesses das secretarias
de educação e de segurança pública, que atuam sobre a escola pública.

O uso da violência como recurso narrativo para justificar a militarização
das escolas é explorado por Pinheiro e Guimarães (2018), que afirmam serem o
neoliberalismo e a escola militar apresentados como solução ideal para resolver
conflitos e contradições do sistema, como o aumento da repressão frente ao
envolvimento dos jovens com a violência. Silva (2008), a partir de um estudo
no colégio da polícia militar de São Paulo, afirma que violência juvenil na escola
pode ser compreendida como uma forma de resistência às normas, formalismos
e imposições que dominam o cotidiano escolar. A questão da necessidade da
militarização como decorrência da violência tem sido bastante explorada pela
mídia, mas carece de maiores pesquisas e estudos que possam problematizar essa
relação tão imediata de causa e efeito.
Apesar de Goiás estar no topo do processo de militarização das escolas
públicas, possuindo, em abril de 2019, 54 escolas sob a responsabilidade da Polícia
Militar (PM), com 61 mil alunos, e a maioria das pesquisas encontradas abordarem
o processo goiano, lamentavelmente, o estado ainda figura nas páginas policiais
como um estado com altos índices de violência, amargando dois assassinatos
de coordenadores de escolas estaduais no curto espaço de quatro meses (abril
e agosto de 2019). Portanto, o aumento crescente da violência e da militarização
de escolas públicas ainda é um fenômeno que carece de pesquisas e estudos que
investiguem mais pormenorizadamente essa relação.
Se considerarmos o estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), que analisou, em 2017, 310 municípios brasileiros
com mais de 100 mil habitantes, Goiás, apesar de ser o estado com maior número
de escolas militarizadas no país, está entre os estados mais violentos na região
Centro-Oeste. Nessa região, o estado com a maior taxa de mortes violentas é
Goiás (43,9), seguido por Mato Grosso (34,3), Mato Grosso do Sul (25,7) e
Distrito Federal (20,5).
Se acompanharmos a escalada da violência em Goiás nas últimas décadas,
justamente quando a militarização se expandiu, os dados indicam que de 2006 a
2016, a taxa de homicídios quase dobrou, de 26,3 homicídios a cada 100 mil
habitantes em 2006, para 45,3 em 2016 (IPEA, 2019, p.32 ). De acordo com esse
estudo
Em Goiás, em 2017, observa-se uma concentração maior de mortes violentas
intencionais no entorno de Brasília e na região metropolitana de Goiânia, nos
municípios de Goiânia (40,7), Aparecida de Goiânia (60,4), Senador Canedo
(48,4) e Trindade (57,7). Todavia, inúmeros municípios muitos pequenos, com
populações muitas vezes menores do que 10 mil habitantes, possuíam alta
prevalência relativa de homicídios em todas as mesorregiões goianas, como são o
caso de Colinas do Sul (141,7) e Trombas (112,0), no Norte.

Esse fenômeno não pode ser simplificado nem reduzido à questão
educacional. A constatação do aumento da violência indica que a secretaria de
segurança pública, principal responsável pela política pública, não tem alcançado
resultados efetivos, gerando uma tragédia para o estado, que
Traz implicações na saúde, na dinâmica demográfica e, por conseguinte, no
processo de desenvolvimento econômico e social. Um dado emblemático
que caracteriza bem a questão é a participação do homicídio como causa de
mortalidade da juventude masculina (15 a 29 anos), que, em 2016, correspondeu
a 50,3% do total de óbitos. Se considerarmos apenas os homens entre 15 e
19 anos, esse indicador atinge a incrível marca dos 56,5%. (IPEA, 2019,p.
32) grifos nossos)
Essa última constatação é estarrecedora, pois o homicídio entre os jovens
entre 15 e 19 anos, que deveriam estar na escola cursando o ensino médio, alcança
uma taxa de 56,5% dos óbitos nessa faixa etária. Esse dado indica que o estado
precisa urgentemente, mais do que militarizar a escola pública, de uma política de
segurança para diminuir a violência e o extermínio dos jovens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Importa destacar que, assim como o fenômeno da militarização é recente
e avassalador nas consequências para as redes públicas de ensino, a produção do
conhecimento sobre esse modelo de escola tem ganhado destaque e cresce nas
universidades brasileiras, na produção de teses e dissertações. No entanto, sua
divulgação nos periódicos ainda é muito incipiente, tendo obtido pouco espaço
nas publicações brasileiras no conjunto das temáticas em educação. Considerando
as dificuldades e o modelo que inspira essa produção acadêmica, podemos
sinalizar que ainda precisamos de maior articulação entre os pesquisadores da
área, das perspectivas pesquisadas e a divulgação do conhecimento produzido.
Há muito material jornalístico sobre o tema, mas foi nossa decisão não incluí-los
nessa pesquisa bibliográfica, o que indica a necessidade de novos estudos que os
considerem como fonte.
Nossa pesquisa sinaliza, também que alguns temas têm ganhado destaque:
a gestão escolar, a disciplina escolar, as disciplinas escolares instrumentalizadas em
favor de um modelo de escola militarizada, o perfil dos alunos e o desempenho
escolar, a violência. Importa destacar que, em todos os estudos realizados
encontram-se críticas a esse modelo de se fazer educação, uma vez que se parte
do princípio que a educação visa à emancipação, e não à burocratização e à rigidez
disciplinar.

Destacamos também o caráter seletivo dessas escolas militarizadas, pois
os estudantes pobres não podem frequentá-las, uma vez que não têm recursos
para custeá-las. Desse modo, este modelo acaba privilegiando as camadas de
classe médias que, perdendo poder aquisitivo, mantêm seus filhos numa escola
que se assemelha à ‘particular’, mas com mensalidade menor, o que evidencia
mais uma vez o caráter híbrido dessas escolas.
Muito há a se pesquisar sobre esse tipo de educação e as ideias para
isso vão desde conhecer como estudantes e professores analisam a experiência
vivenciada nesse modelo, até como tem sido o desempenho dos seus egressos
na vida universitária, que requer habilidades pouco exploradas e ensinadas nas
escolas militares, como a autonomia de pensamento, a criatividade e o respeito
humano, independentes da “patente” militar. Questões que nos instigam a novos
estudos e pesquisas.
REFERÊNCIAS
ALVES, Miriam Fábia; TOSCHI, Mirza Seabra; FERREIRA, Neusa S. R. Os
colégios militares em Goiás: processo de expansão e diferenciação da rede
estadual. In. Retratos da Escola, Brasília, v.12, n.23, p.271-287, jul./out. 2018
BELLE, Helena Beatriz de Moura. Escola de civismo e cidadania: ethos
do Colégio Beta da Polícia Militar de Goiás. 2011. 276 f. Tese. (Doutorado em
Educação) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás), Goiânia, 2011.
BENEVIDES, Alessandra de Araújo. Avaliação do desempenho educacional
no Ceará. Fortaleza: UFC, 2016.
BRASIL. Decreto No 9.465, de 2 de janeiro de 2019. Disponível em https://
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___________________________________________________________________
MIRIAM FÁBIA ALVES é Doutora em Educação pela Universidade Federal de
Minas Gerais. É professora associada na Faculdade de Educação e docente no
Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás.
E-mail: miriamfabia@gmail.com

MIRZA SEABRA TOSCHI é Doutora em Educação pela Universidade Metodista
de Piracicaba. Pós doutora em Educação pela Universidade de Brasília. Docente
de ensino superior e na pós stricto sensu da Universidade Estadual de Goiás.
E-mail: mirza.seabra@gmail.com
Recebido em setembro de 2019
Aprovado em setembro de 2019

A militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos: constitucional, educacional e administrativo

Em sequência aos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam, divulgamos o terceiro artigo. Com o tema A militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos: constitucional, educacional e administrativo, Salomão Barros Ximenes, Carolina Gabas Stuchi e Márcio Alan Menezes Moreira apresentam um ensaio analítico sobre o processo de militarização das escolas públicas brasileiras, sob o enfoque dos direitos constitucional, administrativo e educacional. Parte da identificação e análise de fontes documentais nacionais e estaduais que estão na base da institucionalização dos modelos de militarização e explora, com base na Constituição e na legislação
de direito público, alguns dos seus pontos jurídicos críticos. Pretende-se assim oferecer um enfoque original e contribuir com o debate sobre os inúmeros problemas jurídicos e de política educacional em discussão.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

Amplia-se no cenário educacional brasileiro da última década a presença,
sobretudo nas redes estaduais, de escolas militares ou militarizadas, ou, conforme
denominado no programa federal, “escolas cívico-militares” (BRASIL, 2019a).
Embora a escola com viés militarizado ou diretamente geridas por militares não seja
uma novidade há bastante tempo em diversos países, como Índia, Turquia e EUA
(BENEVIDES; SOARES, 2019, p. 8), a diferença de denominação, no contexto
atual brasileiro, expressa um modelo jurídico-administrativo em formulação,
experimentação e implementação, que pode resultar, ao final, na consolidação de
uma nova modalidade de ensino, com diretrizes e normas próprias.
Atualmente, são 17 (dezessete) os Colégios Militares do Exército e
das Políticas Militares e Corpos de Bombeiros Militares (BRASIL; 2019b, p.
5). Regidos pela Lei nº 9.786/1999 (BRASIL, 1999) e regulamentos próprios
(BRASIL, 2008), aos colégios militares cabe oferecer “de forma adicional às
modalidades militares propriamente ditas, o ensino preparatório e assistencial
de nível fundamental e médio (…) na forma da legislação federal pertinente,
ressalvadas suas peculiaridades.” (art. 7º). Entre as particularidades do modelo,
além do objetivo de formação inicial de quadros militares, está o “regime
disciplinar de natureza educativa” (art. 7º, §2°).
Os estados, por sua vez, no exercício de sua competência legislativa
concorrente (Constituição Federal, art. 24, IX), regulamentaram o ensino militar
no âmbito das forças auxiliares de segurança pública – Polícias Militares e
Corpo de Bombeiros Militares. É nesse âmbito que foram criados os primeiros
colégios militares estaduais, vinculados a tais instituições, antes de iniciado o
ciclo de expansão contemporâneo cuja característica marcante é o processo de
militarização de escolas comuns (civis) preexistentes, ou seja, a incorporação de
agentes e regulamentos militares em escolas públicas, sob diferentes critérios e
arranjos de gestão.
Em 2019 são 203 (duzentas e três) as escolas públicas estaduais e
municipais militares e militarizadas, com perspectivas de expansão. Elas fazem
parte da rede pública de ensino e são administradas por uma força militar específica,

como a Polícia Militar ou o Corpo de Bombeiros Militares, e não contam com a
participação do Ministério da Educação em sua criação. Destaca-se a mais antiga
em funcionamento, a Escola Estadual Brigadeiro João Camarão Telles Ribeiro em
Manaus/AM, ligada à Polícia Militar, que iniciou suas atividades em 1994. Entre
as mais recentes a se tornar Cívico-Militar está o CED 03, de Sobradinho/DF,
ligado à Polícia Militar do Distrito Federal. Suas atividades no modelo Cívico

Militar iniciaram concomitantemente ao ano letivo de 2019 da rede estadual de
ensino do Distrito Federal. (BRASIL, 2019b, pp. 7-8). Ao longo desses 25 anos,
cada localidade estabeleceu o arranjo administrativo que melhor se adaptou às
suas necessidades e especificidades. Todas elas, porém, fundamentadas em valores
como “patriotismo, civismo, respeito aos símbolos nacionais, noções de hierarquia
e de disciplina, valorização da meritocracia e outros” (BRASIL, 2019b, p. 9).
Na reorganização do Ministério da Educação (MEC), no início de 2019,
sob a presidência de Jair Bolsonaro, é incorporada à Secretaria de Educação
Básica a atribuição de “promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de
parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas
de ensino municipais, estaduais e distrital tendo como base a gestão administrativa,
educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército,
Polícias e Bombeiros Militares” (Decreto 9.665/2019, art. 11, art. XVI – BRASIL,
2019).
Para isso é criada, no mesmo ato, a Subsecretaria de Fomento às Escolas
Cívico-Militares responsável por desenvolver o Programa Nacional de
Implantação das Escolas Cívico-Militares, anunciado posteriormente como parte
do Compromisso Nacional da Educação Básica (BRASIL; MEC; CONSED;
UNDIME, 2019), cujo objetivo quantitativo é “aplicar (sic!) 27 escolas por
ano até o final de 2023, totalizando 108 Escolas Cívico-Militares em todos os
Estados e Distrito Federal” (BRASIL, 2019b, p. 10). Tais escolas seriam resultado
de parcerias entre a União e os entes federativos interessados em implantar o
modelo, que, segundo a proposta, contará com recursos orçamentários próprios
do governo federal, embora estes ainda não tenham sido previstos na PLOA 2020
já apresentada ao Congresso Nacional.

Partindo da premissa de que os colégios militares são mais eficientes
e possuem melhores indicadores de qualidade (especialmente o IDEB), e
considerando a necessidade de uniformização dos modelos existentes, o MEC
estuda a normatização do modelo e a certificação das escolas que o aplicarem
na sua integridade. O detalhamento dos requisitos para essa certificação ainda
não foi apresentado, porém já se sabe que a participação militar estará pautada
na presença dos militares na escola, atuando na função de tutoria (junto aos
profissionais) e monitoria (junto aos alunos), com o objetivo de fortalecimento
da gestão das escolas. A presença do militar, de acordo com o MEC, não significa
a substituição do corpo docente, nem dos demais profissionais da educação. Ela
viria para complementar e auxiliar em atribuições específicas relacionadas aos
aspectos disciplinar e atitudinal do aluno fora da sala de aula, mas dentro do
ambiente escolar. (BRASIL, 2019b. pp. 9-10). A figura 2 ilustra o modelo como
a intersecção entre colégios militares e as escolas públicas no que diz respeito à
gestão educacional, conforme apresentado pelo governo, aos padrões de ensino e
aos modelos pedagógicos.

