Jornada dupla: mulheres trabalham 10 horas a mais do que homens

A situação das mulheres em relação aos trabalhos domésticos não tem avançado. Segundo o IBGE, elas trabalham dez horas a mais que os homens, com jornada dupla e pouca ajuda em casa.
A divisão do tempo entre o trabalho assalariado e o doméstico é a rotina de quase 93% das mulheres e de 78% dos homens que trabalham fora de casa. A diferença é que as mulheres trabalham 21 horas por semana em casa, e os homens apenas 11 horas.
Depois de oito horas de trabalho numa empresa, Elisete chega em casa e começa uma nova jornada: os afazeres domésticos e o cuidado com a família. “A minha vida é assim. Chego do trabalho e vou fazer o serviço de casa também para não acumular muito”, conta em entrevista ao repórter Jô Myiagui, da TVT.
Varrer, cozinhar, lavar a roupa e louça. Essas atividades de cuidados com o lar não aparecem nas estatísticas econômicas, mas o trabalho é o mesmo de faxineiras, empregadas domésticas, cuidadora de idosos e babás.
“Mulheres acabam saindo do trabalho porque não têm com quem deixar o seu filho e vão trabalhar dentro de casa, cuidando da criança. Isso não é remunerado ou valorizado pela sociedade”, afirma Márcia Viana, da Secretaria de Mulheres da CUT São Paulo.
Quando o governo Temer apresentou a reforma da Previdência tinha como objetivo igualar a idade de aposentadoria para homens e mulheres, sem levar em conta a dupla jornada. “Ele achava privilégio a mulher viver por mais anos, quando na verdade ele não considerava em nada essa segunda jornada de trabalho, como se tudo fosse feito sozinho ou magicamente”, diz Rachel Moreno, psicóloga do Observatório da Mulher.
Políticas públicas como construção de creches, escolas de tempo integral e até restaurantes populares podem ajudar na redução desse trabalho extra. “No Brasil, o que nós temos é uma restrição das despesas do Estado, tirando inclusive a verba e reduzindo a quantidade de creches”, acrescenta Rachel.

Fonte: CUT Nacional

Livro mostra a perversidade da reforma trabalhista

O livro Dimensões críticas da reforma trabalhista, organizado por José Dari Krein, Denis Gimenez e Anselmo dos Santos no âmbito de um convênio entre o Ministério Público do Trabalho e o Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp, é, possivelmente, o mais completo trabalho sobre a reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional em 2017.

Mais de 20 pesquisadores foram mobilizados para tratar de várias dimensões da reforma trabalhista; a experiência internacional, os impactos sobre a flexibilização das relações de trabalho, sobre os sindicatos, sobre a desigualdade e a vulnerabilidade dos trabalhadores, sobre o financiamento da Previdência Social, dentre outros temas.
Acesse o livro completo AQUI.
Confira um trecho da introdução assinado pelos organizadores:
Trata-se de uma contribuição aos pesquisadores da área do trabalho, com o objetivo de fornecer subsídios capazes de orientar outros estudos e o acompanhamento dos desdobramentos da reforma. Procura também oferecer uma série de indicadores e reflexões que podem colaborar com ações de instituições públicas nas temáticas abrangidas pela reforma, considerando a situação do trabalho e dos trabalhadores no Brasil, no contexto da atual crise econômica (2014-2017).
A reforma trabalhista significa uma mudança substantiva no padrão de regulação do trabalho no Brasil, pois altera mais do que as relações de emprego, tendendo a produzir efeitos deletérios sobre a economia, o mercado de trabalho, a proteção social e a forma de organização da sociedade brasileira.
De forma bastante sintética, a reforma modifica os elementos centrais da relação de emprego, uma vez que: (1) amplia as possibilidades de utilização de modalidades de contratação a termo e introduz a figura do contrato intermitente, do trabalhador autônomo permanente e do home office; 2) viabiliza inúmeras formas de flexibilização da utilização do tempo de vida do trabalhador em favor da empresa; 3) permite o avanço da remuneração variável e o pagamento como não salário.
Em outras palavras, ela constitui um sistema que amplia o poder e a liberdade do capital para determinar as condições de contratação, uso e remuneração do trabalho. Sua contraface é deixar o trabalhador em uma condição de maior insegurança, vulnerabilidade e risco, com consequências negativas sobre a vida pessoal, familiar e social.
A viabilização desse novo padrão requer fragilizar, não somente os direitos inscritos no arcabouço legal institucional, bem como esvaziar as instituições públicas responsáveis em assegurar a efetivação dos direitos. Na mesma perspectiva, enfraquece os sindicatos e descentraliza as negociações coletivas. Portanto, é uma reforma que altera substantivamente as condições sob as quais se estrutura o mundo do trabalho em nosso país.
O livro aborda o debate sobre os impactos da reforma trabalhista no mercado e nas relações de trabalho, nas negociações coletivas, na organização sindical, na proteção social, na atuação das instituições públicas do trabalho (Justiça do Trabalho e sistema federal de inspeção), nas contribuições sociais vinculadas à folha de pagamento e no desenvolvimento do país.
Além disso, a partir de experiências internacionais, o estudo investiga como as reformas flexibilizadoras levadas a efeito em outros países estão contribuindo para reconfigurar o mundo e as relações de trabalho, a proteção social e o papel das instituições públicas do trabalho. Ao fazer um primeiro e geral diagnóstico sobre a situação do trabalho antes da implantação da reforma, os artigos trazem elementos que permitem construir metodologias para acompanhar os desdobramentos de muitas de suas dimensões, fornecendo a base para estudos futuros.
(da Carta Capital)

