O Sinpro disponibiliza a edição nº 204 do jornal Folha do Professor, que aborda a intervenção militar em escolas públicas do Distrito Federal e a falta de projeto do GDF para a educação da capital federal.
A militarização é uma forma intimidatória de privatizar a educação. O governo de plantão no Palácio do Buriti usa a PM, uma instituição pública, ostensivamente, disseminar medo nas escolas. Esse é o modus operandi do governo autoritário do DF, e também do governo federal, de impor a privatização e adotar um conteúdo empobrecido pela reforma do Ensino Médio e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), também sob intervenção.
MPF na Bahia derrota racismo e preconceito da intervenção militar nas escolas
Jornalista: Luis Ricardo
O Ministério Público Federal na Bahia determinou esta semana que as escolas públicas municipais no estado que tenham gestão compartilhada com a Polícia Federal não mais interfiram na liberdade de expressão dos estudantes, nem controlem a vida privada deles. A decisão do MPF na Bahia é a esperança que os estudantes do Distrito Federal não tenham que se submeter a esta truculência racista, homofóbica e misógina do governo do DF.
O Sinpro tomará providências para garantir a integridade física e moral dos estudantes da capital federal.
Confira abaixo a matéria da decisão tomada pelo MPF na Bahia, que proíbe a Policia Militar local de, por exemplo, intervir em cortes de cabelo, forma de vestir ou impedir que os estudantes namorem.
MPF na Bahia proíbe escolas militares de controlar vida dos estudantes
O Ministério Público Federal na Bahia determinou que as escolas públicas municipais no estado que tenham gestão compartilhada com a Polícia Federal não mais interfiram na liberdade de expressão dos estudantes, nem controlem a vida privada deles. Isso significa que não podem exigir padrões estéticos, como cortes de cabelo, unhas, forma de vestir ou obrigatoriedade de uso de bonés ou boinas, dentre outros.
Também fica vedado o controle de publicações levadas pelos estudantes para a escola ou feitas em redes sociais, ou proibição à participação deles em manifestações.
A recomendação foi encaminhada no dia 26 de julho, via Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão na Bahia, para a prefeitura e as 63 escolas públicas municipais que atuam no modelo militarizado. O entendimento é de que essas ações são inconstitucionais e não têm potencial de melhorar o ensino, que depende de maior investimento em educação, com melhoria da estrutura física e valorização dos docentes.
De acordo com a recomendação, as unidades também não podem fiscalizar ou proibir comportamentos dos estudantes que não afetem o direito de terceiros ou interesses públicos, com base em moralismo ou convicções incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. Por exemplo, proibir que os estudantes frequentem locais de jogos eletrônicos, usem óculos esportivos ou namorem.
O MPF estabelece ainda que a recomendação tenha ampla divulgação e orienta ao Comando da Polícia Militar da Bahia que se abstenha de firmar ou colocar em execução novos acordos que resultem na aplicação da metodologia dos Colégios da PM em escolas públicas, “por incompatibilidade com a Constituição Federal, convenções internacionais, leis e resoluções do Conselho Nacional da Educação, além de importar em violações múltiplas de direitos fundamentais de crianças e adolescentes”.
A militarização das escolas na Bahia
A militarização das escolas no estado da Bahia acontece desde 2018. O MPF reitera que, embora a Constituição Federal determine, em seu art. 206, que os profissionais da educação escolar das redes públicas ingressarão na carreira exclusivamente por concurso público, o termo de cooperação permite à Polícia Militar nomear livremente militares inativos para funções nas escolas municipais.
Ainda considera que os requisitos desses profissionais que atuam na educação básica estão à revelia do estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, visto que não são feitas exigências de formação específica aos militares indicados.
A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão alerta que, diferente dos colégios militares – que possuem público específico, com a maior parte das vagas reservadas a filhos de militares, que buscam essa opção baseada na hierarquia e disciplina, cuja finalidade é formar futuros militares – os demais colégios públicos são voltados para a comunidade em geral, composta por pessoas de diferentes personalidades e vocações, devendo formar os alunos e alunas com base no pluralismo e na tolerância, com respeito e incentivo às individualidades e diferenças socioculturais.
A recomendação ainda destaca os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre as notas do Enem de 2015, último ano em que as médias das escolas foram divulgadas. As notas apontam, por exemplo, que das 20 escolas públicas mais bem avaliadas no estado da Bahia, 17 eram unidades do Instituto Federal da Bahia ou do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do estado – instituições públicas de ensino não militarizadas.
O documento aponta a necessidade de garantir a segurança nas escolas públicas e no entorno sem violação dos direitos fundamentais dos estudantes. “Os estudantes, principais vítimas da violência, em vez de serem duplamente penalizados, com ensino autoritário, que suprime suas liberdades e individualidades, devem ser alvo de políticas públicas que promovam sua proteção integral, com garantia à incolumidade física e psíquica e à educação adequada para o livre desenvolvimento da personalidade”, destaca o Ministério Público Federal.
Ampliação do modelo
Em julho, o Ministério da Educação anunciou a implantação de 108 escolas militares até 2023. A proposta depende da adesão dos Estados, que ficarão responsáveis por sua administração, e receberão recursos federais. Segundo o MEC, já há atualmente 203 escolas do tipo em 23 estados e no Distrito Federal. Outra ideia do ministério é fortalecer, com recursos, 28 unidades já existentes no modelo.
A implementação das escolas militares já era anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro desde a sua campanha presidencial. No modelo, a gestão das escolas públicas é transferida para instituições militares, como a Polícia Militar, bombeiros e até mesmo integrantes das Forças Armadas. O ministério afirma que 108 mil alunos serão atendidos nas 108 novas unidades.
*Com informações do Ministério Público Federal na Bahia
Na última terça-feira (30), a Lei nº 6.122/18, que inclui a disciplina “Educação Moral e Cívica” na grade curricular educação básica do Distrito Federal foi julgada como inconstitucional pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). A decisão da Corte parte da avaliação que existiu vício da forma. A lei aprovada, enquanto ordinária, deveria ter sido uma lei complementar, afinal, o conteúdo do projeto versava sobre outro veículo normativo já existente, a Lei de Diretrizes e Base da Educação (Lei nº 9.394/96).
Outro destaque importante diz respeito ao conteúdo aprovado pela nova lei. A avaliação é que os conteúdos da “Educação Moral e Cívica” já era contemplado nas disciplinas existentes como Sociologia, História, Filosofia e Geografia. Por último, ainda que existisse a necessidade de incluir o conteúdo na grade curricular local, a competência para a elaboração da matéria seria de um órgão técnico e a apresentação pelo Executivo.
O resultado vitorioso dessa Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é fruto da força da nossa categoria, que pautou o debate na nossa sociedade e, também, pelo Sinpro-DF ter se associado ao processo como amicus curiae, ou seja, o sindicato interviu na qualidade de informante dispondo de elementos informativos possíveis e necessários à solução da controvérsia.
Em defesa da educação e da democracia
Essa disciplina de nova não tem nada. Em 1969, em plena Ditadura Militar, ela foi incorporada como obrigatória na grade curricular das séries que hoje correspondem ao ensino fundamental e médio, substituindo Sociologia e Filosofia.
Atualmente as disciplinas de Sociologia e Filosofia estão ameaçadas com a atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que nasceu da recente Reforma do Ensino Médio. As tentativas locais, seja no DF ou em outros estados, com incentivo do MEC, de aprovar a disciplina “Educação Moral e Cívica” reforça o ataque à Educação em não garantir o amplo acesso aos conteúdos acumulados pela humanidade. É a precarização do ensino! Ao mesmo tempo, é a tentativa de resgatar e valorizar a memória de um período que não cabe na democracia conquistada pelo povo brasileiro.
Sem qualquer dado oficial sobre efeito da militarização das escolas, GDF quer ampliar proposta
Jornalista: Leticia
Desde o início da gestão do governador Ibaneis Rocha (MDB), em janeiro deste ano, o Governo do Distrito Federal, de forma controversa, implantou um sistema de militarização em quatro escolas públicas. Intitulado como gestão compartilhada, o projeto pretende ser ampliado, atingindo outras seis escolas, num total de 10 instituições. A ampliação, entretanto, não tem respaldo de qualquer estudo, pesquisa ou número oficial sobre melhorias nas escolas já militarizadas, além de entrar em desacordo com entidades representativas de professores, servidores, estudantes e grande parte da comunidade escolar.