A proposta do governo federal se inspira nos vários desenhos existentes
nos estados, especialmente das regiões Centro-Oeste e Norte do país. Com uma
das experiências mais antigas de militarização das escolas da rede pública, o
estado de Goiás possui hoje uma lista de 60 escolas que já tiverem a militarização
autorizada por meio de lei, na maioria delas a administração já é feita pela Polícia
Militar.
Em complemento às críticas já produzidas pela literatura que vem
analisando este modelo (GUIMARÃES; LAMOS, 2018; TAVARES, 2016),
opostas aos falhos pressupostos técnicos e político-pedagógicos das políticas
públicas de militarização escolar, este ensaio objetiva oferecer um quadro de
análise dos aspectos especificamente jurídicos, tendo como base a definição da
educação escolar como um direito humano fundamental na Constituição Federal,
nos tratados internacionais, na legislação educacional e demais normas de direito
público voltadas a viabilizar o exercício desse direito. Privilegiamos a análise sob
três enfoques jurídicos: constitucional, educacional e administrativo.

No próximo tópico, denominado “A militarização de escolas públicas
sob o enfoque dos direitos constitucional e educacional”, tomamos como base os
princípios, direitos e garantias fundamentais da Constituição de 1988, o papel nela
destinado às forças armadas e os objetivos e princípios do ensino, com o objetivo
de explorar a incompatibilidade entre a militarização e o desenho normativo
afirmado na Constituição, bem como a definição de educação como um direito
humano e, mais especificamente, as implicações necessárias dessa definição nas
diretrizes e objetivos educacionais. No tópico seguinte, adotamos o enfoque
típico do direito administrativo, com o intuito de explorar os novos arranjos
que vêm sendo implantados como forma de viabilizar as escolas militarizadas.
Nesse tópico, cabe verificar desde as reformas administrativas nas secretarias e
instituições de segurança pública até a ocupação dos cargos e funções públicas
nas escolas e na gestão educacional.
Nosso objetivo de fundo é oferecer o quadro de análise jurídica aos
projetos e iniciativas de militarização e não analisar todos os desenhos jurídicos
e institucionais atualmente praticados nos estados e municípios. Diante disso,
adotaremos como referência para a análise o programa e a legislação federal
juntamente com a experiência de Goiás, uma vez que é nesse estado onde há uma
trajetória mais consistente de militarização escolar, com fortes críticas por parte
das organizações do campo educacional, farta produção legislativa e algum debate
nos órgãos de controle jurisdicional. Além da legislação, a análise se faz com base
em documentos oficiais, públicos ou solicitados via Lei de Acesso à Informação
(Lei 12.527/2011), nas notícias veiculadas e na revisão da bibliografia sobre o
tema.

A militarização de escolas públicas sob o enfoque dos direitos constitucional e educacional
O modelo constitucional brasileiro indica a adoção de um Estado
alicerçado em bases de um pluralismo político. Fruto de uma convergência
ideológica advinda da reconstrução democrática, não há como definir a identidade
do texto constitucional a partir de um único viés da ideologia jurídica, seja ele
liberal ou intervencionista. Existe de fato uma proposta programática e dirigente,
porém, destacamos o caráter compromissário de todo o processo constituinte
que culmina no texto aprovado

O pluralismo da Constituição advém basicamente do seu caráter marcadamente
compromissário, já que o Constituinte, na redação final do texto, optou por
acolher e conciliar posições e reivindicações nem sempre afinadas entre si,
resultantes das fortes pressões políticas exercidas pelas diversas tendências
envolvidas no processo Constituinte. (SARLET, 2009, P.138)
Advinda de um período anterior autoritário, o texto constitucional é
marcado por uma característica analítica, regulamentador, mesmo diante de uma
concepção plural de ideias, notoriamente eclética, mantendo seu caráter dirigente.
A interpretação da Constituição afeta diretamente como definirmos a
aplicação dos princípios constitucionais da educação, definidos no art. 206. De
antemão já apontamos que as normas constitucionais podem ser definidoras
de princípios ou regras, ambos com força normativa e, portanto, aplicabilidade
imediata, porém com uma diferença jurídico-dogmática, polarizada na teoria
constitucional nas concepções de Dworkin e Alexy. Os princípios cumprem
importante papel quando definidos constitucionalmente e são adequados na
perspectiva de um texto constitucional eclético com diversas expectativas
normativas:
(…) os princípios constitucionais, enquanto normas do ponto de vista da
estática jurídica, passam a ser um filtro fundamental em face da pluralidade
de expectativas normativas existentes no ambiente do sistema jurídico, com
pretensão de abrangência moral. (….) Uma constituição formada apenas de
regras seria, perante um contexto social hipercomplexo, inadequada. Os
princípios constitucionais, por implicarem certa distância do caso a decidir e uma
relação mais flexível entre o antecedente e o consequente, são mais adequados
a enfrentar a diversidade de expectativas normativas que circulam na sociedade.
(NEVES, 2014, p. 233)
Compreendendo o papel dos princípios, o art. 206 da Constituição
Federal destaca os princípios de cumprimento obrigatório para o ensino:
I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade
de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em
estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais da educação escolar,
garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente
por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI – gestão
democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de
qualidade. VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da
educação escolar pública, nos termos de lei federal. (BRASIL, 1988)

Antes de detalhar os princípios, observamos que, pelas notícias veiculadas
acerca da implantação das escolas cívico-militares, são estabelecidas diversas
regras para os estudantes, tais como: proibição de gírias; proibição de paquera
ou namoro (Contato físico “que denote envolvimento de cunho amoroso” é
proibido); proibição de uso de batons ou esmaltes de unha; obrigação de bater
continência e caminhar marchando; proibição de mascar chicletes; obrigação de
corte de cabelo padronizado; proibição de qualquer crítica, considerando falta
disciplinar grave “denegrir o nome da polícia ou de qualquer de seus membros.4
A proposta de uma padronização do comportamento discente, aliado
a uma postura que fortalece a ausência de debate crítico e democrático não é
admitido pelo nosso ordenamento jurídico.
Primeiramente, a escola deve cumprir o Princípio da Gestão Democrática,
resultando em um ambiente que preza a participação nas definições do Projeto
Político Pedagógico, tal participação alcança trabalhadores, gestores, estudantes e
familiares. Portanto, as definições do que é admitida ou não na prática escolar deve
ser definido de forma plural, e pela própria comunidade escolar. Nesse âmbito,
encontra-se o direito à organização autônoma dos estudantes em entidades
próprias, cuja atuação não pode ser limitada ou tutelada (AUTOR; AUTOR).
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, na ADI 2.997, apesar de
considerar inconstitucional o estabelecimento de eleições diretas para diretor
de escola (com definição de mandato) assegurou que o princípio da gestão
democrática deve ser obrigatoriamente cumprido pelos entes de direito
público. Segundo voto do Ministro Cezar Peluso, ao comentar o art. 206, VI
da Constituição Federal (princípio da gestão democrática) informa que o
dispositivo constitucional permite ao legislador ordinário experimentar formas
de participação da comunidade escolar na escolha dos dirigentes escolares. Com
tal entendimento, mesmo no modelo cívico-militar deve ser garantido à escolha
de dirigentes de forma democrática, o que não ocorre. (STF, 2009, online)
De igual modo, os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar
e divulgar o pensamento, a arte e o saber e do pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino podem
sofrer sério risco, já que o ambiente voltado ao controle demonstra não ser o mais
propício para o desenvolvimento de uma prática educacional com pluralismo de
ideias É fácil imaginar situações em que os conflitos oriundos da cultura e práticas
dos adolescentes e da obediência a um determinado código militar irão gerar.

A cobrança de taxas nas escolas militarizadas, noticiadas em Goiás no
valor de R$ 70,00 (setenta reais) além de despesas com fardamento ofende,
frontalmente, o princípio da gratuidade do ensino, já definido de que o acesso
à educação, até para adequação ao inciso I do art. 206 (igualdade de condições
para o acesso e permanência na escola) deve ser garantido de forma não onerosa.
Nesse sentido são as diversas decisões judiciais de efetivação de transporte escolar,
proibição de cobranças de taxas e fardamentos. O Supremo Tribunal Federal tem
verbete vinculante sobre o tema, de nº 12, com a seguinte redação: “A cobrança
de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206, IV, da
Constituição Federal.” (STF, 2008, online)
No julgamento do RE 562.779 que julgou tema afeto a gratuidade do
ensino público, em especial quanto à taxa em universidades, restou assentado no
acórdão que o princípio da gratuidade deve ser interpretado sistematicamente
com o caráter universal dos direitos humanos, dialogando com o princípio da
igualdade de acesso. O direito à educação é erguido a verdadeiro serviço público
essencial, que deve ser estendido a todos. Segundo o Supremo:
Não colhe, pois, o argumento da recorrente, calcado numa exegese
restritiva do art. 208 da Lei Maior, segundo o qual a obrigação do Estado no
concernente à gratuidade da educação estaria restrita ao ensino fundamental
obrigatório, e que, com relação ao ensino médio, ela quedaria circunscrita à garantia
de sua progressiva universalização. E ainda: que o dever do Estado, quanto aos
níveis mais elevados de ensino, limitar-se-ia a assegurar o acesso aos mesmos
segundo a capacidade de cada um (STJ, 2008, online). Importante destacar: a
gratuidade é devida em todas as etapas da educação, inclusive no ensino superior.
Em 2017 o Supremo Tribunal Federal mitigou a tese, considerando que cursos de
especialização podem cobrar mensalidades, mesmo em Universidades públicas.
O termo utilizado pela Constituição é que essas são as tarefas de
“manutenção e desenvolvimento do ensino”. Consequentemente, são a elas que
se estende o princípio da gratuidade. Nada obstante, é possível às universidades,
no âmbito de sua autonomia didático-científica, regulamentar, em harmonia com
a legislação, as atividades destinadas preponderantemente à extensão universitária,
sendo-lhes, nessa condição, possível a instituição de tarifa. Noutras palavras, a
garantia constitucional da gratuidade de ensino não obsta a cobrança, por
universidades públicas, de mensalidade em curso de especialização (STJ, 2017,
online).
No julgamento, foi diferenciado atividade de manutenção e
desenvolvimento do ensino de atividades de extensão, possibilitando às últimas,
através da autonomia universitária a instituição de taxa.

No caso do modelo cívico-militar existe uma incompatibilidade da
cobrança de qualquer tipo de taxa e os princípios constitucionais da gratuidade
e da igualdade de acesso. Mesmo sob o manto de “contribuição voluntária” e de
que o uso do recurso é realizado na própria escola, a cobrança, além de atingir
as famílias de baixa renda, proporciona desigual acesso, constituindo verdadeiro
retrocesso na prestação do serviço público educacional.
O princípio da qualidade da educação também é violado. Não
podemos admitir qualidade sem democracia. A qualidade deve ser construída
democraticamente. Existe concretamente uma disputa de concepções pedagógicas
que influem na concepção de qualidade da educação. Para além dos insumos
indispensáveis à prática pedagógica, a dimensão da qualidade dialoga com a
pluralidade de ideias, pensamento, arte e saber. É inconcebível uma educação de
qualidade em um ambiente que não existe liberdade de expressão e de práticas
pedagógicas.
Por fim, o princípio da valorização dos profissionais é ameaçado, já que
os profissionais da educação ficam vinculados ao regime militar estabelecido,
atingindo de forma central a liberdade de associação e expressão desses
professores.

A militarização das escolas públicas sob o enfoque do direito administrativo
O direito administrativo é o ramo do direito público que disciplina
o exercício da função administrativa, bem como pessoas e órgãos que a
desempenham (MELLO, 2016, p. 29). Analisar o processo de militarização das
escolas sob o enfoque do direito administrativo significa olhar para os aspectos
do regime jurídico da operacionalização desse modelo: os princípios que orientam
a ação estatal no sentido do interesse público; as figuras da administração pública
utilizadas e sua organização interna; as formas de contratação e eventuais parcerias
com entidades privadas; os agentes públicos; os bens públicos; os procedimentos
administrativos de tomada de decisão; a transparência dos atos; e as formas de
controle sobre a administração pública.
Como o modelo no âmbito federal ainda está em formulação, a análise
sobre a militarização das escolas se dá com base nos documentos já apresentados
pelo MEC e a partir da leitura de documentos sobre as experiências em andamento
no âmbito dos estados, especialmente o caso do estado de Goiás.
A primeira questão que se coloca é se a proposta de transformação de
escolas públicas em escolas cívico-militares, sem alteração da CF e de legislação
federal e sem base na representação política e na regra da maioria, atende ao

interesse público. Num Estado Democrático de Direito, para que não haja
subjetividade na definição do que é interesse público, este deve ser definido na lei.
Nesse sentido, o modelo de militarização proposto fere o princípio da legalidade
(art. 37, CF) e da finalidade pública (art. 2º da Lei 9.784/1999, BRASIL, 1999),
pois na atuação do Estado, “não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na
administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração
Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza” (MEIRELLES, 2012, p. 89).
A transformação das escolas civis em cívico-militares tem sido justificada
como medida para: i) atenuar altos índices de violência em áreas de periferia; ii)
melhorar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) das escolas. A
primeira justificativa parecer atribuir à escola pública uma nova missão, diferente
daquela que a legislação educacional prescreve, o que configuraria desvio de
finalidade. A segunda poderia ser uma justificativa plausível, apoiando-se no
princípio da eficiência da administração pública, mas isso não se confirma, como
argumentamos adiante.
De acordo com o princípio da finalidade pública, a administração deve
sempre atuar para alcançar o fim público definido pela lei. Sem finalidade definida
em lei, todo ato que tiver fim diverso daquele explícita ou implicitamente previsto
na regra de competência, poderá ser invalidado por desvio de finalidade. (Lei
4717/1968, art.2º, parágrafo único, “e”, BRASIL, 1968).
Uma recente alteração da CF, por meio da EC 101/2019 (inclusão do §
3º do art. 42), passou a permitir que militares dos Estados, do Distrito Federal e
dos Territórios possam acumular seus cargos de militares dos Estados com: i) um
cargo de professor; ii) um cargo técnico ou científico; ou iii) um cargo ou emprego
privativo de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas (art. 37, inciso
XVI), com prevalência da atividade militar. Na justificação desta alteração, à época
de sua proposição, já aparecia o objetivo de aumentar “a interação construtiva
entre os operadores da segurança pública e estudantes desde as primeiras séries
do ensino fundamental”, no sentido de “operar uma importante união entre o
conhecimento e a inexperiência nessa importante prioridade para população que
é o combate a violência e a criminalidade, onde o beneficiado será a sociedade
(sic).” Além da motivação ser questionável, é importante entender como se dá o
acúmulo de funções de policiamento e ensino entre os militares e se há respaldo
legal para o exercício de uma terceira função – a de administração das escolas da
rede pública estadual.
Do ponto de vista do arranjo institucional relacionado às funções do
Estado, conforme o art. 144 da Constituição Federal (BRASIL, 1988):