De acordo com o diretor de Organização do Sinpro-DF (Sindicato dos Professores do DF), Julio Barros, o objetivo principal do governador Ibaneis ao militarizar as escolas do DF é fazer um “marketing eleitoreiro”.
“O governador Ibaneis quer agradar o governo federal. Ele está ‘jogando para a plateia’. Para mim, nem a própria Secretaria de Educação acredita nessa proposta. Eles dão encaminhamento porque querem se manter no cargo. E a parte da própria comunidade que se mostra simpática à proposta, só está assim porque a mídia pega um caso específico e generaliza de forma espetacularizada”, afirma o dirigente sindical.
Segundo a própria Secretaria de Educação do DF, o que até agora serve como indicador – e de forma totalmente frágil – é a aplicação de uma prova diagnóstica que tem como objetivo aliar a qualidade do ensino. O resultado do teste, entretanto, ainda não foi publicado.
Primeiro dia de aulas no CED 01 da Estrutural | Foto: CGN
Até agora, as escolas militarizadas do DF são: o CED 7 de Ceilândia, o CED 308 do Recanto das Emas, o CEM 3 de Sobradinho e a CED 1 da Estrutural. O objetivo do GDF é militarizar o CEF 19 de Taguatinga, o CEF 1 do Núcleo Bandeirantes, a Estância 3 de Planaltina, o Gisno da Asa Norte, o CED 1 do Itapoã e o ECF 407 de Samabaia.
Projeto falido
De acordo com o dirigente do Sinpro Júlio Barros, uma das evidências de que a militarização das escolas do DF é apenas um jogo de marketing do governador Ibaneis é a ausência de um projeto que defina o que é e em que consiste a proposta. Ele conta que existe apenas uma Portaria, a 01/2019 da Secretaria de Educação, que aborda o tema superficialmente.
“Concordando ou não com a militarização, em outros estados, a proposta passou pelas Câmaras Legislativas. Aqui não teve nada, projeto de lei, nada!”, afirma.
Julio Barros ainda diz que o Sinpro, junto com parlamentares da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa e organizações da sociedade civil, vêm atuando suspender o processo de militarização nas escolas. “Estamos visitando as escolas diuturnamente e explicando o que é de fato esse projeto do GDF”, conta.
Com a ausência de números oficiais, o que se pode medir até agora das escolas militarizadas vem de relatos da comunidade escolar ou pesquisas in loco. E os depoimentos são assustadores.
Uma das questões abordadas por Julio Barros é a ingerência da Polícia Militar no aspecto pedagógico. “Eles falaram que a atuação da corporação só seria na parte administrativa. Mentira! Através de relatos, fomos alertados que a PM vem entrando em sala de aula e fazendo vigilância sobre o conteúdo que o professor está administrando”, denuncia.
Escola estadual 28 de Novembro de Ouro Preto do Oeste | Foto: Correio Central
Ele ainda afirma que a promessa do GDF de investir R$ 200 mil anuais nas escolas militarizadas, verba que seria utilizada para a melhoria da estrutura do espaço, também não foi cumprida. O que de fato existe, são 693 escolas públicas totalmente esquecidas: são oito meses de governo e nenhum anúncio de investimento.
Criando robôs
Julio Barros, que também integra o Fórum Distrital de Educação, afirma que a militarização faz com que as escolas percam sua função social. “A escola pública tem por objetivo formar cidadãos críticos, conscientes para exercer cidadania. O tipo de formação militar não está de acordo com esse princípio. Eles não formam jovens conscientes, críticos, formam robôs”, analisa.
“Nós precisamos da PM, mas para cumprir o papel do Batalhão escolar, ou seja, no portão da escola. O projeto foi criado em 1989. Hoje, temos quase 700 escolas públicas, e a PM não cobre nem 200 delas. E ainda realizam visita num sistema de rodízio”, informa o dirigente do Sinpro-DF. Para ele, não é preciso “reinventar a roda”. “O que a gente precisa não é de militarização, é do cumprimento do PDE (Plano de Desenvolvimento da Educação). Tudo que precisamos está nesse plano decenal. São 21 metas e 411 estratégias que vão da creche à pós-graduação.”
Nem mesmo na suposta disciplina que visa a militarização, o projeto produz efeitos práticos. Segundo Júlio Barros, “os alunos são reprimidos no pátio da escola e, na sala de aula, ‘querem se soltar’”.
Há ainda uma tendência em tentar apontar as escolas militares como referência, já que o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é superior ao das escolas públicas. A comparação, todavia, não passa de um processo intencional de desinformação.
PM vai pra cima de professor em debate sobre militarização no CED 7 Ceilândia | Foto: Sinpro
“As escolas militarizadas não são a mesma coisa que escolas militares. Um dos pontos centrais é a exclusão que as escoas militares fazem. Enquanto a nossa escola aceita crianças e jovens de todos os níveis socioeconômicos, as escolas militares fazem um ‘pente fino’ e selecionam quem eles querem. Outra questão essencial é o investimento por aluno. Nas escolas militares, é investido R$ 19 mil anuais por aluno. Na pública, a média nacional é de investimento de R$ 6 mil, sendo que em Brasília esse valor chega a até R$ 9 mil”, ressalta Julio Barros.
Atualmente, o quadro de professores da rede pública de ensino do DF conta com cerca de 1,7 mil mestres em educação, 500 doutores em educação e 80% da categoria tem pós-graduação de especialistas em educação, segundo dados do Sinpro-DF.
Goela abaixo
Julio Barros, que também integra o Fórum Distrital de Educação, classifica como “golpe” o processo de implantação da militarização nas escolas do DF. “A militarização das quatro escolas do DF foi uma espécie de golpe. O processo foi feito nas férias, sem o debate necessário com a comunidade escolar. E eles tentaram fazer isso de novo, agora nesse último recesso. Nós conseguimos barrar”.
De acordo com ele, o Fórum Distrital de Educação fez um acordo que prevê uma série de consultas antes de iniciar o processo de militarização de outras escolas do DF, como audiências públicas e debates que envolvam a comunidade escolar, o Sinpro, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas). Além disso, a votação para a aceitação ou não à adesão ao projeto do governo será feita seguindo o que prevê a Lei da Gestão, ou seja, de forma paritária entre os membros da comunidade escolar (professores, servidores, estudantes, pais/mães/responsáveis).
A discussão sobre a militarização das escolas do DF está a todo vapor. Apesar de não ser nenhuma novidade pais afora, o tema polêmico tem dividido opiniões dos brasilienses. No mês passado, a edição n° 64 da Revista Poli – saúde, educação, trabalho, abordou o assunto, trazendo um amplo retrato sobre a militarização do ensino no Brasil. Representando o Sinpro-DF, a matéria contou com a participação do diretor Cláudio Antunes, que alertou sobre os riscos da militarização.
O periódico mensal é uma iniciativa desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que não tem foco exclusivamente institucional. É também um jornalismo público a serviço do fortalecimento da Educação Profissional em Saúde que, mais do que informar, visa contribuir para a formação dos sujeitos – profissionais, estudantes, professores, gestores – que atuam na interface entre essas três áreas.
Confira na integra o texto ou baixe o PDF da revista clicando AQUI.
Militarização das escolas – o ‘sentido’ da educação
A participação militar nas escolas avança: modelo cívico-militar será fomentado por subsecretaria criada no Ministério da Educação e já está presente em 120 escolas no Brasil
O primeiro dia útil de 2019, foi publicado o decreto 9.465, que propôs uma alteração na estrutura organizacional do Ministério da Educação (MEC). Entre as modificações, foi criada a Subsecretaria de Fomento às Escolas Cívico-Militares (Secim), vinculada à Secretaria de Educação Básica. Como diz o texto, essa subsecretaria assume a função de “promover, fomentar, acompanhar e avaliar, por meio de parcerias, a adoção por adesão do modelo de escolas cívico-militares nos sistemas de ensino municipais, estaduais e distrital, tendo como base a gestão administrativa, educacional e didático-pedagógica adotada por colégios militares do Exército, Polícias e Bombeiros Militares”.
Nesse modelo, a gestão é compartilhada entre militares e professores e, mesmo antes da criação da subsecretaria, já foi iniciado em quatro escolas no Distrito Federal (DF) com cerca de sete mil alunos no total. Até o final do ano, a experiência estará em 40 escolas (de um total de 693) do DF.
Segundo o Ministério, o novo modelo tem como missão “democratizar o ensino de qualidade oferecido pelas escolas militares do Brasil”. Em seu site, o MEC publicou uma reportagem especial com a subsecretária da Secim, Márcia Amarílio, que explica que o novo modelo será instalado sob demanda das secretarias de Educação do país. São elas que devem procurar o MEC e apontar quais escolas poderiam receber o projeto.
“Com o modelo cívico-militar, a escola muda o uniforme e sua infraestrutura, ou seja, as instalações físicas para atender ao programa, e também a gestão administrativa, que passa a ser feita pelos militares”, explicou Márcia.
Ainda de acordo com a Pasta, as secretarias devem procurar o MEC voluntariamente e, após esse contato, a Secim vai oferecer cursos de capacitação para os militares e professores. “Acreditamos que esse tipo de capacitação vai minimizar esse embate, ou seja, o militar vai passar a entender melhor sobre a comunidade escolar e o civil vai entender melhor como funciona o militar”, argumentou Márcia, que é tenente coronel do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal há 25 anos e, de acordo com o MEC, sempre esteve envolvida com a educação.
A Secim é composta por uma Coordenação Geral de Acordos e Cooperação Técnica, de Capacitação de Profissionais da Educação e de Desenvolvimento Didático-Pedagógico. A justificativa para o novo modelo é alcançar melhores resultados na educação através da disciplina militar, inspirados dos Colégios Militares do Exército, com conteúdos voltados ao civismo, ao patriotismo, à hierarquia, à disciplina. A reportagem da revista Poli entrou em contato com o MEC para saber de mais detalhes, como a previsão orçamentária para esse projeto. No entanto, não obtivemos respostas até o fechamento da edição. Diferenças Até então, o MEC acompanhava a distância esse processo de militarização promovido por prefeitos e governadores. É a primeira vez que o Ministério apresenta uma proposta nesse sentido. Além do Executivo, foi lançada na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar de Apoio ao Ensino Militar no Brasil, durante o 1º Simpósio A participação militar nas escolas avança: modelo cívico-militar será fomentado por subsecretaria criada no Ministério da Educação e já está presente em 120 escolas no Brasil Ana Paula Evangelista 26 Brasileiro de Escolas Cívico-Militares, que aconteceu em 9 de abril.
A Frente é composta por mais de 200 deputados e coordenada pelo líder do governo na Casa, o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO). Apesar de ter sido lançada em um evento que tratou especificamente do ensino cívico-militar, a Frente Parlamentar também vai apoiar as academias e as escolas militares, tanto voltadas para o público civil como para os militares. O deputado Vitor Hugo informou, durante o evento, que os parlamentares vão se reunir para elaborar um cronograma de trabalho, estudar o modelo de diferentes estados e divulgá-los, em parceria com o MEC. Alguns estados já desenvolvem um modelo parecido, militarizando escolas que oferecem ensino fundamental e ensino médio por meio da gestão compartilhada entre as secretarias de Educação e de Segurança Pública. De maneira geral, a primeira se encarrega da parte pedagógica e a segunda, da gestão, especialmente dos aspectos disciplinares. No Brasil existem hoje cerca de 120 escolas públicas geridas por militares, segundo informações da Agência Brasil.
O caso mais conhecido é o de Goiás, que possui 60 escolas com mais de 53 mil alunos sob administração da Polícia Militar (PM), projeto iniciado em 2014. Além de Goiás e do Distrito Federal, esse modelo é adotado em Roraima, Pará, Amazonas, Bahia, Santa Catarina, Ceará, Tocantins, Sergipe e Piauí. Já os Colégios Militares (CM) são organizações militares que funcionam como estabelecimentos de ensino de educação básica. Têm a missão de “ministrar a educação básica nos anos finais do ensino fundamental (do 6º ao 9º ano) e no ensino médio, em consonância com a legislação federal de educação, e obedecem às leis e aos regulamentos em vigor no Exército, em especial às normas e diretrizes do Departamento de Educação e Cultura do Exército (Decex), órgão gestor da linha de ensino do Exército”, como define a assessoria de comunicação do Decex.
No Brasil, existem 13 colégios militares do Exército que atendem a filhos de militares e estudantes aprovados em processo seletivo. O que pouca gente sabe é que eles são mantidos com recursos do Ministério da Defesa, e não do MEC ou das secretarias de educação, como o restante das escolas públicas do país. Há duas formas de ingresso nos Colégios Militares: a primeira, por meio de prova; e a segunda, por meio do amparo previsto no Regulamento dos Colégios Militares – que prevê vagas para os dependentes dos militares que atendam aos requisitos previstos na portaria. Nesse sentido, o universo dos estudantes é formado, em sua grande maioria (80%), por dependentes de militares de carreira do Exército e das demais Forças Armadas e Auxiliares. Os outros 20% são oriundos do processo seletivo. Já nas escolas militarizadas e nas escolas cívico-militares, o acesso é feito por sorteio ou lista de espera.
Nos Colégios Militares há cobranças de mensalidades que custam cerca de R$ 226 para alunos que cursam o ensino fundamental e R$ 251 para o ensino médio. Já nas escolas militarizadas a cobrança é voluntária e definida pela Associação de Pais e Mestres. O CM tem como diretor um profissional do Exército, as escolas militarizadas de Goiás, por exemplo, têm como diretor um comandante militar e a coordenação pedagógica fica subordinada à gestão militar. Já no modelo cívico-militar defendido pelo MEC, a proposta é de que a hierarquia seja a mesma para os professores e militares. “Aqui no Distrito Federal nós optamos por fazer um modelo em que no organograma, hierarquicamente, as duas direções têm o mesmo nível”, explica o assessor especial da Secretaria de Educação do DF, Mauro Oliveira.
Maria Margarida Machado, do grupo de trabalho Educação de Jovens e Adultos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), avalia que as experiências de militarização que vêm acontecendo no Brasil revelam também um modelo de “escolarização excludente e seletivo, uma vez que as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência ou não dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam vagas para os filhos de membros de determinadas Forças Armadas ou Polícia Militar; obrigam ao uso de uniformes caros e cobram contribuições mensais das famílias”. Alessio Costa Lima, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), também alerta que esse modelo tem estilos que são próprios das Forças Armadas e acabam replicados como modelo disciplinar não só para alunos, mas para os professores dentro do âmbito da escola. “Um aluno que cometa infração muitas vezes nem sequer é dada a chance de defesa.
Já a escola pública tem a perspectiva da inclusão, tentando compreender a causa que leva aquela criança ser indisciplinada, ser violenta e tudo mais”, compara. Do ponto de vista legal, Miriam Fabia Alves, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), que acompanha a expansão desse modelo naquele estado, explica que, nas escolas militarizadas, o princípio da gestão democrática é violado. Isso porque, de acordo com a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96), as instituições públicas que ofertam educação básica devem ser administradas com base nesse princípio, que entende que a participação da comunidade escolar (professores, alunos, pais, direção, equipe pedagógica e demais funcionários) deve acontecer em todas as decisões da escola. Ela também vê ilegalidade nas cobranças feitas pela Associação de Pais e Mestres e violação do princípio constitucional da liberdade de aprender e de ensinar. “Nesses três aspectos, há quebra do conjunto de arcabouço legal que sustenta a educação brasileira desde 1988 [com a Constituição Cidadã]”, explica. A professora da UFG também conta que ao fazer uma análise da documentação apresentada por essas escolas, há referência de gestão democrática, mas na prática isso não acontece, já que a PM de Goiás assume integralmente a direção da escola.