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem
pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei,
incumbe a execução de atividades de defesa civil.
Como se percebe da leitura do dispositivo, não está dentre as atribuições
da política e dos bombeiros militares administrar as escolas públicas. Existe
aqui um nítido desvio de função nas atividades desenvolvidas. Tal desvio pode
configurar, inclusive, crime de improbidade administrativa do gestor que autorizar
tal medida, conforme Lei nº 8429/1992 (BRASIL, 1992).
A segurança pública destina-se à preservação da ordem pública e
da incolumidade das pessoas e do patrimônio, segundo caput do art. 144 da
Constituição Federal (BRASIL, 1988). Não há qualquer menção, na função
constitucionalmente reservada às forças de segurança, relacionada à administração
de escolas. O arranjo realizado denota uma compreensão equivocada do papel
reservado às polícias em relação à educação. Ocorre claro desvio de função, com
flagrante inconstitucionalidade diante da incompatibilidade das atribuições do
órgão de segurança pública e sua relação com o direito à educação.
Sem respaldo legal, com desvio de finalidade e desvio de função, como
uma proposta pode ser considerada eficiente? Pelo princípio da eficiência, o
Estado deve atuar de modo mais oportuno e adequado aos resultados que pretende
alcançar, utilizando meios idôneos e menos onerosos para a administração.
Como visto, o modelo cívico-militar, embora propagado como solução para um
apressado diagnóstico de ineficiência das escolas da rede pública, não pode ser
exemplo de aplicação do princípio da eficiência.
A competência para a criação do referido programa também pode ser
questionada sob dois aspectos. O primeiro deles diz respeito aos limites da
atuação da União para tratar da organização dos sistemas estaduais e municipais
de ensino, considerando o desenho federativo e a autonomia dos entes previstos
na Constituição Federal. Argumenta-se que tanto a criação do programa quanto
da Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares, vinculada à Secretaria
de Educação Básica do MEC (Decreto 9.665/2019) – a pretexto de promover
mera reorganização administrativa do MEC, não encontram respaldo na divisão
constitucional de competências. Em relação ao segundo aspecto, o programa federal
cria atribuições para as Polícias Militares e Bombeiros que não estão previstas na
Constituição Federal, como visto acima. As Polícias Militares e Bombeiros estão
na esfera da autonomia estadual e subordinam-se aos governadores dos estados e
do Distrito Federal (art. 42 e art. 144, §6,º da CF, Brasil, 1988). Por essas razões,
ainda que se considere que o papel da União no programa é meramente supletivo

em relação à educação, a ingerência da União na organização das instituições
responsáveis pela segurança pública parece ferir diretamente a autonomia dos
estados.
Mesmo no caso das experiências estaduais recentes de inserção das
instituições de segurança pública, em especial as polícias militares, na gestão das
unidades públicas de ensino nos sistemas estaduais de educação, várias ilegalidades
vêm sendo apontadas nas medidas de operacionalização dessas escolas, como em
Goiás (TAVARES, 2016). Nesse estado, ainda que haja a aprovação de uma lei,
que autoriza o processo de militarização de cada escola, esta é apresentada sem
motivação técnica e jurídica suficiente, não suprindo o desvio de finalidade da
proposta, já argumentado.
Após a aprovação da lei, a operacionalização da mudança de gestão
das escolas se dá por meio de um Termo de Cooperação Técnico-Pedagógico
entre a Secretaria de Educação, Cultura e Esporte e a Secretaria de Estado da
Segurança Pública, por meio da Polícia Militar. Pelas cláusulas do termo, faz-se
a cessão do uso do imóvel da escola para a administração militar e a pasta da
educação se compromete a ceder 100% (cem por cento) dos recursos humanos
(professores e pessoal administrativo) necessários ao desenvolvimento das
atividades. O termo também trata da cobrança da contribuição comunitária
“voluntária”, além de outros pontos relacionados a questões pedagógicas. O
detalhamento das regras de funcionamento dessas escolas militarizadas, está no
Regimento Interno dos Colégios Estaduais da Política Militar (GOIÁS, 2018), que
já passou por diversas atualizações do seu texto, ao que parece para tentar superar
as inconstitucionalidades e ilegalidades do novo modelo. Uma das alterações é
exatamente a que dispunha sobre a administração dos recursos de contribuição
voluntária, antes atribuída ao CEPMG e atualmente tratada como verba sob a
decisão da APM6.
A cobrança de taxas, do ponto de vista administrativo, deveria ter
previsão legal e seguir todas as regras da contabilidade pública, integrando com
transparência as receitas públicas. Para Tavares,

o Militar que aceita receber valores informais de particulares, sem que esse
dinheiro integre a contabilidade pública, está a contribuir para o vilipêndio do
princípio da gratuidade do ensino público e, destarte, como falta grave. Ademais,
deve-se indagar sobre como se dá a escrituração e a fiscalização, por órgãos
como o TCE e o MP, do dinheiro que segue para um serviço estatal, como
escolas (2016, p. 57).
Em relação à estrutura administrativa das duas áreas do governo de
Goiás – Secretaria de Educação e Polícia Militar – chama a atenção o fato de que
as escolas militarizadas passam a integrar o organograma do Comando de Ensino
da Polícia Militar de Goiás, conforme figura 3. Os colégios estaduais militares
ficam ligados a esse Comando, com uma estrutura (figura 4) cujos postos de
direção da escola – Comandante Diretor e Subcomandante (Vice Direção) serão
ocupados por militares e não por profissionais do magistério, como é a diretriz da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (BRASIL, 1996). De acordo com
a Lei n. 14.044, de 2001 (GOIÁS, 2001), que dispõe sobre os Colégios Estaduais
da Polícia Militar do Estado de Goiás estes ficam sob comando e direção de
oficiais da ativa (QOPM) dos postos de Tenente Coronel e Major, com graduação
acadêmica superior e possuidores de curso de especialização em ensino ou
equivalente, obedecida a estrutura orgânica prevista pela Secretaria da Educação.
Os comandantes-diretores das unidades são designados pelo Comandante-Geral
da Polícia Militar. A secretaria-geral de cada escola fica diretamente ligada à
Diretoria de Ensino, Instrução e Pesquisa da Polícia Militar.

No âmbito da Secretaria de Educação, vinculada à Subsecretaria de
Execução da Política Educacional, há uma Superintendência de Segurança Escolar
e Colégio Militar, que conta com duas gerências, criada pela Lei nº 19.865/2017
(GOIÁS, 2017). Pelo parágrafo único do art. 1º da referida lei, as funções
inerentes aos cargos em comissão de Superintendente de Segurança Escolar e
Colégio Militar, Gerente de Segurança Escolar e Gerente de Colégio Militar, são
consideradas de natureza policial-militar. Espantosamente, a lei não disciplina as
competências das áreas que cria.
Em relação aos cargos, cada vez que se aprova a militarização de uma
escola, em Goiás, extinguem-se os cargos de diretoria e secretaria vinculados à
Secretaria de Educação e criam-se funções comissionadas de administração da
educação militar no âmbito da Política Militar.
Esse desenho organizacional, além do desvio de função dos militares
que passam a assumir tarefas diferentes daquelas que Constituição Federal previu,
como já argumentamos, não deixa claro como se coordenam as duas carreiras de
professor (civil e militar) na escola, nem como se dá a relação entre escolas civis
e militarizadas na rede. Além dos prejuízos que isso pode ocasionar para a boa
prestação do serviço educacional, é possível que haja questionamentos (inclusive
judiciais) no sentido de equiparação de cargos, carreiras e salários, gerando
insegurança jurídica na gestão das escolas.

Diante das inconsistências e irregularidades do modelo das escolas
cívico-militares, restam outras questões a aprofundar: i) como será regulamentado
o acesso a essas escolas? A existência de vagas reservadas para familiares de
militares ou provas de acesso em algumas experiências pode conviver com a
universalidade do direito à educação, inclusive em relação ao direito de estudar
perto de casa? ii) como serão cumpridas as exigências de transparência ativa e
passiva previstas na Lei de Acesso à Informação (BRASIL, 2011)? Questões de
segurança podem ser sobrepor à cultura da transparência?; iii) como e em relação
a quais órgãos e agentes vão se dar os controles internos e externos? iv) como será
feito o cômputo das despesas obrigatórias em educação (natureza das despesas,
pagamento e capacitação de policiais militares e bombeiros, tipos de despesa no
orçamento da Política Militar)?

Considerações finais
A crescente militarização das escolas públicas é, portanto, inconstitucional
por diversas perspectivas, além disso, viola os tratados internacionais assinados
pelo Brasil. Na perspectiva do direito à educação, viola frontalmente os princípios
da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber”, do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas” e da gestão
democrática do ensino público, na forma da lei (incisos II, III e VI do art. 206,
respectivamente). Por esses princípios, devem ser assegurados amplos canais que
viabilizem a discussão aberta e democrática sobre todos os temas do processo
educativo com a participação dos trabalhadores profissionais da educação
(direções escolares, supervisões, coordenações pedagógicas, docentes professores,
agentes escolares, e gestores), estudantes, familiares dos alunos e da comunidade
local. Além disso, tal medida é um retrocesso inconstitucional na implementação
dos princípios da valorização do magistério e da garantia do padrão de qualidade
do ensino. A LDB, ao regulamentar a prerrogativa de autonomia das escolas
determina que esta deve ser progressivamente assegurada, em vertente oposta à
intervenção de militares na gestão escolar (LDB, art. 15).
Essas garantias jurídico-constitucionais, por sua vez, dão base à construção
das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica, cujos objetivos e
propósitos não comportam o princípio pedagógico das escolas militarizadas,
comumente definido como “hierarquia e disciplina”. No tocante aos profissionais
do magistério, a militarização viola frontalmente o artigo 61 da LDB, que delimita
quem está habilitado e legalmente autorizado ao trabalho no ensino, são eles os
professores e os trabalhadores da educação com habilitação específica. Em função
destas características, é evidente que a militarização escolar conflita abertamente

com o modelo de educação estabelecido na Constituição de 1988, porque seus
princípios de hierarquia e disciplina não podem ser compatibilizados com o caráter
democrático processo educativo, único meio de garantir-se a próprio pluralismo e
respeito aos processos de formação de crianças e adolescentes.
Há nesse ponto, sob o enfoque do direito administrativo, um patente
desvio de função das instituições militares e, como consequência, dos servidores
públicos militares, uma vez que nas iniciativas de militarização estes passam a
exercer uma parcela significativa do trabalho atribuído aos cargos e funções do
magistério.
Com isso, portanto, demonstramos que, por ora, o processo de
militarização de escolas comuns e as mudanças legislativas e nas práticas políticopedagógicas daí decorrentes, vem apresentando um conjunto de incoerências e
potenciais tensões e oposições quando confrontadas com a legislação educacional
e o direito à educação em sentido amplo. Há pontos de resistência jurídica e
judicial a serem explorados pelos defensores de escola plural e democrática. Por
outro lado, é necessário dedicar atenção ao avanço das reformas normativas que
objetivam dar uma legalidade formal às escolas militarizadas ou cívico-militares,
o que pode redundar no surgimento de uma nova modalidade de ensino, de
constitucionalidade e legalidade questionáveis. Lamentavelmente, uma modalidade
compatível com os tempos de avanço autoritário que vivemos.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL RECURSO EXTRAORDINáRIO:
562.779 – MG; Relator: MIN. RICARDO LEWANDOWSKI; DJ Nr. 179 do dia
17/09/2007; disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe. asp?
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TAVARES, Francisco Mata Machado. Quem quer manter a ordem? A
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Oliveira, Victor Hugo Viegas de Freitas Silva, organizadores. Aparecida de
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VELOSO, Ellen Ribeiro; OLIVEIRA, Nathália Pereira. Nós perdemos a
consciência? Apontamentos sobre a militarização de escolas públicas estaduais
de ensino médio no Estado de Goiás. Anais VI Seminário Pensar Direitos
Humanos. GT 3 Práticas e Representações Sociais de Promoção e Defesa dos
Direitos Humanos, UFG, 2015, pp. 448-460.
___________________________________________________________________
SALOMÃO BARROS XIMENES é doutor em Direito do Estado (USP), professor
de Direito e Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC (UFABC),
membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) e coordenador do grupo
de pesquisa Direito à Educação, Políticas Educacionais e Escola (DiEPEE/
UFABC). E-mail: salomao.ximenes@ufabc.edu.br
CAROLINA GABAS STUCHI é doutora em Direito do Estado (USP), professora
da Universidade Federal do ABC nos cursos de Ciências e Humanidades e
Políticas Públicas e no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas. Email: carolina.stuchi@ufabc.edu.br
MÁRCIO ALAN MENEZES MOREIRA é mestre em Direito (UFC) e advogado
do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de
Alencar da Assembleia Legislativa do Estado do Ceara. E-mail: marcioalan81@
gmail.com
Recebido em agosto de 2019
Aprovado em setembro de 2019

Militarização de escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça

Em sequência aos trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e todos os transtornos que eles causam, divulgamos o segundo artigo. Com o tema Militarização de escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça, Erasmo Fortes Mendonça aponta as circunstâncias que propiciaram a origem do processo de militarização de escolas públicas no Brasil, tomando como exemplo a experiência em curso no estado de Goiás, no sentido de compreender a iniciativa do governo eleito em 2018 de militarização de escolas públicas do Sistema de Ensino do Distrito Federal.