Outros problemas apontados por Miriam são a autonomia do professor e sua atuação dentro desse espaço controlado por uma lógica militar e as “falsas” diferenças que essas unidades apresentam em relação às outras escolas que não implantaram o modelo. 27 Miriam usa o termo “hotelaria bem arrumada” para explicar o funcionamento desses espaços, já que se passa a ideia de que as escolas são melhores, mas na verdade elas foram modernizadas com a injeção de recursos. Mas, aponta, isso poderia acontecer independentemente da militarização. “Uma das escolas que estamos usando como modelo para análise recebeu 64 militares que cuidam da disciplina fora de aula, do bom ordenamento da escola, da questão administrativa e tem o apoio dos 51 funcionários que já atuam lá”, comenta e acrescenta: “Em 2018, o comandante – é esse o nome, diretor virou comandante – ganhava R$ 3,5 mil de gratificação, que eles chamam de função comissionada, por dois turnos de trabalho. Então, isso tem um impacto no funcionamento da escola. E difere muito da escola no município do interior desse país que está abandonada e sem reforma há anos, que vai quebrando, vai sucateando, que não tem mais a reposição dos funcionários escolares…”, compara. Disciplina X Investimento O desempenho dos alunos das escolas do Exército em avaliações nacionais é, de fato, superior à grande maioria das escolas. A ‘nota’ dos Colégios Militares no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2017, principal medidor da qualidade no país, é 6,5 para a faixa que vai do 6º ao 9º ano do fundamental. Já as escolas públicas, por exemplo, bateram a média de 4,4. Porém, especialistas da educação avaliam que o bom desempenho dos Colégios Militares tem muito pouco a ver com a rigidez no ensino ou com normas de comportamento. Segundo eles, os resultados positivos perpassam uma antiga luta no campo da educação: os investimentos.
Os Colégios Militares do Exército gastam em média R$ 19 mil por aluno por ano e disponibilizam anualmente 13 mil vagas em suas 13 unidades. Além disso, dispõem de uma infraestrutura muito superior à maior parte das escolas públicas do país, com laboratórios e bibliotecas equipados, piscina, quadra de esportes e até recursos para garantir viagens para intercâmbios. Contam, ainda, com professores com vínculo exclusivo e salários mais altos do que os que são pagos pelas redes estaduais e municipais (podendo a chegar a R$ 10 mil reais mensais). Enquanto isso, as escolas públicas gastam em média R$ 6 mil reais por aluno por ano. É aí que a conta investimentos versus desempenho não fecha. Com esse cálculo, se todos os alunos de 11 a 17 anos – cerca de 17 milhões, segundo o MEC – estivessem matriculados em instituições militares, seriam necessários R$ 320 bilhões por ano, o triplo do orçamento do MEC, que em 2018 foi de R$ 108 bilhões. No entanto, há também exemplos de outras escolas públicas que se destacam entre os melhores resultados no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem). Os que chamam mais atenção são as escolas da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (EPCT), compostas pelos Institutos Federais, Cefets e Colégios de Aplicação ligados às universidades federais, que têm desempenho superior com custo mais baixo do que os Colégios Militares, embora bem mais alto do que o investido nas redes públicas estaduais e municipais: cerca de R$ 16 mil ao ano por aluno, segundo o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif). No ranking das dez melhores instituições públicas do país, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) produzidos a partir do resultado do Enem de 2015, sete são federais, entre colégios de aplicação das universidades federais e IFs. Na lista aparece um colégio militar do Exército, o de Belo Horizonte (MG), em 7º lugar (652,79 pontos). Há ainda duas escolas estaduais entre as melhores do país.
O primeiro colocado foi o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa (690,52 pontos), em Minas Gerais, que foi o 19º no ranking geral do país nas provas objetivas – incluindo as escolas particulares, que historicamente alcançavam os melhores índices no exame. Além disso, a escala é muito maior: somente a Rede EPCT, de acordo com o Conif, possui o total de 647 campi que, somados aos chamados polos de inovação, resultam em 656 unidades em todo o Brasil, que atenderam em 2018 mais de 340 mil alunos da educação básica. Mas há diferenças, como a forma de ingresso. Segundo o Conif, as vagas em cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC) e de pós-graduação são preenchidas a partir de sorteio. Já para os cursos técnicos, os candidatos passam por processo seletivo com a aplicação de testes.
Além disso, desde 2012, metade das vagas são reservadas à inclusão social por sistema de cotas, contemplando estudantes 28 de escolas públicas; candidatos de baixa renda; autodeclarados pretos, pardos ou indígenas; e pessoas com deficiência. Em geral, nas escolas municipais e estaduais as matrículas são feitas junto à secretarias de Educação, que levam em consideração a proximidade do endereço do aluno. No cenário internacional, a Rede Federal ganhou destaque também na principal avaliação da educação básica do mundo: o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A pesquisa de 2015, divulgada em 2016, apontou que, se fosse um país, a Rede Federal estaria entre os primeiros colocados nas áreas analisadas – matemática, leitura e ciências –, superando a Alemanha, a Coreia do Sul e os Estados Unidos, referências em educação. Em ciências, a Rede Federal alcançou 517 pontos, bem acima da média de 401 atingida pelo Brasil – que soma as notas obtidas pelos estudantes das redes Federal, Estadual, Particular e colégios militares –, o que a colocaria na 11ª posição no cenário mundial. Já em leitura, a pontuação (528) seria suficiente para atingir a segunda colocação entre os 71 países e territórios analisados, ficando atrás apenas de Singapura. Em matemática, a nota da Rede foi de 488, superior à média geral do Brasil (377).
Assim como os Colégios Militares, a Rede Federal tem professores com títulos de mestre, doutor e pós-doutor (81% dos professores possuem mestrado ou doutorado) – e um plano de carreira que prevê melhorias salariais de acordo com a formação. Isso garante salários mais altos que possibilitam dedicação integral. Quanto à infraestrutura, as escolas da Rede EPCT também possuem salas de aula, laboratórios de informática ou específicos, bibliotecas, salas administrativas e auditório. Boa parte também conta com quadra poliesportiva, piscina, refeitório e espaço de convivência. “O Brasil tem, sim, caminho de solução e ele é através de uma educação de qualidade. Só que educação de qualidade não acontece sem investimentos. Que a gente dê essas mesmas condições que damos hoje para os IFs, para a totalidade da nossa população do Brasil”, argumenta o vice-presidente de Assuntos Acadêmicos do Conif e reitor do Instituto Federal Sul-rio-grandense (IFSul), Flávio Luís Barbosa Nunes. A partir dessas comparações, Maria Margarida ressalta que cabe observar que boa estrutura, boa carreira docente e ambiente escolar disciplinado não devem ser confundidos com militarização, mas sim, com investimentos públicos, administração profissional e comprometida. “Por que não multiplicar o que é feito hoje com qualidade nas escolas públicas que não têm gestão militar, a exemplo da Rede Federal?”, questiona. O projeto-piloto (oficial) Em Brasília, o projeto de gestão compartilhada consistiu em uma parceria entre a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal. A portaria conjunta nº 01, de 31 de janeiro de 2019, instituiu o projeto-piloto, sendo a base legal para a sua implementação. O critério de implantação da mudança foram os piores resultados no Ideb, no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) e no Mapa da Violência do local. Foram escolhidas as comunidades escolares da Estrutural, Sobradinho, Ceilândia e Recanto das Emas, que agora passam a acrescer em seu nome “Escola da Polícia Militar”. O custo estimado para a implementação do projeto-piloto é de R$ 200 mil por escola, ao ano. A verba ficou a cargo da Secretaria de Segurança do DF.
O site da Secretaria de Educação do DF tem um espaço especial para explicar “verdades e mentiras” sobre a gestão compartilhada. Explica, por exemplo, que será obrigatório o uso do uniforme que será distribuído gratuitamente. Fala também que não haverá cobrança de mensalidade, como ocorre nos Colégios Militares. Afirma que, apesar de semelhanças com outras experiências, o DF possui “características próprias” para atender a rede, sem entrar em detalhes. No entanto, adota regras como cabelos curtos para meninos e coques para meninas. Apesar disso, a secretaria afirma que “será mantida a individualidade dos estudantes”. O órgão também garante que a área pedagógica não será influenciada pela gestão militar e se compromete a dar continuidade à EJA (Educação de Jovens e Adultos) e aos estudantes da educação especial. Segundo Mauro Oliveira, assessor especial da Secretaria de Educação do DF, não haverá reserva para filhos de militares, e a partir de 2020 as vagas serão definidas por sorteio. Para Claudio Antunes, diretor do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (SinPRO), esse modelo de escola é excludente e prejudicará alunos com dificuldade intelectual. Ele também chama atenção para os problemas oriundos do sorteio das vagas. 29 Embora pareça democrática, aponta ele, essa forma de ingresso vai de encontro aos próprios objetivos do Plano Distrital de Educação do DF (2015-2024), que prevê a melhoria da qualidade da educação com equidade, em todas as escolas públicas e particulares, garantindo a oferta pública em locais próximos às residências das crianças e adolescentes, e promovendo a efetiva democratização das políticas de gestão na escola e no sistema de ensino. A Secretaria também afirma que nenhum professor foi obrigado a ficar na escola, possibilitando troca de unidade, mas que apenas cinco (no universo de 70) optaram pela transferência.
Segundo Antunes, esse número não representa, nem de longe, uma aprovação dos docentes ao novo modelo. O diretor do SinPRO explica que os professores optam por trabalhar o mais próximo das suas residências para evitar os descontos em folha com o vale transporte. Claudio conta: “O menino [quando se atrasa] tem que pagar dez abdominais, tem que fazer algum tipo de exercício físico antes de ser encaminhado de novo para a sala de aula. Dependendo do horário [que chega] não entra mais na escola”. A Secretaria de Segurança Pública do DF nega. “Todos os alunos destas escolas estarão sujeitos também a um regulamento disciplinar padronizado, que ainda está na fase de produção. Não existem ‘castigos físicos’”. O Sindicato questiona se entre os selecionados figuram profissionais afastados por transtornos psicológicos. Já a Secretaria esclareceu que “os policiais com restrição psicológica não são recrutados para atuar no projeto, somente aqueles com alguma restrição física que os impeçam de atuar no serviço operacional”. A Secretaria também contesta a denúncia de esses profissionais receberem gratificações. Já o sindicato tem outra versão. “Cada policial que vai para lá ganha uma gratificação de R$ 1,7 mil a R$ 2,3 mil, dependendo da patente que tem, criando um problema de abuso econômico da administração pública”, diz Carlos. Para o diretor do Sinpro, a militarização é um canto de sereia. “Eles estão prometendo aos pais uma escola com a mesma infraestrutura do setor privado, mas a única mudança concreta é no trato com os alunos, que são colocados em fila com a mão para trás, posição de sentido”. Apesar das críticas, no DF as mudanças estão ancoradas em uma decisão tomada juntamente com a comunidade. Segundo Mauro Oliveira, no início do ano foram realizadas reuniões com a comunidade nas quatro escolas escolhidas para iniciar o novo modelo. “Todas [escolas] fizeram assembleias, que contemplaram a comunidade escolar, professores, alunos, servidores, pais, militares, onde tivemos a oportunidade de explicar o modelo. A comunidade escolheu, votou e optou por fazer. Isso é fundamental, pois não pode ser um processo impositivo”, diz ele.
Apesar dessas constatações, de acordo com a reportagem que apresenta a Subsecretaria no site do MEC, é o modelo cívico-militar que pretende responder a dois anseios da população: desejo de ensino de qualidade, com escolas estruturadas e disciplina escolar, e garantia de segurança. “São anseios reais e compreensíveis, mas há equívocos que precisamos apontar”, frisa Miriam Alves. “Essa escola provoca uma diferenciação. É pública, com dinheiro público, mas tem regras diferentes e tem autonomia, inclusive, para expulsar um estudante”, aponta. Já de acordo com a nota técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec) sobre o tema, qualquer política pública, em especial para a educação, deve ser clara quanto ao objetivo a ser alcançado. “Mas é indispensável observar se a busca pela qualidade não resultará no aumento das desigualdades educacionais, já tão alarmantes no nosso país, e considerar se a disciplina visada no ambiente escolar deve ser buscada com mentalidade e práticas autoritárias”, diz a nota publicada em 12 de março.
Outra controvérsia diz respeito ao financiamento. Isso porque não está claro quanto será necessário para implantar o modelo no país. Para Alessio Costa Lima, presidente da Undime, o perigo mora justamente aí, pois com a carência de investimentos pode atrair muitas escolas a aderirem o modelo sem conhecer ao certo as consequências. Rumos e riscos Maria Margarida considera que o significado da disciplina está “equivocado” no modelo e apresenta potencial de prejuízo para a formação dos adolescentes e jovens quando valoriza excessivamente a disciplina e a obediência. “Temos que lembrar que a educação exige uma abertura para a criatividade e a novidade, que não pode ficar submetido a um ambiente rígido de disciplina, formaturas, desumanização e plena uniformização militarizada”, explica. Mauro discorda: “Não há possibilidade de haver um processo de educação no ensino sem que haja o mínimo de disciplina e regras”. Ele afirma que isso já acontece em escolas públicas hoje em dia. “Eu costumo dizer que a liberdade da nossa mente passa pela disciplina”, argumenta. Maria Margarida concorda que a disciplina é fundamental no processo de aprendizagem, mas não a militar. “A disciplina não está ausente no pensamento crítico, mas é uma disciplina da capacidade de concentração que precisa ser trabalhada”, argumenta. Em nota pública, o Cenpec reforça esse ponto de vista: “Qualidade, quando oferecida para poucos, é somente privilégio. Disciplina imposta sem diálogo é mera obediência”.
Outro argumento em defesa da militarização na educação básica é que a presença dos militares poderá reduzir os índices de violência dentro e fora da escola. Por isso, ao escolher as unidades-piloto de Brasília, esse fator foi considerado. No entanto, Maria Margarida afirma que essa é uma experiência falida, porque não é possível “isolar a escola” da sociedade. “A escola é um reflexo do que vivemos em sociedade. Ela não é uma ilha”, contesta.
Intervenção militar chega às escolas sem qualquer tipo de projeto
Jornalista: Luis Ricardo
A intervenção militar imposta pelo Governo do Distrito Federal à educação pública do DF não tem sequer um projeto para descrever o que será feito nas escolas selecionadas pelo GDF para receber este formato de organização da escola pública. Os documentos oficiais do Estado que tratam do assunto são a Portaria Conjunta nº 1, das secretarias de Educação e de Segurança Pública, e o Decreto nº 39.765/2019, do próprio governador.
Os dois documentos não são Projeto Gestão Compartilhada. No caso do decreto, institui uma comissão que criará o projeto. O próprio governador é quem preside a comissão, que é composta por oito pessoas, onde apenas duas são da SEE e uma delas, o secretário Rafael Parente, nem pertence ao quadro de professores do DF. No Artigo 3º, que aponta para a possibilidade de solicitar outros servidores da Secretaria de Segurança, o documento sequer cita a Educação, onde tem as pessoas mais gabaritadas.
Qual o problema operacional?
Atualmente, quatro escolas do DF estão funcionando com intervenção militar sem um projeto específico para este tipo de funcionamento e o governo já anunciou outras seis escolas que também serão militarizadas a partir de agosto.
É a primeira vez no DF que uma mudança na organização da educação pública é feito sem projeto. Neste ponto o atual governo superou a truculência do ex-governador Joaquim Roriz.
Durante a semana de retorno do recesso as seis escolas militarizadas receberam a visita da assessoria do secretário de Educação Rafael Parente. Questionado pelos(as) professores(as) das escolas sobre o detalhamento deste projeto e todas as mudanças que as escolas que receberiam a intervenção militar teriam, a Secretaria de Educação se limitou a pedir desculpas porque o projeto ainda não estava pronto, tendo em vista que os 90 dias fixados pelo Decreto nº 1 não haviam sido suficientes para a finalização de um projeto para ser apresentado à comunidade, de forma que ainda necessitariam de mais tempo para a conclusão do documento. No entanto, a mesma equipe do secretário informava que a comunidade escolar teria que ser consultada e a escola, uma vez a comunidade escolar aceitando a intervenção, funcionaria sem qualquer projeto. Foi aí que teve início um grande embate entre o sindicato e o governo. Uma escola funcionará sem projeto?
Durante as visitas feitas pela SEE ao longo da semana para convencer os professores a embarcarem nesta aventura, a secretaria se limitou a responder questões vagas, como por exemplo o fardamento utilizado pelos(as) estudantes, o uso de adornos (brincos e piercings), a cor do esmalte, o corte de cabelo dos(as) estudantes, dentre outros pontos.
Entenda ponto a ponto o que o GDF está propondo para as escolas que receberão a intervenção militar:
Funcionamento das escolas
Além das quatro escolas que já receberam a intervenção militar a partir do início do ano letivo, outras seis escolas devem começar a funcionar em parceria com a Polícia Militar e com o Corpo de Bombeiros do DF já a partir de agosto, sem projeto específico desta “parceria”.