Esta série de trabalhos é produzido pela Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), e tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

Confira abaixo o trabalho na íntegra:

 

Vem ganhando corpo no país a discussão sobre a militarização de escolas
públicas, fenômeno que tem crescido exponencialmente nos últimos anos. Em
geral, os governadores justificam a necessidade da transferência da gestão escolar
para a Polícia Militar de seus estados em razão dos bons resultados escolares
conquistados pelos alunos dos colégios militares stricto sensu, proporcionando
um rigoroso padrão de qualidade expressado pelas avaliações de larga escala
como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) ou pelo Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM). As supostas credibilidade e eficácia dessas
escolas, aliadas ao rigoroso controle disciplinar e ao respeito à hierarquia, além da
valorização do civismo seriam razões suficientes para entregar a gestão da escola
pública à corporação dos policiais militares. Aliados a esses pretextos, o combate
à violência, ao envolvimento com drogas aparentam também povoar o imaginário
das famílias como bons argumentos para apoiarem a iniciativa governamental.
Essas eventuais vantagens parecem obnubilar a visão das famílias que, como
compensação, nas diversas experiências estaduais de militarização, permitem se aceitar cotas para filhos de militares, processos de seleção para ingresso,
pagamento de mensalidades, custeio de uniformes bastante mais caros que os
habitualmente usados nas escolas públicas, normas disciplinares extremamente
duras, inclusive com adoção de castigos há muito banidos das escolas civis, dentre
outros procedimentos típicos das escolas militarizadas, além da interferência dos
setores de segurança pública nas políticas educacionais.
É importante registrar, no entanto, que as escolas propriamente militares
fazem parte de um sistema específico que não é regulado pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), uma vez que o seu Artigo 83 dispõe que o

ensino militar é regulado em lei específica. Portanto, a comparação da dinâmica
escolar de unidades pertencentes a sistemas diferentes, regidos por legislação e
normas diferentes nem sempre pode ser eficaz, já que as normativas aplicadas a
uma não são necessariamente adequadas à outra. As escolas militares organizam se com base em rígida hierarquia, férrea disciplina, obediência incontestável aos
superiores, proibição de determinados comportamentos socialmente normais
em outros ambientes, como demonstração de afeto, uso de adereços, cortes
personalizados de cabelo, dentre outros elementos que marcam a identidade das
pessoas, particularmente em uma fase como a adolescência. O ensino escolar
civil, por sua vez, tem seus princípios insculpidos no Artigo 206 da Constituição
Federal de 1988, que inclui, dentre outros, igualdade de condições para o acesso
e a permanência na escola, gratuidade do ensino em estabelecimentos oficiais,
liberdade de divulgar o pensamento, pluralismo de ideias e, especialmente, gestão
democrática.
Apesar de não termos, ainda, um quadro objetivo dessa realidade, com
dados atualizados e avaliações fidedignas dos processos de gestão ali instalados,
há alguns elementos que podem ser recuperados no sentido de permitir uma
visão ainda que parcial do processo de militarização de escolas públicas, tal é a
velocidade com que o modelo de militarização tem sido aplicado no país. Um
eventual panorama nacional sobre o tema retrataria, apenas, uma informação
provisória, uma fotografia de um processo que é dinâmico.
Neste artigo, aponto as circunstâncias que envolveram as origens do
processo de militarização de escolas públicas no Brasil, tomando como exemplo
a experiência em curso no estado de Goiás (GO), onde o processo tem mais
tempo de implantação e está mais consolidado. A seguir, apresento a iniciativa de
militarização de escolas públicas do Sistema de Ensino do Distrito Federal (DF)
a partir dos marcos regulatórios que a sustentam, da descrição dos mecanismos
utilizados para iniciá-lo na forma de projeto piloto em quatro escolas, a expansão
do projeto e as dificuldades e contradições dela decorrentes. Por fim, indico
alguns elementos que sugerem o confronto das características do projeto aplicado
no DF com o princípio constitucional e legal da gestão democrática do ensino
público, bem como indicações de estudos e pesquisas que possibilitem obter
dados qualitativos que permitam analisar criticamente a militarização como forma
de gestão escolar.

ORIGENS DO PROCESSO DE MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL

O processo de militarização de escolas públicas pode ser analisado no
conjunto dos procedimentos que instalam novas formas de organização da gestão
educacional e escolar, em particular os processos de privatização que se realizam
por meio de parcerias.
Tomarei, para fins de análise nesse artigo, as origens do processo de
militarização ocorrido no estado de GO, por ser uma unidade da federação
considerada emblemática e pioneira na adoção desse mecanismo, tendo o maior
número de escolas militarizadas dentre todo os estados e o DF.
Em um artigo que analisa a expansão dos colégios militares em Goiás,
Alves, Toschi e Ferreira apontam que foi nos mandatos do governador Marcone
Perillo (1999-2002; 2006-2011 e 2015-2018) que o processo foi iniciado e
consolidado. A primeira iniciativa se dá com a solicitação ao Conselho Estadual
de Educação de GO para autorização da oferta de Ensino Fundamental e
Ensino Médio na Academia de Polícia Militar. Essa situação não se caracteriza,
ainda, como militarização de escola pública, já que se tratava de uma Escola da
Polícia Militar propriamente dita, ainda que a solicitação incluísse a admissão de
matrículas de servidores e dependentes legais de funcionários públicos, além de já
contar com professores da rede pública de ensino estadual colocados à disposição
da corporação policial. No contexto das políticas de segurança pública, várias
escolas miliares da PM-GO foram criadas por projeto de lei, cuja mensagem à
Assembleia Legislativa de GO citava o atendimento à expectativa da população,
que se teria manifestado por abaixo assinado. Em 2015, a proposição à Assembleia
Legislativa de criação de cinco novos colégios em escolas estaduais já existentes
se dá como uma reação ao enfrentamento de professores em greve durante um
evento oficial em que o governador é vaiado, razão por que é interpretada pelas
autoras do artigo como um castigo a professores baderneiros (ALVES, TOSCHI
& FERREIRA, 2018). Ainda que a reação do governo ao movimento grevista
dos professores possa não ser tomada como motor principal do processo de
militarização de escolas estaduais, é digno de nota que, na origem dessa nova
forma de organização da gestão escolar nesse estado, haja elementos de reação à
autonomia organizativa e controle da categoria de professores.
A expansão das escolas militarizadas no estado de GO parece ter
contribuído para a criação desse tipo de escolas país afora. Às seis primeiras
escolas criadas em GO em 2001 somaram-se outras dezoito em 2013. Até 2018,
sessenta escolas militarizadas estavam em funcionamento no estado de Goiás.

A militarização de escolas no estado de Goiás passou a ser objeto desejo
de prefeitos que solicitam ao governo estadual que contemple suas cidades com
o processo de entrega de escolas públicas à gestão da Polícia Militar. É possível
observar que, quando não conseguem convencer o governo estadual, os prefeitos
procuram assessorias e Organizações Não Governamentais (ONG) para implantar
o regime militar em suas próprias escolas municipais. Em março de 2019, o jornal
O Popular divulgou uma reportagem em que situa a militarização de sete escolas
municipais em dois anos. As prefeituras, em face de não terem conseguido trazer
a militarização de escolas estaduais para seus municípios, decidiram desenvolver
seus próprios modelos por meio de leis aprovadas nas respectivas Câmaras
Municipais. Para efetivar o processo, as prefeituras contratam policiais militares
da reserva para ocuparem cargos de gestão nas instituições de ensino. Como não
obtêm aval do Comando de Ensino da PM-GO, as escolas criam fardas e símbolos
particulares que fazem alusão ao militarismo, mas diferentes dos utilizados nas
escolas estaduais militarizadas.
Como o atendimento em escolas municipais abrange a Educação Infantil
e os primeiros anos do Ensino Fundamental, observa-se que a militarização de
escolas municipais acaba por atingir crianças pequenas. O município de Moiporá
desenvolve a gestão militarizada de escolas até na Educação Infantil. Um
deputado, para sensibilizar o governo estadual a apoiar as iniciativas municipais,
chega a dizer que o método militar é eficiente até para os bebês, ao observar
que uma criança no colo do pai num desfile de 7 de setembro fica praticamente
marchando. Ou ainda, “Se colocar ela pequenininha no chão, ela já começa a
marchar imitando o soldado da PM. É uma maneira lúdica de incutir esses valores
na cabeça dela” (MUNICÍPIOS, 2019).

MARCOS REGULATÓRIOS DO PROCESSO DE MILITARIZAÇÃO
DE ESCOLAS PÚBLICAS NO DISTRITO FEDERAL

O governador do DF, eleito em 2018, Ibaneis Rocha (MDB) não incluiu
em seu programa de campanha (PLANO DE GOVERNO, 2019-2022 2018)
qualquer referência à militarização de escolas públicas. Na temática da educação
referiu-se, dentre outras questões, à reforma de escolas, ampliação de vagas em
creches, remuneração de professores, compra de tablets, educação integral, repasse
de recursos para atender às necessidades das escolas, criação da universidade
pública do DF etc. Ao citar parcerias com o setor da educação, menciona as
áreas de esporte, cultura e lazer, sem qualquer referência à segurança pública e

suas corporações militares. A inclusão da política governamental de entregar a
gestão de escolas públicas à PM parece ter sido um alinhamento político com o
governo federal, na esteira das propostas do presidente eleito no ano de 2018.
O plano anunciado pelo governo federal seria inaugurar uma escola militar em
cada unidade da federação e, posteriormente, criar na estrutura organizacional do
Ministério da Educação (MEC) uma Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico Militares vinculada à Secretaria de Educação Básica para cuidar da preparação de
um projeto para ampliar a participação de militares na gestão de escolas vinculadas
aos sistemas de ensino.
Aos sete dias de governo, o Secretário de Educação Rafael Parente,
ao conceder entrevista ao jornal Correio Braziliense, assim se expressa sobre a
militarização de escolas do sistema público do DF: “O governador viu experiências
de outros estados e percebeu que os resultados nas notas de escolas militares são
superiores aos outros modelos. O estado de Goiás, por exemplo, ampliou esse
método e teve bons resultados” (RIOS, 2019).
A partir daí, iniciou-se um processo de organização interna para implantar
um projeto piloto de entrega de quatro escolas públicas à gestão da Polícia
Militar do DF. A Portaria que dispõe sobre a implementação do projeto piloto
denominado Escola de Gestão Compartilhada, pela transformação de quatro
escolas em Colégios da Polícia Militar do Distrito Federal, elenca, dentre outros
objetivos, a facilitação da construção de valores cívicos e patrióticos, a melhora de
indicadores do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a busca
de melhores índices de aprovação em certames externos à escola, a diminuição da
evasão escolar.
Sob o nome de Gestão Compartilhada e não de militarização das escolas
públicas, o projeto piloto prevê uma estrutura de gestão em que as atividades
de direção escolar são divididas em duas vertentes, a Gestão Disciplinar Cidadã,
sob responsabilidade da PMDF e a Gestão Pedagógica, sob responsabilidade da
SEEDF, ambas possuindo o mesmo nível de hierarquia e submetidas à Gestão
Estratégica, esta sob comando da PMDF e cuja estrutura administrativa será
disposta em portaria complementar que ainda não chegou a ser divulgada.
A tramitação interna desse instrumento não ocorreu sem traumas. A
análise desenvolvida pelo então Subsecretário de Educação Básica, por meio de
nota técnica, apontou diversas inconsistências jurídicas e pedagógicas no projeto,
considerando que a PMDF deveria atuar junto às escolas pelo resgate do papel
histórico do projeto Batalhão Escolar por meio do qual a presença de policiais no
entorno da escola poderia garantir um ambiente seguro e favorável ao trabalho
educativo que deve ser desempenhado por profissionais da educação e não por
policiais militares. O parecer do subsecretário, após ser publicado no Sistema

Eletrônico de Informações (SEI), sistema oficial de circulação de documentos
institucionais, ganhou grande repercussão tendo em vista que, por razões diversas,
o texto circulou em redes sociais pondo a nu a divergência interna na SEEDF.
Dentre os pontos assinalados como vulnerabilidades do projeto, a nota técnica
indicou o desalinhamento com a Lei nº 4.751/2012, que dispõe sobre a Gestão
Democrática no Sistema de Ensino do DF, especialmente por não vislumbrar a
participação da comunidade na escolha dos responsáveis pela Gestão Estratégica
e pela Gestão Disciplinar. Do mesmo modo, o parecer aponta para os impactos
que a criação de uma estrutura de pessoal desigual para apenas quatro escolas
poderia causar no sistema em face da inexistência de profissionais exclusivos para
o acompanhamento disciplinar de todas as demais escolas, recomendando, por
fim que fosse feita proposição de programa alternativo com apoio de profissionais
da educação, psicólogos e outros, que componham uma equipe multidisciplinar,
chamando atenção de que já existiam, à época, várias demandas para autorização
de projetos pedagógicos de escolas que não vinham sendo atendidos pela SEEDF.
O jornal online Metropolis publicou, 25 dias depois de iniciado o governo,
a notícia de que o subsecretário estava sendo exonerado por criticar o projeto de
militarização das escolas. O secretário de educação valeu-se do microblog Twitter
para afirmar que “não há mais espaço para deslealdade, desrespeito, fofoca,
rebeldia, atitudes vaidosas ou egocêntricas. Jogar em time é tão importante quanto
ser íntegro e competente”. Em outra publicação do mesmo microblog, afirmou
que cumpriria todas as determinações do governador (VINHOTE; TAFFNER,
2019).
A subsecretária que substituiu o gestor exonerado, provavelmente com
a incumbência de dar fim ao processo de desgaste, produziu parecer substitutivo
no qual afirmou que o projeto não conflitava com a Lei de Gestão Democrática,
que as gestões disciplinar e pedagógica convergiam para um único objetivo, não
havendo, por isso, qualquer conflito com os marcos regulatórios da educação
brasileira ou local sem, no entanto, apontar qualquer evidência para esse
alinhamento com a legislação em vigor. Ao afirmar que o projeto faz parte do
planejamento estratégico da Secretaria de Educação, terminou por considerar que
o projeto consta no Plano de Governo que foi referendado nas urnas, além de
ser um anseio das comunidades locais. Como já visto, no entanto, o Plano de
Governo apresentado à sociedade no período de campanha eleitoral não inclui
uma palavra sequer sobre o processo de militarização de escolas da rede distrital
de ensino.
Duas vertentes de inciativas ocorreram no sentido de questionar a
legalidade e o mérito da portaria conjunta que dispôs sobre o projeto piloto de
gestão compartilhada. A primeira, por iniciativa do Deputado Leandro Grass