Cabelo dos estudantes
A equipe do secretário de Educação pediu desculpas, mas que neste ponto não houve avanço no grupo criado para fazer o projeto da intervenção militar (Decreto nº 1) e a PM exige que os estudantes tenham o cabelo cortado curto, sendo proibidos cabelos rastafári, Black Power ou longo. As meninas poderão usar o cabelo solto se o cumprimento for até o início dos ombros. Cabelos longos deverão ser cortados ou amarrados em forma de coque, e cabelos coloridos estão proibidos.
Uso de adornos nas escolas militarizadas
É proibido o uso de piercing e de brincos grandes para as meninas, e qualquer tipo de brinco para os meninos. Até mesmo o uso de esmalte para unhas terão as cores limitadas.
Disciplina militar e seus “supostos benefícios”
Segundo a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara Legislativa do Distrito Federal, não existe, no Brasil, um estudo científico que comprove que esta disciplina militar melhore o rendimento escolar. Porém, o relatório sinaliza que nos Estados Unidos um estudo sobre as escolas que adotaram a política de Tolerância Zero detectou que não houve melhora do aspecto disciplina. Portanto, nos EUA a conclusão foi de que este tipo de intervenção policial nas escolas só serviu para oprimir as minorias norte-americanas, em especial os negros.
Rendimento escolar
O mesmo relatório da CLDF, produzido em 2019, aponta que o rendimento escolar em escolas militarizadas no Brasil ocorre em função da exclusão que a escola promove, expulsando estudantes que não se submetam à disciplina militar. O documento sinaliza que a suposta melhora no rendimento ocorre na exclusão, onde estudantes que não se adequam são expulsos, os estudantes que tem baixo rendimento escolar e são reprovados são transferidos de escolas ou são alvo de constrangimentos que o forçam a pedir transferência.
Duplicidade de funções e remunerações
A Polícia Militar, que já é paga para prestar serviços de segurança para a cidade, nesta intervenção está sendo bonificada com o pagamento de uma gratificação de Símbolo DF 12 (R$ 1.793,39), 13 (R$ 2.043,30) ou 14 (R$ 2.350,17), o que na avaliação do Sinpro torna este pagamento uma duplicidade na função do policial, uma vez que eles já possuem uma remuneração para exercer a atividade de segurança pública.
O fato é mais gritante no caso dos policiais que atuarão na direção da escola, recebendo os DF’s 13 e 14, conforme organograma no anexo da Portaria Conjunta nº 1. Neste caso, temos dois diretores na escola e dois vice-diretores: um diretor e vice da SEE e um diretor e vice da Polícia Militar.
Até o presente momento o Tribunal de Contas do Distrito Federal e Territórios (TCDFT) não se manifestou sobre o pagamento de salário e gratificações de direção em duplicidade para a mesma unidade escolar.
Ainda na questão da remuneração, a mediação de conflitos no ambiente escolar é uma tarefa da direção escolar e do pedagogo-orientador educacional. Neste ponto, o governo do DF optou por instalar na escola 20 monitores, que são policiais militares com DF 12, a contratar para cada unidade escolar 20 professores ou 20 orientadores.
Número de policiais nas unidades escolares
A proposta do governo para intervenção militar é que cada escola tenha de 20 a 25 policiais militares ou bombeiros militares. Segundo a assessoria da SEE, que visitou as escolas ao longo da semana, a maioria destes oficiais seriam aqueles que estão readaptados e/ou afastados do serviço de rua por questões de saúde. No entanto a SEE não soube precisar se dentre os policiais alocados no projeto estariam policiais afastados do serviço de rua por motivos de stress, depressão, transtornos de diversos tipos ou problemas relacionados a vícios.
O suposto projeto chega em agosto a 10 escolas realocando dos quadros da PM cerca de 220 policiais militares, aumentando o déficit de policiais que a capital federal já tem.
Ao longo da semana a SEE informou que continuará o processo de militarização até alcançar o mínimo de 40 escolas, ou seja, o GDF utilizará cerca de 900 policiais militares no suposto projeto. No entanto o próprio governador já deu entrevistas aos jornais da cidade afirmando que pretende militarizar 200 escolas até o final do mandato. Neste sentido, ele teria que alocar em torno de 5 mil policiais para atender 200 escolas.
A despesa financeira com o pagamento dos DF’s de 12 a 14 nas unidades escolares gira em torno de R$ 40 mil por mês e cerca de R$ 533 mil por ano só com o pagamento do efetivo policial encaminhado para uma única escola. Este valor nunca foi disponibilizado para uma única escola utilizar em seus projetos pedagógicos e nem serão por meio da intervenção militar, já que este valor pago via gratificações de DF 12 a 14 serão consumidos para pagar em duplicidade o salário do policial militar.
Ao término da implementação de 200 escolas, o GDF estará destinando mais de R$ 106 milhões no salário de 5 mil policiais, por ano.
Ao contrário do que foi divulgado que a segurança pública passaria a injetar recursos nas escolas, o dinheiro está sendo injetado na remuneração dos policiais, que como já dissemos, já ganham mais que os(as) professores(as), que estão com os salários congelados desde março de 2015.
Matrícula e renovação de matrícula nas escolas militarizadas
Na chegada da intervenção militar na unidade escolar, todos os estudantes matriculados permanecem com vaga nesta unidade. Porém, até o momento a SEE não confirmou se estudantes que reprovarem terão garantido a renovação da matrícula para o ano seguinte. No Brasil as escolas já militarizadas não renovam matrículas de estudantes que reprovam. Esta é uma exigência da Polícia Militar nos estados que já tem escolas militarizadas e uma forma de camuflar paulatinamente o rendimento das escolas com intervenção, visto que elas excluem os estudantes que têm menor rendimento, ficando apenas com aqueles que obtêm rendimento satisfatório.
No Estado de Goiás, a média para aprovação tem sido aumentada ao longo dos últimos cinco anos justamente para que a escola pudesse, a médio prazo, “selecionar” somente aqueles que têm notas altas.
A partir do segundo ano de início da intervenção militar as vagas passam a ser disponibilizadas por meio de sorteios nas demais unidades da federação. A SEE não confirmou se no DF as vagas destas escolas serão disponibilizadas pelo tele matrícula 156 ou se a SEE adotará o mesmo critério de outros estados, ou seja, sorteio das vagas ou processo seletivo.
O processo seletivo é outra forma de pinçar estudantes com rendimento mais alto para serem estudantes de “sucesso” nesta unidade escolar. Os estudantes que moram próximo à unidade escolar e que historicamente sempre tiveram direito a estudarem naquela escola pelo sistema do tele matrícula, com a intervenção correm o risco de terem que estudar longe de casa porque não foram selecionados ou porque foram reprovados nestas escolas. Isto já ocorre na maioria dos estados que adotaram este projeto. Inclusive o Ministério Público de Goiás proibiu a reserva de vagas para filhos de policiais militares, fato que ocorreu nos primeiros anos de implementação da intervenção.
Aqui no DF esta reserva ainda não chegou a ser cogitada, mas em Goiás houve a necessidade de fazer alterações.
Fardamento
Os estudantes nestas escolas receberão do GDF uma farda, que após vários debates nas cidades e publicações na imprensa local o governo recuou na questão da taxa que seria cobrada pelo fardamento. Nos demais estados a família tem que pagar por este fardamento, fato que acaba sendo um fator de exclusão social, pois as famílias mais carentes têm dificuldade em gastar em torno de R$ 700.
Neste ponto não há segurança de que no futuro, com outro governador, as famílias teriam que desembolsar este valor. Em Valparaiso, a escola militarizada informou ao Sinpro que o custo do uniforme gira em torno de R$ 700, tendo em vista que o estudante adquire uniformes para aulas regulares e de educação física, e este custo é pago pela família.
Aulas da Polícia
No contraturno, os estudantes têm “aulas cívicas” com a Polícia Militar. Estas aulas não têm qualquer tipo de planejamento e os temas são tratados por cada policial do momento.
Em junho, o Correio Braziliense divulgou um vídeo em que um policial estimula os estudantes a cantarem músicas evangélicas. Além disso, há relatos de que nestas “supostas aulas” policiais fazem uso de linguagem machista, sexista e misógina.
Prática do xerife
Os policiais nomeiam entre os estudantes um “xerife”, que tem a função, por tempo determinado, de “dedurar” eventuais infrações dos colegas. Isso resultou na briga do CED 7 de Ceilândia durante o intervalo, quando o policial usou de força desproporcional aplicando um mata-leão em um estudante que nada tinha a ver com a briga.
Beijos no cantinho da boca
O assédio também é um risco que estudantes passam a ter. Em reportagem do Correio Braziliense do dia 4 de junho, no CED 3 de Sobradinho, outra escola sob intervenção militar, um policial militar de 54 anos passava mensagem para as estudantes. Segundo a reportagem, nestas mensagens o policial assediava as estudantes dizendo “beijo no cantinho da boca” e outras levavam “tapas na bunda”. O acesso ao telefone, segundo a reportagem, ocorreu por meio do arquivo da escola.
Sinpro debate proposta de militarização com comunidade escolar do Gisno
Jornalista: Leticia
Mais seis escolas públicas do Distrito Federal estão na mira do projeto de militarização proposto pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) e a expectativa segundo o GDF é de que a presença da Polícia Militar na educação do DF seja expandida cada vez mais.
Diante da necessidade do amplo debate sobre o tema, o Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) está realizando uma verdadeira peregrinação nas unidades cotadas para aderirem a proposta para alertar sobre os riscos que a iniciativa representa. Nesta segunda-feira (29), foi a vez da comunidade escolar do Centro Educacional (CED) Gisno, na Asa Norte.
Durante o encontro que contou com participação de professores(as), orientadores(as), gestores(as) e estudantes representantes de turma, grande parte dos segmentos demonstraram preocupação em relação à militarização. Segundo relatos, a notícia foi anunciada sem o mínimo de antecedência.
A estudante L.M., 1° ano, afirma que tomou ciência da mudança pelas redes sociais, durante o período de férias. Para ela, a militarização repentina pareceu uma ideia premeditada. “Fiquei assustada e revoltada com a forma que nos informaram que a nossa escola seria militarizada. Não respeitaram nossa opinião. As notícias sobre as escolas que já estão neste modelo não são boas. Ouvi sobre casos de agressão e assédio e tenho medo que o mesmo aconteça aqui”, explica.
A estudante que exibe cachos e possui um estilo próprio com roupas e acessórios personalizados, acredita que a militarização é opressora e tira a identidade de cada indivíduo. “Eu adoro a diversidade do Gisno e obrigar os alunos que são diferentes a entrarem em um padrão é muito ruim. Nós sabemos a nossa realidade e, para mim, isso não interfere em nada no nosso aprendizado. Temos um espaço muito grande e o ideal era investir em projetos criativos como de teatro, música, diversidade e inclusão”, afirma.
Alguns professores também se posicionaram. A professora Joelma Nascimento leciona acerca de quatro anos no Gisno. Paralelo à essência totalmente excludente do projeto de Ibaneis, Joelma relembra que apesar dos desafios impostos, o Gisno tem colhido bons frutos. “Eu não acredito que a militarização vai resolver os problemas da escola. Nós temos dificuldades em vários setores e a saída para resolve-los está no investimento em recursos humanos e materiais. Como essas crianças serão no futuro se elas não puderem brincar, pensar nem ao menos questionar? Nós recebemos uma diversidade muito grande de alunos que já são excluídos de outras escolas, da sociedade, da família, até mesmo menores que cumprem medidas socioeducativas. Entretanto, nenhum professor ou professora olhará para esse estudante com preconceito, mas sim, com olhar humano e acolhedor. O papel da escola pública é incluir a todos sem distinção”, ressalta.
Já a professora Sheila Abreu criticou o fato de o projeto ter sido anunciado arbitrariamente, sem diálogo e durante o período de recesso. Para ela, o modelo de escola militarizada tem vários erros. Um deles, é que, equivocadamente, a comunidade leiga costuma confundir escola militarizada com escola militar. A professora esclarece que o público da escola militar é muito diferente, o investimento por aluno é maior e as famílias desses estudantes são bem mais estruturadas e presentes na vida dos discentes. “Muitos pais se iludem achando que a escola militarizada será igual a escola militar e que resolverá todos os problemas, mas isso não é verdade. A militarização nada mais é que uma maneira de maquiar os reais problemas da educação e podar os alunos em um modelo estático e padronizado que proíbe o pensamento crítico. A escola pública está aqui de portas abertas para todos e nós estamos aqui para tentar solucionar todos desafios juntos”, afirma.
Para que os colégios, de fato, sofram as alterações, é necessário que haja a aprovação das comunidades escolares. Caso a comunidade não aceite a intervenção, a SEEDF escolherá unidades substitutas.
O primeiro indício da militarização do ensino público no DF surgiu no começo do ano letivo de 2019, sob a desculpa de combate à violência. Na ocasião, quatro escolas aderiram ao modelo. Os centros de ensino “militarizados” contam com o apoio de 20 a 25 policiais militares da reserva, que cuidam das decisões disciplinares e administrativas e ministram disciplinas ligadas à “cultura cívico-militar”, como ética e cidadania, ordem unida e outras.
Porém, professores(as) que já estão inseridos no modelo afirmam que não houve nenhum avanço desde a instauração do projeto. Pelo contrário, existem inúmeras denúncias de que há a repressão de pensamento e má distribuição de recursos.
Durante a reunião, os(as) diretores(as) do Sinpro explicaram que a militarização dialoga com o projeto do Governo Federal de iniciativa do presidente Bolsonaro e que ao invés de formar cidadãos críticos e conscientes, cria robôs que não questionam, apenas seguem ordens. O Sinpro discorda radicalmente de que a melhora do ensino público passe pela militarização. Para nós, o que se faz necessário é o amplo investimento na categoria e em uma educação pública, laica, socialmente referenciada e de qualidade para todos. Além dos investimentos em segurança pública de modo geral.
O Sinpro seguirá acompanhando de perto a construção desse diálogo e, democraticamente, decidir em conjunto a melhor alternativa para o ensino público do DF. Ainda hoje, diretores(as) do Sinpro visitarão a o CED 1 do Paranoá e, amanhã, terça (30) a visita é ao CEF 1 do Núcleo Bandeirante.
Sinpro dialoga com representantes de novas escolas na lista da militarização
Jornalista: Leticia
Na tarde dessa terça-feira (23), a diretoria colegiada do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF) se reuniu com docentes das novas escolas cotadas para aderirem ao projeto de militarização proposto pelo governador Ibaneis Rocha (MDB).
Além dos representantes das escolas ameaçadas, compareceram ao encontro professores e estudantes da Universidade de Brasília (UnB) e também representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF).
O primeiro indício da militarização do ensino público no DF surgiu no começo do ano letivo de 2019, sob a desculpa de combate à violência. Na ocasião, quatro escolas aderiram ao modelo. Agora, seguindo a promessa de expansão feita do início do mandato, Ibaneis anunciou que mais seis escolas estão na mira: Centro de Ensino Gisno, no Plano Piloto, Centro Educacional (CED) Condomínio Estância III, em Planaltina, CED 01 Itapoã (antigo CEF 05) no Paranoá, os Centros de Ensino Fundamental (CEF) 19, em Taguatinga, CEF 407, em Samambaia e CEF 01 no Núcleo Bandeirante.
Durante o encontro, os representantes dessas unidades realizaram um amplo debate e demonstraram preocupação com relação à falta de diálogo por parte do governo. Assim como aconteceu no começo do ano, mais uma vez, a medida foi noticiada pela imprensa, em período de férias e sem consultar com antecedência a opinião de professores, orientadores e demais integrantes das comunidades escolares.
Para complementar a conversa, professores que já estão no modelo militarizado teceram suas críticas e anseios em relação à iniciativa. Para eles, não houve nenhum avanço desde a instauração do projeto. Pelo contrário, existem inúmeras denúncias de que há a repressão de pensamento e, inclusive, má distribuição de recursos.
No início da implementação, por exemplo, um grafite do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, símbolo da luta contra a segregação racial e pela paz foi apagado do muro do Centro de Ensino 1 (CED), da Estrutural. Após a polêmica e inúmeros protestos, a pintura foi refeita. Em outra ocasião, um policial militar de 54 anos, que atuava no Centro Educacional 3, de Sobradinho, foi acusado de assediar alunas e acabou afastado pela Secretaria de Educação.
A professora da UnB Catarina Almeida Santos participou do debate e destacou que é impossível dissociar o administrativo de uma escola do seu pedagógico, uma vez que um vive em função do outro. Para ela, a militarização gera uma escola apagada, sem a liberdade e criatividade necessária para o desenvolvimento pedagógico.