(Rede Sustentabilidade), apresentando à Câmara Legislativa do DF (CLDF), em
8/2/2019, o Projeto de Decreto Legislativo nº 008/2019, com o objetivo de sustar
os efeitos da portaria conjunta, sob argumentos diversos, dentre os quais dispor
em sentido contrário ao que determina a Lei de Gestão Democrática ou por não
ter sido ouvido o Conselho de Educação do DF (CEDF). O projeto tramitou nas
Comissões de Educação, Saúde e Cultura, com parecer contrário, e na Comissão
de Constituição e Justiça, com parecer favorável, mas terminou derrubado pelo
plenário da CLDF, tendo por fim o arquivamento em 23/4/2019.
A segunda vertente, por iniciativa do Deputado Fábio Félix (PSOL),
contrário à implementação do projeto piloto, e por responsáveis legais de um
estudante cuja identificação foi mantida em sigilo em respeito a exigências do
Estatuto da Criança e do Adolescente. Ambos acionaram a Promotoria de Justiça
de Defesa da Educação (PROEDUC) do Ministério Público do Distrito Federal
e Territórios (MPDFT) na tentativa de interromper a implantação do projeto.
Em 13/2/2019, foi emitida a Nota Técnica nº 001/2019-PROEDUC/
MPDFT (DISTRITO FEDERAL, 2019), por meio da qual esse órgão se
manifestou acerca da legalidade da política pública consistente na implementação
do projeto piloto de colaboração da Pasta de Segurança Pública em quatro
unidades de ensino da rede pública do DF, ressaltando, no entanto, que excluíram se da Nota Técnica quaisquer abordagens de conteúdo de mérito, uma vez
que, pelas atribuições constitucionais, esse órgão não tem legitimidade para
formulação ou execução de políticas públicas ou por emitir juízo de valor de
escolhas políticas do Poder Executivo. Para emissão de seu juízo de legalidade,
considerou a PROEDUC que a SEEDF e SSPDF expediram a portaria conjunta
dentro dos limites regulamentares e da discricionariedade do Poder Executivo,
além de estar consoante aos princípios norteadores da educação, em especial o
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho. Além disso, considerou que as escolas não foram
obrigadas a aderir ao projeto piloto, uma vez que a imprensa noticiou ter havido
reuniões com equipes gestoras e comunidades escolares.
Em continuidade ao processo de organização dos marcos regulatórios
para oficialização de um programa que venha a consolidar o projeto piloto
implantado em quatro escolas, o governador do DF publicou, em 9/4/2019,
decreto (GDF, 2019) criando Grupo de Trabalho para realização de estudos para
análise, aperfeiçoamento e extensão do projeto Escola Gestão Compartilhada.
O decreto fixa o prazo de noventa dias, prorrogável por igual período,
para conclusão dos trabalhos e apresentação de relatório ao governador. Cabe ao
GT definir as competências de cada uma das secretarias envolvidas, os critérios
de escolha de unidades escolares, os indicadores de avaliação de desempenho, as

metas a serem atingidas, o número de cargos em comissão no âmbito da SSPDF,
a garantia de liberdade pedagógica dos professores, a edição de normas jurídicas
para criação do projeto, analisar modelos já existentes no país e adequação do
projeto local ao projeto do MEC, dentre outras.
Chama atenção a composição do GT presidido pelo governador, pela
prevalência da SSPDF sobre a SEEDF, a primeira com oito membros e a segunda
com apenas dois, num evidente desequilíbrio para um projeto que traz em seu
nome a expressão “compartilhada”.

O PROJETO PILOTO EM FUNCIONAMENTO

Feitas essas considerações iniciais que emolduram com elementos
históricos e marcos normativos o projeto piloto de militarização de escolas
públicas no Sistema de Ensino do DF, é pertinente considerar como se deu sua
implementação nas quatro escolas escolhidas pelo governo, indicadas na portaria
conjunta. As quatro escolas são Centros Educacionais, cuja modulação atende,
em geral, adolescentes e jovens dos últimos anos do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio: Ced 3 de Sobradinho, Ced 308 do Recanto das Emas, Ced 1 da
Estrutural e Ced 7 de Ceilândia.
Em respeito à norma que reza que as escolas devem manifestar
livremente sua adesão ao projeto, nas quatro escolas realizaram-se reuniões
abertas denominadas “audiências públicas” e, em sequência, votação formal
plebiscitária. Registre-se que as tratativas da SEEDF com as direções escolares
ocorreram em pleno período de recesso escolar, com professores e estudantes em
férias. O Sindicato de Professores no Distrito Federal (SINPRO-DF) capitaneou
o movimento de resistência ao projeto do governo, participando de discussões
com professores nas escolas indicadas, fazendo publicações de jornal institucional,
panfletos e outros materiais, além de participar de entrevistas e debates nos órgãos
de mídia local (CAIXETA; TEIXEIRA; FUZEIRA, 2019; ALCÂNTARA, 2019).
De modo geral, o sindicato representante da categoria dos professores
e técnicos em educação elenca em suas críticas o fato de ser utilizado o processo
de militarização das escolas como panaceia para atos de indisciplina e, mesmo,
de violência no interior das escolas e como metodologia capaz de aumentar
significativamente os índices de resultados de aprendizagem medidos pelo IDEB.
No entanto, o processo é visto como um malabarismo para tirar o foco dos reais
problemas da rede pública de ensino, que vão da falta de investimentos adequados
à falta de equipe pedagógica em número suficiente para fazer frente aos problemas
da escola. Ao invés, haveria uma espetacularização da violência como pretexto
para a entrada de policiais na escola, de forma atropelada e sem diálogo prévio

com a comunidade escolar e com a sociedade, de maneira a levar a população a
acreditar que a militarização das escolas é solução para a insegurança cotidiana a
que é submetida, sem considerar que a violência é estrutural na sociedade, sendo
a escola apenas um reflexo da sociedade onde ela está inserida.
A imposição de rígidas normas disciplinares e de conduta conduzidas
por policiais fardados e armados no interior da escola, em postos de gestão
escolar, levaria professores e estudantes que não se adaptam a serem excluídos da
escola. Até normas que regulamentam a aparência física são impostas, como corte
curto de cabelos para meninos e coque para meninas, como o padrão militar;
cabelos e barbas bem aparados para professores; vedação de uso de acessórios
considerados extravagantes para meninas e professoras; blusa para dentro da
calça para estudantes e jalecos até os joelhos para professores e professoras. O
punitivismo adotado pelos modelos militares, no entanto, é considerado uma
forma de violência pelo SINPRO-DF.
Além disso, o despreparo educacional dos policiais, que poderão ser
convocados para terem presença nas escolas, além de ser um desvio de finalidade
para profissionais que deveriam cumprir a sua tarefa institucional de garantia da
segurança pública dos cidadãos e cidadãs, reveste-se de uma simbologia nefasta
para a categoria dos profissionais da educação, porque atestaria serem eles
incapazes de superar os quadros de indisciplina e de educar com democracia,
respeito, ética e solidariedade.
Os debates que se seguiram nas escolas como etapa para adesão
dessas unidades escolares ao projeto piloto do governo foram palco de muitos
desentendimentos, com rejeições fundamentadas, mas em todas as escolas
indicadas na portaria conjunta, o processo adotado levou à sua aprovação.
No Ced 308, do Recanto das Emas, por exemplo, inconformados
com o fato de a reunião que aprovou a realização do projeto piloto na escola
ter sido feita após convocação com os docentes em férias e, na sua avaliação,
com chamamento direcionado de pais de alunos, um grupo de professores, pais
e alunos decidiu fazer nova discussão em que a medida foi rejeitada. O diretor da
escola e a própria administração da SEEDF não reconheceram a citada reunião
e o projeto permaneceu aprovado. No CEd 07, de Ceilândia, um estudante de 16
anos, que trabalhou pela rejeição do projeto, afirmou que, se quisesse estudar em
um colégio militar teria procurado matrícula em uma escola propriamente militar
e não numa escola pública. Nessa mesma escola, a mãe de uma aluna votou contra
a vontade da filha considerando que o quesito segurança falava mais alto que o
entendimento na família. Esses e outros depoimentos e registros de desavenças
foram registrados pelos jornais impressos e eletrônicos que acompanharam o
processo de discussão e votação nas escolas.

 

O CONTURBADO PROCESSO DE EXPANSÃO DO
PROJETO PILOTO

Passado o primeiro semestre, com a experiência da militarização em curso
nas quatro escolas, antes de ser iniciado o segundo semestre letivo, novamente
em período de recesso escolar, que impediu qualquer discussão qualificada
em função da ausência de professores e estudantes nas escolas, o Governo do
DF (GDF) anunciou a expansão do projeto para mais seis escolas. Mais uma
vez, deflagraram-se críticas ao governo a partir da representação sindical dos
professores e de gabinetes de parlamentares distritais, tendo-se formado, inclusive,
um Observatório da Militarização de Escolas ,com participação de gabinetes
parlamentares, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil seção DF, de entidades da sociedade civil e de personalidades do campo da
educação e da defesa dos direitos humanos. Essa iniciativa resultou na redação de
uma carta aberta assinada por inúmeras entidades e personalidades, manifestando
a contrariedade com a intervenção militar nas escolas públicas do DF e solicitando
que o governo garanta o direito de educação a todos, optando por implementar
modelos pedagógicos que tragam resultados concretos para demandas que são
usadas como justificativa para alocação de policiais dentro das escolas (ROCHA,
2019).
Como resultado da decisão governamental, as seis escolas passaram por
eleição para decisão plebiscitaria sobre aceitação ou não do projeto. Das seis
escolas, considerando as normas que regem a Lei de Gestão Democrática local
para eleição plebiscitaria, quatro escolas manifestaram sua recusa. No entanto,
o governo, desconsiderando a referida norma e contabilizando apenas o total de
votos sem discriminar o percentual de cada segmento votante. Ocorreram reações
negativas a essa interpretação, apesar de haver também manifestações públicas
favoráveis à militarização nas quatro escolas que recusaram o projeto, especialmente
partindo dos pais de alunos. A situação de embate de posições ficou presente na
imprensa local por alguns dias até que o governador pessoalmente manifestou-se
sobre o assunto, informando que aplicaria a gestão compartilhada de todo jeito,
inclusive nas escolas que recusaram o projeto, alegando que a eleição tinha efeito
apenas consultivo e não vinculante. Suas declarações causaram grande impacto
pelo tom imperial utilizado: “Democracia foi no dia que me elegeram governador
com mais de um milhão de votos. Me escolheram para poder fazer a mudança,
mudar para melhor. Quem governa sou eu; os que estiverem insatisfeitos com a

gestão compartilhada busquem a Justiça. Tenho certeza de que as melhorias virão”
(ROCHA, 2019). Provocativamente, ainda declarou que começaria o calendário
de aplicação do projeto pelas escolas que o rejeitaram.
Com essas declarações, o clima político ficou bastante tenso, tendo
deputados distritais de oposição se manifestado publicamente acusando o
governador de autoritário e exigindo que a Câmara Legislativa seja respeitada como
instância competente para aprovação de programas que alteram significativamente
as políticas educacionais em curso, cobrança efetivada pelo fato de não haver sido
encaminhado, até então, qualquer projeto de lei para aprovação de programa que
agasalhe a iniciativa, como consta, inclusive, na portaria conjunta que instituiu o
projeto piloto.
Ainda assim, o governador reagiu afirmando pela imprensa, conforme
publicado no Portal G1, que não havia assumido o governo para “brincar de
administrar” e que “já chamei o secretário e falei que ele está agindo de forma
errada” (IBANEIS, 2019) pelo fato de o secretário de educação ter garantido
que as escolas que rejeitassem o projeto não seriam obrigadas a implementa-lo.
Pouco tempo depois, o secretario de educação publicou no microblog Twitter sua
despedida do governo agradecendo o governador “pelo favor em me exonerar”.
Na verdade, apesar do confronto público de opiniões sobre a estratégia de
implantação do projeto, durante todo o período de governo o secretário abonou
a militarização das escolas, sem nenhuma crítica. Ao contrário, em todas as suas
manifestações públicas o projeto foi considerado positivo e benéfico para as
escolas e seus profissionais, seus estudantes e suas famílias.

MILITARIZAÇÃO DE ESCOLAS PÚBLICAS E O CONFRONTO
COM O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA GESTÃO
DEMOCRÁTICA

Muitos são os elementos que podem ser apontados como contradições
ou fragilidades no processo de militarização de escolas públicas no Sistema de
Ensino do DF. A começar por um detalhe aparentemente insignificante cujo
conteúdo institucional passa, muitas vezes, despercebido. Trata-se do nome
que é dado às unidades escolares militarizadas. Ao nome oficial de cada escola
militarizada é acrescentado o título “Colégio da Polícia Militar”. Desse modo,
a título de exemplo, o Centro Educacional 7 de Ceilândia, cuja denominação é
“Ced 7 de Ceilândia” passou a se chamar “Colégio da Polícia Militar Ced 7 de