Na semana passada, após reunião com do Fórum Distrital de Educação (FDE) com secretário de Educação, Rafael Parente, foi assegurado que as unidades escolares poderão fazer audiências para discutir com a comunidade escolar e terão duas semanas para decidirem se aceitam ou não o projeto. Caso a comunidade não aceite a intervenção, a Secretaria de Estado de Educação (SEEDF) escolherá unidades substitutas.
O Fórum conta representantes do Sinpro e representa uma conquista para o sindicato, pois por meio dele, a categoria tem mais peso nos embates encabeçados. Exemplo disso, por meio do Fórum, ao invés do voto universal, a decisão sobre a escolha do modelo será definida por votação paritária, ou seja, pleito em que cada segmento tem 25% de peso no voto estipulado pela lei de Gestão Democrática (n° 4.751/12), o que torna essa verificação mais precisa.
Desde já, o Sinpro coloca-se à disposição das escolas para contribuir na construção desse diálogo e, democraticamente, decidir em conjunto a melhor alternativa para o ensino público do DF.
O Sinpro discorda radicalmente de que a melhora do ensino público passe pela militarização. Para nós, o que se faz necessário é o amplo investimento na categoria e em uma educação pública, laica, socialmente referenciada e de qualidade para todos. Além dos investimentos em segurança pública de modo geral, uma vez que a violência não está na escola e sim na sociedade na qual está inserida.
Campanha Abraço Negro aborda a militarização na educação e seus efeitos
Jornalista: Luis Ricardo
O Sinpro, por meio da Secretaria de Assuntos de Raça e Sexualidade, realiza no dia 25 de abril o lançamento da campanha Abraço Negro. A atividade é apenas um entre os diversos projetos coordenados pela secretaria e acontecerá no Auditório Paulo Freire (SIG Quadra 06 – Lote 2260). No lançamento receberemos a professora Catarina de Almeida Santos, da Universidade de Brasília (UnB), que abordará o tema: A militarização na educação e seus efeitos à política de combate ao racismo.
De acordo com a diretora do Sinpro Elbia Pires, o projeto é desenvolvido pelo sindicato há dez anos e tem como objetivo combater o racismo nas escolas e, desde cedo, inserir os estudantes na temática. “O projeto é importante porque amplia, na nossa categoria, o debate de combate ao racismo. Neste momento de conjuntura política adversa às politicas públicas que favorecem as minorias, é necessário que façamos junto às nossas comunidades escolares, a conscientização dos nossos alunos e a reafirmemos a importância do combate ao racismo e a todos os tipos de preconceito e discriminações”, afirma a diretora.
PROGRAMAÇÃO:
CAMPANHA ABRAÇO NEGRO
Dia: 25/04/2019 (quinta-feira).
Local: Auditório Paulo Freire, na sede do Sinpro-DF (SIG Q.6)
Mesa de Abertura
SINPRO – Diretoras da Secretaria de Raça e Sexualidade.
CNTE – Secretaria de Combate ao Racismo.
CUT-DF – Secretaria de Combate ao Racismo.
Documentário “Vídeo dos 40 anos do SINPRO”
Mesa de debate: “A militarização na educação e seus efeitos à
política de combate ao racismo”.
Debatedora: Catarina de Almeida Santos – Professora Adjunta da Universidade
de Brasília, Doutora em Educação pela USP, Coordenadora do Comitê-DF da
Campanha Nacional Pelo Direito a Educação e Vice-coordenadora da pesquisa
“Políticas de Expansão da Educação a Distância (EaD) no Brasil: Regulação,
Qualidade e Inovação em Questão”, na região CO e coordenadora na Universidade
de Brasília.
Apresentação da Campanha Abraço Negro 2019
Encerramento
O binômio vigiar e punir, por sua mediocridade, não é capaz de lidar com o complexo fenômeno da violência escolar. Somente o protagonismo dos sujeitos e a cidadania participativa são capazes de reconstruir o tecido social, transformando espaços sociais fragmentados em oportunidades de coesão social, cooperação e solidariedade. A violência se enfrenta com a construção democrática da paz. Afinal, como já nos ensinou o genial Marcelo Yuka, “paz sem voz, não é paz, é medo”.
Há aproximadamente seis anos, o Programa Justiça Comunitária do TJDFT, por meio do projeto “Vozes da Paz”, vem atuando em algumas escolas da Ceilândia para colaborar com o processo de pacificação no contexto escolar. A premissa adotada é a de que, como a escola reproduz as relações de poder da sociedade, a violência não deve ser associada a nenhum segmento específico e a construção da paz está visceralmente ligada ao exercício da democracia e à expressão de todas as vozes que integram o universo escolar.
O projeto estimula a adoção de dinâmicas de diálogo que envolvem todos os membros da comunidade escolar, em uma estrutura horizontal, circular e de reciprocidade. Para que esses círculos funcionem, é preciso que todos tenham voz e que não haja predominância de interesses de nenhum grupo específico. É um espaço livre de qualquer coerção e julgamento. Os resultados são inspiradores: cooperação proporcionada pela mudança na relação entre alunos e equipes docentes, administrativas e terceirizadas; abertura de canais criativos de comunicação entre alunos que não interagiam porque não pertenciam à mesma “tribo”; participação direta no orçamento escolar; uso compartilhado e ecológico do patrimônio escolar; adoção no ambiente familiar dos mecanismos pacificadores vivenciados na escola; participação na elaboração dos valores e princípios que devem pautar as regras de convívio social.
Quando se adota mecanismos de resolução de conflitos pautados no diálogo democrático, permitindo que todas as necessidades e identidades sejam reconhecidas e respeitadas, a disciplina – essencial em qualquer processo educativo – não resulta do medo, mas da corresponsabilidade de cada um pela construção de um espaço seguro de autonomia, dignidade e respeito. E é natural que, nesse processo, os índices de violência diminuam porque as vozes, antes caladas, não precisam mais gritar para serem ouvidas.
O desenvolvimento da consciência moral, como nos ensina Piaget, é fruto das relações de cooperação. A educação para a liberdade, igualdade e fraternidade implica exercício de autonomia e corresponsabilidade. O significado que se confere aos conteúdos aprendidos deve estar alinhado à vivência democrática e cidadã no espaço escolar.
O projeto denominado “Programa de Gestão Compartilhada”, um eufemismo para a militarização das escolas, representa um movimento diametralmente oposto à pacificação nas escolas por meio do desenvolvimento da autonomia, essencial para o exercício da ética democrática.
A votação em uma das unidades a serem atendidas pelo programa, pela qual 58,76% manifestaram apoio ao projeto – em sua grande maioria, pais e mães dos alunos –, não resultou de um processo reflexivo envolvendo audiências públicas, nas quais os profissionais da educação pudessem expor suas preocupações com base em estudos científicos. A escolha parece refletir muito mais a dificuldade das famílias diante dos desafios que implicam a formação e educação de seus filhos nos tempos atuais.
Quando o comportamento ético depende de um sistema pautado na vigilância e na punição, a consciência moral não se desenvolve. A cidadania – cuja dimensão mais valiosa está na alteridade entre os seres humanos – não se constrói pela obediência cega às normas, pelo cumprimento às liturgias marciais e pela punição como mecanismo de controle comportamental.
A cidadania resulta de uma formação crítica – e, como tal, reflexiva, questionadora, inquieta – e deve permear todo o processo educacional. Não faz o menor sentido limitá-la ao espaço das aulas de “moral e cívica”, cujo método, em geral, reproduz a abordagem adestradora “Super Nanny” que estabelece um “cantinho do pensamento”, associando o pensar a uma punição a ser cumprida em um espaço limitado e pasteurizado.
Para além do aspecto comportamental, o projeto também pretende unificar as identidades, por meio da uniformização dos cortes de cabelos: meninos de cabelo curto e meninas de coque. Aqui, é preciso questionar: qual será a punição prevista para um jovem que anseia expressar a sua identidade – tão singularmente construída – rejeitando a estética oficial? Como desenvolver autonomia, pluralidade e liberdade, quando o espaço das escolhas subjetivas cede lugar à imposição monolítica da ordem?
Artigo de Gláucia Foley Juíza de direito, coordenadora do Programa Justiça Comunitária e membra da Associação dos Juízes para a Democracia. Fonte: Correio Braziliense