Ceilândia”. As implicações são evidentes, a começar pela chancela que qualquer
escola precisa ter dos órgãos próprios para esse tipo de alteração (GDF, 2018)4
.
Porém, essa é apenas uma questão de caráter burocrático formal. Mais grave é o
significado que o nome transmite, de que uma instituição educacional pública,
parte integrante do Sistema de Ensino do DF; por meio de um ato conjunto
assinado pelos titulares das secretarias de educação e de segurança pública,
passa a ser uma escola da corporação militar, caracterizando-se uma situação de
interferência da PM nas políticas públicas de educação, prerrogativa da secretaria
da área que, ao concordar com essa apropriação, deserta parcialmente de seu
dever legal de prover o direito subjetivo à educação.
Os argumentos utilizados para rebater essa análise são voltados às
disposições da portaria conjunta que prevê que a gestão pedagógica permanece
sendo responsabilidade da SEEDF e apenas a gestão disciplinar e cidadã é
responsabilidade da PMDF, ambas com o mesmo nível de hierarquia. Ocorre
que a gestão escolar, inspirada nos princípios da gestão democrática, não prevê
uma separação de tarefas estanques e independentes. Ao contrário, os processos
administrativos, disciplinares e pedagógicos devem funcionar como dimensões
de uma mesma realidade que apenas se expressam por meio de atividades
diferenciadas, mas sempre em busca de objetivos comuns, de tal maneira que
cabe ao dirigente escolar ser aquele que coordena todas as atividades. Não faz
sentido, portanto, que à corporação militar seja outorgada uma dimensão do fazer
escolar fragmentando um processo que deveria ocorrer de maneira integrada,
formando um todo coerente e harmonioso. Além disso, na proposta de estrutura
de gestão prevista haverá, ainda, uma gestão estratégica, sob responsabilidade da
PM, à qual as demais estruturas estarão subordinadas. Ou seja, quem passa a ter
a prerrogativa que deveria ser do diretor ou diretora escolar é um policial militar,
numa clara postura governamental de considerar os profissionais de educação
como incompetentes para realizar a atividade para a qual foram formados e
selecionados por meio de concurso público.
Outro elemento é a situação da violência fora e dentro da escola, que
tem levado as famílias a aprovar essa interferência da PM no ambiente escolar.
A narrativa do medo decorrente da espetacularização da violência criou no
imaginário dos pais e responsáveis a ideia de que o policial armado dentro da
escola é a solução. Os pais têm razão de reconhecer que a escola não oferece a
segurança devida a seus filhos. No entanto, sabe-se que a violência não é criada

dentro da escola, mas ela reflete aquela que existe na sociedade porque a escola
não é uma bolha isenta das mazelas sociais. Não se pode instituir a escola como
local de reparação da desordem e da violência que reina na sociedade. É preciso
considerar que a polícia que é chamada para impedir a violência na escola é a
mesma que não consegue entregar resultados à sociedade em relação às políticas
públicas de segurança para as quais ela efetivamente foi criada e existe. A PM
faria imenso bem à educação se conseguisse manter a segurança no entorno
da escola. Não parece fazer bem ao processo educativo a presença de policiais
fardados e armados junto a crianças e adolescentes em situação escolar; não
parecem adequadas as rígidas normas de disciplina calcadas apenas na obediência
heterônoma, que pouco ou nenhum resultado pedagógico alcança a não ser o
adestramento a comportamentos padronizados, inclusive de aparência, de fala, de
cumprimento; não parece fazer bem a crianças e adolescentes negar-lhes o direito
à diversidade e à própria individualidade obrigando-os a manter determinado corte
de cabelo ou proibindo-as de usar certos tipos de adereços próprios da idade em
que o vínculo a grupos e tribos é característico. Pensar, em pleno século XX,I a
existência de associação entre disciplina ou bom comportamento, com limitação
do tamanho dos cabelos masculinos e obrigatoriedade de coque para as meninas
é retroceder quanto aos avanços pedagógicos conquistados ao longo de séculos.
Outra contradição é a ilusão de que as escolas militarizadas terão obrigatoriamente
resultados escolares superiores às demais escolas. Os resultados positivos não são
decorrência da militarização, mas das condições específicas de que são dotadas
essas unidades escolares, com reforço de pessoal, maiores recursos, processos
seletivos e, especialmente, com a dispensa de alunos que não se adaptam aos
rigores dos padrões militares e dos indesejados. Nesse sentido, é sempre bom
lembrar que a escola pública é para todos e todas não cabendo escolher quem são
aqueles que podem ficar e quais devem ser excluídos. O jornal Folha de São Paulo
(ESCOLAS, 2019) cruzou dados do ENEM 2017 por escola, segregando escolas
com perfil socioeconômico, tipo de militarização e porte chegando à conclusão
de que escolas militares ou militarizadas têm resultados semelhantes a escolas
com perfil parecido, sendo que centenas de colégios estaduais com gestão civil e
mesmo perfil socioeconômico têm resultado melhor.
Por fim, é mister relembrar o argumento utilizado na nota técnica que
resultou na exoneração do subsecretário de Educação Básica da SEEDF ao se
pronunciar pela não aprovação do projeto piloto de gestão compartilhada, ao
afirmar que são muitos dos projetos alternativos inscritos autonomamente por
escolas da rede pública de ensino do DF a esperar que a estrutura de decisões

da secretaria autorize suas implantações com alguma condição de pessoal,
equipamento ou recursos, que certamente estão muito abaixo da pretensão de
contar com mais 25 profissionais e duzentos mil reais de aporte financeiro.
Nesse artigo, apontamos a maneira como se implantou o projeto piloto de
militarização de algumas escolas públicas do DF, eufemisticamente denominado
“gestão compartilhada”, seus prováveis vínculos com a política pública federal de
fomento a escolas cívico-militares nos sistemas de ensino dos estados e municípios,
procurando identificar elementos, contradições, acertos ou fragilidades como
questões abertas à pesquisa científica. Levantamentos quantitativos e análises
qualitativas mais verticalizadas sobre esses fenômenos poderão certamente jogar
luz sobre essa realidade a fim de compreende-la em profundidade.

 

REFERÊNCIAS
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Acesso em 19 nov 2019.
MUNICÍPIOS militarizam sete escolas em dois anos em https://g1.globo.com/
df/distrito-federal/noticia/2019/08/20/ibaneis-pede-desculpas-a-camara-aposbater-boca-com-deputado-por-causa-de-pm-na-gestao-das-escolas.ghtml Goiás.
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br/noticias/cidades/munic%C3%ADpios-militarizam-sete-escolas-em-doisanos-em-goiás-1.1759363. Acesso em 27 ago 2019.
PLANO DE GOVERNO 2019-2022 Ibaneis Rocha, coligação Pra Fazer a
Diferença. Disponível em: http://estaticog1.globo.com/2018/11/promessas/
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https://www.sul21.com.br/entrevistas-2/2019/03/professora-fala-sobremilitarizacao-de-escolas-em-goias-estamos-colecionando-e-exportando-lixotoxico/ . Acesso em 27 ago 2019.
RIOS, Alan. Secretário de educação do DF promete combater ‘ideologia de
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www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2019/01/07/interna_
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ROCHA, Aline. Oposição na CLDF reage contra a implantaçãoo de escolas
militarizadas no DF. Jornal de Brasília. Brasília, DF: 16 ago 2019. Disponível
em: https://jornaldebrasilia.com.br/cidades/oposicao-na-cldf-reage-contra-aimplantacao-de-escolas-militarizadas-no-df/ . Acesso em 27 ago 2019.

SINPRO-DF. Quadro Negro. Brasília: jan. 2019.
TEIXEIRA, Isadora. Decisão de Ibaneis em impor gestão compartilhada com
PM nas escolas divide opiniões. Metrópoles. Brasília: 18 ago 2019. Disponível
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27 ago 2019.
VINHOTE, Ana Luiza; TAFFNER, Ricardo. Subsecretário do DF é exonerado
após criticar militarização de escolas. Metrópoles. Brasília: 25 jan 2019. Disponível
em: https://www.metropoles.com/distrito-federal/educacao-df/subsecretariodo-df-e-exonerado-apos-criticar-militarizacao-de-escolas . Acesso em 27 ago
2019.
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ERASTO FORTES MENDONÇA é Doutor em Educação pela Unicamp, Mestre
em Educação pela UnB. Professor aposentado da Faculdade de Educação da
UnB de onde foi diretor. Foi membro do Conselho Nacional de Educação e
presidente da Câmara de Educação Superior, membro e vice-presidente do
Conselho de Educação do DF, professor e diretor da rede pública de ensino do
DF. E-mail: erastofm@gmail.com

Militarização das escolas públicas no Brasil: um debate necessário

A Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, periódico científico editado pela Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), tem o objetivo de difundir estudos e experiências educacionais, promovendo o debate e a reflexão em torno de questões teóricas e práticas no campo da educação. Diante disto, o Sinpro publicará semanalmente alguns trabalhos e estudos sobre o processo de militarização na educação pública brasileira e os transtornos que eles causam.

O sindicato recomenda a leitura deste material para todos(as) os(as) professores(as) que tiverem interesse em aproveitar os trabalhos para pesquisas.

No primeiro trabalho, Catarina de Almeida Santos, Miriam Fábia Alves, Marcelo Mocarzel e Sabrina Moehlecke abordam como tema: Militarização das escolas públicas no Brasil: um debate necessário.

 

Porque jamais tivemos regime que fosse, na real concepção de democracia, a integração de todo o povo “com” e “em” seu governo; em que não houvesse uma distinção radical entre a classe dominante e o povo, em que não houvesse a classe que se beneficia do Brasil e a que trabalha, peleja e sofre para a existência dessa outra classe. Às vezes ponho-me a indagar: por que será que o Governo, entre nós, há de ser sempre como um bem privado, que se conquista como se fosse um tesouro, uma riqueza a ser distribuída com os amigos, companheiros e partidários? Tal concepção é tão profundamente generalizada no Brasil, que me ponho, por vezes, a indagar da origem, por certo vigorosa, de tão estranha deformação. (Anísio Teixeira)

Refletir sobre o processo de militarização das escolas públicas no Brasil nos remete a discussões sobre a forma de organização da nossa sociedade, o papel da educação e da escola na e para a sociedade brasileira, além do contexto político social e econômico em que esse fenômeno acontece. Nos obriga a analisar um país fundado na desigualdade social, ou como diz Anísio Teixeira na epígrafe, na radical distinção entre o povo e a classe dominante.

Essa reflexão também nos convida a reconhecer a atualidade do debate feito por Anísio Teixeira, sobre o papel das oligarquias no Brasil e seus desmandos na gestão da coisa pública, tendo como base o poder pessoal. Estamos em 2019 e podemos nos perguntar se a noção de República não foi mais uma vez eclipsada.

Em tempos de ultraliberalismo e governo de ultradireita, a afirmação de Anísio Teixeira, feita em 1947, de que “O país volta a ter dono: o seu governante”, não continua atual? Afirmou Teixeira à época: Somos, de novo, como na Colônia, como no Império – não uma Nação, mas a propriedade de uma oligarquia apenas agora ainda mais absorvente. A oligarquia é composta de negocistas e de “operários”. Aos “operários” dá-se a mais desmoralizante das legislações trabalhistas; e aos negocistas dão-se os negócios (TEIXEIRA, 2009, p. 40) 581 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019.

No campo da educação, Anísio Teixeira assinou, em 1932, com um grupo de educadores, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, no qual demarcam o papel da escola e dos educadores. O texto do Manifesto já apontava que o educador deveria ter uma formação mais ampla, de modo que lhe possibilitasse olhar o mundo de forma ampliada e enxergar os sujeitos de seu trabalho com uma lente aumentada. Diz o texto, O físico e o químico não terão necessidade de saber o que está e se passar além da janela de seu laboratório. Mas o educador, não, ele tem necessidade de uma
cultura múltipla e bem diversa; ele deve ter o conhecimento dos homens e da sociedade em cada uma de suas fases, para perceber, inclusive a posição que tem a escola, e a função que representa, na diversidade e pluralidade das forças sociais que cooperam na obra da civilização (MANIFESTO, 1932)

A luta de Anísio Teixeira, assim como de outros educadores, foi em defesa de uma educação integral, tendo em vista ser essa a educação capaz de pensar o ser humano em todas as suas dimensões – cognitiva, estética, ética, física, social, afetiva – e que possibilita a sua formação nos diferentes aspectos que o constitui. Segundo Teixeira, a educação é a base da democracia, que na sua composição com outros regimes é o mais difícil, por isto mesmo, o mais humano e o mais rico. Todos os regimes, diz ele, desde os mais mecânicos e menos humanos, dependem da educação. Mas a democracia depende da mais difícil das educações, aquela que deve fazer do filho do homem não um bicho ensinado, mas um homem. Disse ele, Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime da
mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos (TEIXEIRA, 2009, p. 106-107). RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, mai./ago. 2019 582

No entanto, a história da educação brasileira, em contrário à defesa de Teixeira, nos mostra uma escola que tem sofrido muitos ataques, que comprometem a efetivação do direito à educação para todas as mulheres e todos os homens. Os embates travados desde a elaboração da Constituição de 1934 e do projeto da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a lei 4.024 de 1961,
retratam as disputas e os reais interesses de quem vem comandando o país.

Em entrevista para o Jornal Metropolitano, Anísio Teixeira afirmou que A escola tem sido quase sempre o último dos refúgios para o preconceito, a rotina, o dogma, o tradicionalismo cego ou os interesses mais egoísticos. Pobre escola! É a mais humilde, a mais mandada das instituições e ao mesmo tempo o bode expiatório de todas as nossas deficiências. Dela tudo se espera e nada se
permite. Quanto mais abandonada, mais culpada fica de tudo que nos sucede! (TEIXEIRA, 1959)1

Nesse sentido, encerrar o ano de 2019 com um dossiê sobre a Militarização da Educação Pública no Brasil, implica refletir sobre esse processo no conjunto dos acontecimentos que vivenciamos neste ano tão desafiador para a ciência, a tecnologia e a educação pública no país. Implica também pensar que estamos falando de um país, que como bem disse Darcy Ribeiro, a crise da educação não é uma crise e sim um projeto, ou nas palavras de Teixeira (2009) um país que jamais fez da educação um serviço fundamental da República.

Se concordarmos com Anísio Teixeira que a educação é a base, o fundamento, a condição para a existência da democracia, e que no regime democrático a educação é o supremo dever, a suprema função do Estado, podemos então afirmar que a República brasileira, inclusive nos períodos em que sua base legal a definiu como Estado Democrático de Direito, jamais se comprometeu, de
fato, com a própria democracia, ao não assumir a educação de todas as mulheres e todos homens.

Assim, ao escolhermos provocar o debate sobre a militarização das escolas, processo que ganhou destaque na política educacional brasileira, com a posse do atual governo federal e a proposição e fomento de um modelo de escola chamado “cívico-militar”, pretendemos trazer para discussão da e na sociedade brasileira, um processo que vem colocando em risco, não só a escola pública, mas
a educação de forma mais ampla, a formação das próximas gerações e a própria democracia.

1 Entrevista ao Jornal Metropolitano, no dia 05 de abril de 1959. Disponível em: < http://memoria.
bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=154083_01&pagfis=43468 > Acesso em 25 de novembro de 2019.
583 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019

A militarização das escolas públicas não começa com a reformulação do Ministério da Educação, em janeiro de 2019, e a criação de uma Subsecretaria para fomentar as chamadas escolas cívico-militares, mas indiscutivelmente, o processo já em curso no país ganha um novo fôlego e uma outra dimensão. Isso pode ser observado com a quantidade de entes da federação que ampliaram o número de escolas militarizadas ou iniciaram o processo de militarização, mesmo antes da publicação do decreto no 10.004, de 5 de setembro de 2019, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (BRASIL, 2019).

A expansão do modelo de militarização das escolas públicas, processo que teve início no apagar das luzes da década de 1990, em Goiás, ganhou fôlego no início desta década, estando presente, atualmente, em muitos estados e municípios. Mas o Brasil não é para principiantes, já dizia Tom Jobim. Assim, falar em militarização de escolas públicas, em um país da complexidade do nosso, com quase seis mil unidades federadas que têm uma certa autonomia na organização dos seus sistemas de ensino, requer a compreensão que esse processo se apresenta de diferentes formas, nos diferentes sistemas. Ou seja, é preciso ter em mente que, apesar da vinculação à ideologia militar, não estamos falando de um único modelo ou forma de militarização.

É certo que esse processo não é novo para alguns sistemas de ensino, mas o anúncio do programa nacional de escolas cívico-militares fez com que o tema da militarização das escolas públicas entrasse na agenda do dia da educação no país e despontasse como uma novidade para muitos estudiosos, educadores, pesquisadores, além da comunidade em geral. Isso provocou, além de muitas confusões na nomenclatura, nas formas de organização e na compreensão do que é escola militar e escola militarizada, paixões calorosas entre os opositores e os defensores do modelo.

Assim, este editorial não poderia se furtar a apresentar algumas definições importantes para orientar a continuação do debate e leitura dos textos. As escolas militares são as escolas das corporações, como Exército, Marinha, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros. Essas escolas já são criadas como militares e, geralmente, estão vinculadas a órgãos específicos, como as Forças Armadas e as Secretarias de Segurança e não a Secretarias de Educação.

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No âmbito da educação básica, o Exército Brasileiro possui 132 Colégios Militares (CM), que segundo seu regimento, são organizações militares, que integram o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB), que é um dos subsistemas do Sistema de Ensino do Exército, e estão diretamente subordinados à Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial (DEPA)3.

Esses colégios objetivam atender primeiramente aos dependentes de militares de carreira do Exército e demais candidatos, por meio de processo seletivo. A proposta educativa dos CM, apesar de ter como base a legislação federal de educação, obedece às leis e aos regulamentos em vigor no Exército, e é desenvolvida segundo os valores e as tradições do Exército Brasileiro. Com valor
aluno/ano de cerca de R$ 19 mil, segundo matéria do Estado de São Paulo de 25 de agosto de 20184, são custeados pelo Exército, cobram taxas dos seus alunos, possuem uma infraestrutura diferenciada em comparação às demais escolas púbicas, contando com piscinas, laboratórios diversos, inclusive de robótica e
professores com salários superiores a R$ 10 mil.

As corporações das Polícias Militares também possuem suas escolas, denominadas de Colégio Tiradentes da Polícia Militar ou Colégio da Polícia Militar acrescido do nome de algum militar de alta patente. Esses colégios que estão presentes em 23 estados da federação, são instituições públicas militares de ensino administrados pelas respectivas Polícias Militares. As normas de funcionamento, seus objetivos e finalidades são definidas no Regimento de cada rede ou colégio e têm como base os princípios estabelecidos nos regimentos das PMs de cada unidade da federação. Vale ressaltar, no entanto, que em alguns estados algumas escolas públicas militarizadas, em 2019, receberam o nome de Colégio Tiradentes, como no caso de Roraima; também em Mato Grosso foram nomeadas de Escolas Estaduais Militares Tiradentes, o que já indica um certo hibridismo no processo.

2 Existem atualmente no Brasil 13 Colégios do Exército de educação básica, instalados nas cidades de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Juiz de Fora, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e Santa Maria. O 14º Colégio do Exército está previsto para começar a funcionar em 2020. A Portaria de criação foi assinada pelo então Comandante do Exército, General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, no dia 9 de outubro de 2018. A sede do Colégio funcionará nas dependências do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo (CPOR/SP).

3 Além dos 13 colégios de educação básica, o Exército possui ainda as escolas de formação dos seus oficiais, em diferentes áreas: Escolas Militares (formam os oficiais ou os sargentos de carreira do Exército Brasileiro), Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN); Escola de Sargentos das Armas – ESA; Escola de Saúde do Exército (EsSEx); Escola de Formação Complementar do Exército (EsFCEx); Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx); Instituto Militar de Engenharia (IME) e a Escola de Sargentos de Logística (EsSLog).

4 https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,estudantes-de-colegio-militar-custam-tres-vezesmais-ao-pais,70002473230 585 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019
Os Corpos de Bombeiros de sete estados da Federação (Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Tocantins, Amazonas, Amapá e Acre) também possuem colégios5 geralmente financiados pela corporação, mas em alguns casos possuem caráter público e privado, tendo em vista que são financiados pelas mensalidades pagas por seus alunos, ao mesmo tempo que participam de programas do governo e contam com servidores da corporação, inclusive professores, além das instalações prediais.

Quando estamos falando de escolas militarizadas nos referimos as instituições escolares civis públicas, vinculadas às secretarias distrital, estaduais e municipais de educação, que por meio de convênio com as secretarias de segurança ou polícia militar, passaram a ser geridas em conjunto com as polícias ou passam a contar com a presença de monitores cívico-militares. Também se enquadram nesse quesito aquelas escolas que fazem convênio, acordos, parcerias com os comandos das Polícias Militares, passando a contar com assessoria da corporação, para a aplicação da “Metodologia dos Colégios da Polícia Militar” ou processo de gestão compartilhada nas escolas municipais.

Mais recentemente, em consonância com a adesão da sociedade a esse modelo, vai surgindo outra modalidade de militarização: as secretarias municipais de educação têm adquirido pacotes educacionais (de empresas ou organizações não governamentais) de militarização das escolas públicas, que continuam geridas pelo município, mas utilizam um projeto militarizado. O país possui ainda escolas privadas que utilizam a chamada “metodologia” dos colégios da Polícia Militar, redes de escolas privadas que autodenominam “Escola da Polícia Militar”, mas que pertencem a grupos filantrópicos e não seguem necessariamente as normas regimentais das corporações militares, como é o caso das 11 escolas existentes em SP, pertencentes à Cruz Azul. No grupo das escolas privadas existem aquelas criadas por associação de militares.

5 Em alguns estados e no DF os colégios dos bombeiros são chamados de D. Pedro II, mas em outros
também possuem nomes de militares de alta patente ou de grandes personalidades, como o é caso do Colégio
Militar do Corpo de Bombeiros do Ceará – Escritora Rachel de Queiroz.
6 Até o presente momento os estados do Acre, Amazonas, Amapá, Bahia, Goiás, Mato Grosso, Piauí,
Rondônia, Roraima, Tocantins e Distrito Federal têm escolas públicas das redes estaduais e distrital militarizadas.
7 A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou, no dia 19 de novembro, o PL 331 e incluiu
entre as atividades possíveis de serem desempenhadas pelos brigadianos da reserva e pelos temporários que
aderirem a esses programas, a atuação como monitores cívico-militares em escolas das redes públicas estadual e
municipais.
8 Os estados da Bahia, Amazonas, Pará e Goiás são algumas das unidades federadas em que as escolas
das redes municipais que estavam sendo militarizadas, mesmo antes do programa do Governo Federal.
9 O Colégio da Vila Militar é uma instituição privada implantado pela Associação da Vila Militar –
AVM, que tem como objetivos, segundo descrição da instituição, resgatar valores de cidadania, de civismo e
de patriotismo, ofertando a educação com bases filosóficas na hierarquia e na disciplina militar. https://www.
colegiovilamilitar.com.br/o-colegio/missao-visao-valores/
RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, mai./ago. 2019 586
atender, prioritariamente, aos filhos de militares. Essas escolas possuem normas
e princípios militares, mas são financiadas pelas mensalidades pagas pelos pais e
não recebem subsídio das corporações.
Já a nomenclatura escolas cívico-militares foi cunhada pelo Governo
Federal, a partir do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019, quando criou no
âmbito do Ministério da Educação a Subsecretaria de Fomento às Escolas CívicoMilitares (BRASIL, 2019a). Até então, nenhuma escola militarizada utilizava essa
denominação. A partir de 2019 elas começam a usar essa nomenclatura.
Este dossiê está permeado por esse contexto e propõe o debate de um
tema atual e controvertido que acirra posições apaixonadas entre os governantes, a
sociedade brasileira e os profissionais da educação. Reflexão que não pode ignorar
um debate muito mais amplo, sobre a educação e a escola que queremos, sobre
a gestão da escola, sobre a gratuidade da escola, sobre a exclusão nas escolas,
sobre o controle de alunos e professores. Essas questões estão abordadas nos
artigos publicados neste número e revelam como esse processo retoma práticas
antigas que recolocam a educação como privilégio, como discute Anísio Teixeira,
ou mesmo carregam traços da tradicional educação bancária, tão criticada por
Paulo Freire.
A atualidade do tema se revelou na quantidade muito significativa de
artigos enviados ao dossiê. Sua leitura atenta nos indica também a necessidade de
ampliar as pesquisas sobre a temática e sua publicação nos periódicos brasileiros,
o que revela a emergência de um debate que conta com uma possibilidade imensa
para o campo da pesquisa. Talvez por isso, os artigos submetidos ao dossiê, de
maneira geral, mantêm pouco diálogo com a produção das teses e dissertações,
que mesmo em pequena quantidade, aportam questões importantes para o debate.
Por outro lado, as matérias publicadas pela mídia brasileira, apesar dos limites que
apresentam, têm desempenhado um papel fundamental e foram fontes utilizadas
por muitos dos textos submetidos.
O primeiro artigo que compõe o dossiê intitulado “Militarização de
escolas públicas no DF: a gestão democrática sob ameaça”, de Erasto Fortes
Mendonça, tem como foco as origens do processo de militarização, iniciado
em Goiás, e como esse modelo começa a ser implantando na rede pública do
Distrito Federal. Problematiza também como o princípio da gestão democrática
se confronta com o modelo de escola militarizada.
Em “A militarização das escolas públicas sob os enfoques de três direitos:
constitucional, educacional e administrativo”, Salomão Barros Ximenes, Carolina
Gabas Stuchi e Márcio Alan Menezes Moreira apresentam um ensaio analítico
587 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019
sobre o processo de militarização das escolas públicas brasileiras, objetivando
oferecer um enfoque original no campo dos direitos constitucional, administrativo
e educacional.
O terceiro artigo “A militarização das escolas públicas: uma análise
a partir das pesquisas da área de educação no Brasil”, de Miriam Fábia Alves
e Mirza Seabra Toschi, apresenta os resultados de uma pesquisa bibliográfica
acerca da militarização das escolas públicas, apontando questões relativas à gestão
militarizada, suas interferências na prática pedagógica e a formatação de um
modelo de escola que prioriza a disciplina e o controle.
As autoras Andréia Mello Lacé, Catarina de Almeida Santos e Danielle
Xabregas Pamplona Nogueira, no artigo intitulado “Entre a escola o quartel: a
negação do direito à educação”, analisam a militarização nas escolas públicas
interrogando como se efetiva o direito à educação nessas instituições.
Em “Militarização das escolas e a narrativa da qualidade da educação”,
Daniel Calbino Pinheiro, Rafael Diogo Pereira e Geruza de Fátima Tomé Sabino
analisam as concepções e condições para a qualidade manifestas na defesa dos
colégios militares e escolas militarizadas.
No artigo “Sobre os dias atuais: neoconservadorismo, escolas cívicomilitares e simulacro da gestão democrática”, André Antunes Martins analisa
a aliança entre neoconservadorismo e neoliberalismo no campo educacional e
seus desdobramentos no avanço das parcerias entre redes públicas de educação e
instâncias militares, discutindo como o princípio da gestão democrática se torna
um simulacro nas escolas militarizadas.
Os autores Erlando da Silva Rêses e Weslei Garcia de Paulo, no artigo
“A posição de docentes da educação básica acerca da militarização de escolas
públicas em Goiás”, apresentam a fala dos docentes de uma estadual militarizada
em Valparaiso de Goiás, sinalizando sua aprovação por parte dos professores.
No artigo “Colégio da Polícia Militar Alfredo Viana – características de
uma cultura escolar-militar”, Amilton Gonçalves dos Santos e Josenilton Nunes
Vieira abordam as características da cultura escolar de um Colégio da Polícia
Militar da Bahia, explicitando como o aparato militar objetiva a transmissão e
ensino da Cultura Militar.
Já em “Do Oiapoque ao Chuí – as escolas civis militarizadas: a experiência
no extremo norte do Brasil e o neoconservadorismo da sociedade brasileira”
Adalberto Carvalho Ribeiro e Patrícia Silva Rubini refletem sobre as razões do
aceite social do novo modelo de gestão militar em escolas civis, apontando que
não há nenhuma novidade no modelo, ao contrário, há uma retomada da velha
pedagogia bancária.
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Em “Uma escola diferente do mundo lá fora”, Margrid Sauer e Karla
Saraiva investigam o que mobiliza os pais a escolherem as escolas militares para
matricularem os filhos, revelando que as práticas dessas escolas se refletem na
vida cotidiana dos estudantes e de suas próprias famílias.
As autoras Marina Gleika Felipe Soares, Samara de Oliveira Silva, Lucine
Rodrigues Vasconcelos Borges de Almeida, Lucineide Maria dos Santos Soares
e Rosana Evangelista da Cruz, no artigo intitulado “Escola militar para quem?
O processo de militarização das escolas da rede pública de ensino do Piauí”,
expõem o debate feito no Piauí sobre a militarização das escolas, indicando que
os movimentos sociais não impediram o avanço das propostas de militarização,
que contam com o aval da Secretaria de Educação.
Maria do Horto Salles Tiellet, em “Expansão das escolas e colégios
militares retoma a lógica da exclusão”, busca os argumentos dos agentes públicos
para analisar o processo de expansão das escolas militares em Mato Grosso,
constatando que o discurso da qualidade do ensino, utilizado para a expansão,
nunca foi prioridade das políticas educacionais do estado.
No artigo, “Gestão democrática e militarização do ensino: reflexões a
partir de um estudo de caso”, Carolina Barreiros de Lima, Natalia Barbosa Netto,
Janaina Moreira Pacheco de Souza abordam a gestão democrática no ensino
público, problematizada a partir da pesquisa em uma instituição militar de ensino
do Rio de Janeiro.
O artigo “Disciplinando a vida, a começar pela escola’: a militarização
das escolas públicas do estado da Bahia”, de Eliana Povoas Pereira Estrela Brito
e Marize Pinho Rezende, busca compreender o acelerado crescimento dos
processos de militarização das escolas públicas no estado da Bahia.
Por fim, o artigo “Militarización de la escuela chilena a princípios del siglo
XX. El modelo alemán bávaro en tierras mapuches”, de Juan Mansilla Sepúlveda e
Catalina Rivera Guitiérrez, encerra o dossiê, retomando o ideário formativo dos
missionários capuchinhos bávaros e sua atuação pedagógica com as crianças
mapuches da Araucanía, evidenciando as características militares dessa educação
no contexto do Chile.
Outras temáticas
Além dos artigos que compõem o dossiê sobre militarização, a RBPAE
publica também artigos sobre temáticas variadas, submetidos em fluxo contínuo,
que contribuem para o enriquecimento do número e para ampliar a divulgação
científica de pesquisas individuais e de grupos nacionais e internacionais.
589 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019
Abrindo a seção, Silvina Julia Fernández, Ivana Dariela Brignardello,
Andrea Elisabet Hernan, Bárbara Isabel Correa e Gabriela Andretich apresentam,
no texto “Políticas públicas, processos de planejamento e constituição dos sistemas
educacionais em Brasil e Argentina: um estudo comparativo” um levantamento
sobre a constituição das políticas de planejamento educacional nos dois países, a
partir de seus principais marcos legais. O artigo é um inventário das iniciativas e
estilos que marcam o planejamento em educação no Brasil e na Argentina desde
seus nascedouro até o ano de 2016.
No artigo “PIBID CAPES-MEC E PIBID UFF-COLUNI – Políticas
públicas, história, trajetórias e marcas”, as autoras Roberta Lopes Alfradique
Hardoim e Iduina Mont’alverne Braun Chaves apresentam uma análise sobre
a experiência do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
na Universidade Federal Fluminense, em especial no Colégio Universitário,
apontando que seu papel ultrapassou a ideia de formação inicial, desdobrando-se
para a formação continuada e contribuindo para a transformação dos modos de
agir e pensar dos sujeitos envolvidos.
Juliana Cavalcanti Macedo e Ana de Fátima Pereira de Sousa Abranches
discorrem no artigo “Política educacional no ensino superior: reflexões sobre a
contribuição da assistência estudantil da UFRPE” sobre as principais percepções
dos alunos e alunas beneficiários das políticas de assistência estudantil da
Universidade Federal Rural de Pernambuco. Por meio de questionários e
entrevistas, afirma-se que a percepção acerca da política é vista de maneira positiva
entre os estudantes, sendo relevante para a permanência de muitos, ainda que haja
a necessidade de melhorias e aprimoramentos.
Em sequência, a política de educação ambiental sergipana foi objeto
de estudo de Aline Lima de Oliveira Nepomuceno e Maria Inêz Oliveira
Araujo, no texto “Política pública e educação ambiental: aspectos conceituais
e ideológicos de participação, democracia e cidadania em Sergipe”. A partir da
análise da aplicabilidade da legislação nas escolas, as autoras destacaram o lugar
da participação e da cidadania nas propostas, bem como seus limites práticos,
dado o ordenamento legal vigente, que não dá conta da complexidade e sugerem,
em parte, o direcionamento para uma visão fragmentada e tecnicista de educação
ambiental.
O novo Ensino Médio é estudado em “Sistema econômico, direitos
sociais e escolas desiguais: reflexões sobre a reforma do Ensino Médio”, de
Ana Lara Casagrande e Katia Morosov Alonso. A partir de uma visão histórica
e teórica, que debate o dualismo da escola brasileira, as autoras apontam que a
reforma se insere na lógica do capitalismo, reforçando o caráter de privilégios
RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, mai./ago. 2019 590
que marca a educação brasileira para atender às demandas do mercado, fazendo
com que a escola abra mão de ser um espaço de crítica, articulação e socialização
política.
O artigo “Trabalho e educação: raízes da ontologia da educação da
pedagogia histórico-crítica” traz uma análise teórica empreendida por Adriana
Regina de Jesus Santos e José Alexandre Gonçalves sobre a relação entre os
escritos de György Lukács e Dermeval Saviani, tendo a compreensão da ontologia
da educação como foco. O estudo defende que, por meio do entendimento
da concepção ontológica do ser, é possível restabelecer os vínculos entre
conhecimento e trabalho criativo.
Lorena Alves de Oliveira e Marilene de Souza Campos apresentam
“Variações locais na implementação de políticas públicas de educação integral:
estudo de casos de duas escolas da rede pública estadual do município de Patos de
Minas/MG”, estudo no qual foram combinadas diversas técnicas de investigação
– pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, observação participante e
entrevistas semiestruturadas – para a análise de 16 entrevistas sobre a política
pública de educação integral no município de Patos de Minas, Minas Gerais.
Constatou-se que a normativa só é implementada parcialmente, devido à falta de
recursos materiais, financeiros, humanos, espaço físico, bem como interesse da
comunidade.
Por fim, na Seção Especial, em tempos de reforma da previdência, foi
encomendada a pesquisa “Inativos da educação: despesa da educação?”, de Fábio
Araujo de Souza, que trata sobre o repasse de recursos da educação para suprir o
déficit previdenciário. O artigo analisou distintas legislações e estudos específicos
sobre o tema, processos judiciais dentre outros documentos, indicando a
conivência dos órgãos fiscalizadores e o imbróglio legal sobre o tema como
indutores dessa prática de transferência. Concluiu-se que a maioria dos governos
pagam os inativos da educação com recursos que deveriam financiar a manutenção
e desenvolvimento de suas redes públicas de ensino.

Referências
BRASIL. Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019. Aprova a Estrutura
Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções
de Confiança do Ministério da Educação, remaneja cargos em comissão e
funções de confiança e transforma cargos em comissão do Grupo-Direção e
Assessoramento Superiores – DAS e Funções Comissionadas do Poder Executivo
– FCPE. Disponível em: http://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/
Kujrw0TZC2Mb/content/id/57633286. Acesso em: 2 nov. 2019.
591 RBPAE – v. 35, n. 3, p. 580 – 591, set./dez. 2019
BRASIL. Decreto no 10.004, de 5 de setembro de 2019. Institui o Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares. Disponível em: https://www2.camara.
leg.br/legin/fed/decret/2019/decreto-10004-5-setembro-2019-789086-
publicacaooriginal-159009-pe.html Acesso em: 2 nov. 2019.
MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Revista HISTEDBR
On-line, Campinas, n. especial, p. 188–204, ago. 2006. Disponível em: http://
www.histedbr.fe.unicamp.br/revista/edicoes/22e/doc1_22e.pdf. Acesso em: 20
jun. 2019.
TEIXEIRA, Anísio Spínola. Educação é um direito. Rio de Janeiro: Editora
UERJ, 2009.

 

Texto produzido por: Catarina de Almeida Santos, Miriam Fábia Alves, Marcelo Mocarzel, Sabrina Moehlecke

GDF desiste de impor gestão compartilhada com PM no Gisno

Crédito: Metrópoles

Em contrapartida, segundo o secretário de Educação, será feita nova consulta à comunidade escolar no CEF 407, em Samambaia

Após críticas de professores, estudantes, pais, parlamentares e alguns deputados, o Governo do Distrito Federal (GDF) desistiu de implantar a gestão compartilhada entre as secretarias de Segurança e Educação no Gisno, na 907 Asa Norte. Além disso, o GDF fará nova consulta popular com a comunidade escolar do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 407 de Samambaia. As informações foram confirmadas ao Metrópoles pelo secretário de Educação, João Pedro Ferraz.

As duas unidades recusaram, em votação realizada no último dia 17, a implantação do modelo, que ficou conhecido como “escolas militarizadas”. No mesmo dia, outros três colégios aprovaram a iniciativa, que começou em fevereiro, em forma de projeto-piloto, em quatro instituições.

Depois da votação, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), disse que implementaria o modelo nas duas unidades, apesar da recusa, o que provocou embates e culminou na saída do então secretário de Educação, Rafael Parente. Após as polêmicas, o emedebista disse que daria mais tempo para que a questão fosse debatida. Nessa terça-feira (03/09/2019), o martelo foi batido.

“O governador, Ibaneis Rocha, me delegou a solução para essa questão. Quanto ao Gisno, se a própria escola se manifestou por meio de votação e disse que não quer, não vamos insistir”, revelou Ferraz ao Metrópoles. Contudo, salientou o secretário, uma nova consulta pode ser feita no futuro. Todavia, não há data para o pleito.

Fonte: Metrópoles
Por: FRANCISCO DUTRA

ESCOLA BOA NO GOVERNO BOLSONARO, SÓ PARA FILHO DE MILITAR

A Fiesp ofereceu o presente e o presidente Jair Bolsonaro já agradeceu: a entidade bancará projetos básico e executivo do 14º Colégio Militar do país, em São Paulo. A nova escola promete ser grandiosa e ocupar uma área equivalente a cinco campos de futebol na Zona Norte de São Paulo, atendendo a pelo menos 1.000 alunos.

Como a iniciativa é ambiciosa e a construção demorada, provisoriamente 90 alunos começam já a ser atendidos nas instalações do Exército da capital paulista, a partir de fevereiro. Não faltou dinheiro para contratar professores, fazer reformas emergenciais no imóvel, licitar a aquisição de estandarte e também de letreiro da unidade.

A Fiesp vai dar uma boa mãozinha (especialistas estimaram custo com projetos de até R$ 900 mil ), mas a nova escola será construída com recursos do Ministério da Defesa, cuja área educacional celebra um 2019 livre de cortes e, ainda, como símbolo de excelência.

O presidente afirmou que é preciso
O presidente afirmou que é preciso “promover uma educação que prepare nossos jovens para os desafios da quarta geração da Revolução Industrial” Foto: Gabriel de Paiva / Agência O Globo

Seria uma conquista de todos, não fosse por um detalhe: no colégio militar, só existe vaga garantida para quem nasce em berço verde-oliva. Melhor dizendo, os filhos e filhas de militar de carreira do Exército, sejam da ativa ou da reserva. De 12.500 alunos atualmente matriculados nas unidades pelo país, 82% se enquadram nessa categoria — as vagas que sobram são preenchidas após disputado processo seletivo, onde todos podem participar.

A nova escola chega no mesmo momento em que a Capes — organismo do Ministério da Educação responsável pelo aperfeiçoamento do ensino no país — destaca em sua página web, como se fosse notícia boa, a informação de que nenhuma nova bolsa de estudo será concedida neste ano. E que estão oficialmente congeladas quase 6 mil bolsas. Se projetados os quatro anos de duração delas, são R$ 544 milhões a menos no orçamento da Educação, comemora o ministério.

É normal ver governos celebrarem eficiência administrativa decorrente de redução no cafezinho da repartição, desconto no preço final de uma obra ou redução da propaganda oficial. O que não é normal é tratar corte em bolsa de professor como economia útil ao país. Nos novos tempos, se você pensa em garantir educação de qualidade para os filhos e é brasileiro nato, corra que dá tempo de ingressar na carreira militar. Homem tem de ter 1,60 metro de altura; mulher, 1,55.

Escolas federais custam menos que as militares e têm desempenho superior no Enem

Um decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) determina o fomento à criação de escolas cívico-militares em todo o país. Embora o documento não detalhe de que forma será feita a implantação, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmou que a inspiração será a experiência dos colégios militares, que têm desempenho acima da média.

A principal diferença, em relação às escolas públicas convencionais, é o investimento do Exército por aluno: R$ 19 mil ao ano, três vezes mais do que em uma escola pública regular. O argumento do bom desempenho encontra respaldo nos números do Enem, em que os alunos dos colégios militares costumam se destacar.

Mas outro modelo, o das escolas federais, tem desempenho superior com custo um pouco mais baixo, de R$ 16 mil ao ano por aluno — ainda assim, bem maior do que o investimento no aluno regular, que não passa de R$ 6 mil por ano.

Colégios de aplicação e institutos federais, com ensino técnico paralelo ao ensino médio _ e não os militares _ são os donos dos melhores resultados do país na escola pública. Mas a experiência bem-sucedida não foi considerada nas discussões da reforma do ensino médio, que entrou em vigor este ano.

No ranking das 10 melhores instituições públicas do país, de acordo com o resultado do Enem em 2017, sete são federais, entre colégios de aplicação das universidades federais e rede IF (institutos federais). Na lista aparece um colégio militar do Exército, o de Belo Horizonte (MG), em 7º lugar. Há ainda duas escolas estaduais entre as melhores do país.

O primeiro colocado é o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, que é o 19º no ranking geral do país nas provas objetivas— incluindo as escolas particulares.

Assim como os colégios militares, a rede de educação federal tem professores com título de mestre, doutor e pós-doutor — e, consequentemente, salários mais altos, que possibilitam dedicação integral. Institutos federais investem em pesquisa e produção do conhecimento, e apostam na interiorização para levar formação para além das capitais.

Em Santa Catarina, das 10 primeiras colocadas no ranking das escolas públicas no Enem, oito são institutos federais. O Estado não tem escolas do Exército, mas colégios mantidos pela Polícia Militar onde o investimento, no ano passado, foi de R$ 14 mil por aluno. Nas escolas da PM há reserva de vagas para filhos de policiais, o que levou a reação do Ministério Público no ano passado.

O colégio militar Feliciano Nunes Pires, em Florianópolis, está em 7º lugar entre as escolas públicas do Estado.

Corte de verbas

Dono dos melhores índices do país entre as escolas públicas, o ensino federal foi atingido diretamente por cortes de verbas nos últimos anos. O orçamento para 2019, por exemplo, é similar ao de 2016 _ o que reduz a capacidade de investimentos, já que há aumento vegetativo de gastos com salários, por exemplo.

Institutos federais em todo o país precisaram cancelar projetos e reajustar o orçamento nos últimos anos. Obras de ampliação de salas de aula tiveram que ser suspensas por falta de recursos. Inclusive na rede federal de Santa Catarina, que tem dois institutos: IFSC (Instituto Federal de Santa Catarina) e IFC (Instituto Federal Catarinense).

O governo Bolsonaro ainda não indicou quais serão os caminhos para a rede federal. Toda a diretoria responsável pelos institutos federais foi exonerada, e os novos nomes ainda estão em fase de “reconhecimento de terreno”.

O governo não informou se pretende aumentar o investimento por aluno nas escolas que adotarem o modelo cívico-militar. Vale lembrar que os investimentos em saúde e educação no governo federal foram congelados pelos próximos 20 anos, com aprovação do Congresso Nacional.

Ranking nacional das escolas públicas no Enem

1 – Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (MG)

2 – Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (RS)

3 – Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco (PE)

4 – Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória (ES)

5 – SEPT da Universidade Federal do Paraná (PR)

6 – FCAP UPE, Escola de Aplicação do Recife (PE)

7 – Colégio Militar de Belo Horizonte (MG)

8 – CEFET Varginha (MG)

9 – Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (MG)

10 – Colégio Técnico de Campinas (SP)

Fonte: NSC

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