CNBB lança mensagem aos trabalhadores e trabalhadoras pelo 1º de maio


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lançou nesta segunda-feira, 30 de abril, a “Mensagem aos Trabalhadores e Trabalhadoras” por ocasião da celebração do Dia do Trabalhador neste 1º de maio. No documento, a entidade saúda os(as) trabalhadores do Brasil e, baseada na Doutrina Social e no Magistério da Igreja, lembra que o “trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do ser humano sobre a terra’.
A mensagem, conclama os católicos e todas as pessoas de boa vontade a vencerem a tentação da indiferença e da omissão e a colocar-se decididamente ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras, assumindo a defesa de seus direitos e de suas justas reivindicações. Leia a íntegra do documento abaixo:

MENSAGEM DA CNBB AOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS
1º DE MAIO DE 2018

“O clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso” (Tg 5,4)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil -CNBB, fiel à sua missão profética, iluminada pela Palavra de Deus e pela Doutrina Social da Igreja, saúda os trabalhadores e trabalhadoras do Brasil que celebram o seu dia neste 1º de Maio. “Convencida de que o trabalho constitui uma dimensão fundamental da existência do ser humano sobre a terra” (Laborem Exercens, 4), a Igreja coloca-se ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras em sua luta por justiça e dignidade, sobretudo, neste momento de prolongada crise vivida pelo Brasil.
O trabalho não é mercadoria, mas um modo de expressão direta da pessoa humana (cf. Mater et Magistra, 18) que, por meio dele, “deve procurar o pão quotidiano e contribuir para o progresso contínuo das ciências e da técnica, e sobretudo para a incessante elevação cultural e moral da sociedade, na qual vive em comunidade com os próprios irmãos” (Laborem Exercens, Intr.).
Além disso, recorda-nos o Papa Francisco, o trabalho humano é participação na criação que continua todos os dias, inclusive, graças às mãos, à mente e ao coração dos trabalhadores: “Na terra, há poucas alegrias maiores do que as que sentimos ao trabalhar, assim como há poucas dores maiores do que as do trabalho, quando ele explora, esmaga, humilha e mata” (Gênova, 2017). Com tão grande dignidade, o trabalho humano não pode ser governado por uma economia voltada exclusivamente para o lucro, sacrificando a vida e os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.
Ao Estado compete cuidar para que as relações de trabalho se deem na justiça e na equidade (cf. Mater et Magistra, 21). A solução para a crise, que abate o País, não pode provocar a perda de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Nos projetos políticos e reformas, o bem comum, especialmente dos mais pobres, e a soberania nacional devem estar acima dos interesses particulares, políticos ou econômicos.
Conforme temos insistido em nossos pronunciamentos, solidários com os movimentos sociais, especialmente com as organizações de trabalhadores e trabalhadoras que sofrem com as injustiças, com o desemprego e com as precárias condições de trabalho, reafirmamos seu papel indispensável para o avanço da democracia, apoiamos suas justas reivindicações e os incentivamos a contribuir, em clima de diálogo amplo e manifestações pacíficas, para a edificação da justiça, da fraternidade e da paz no mundo do trabalho, sendo “sal da terra e luz do mundo”, segundo a Palavra de Jesus.
Neste 1º de maio, mais uma vez, conclamamos os católicos e todas as pessoas de boa vontade a vencerem a tentação da indiferença e da omissão, colocando-se decididamente ao lado dos trabalhadores e trabalhadoras, assumindo a defesa de seus direitos e de suas justas reivindicações.
O Senhor nosso Deus, que “ama a justiça e o direito” (Sl 32,5), nos conceda a graça de construirmos juntos um país verdadeiramente justo e democrático.
São José Operário, cuja memória hoje celebramos, nos acompanhe com seu exemplo e intercessão.
Brasília-DF, 30 de abril de 2018

Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB

Dom Murilo S. Ramos Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB

Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB

A insegurança jurídica da reforma trabalhista

reforma trabalhista de 2017 foi aprovada sob discursos e promessas de geração de empregos, modernização da legislação do trabalho, retomada da economia e mais negociação entre empregados e empregadores.
Os que assim pensavam não contavam (ou contavam?) com a insegurança jurídica daí decorrente. A segurança jurídica nas relações contratuais é muito importante para as empresas e para os trabalhadores.
Em meio a tumultos legislativos, o mercado fica apreensivo, inseguro de assumir os compromissos e planejar. As relações de trabalho, que envolvem custos consideráveis na produção e, mais ainda, no setor de serviços, passam por adequações jurídicas frequentes, prejudiciais a empregados e empregadores.
De forma açodada e sem maiores discussões, o Congresso Nacional aprovou, em julho de 2017, uma profunda alteração na legislação do trabalho, no Brasil (Lei nº 13.467, de 13.07.2017, mas que só vigorou a partir de 11.11.2017).
A maior mudança que a CLT já sofreu. Como tudo que é feito às pressas, a nova lei trouxe falhas, incongruências e perplexidades. Além disso, os compromissos assumidos pelo Presidente da República para que houvesse imediata conclusão do processo legislativo reformista, tornaram necessária a edição de uma Medida Provisória, ante a “urgência” da matéria.
Foi assim que o Presidente editou a MP 808, de 14.11.2017, tratando sobre jornada 12h por 36h, trabalho da gestante em ambientes insalubres, limites pecuniários da indenização por danos morais; além de esclarecimentos sobre trabalho autônomo e intermitente, contribuição previdenciária, comissão de fábrica e gorjetas. Os empregadores, para evitarem multas da fiscalização do trabalho, precisaram alterar os contratos em vigor e, nas novas contratações, observarem a referida MP.
Mas a MP 808/2017 perdeu a vigência no 23.04.2018, resultando disso o restabelecimento da previsão legal que lhe antecedia. Então, o Brasil volta a ter a lei básica anterior, que é a CLT, modificada pela Lei nº 13.467/2017. Cumpre esclarecer que, desde julho/2017, as empresas se preparavam para a vigência dessa lei, junto aos RHs e aos setores jurídicos, bem ainda preparando as alterações contratuais e processos de rescisão-readmissão.
Nas circunstâncias atuais, os contratos de trabalho precisam se adequar à legislação em vigor. Perceba-se a situação jurídica: tínhamos um texto legal histórico, que era a CLT, até 11.11.2017, quando entrou em vigor a Lei nº 13.467/2017.
Os contratos de trabalho então foram alterados; novos trabalhadores foram contratados e ocorreram rescisões contratuais, até como expedientes utilizados para a recontratação, mesmo que estas não fossem as medidas corretas.
Então, em 14.11.2017, foi editada a MP 808/2017, que novamente alterou a CLT, já modificada pela Reforma Trabalhista. Logo, os contratos de trabalho passaram a ser regidos e juridicamente readequados à MP. Com a perda de vigência da MP citada, os contratos de trabalho voltarão a ser disciplinados outra vez (re-readequação) pela Lei nº 13.467/2017.
Isso é insegurança jurídica, que pode se agravar, a partir do julgamento das ações de inconstitucionalidade que tramitam no STF (são mais de vinte) e das ações correntes na Justiça do Trabalho. E, de fato, a dita reforma apresenta alguns pontos inconstitucionais, que poderão ser retirados do texto legal por conflitarem com a Constituição. E isso afetará os contratos de trabalho, novamente.
Mas nem tudo que é jurídico significa repercussão prática. Assim, tendo a Lei nº 13.467/2017 entrado em vigor em 11.11.2017 (sábado) e a MP 808 em 14.11.2017 (data da publicação no Diário Oficial da União, terça-feira), resulta disso um dia útil (segunda-feira), que, certamente, não foi tempo suficiente para grandes alterações contratuais, sobretudo em escala nacional. Portanto a repercussão prática da sequência normativa não foi extraordinária.
Verdade seja dita, a MP 808/2017 não tinha grande profundidade, porque ela se limitara a esclarecer e complementar a Lei nº 13.467/2017. De mudança mesmo, havia pouca coisa, valendo citar o trabalho da mulher gestante em ambiente insalubre e a jornada 12h por 36h. Então, por que tanto alarde sobre a MP?
O interesse estava, mesmo, era nas “emendas” feitas a seu texto. De fato, quando o Presidente da República a editara e a encaminhara ao Congresso Nacional, ela recebeu mais de mil propostas de emendas, que iam desde a intenção de revogar a Reforma até rever o sistema de financiamento ou custeio sindical (ponto em que a MP recebeu maior número de emendas).
Obviamente, o Congresso não iria reabrir discussão sobre uma reforma trabalhista recentemente aprovada nem sobre assuntos que não lhe interessava rever. A apreciação, num ano eleitoral, acarretaria muito mais desgaste político, aprovasse ou não as emendas, do que simplesmente deixando a MP expirar. Foi esta última alternativa que o Congresso escolheu. Ficou o dito pelo não dito. Agora, a bola está com os Tribunais, a começar pelo STF.
Ainda na iminência de a MP 808 perder a vigência, o ministro do trabalho anunciara que o governo iria tratar de pontos da reforma trabalhista por meio de decretos. Ora, matéria trabalhista se submete ao princípio da reserva legal estrita, ou seja, somente o Congresso Nacional, por meio de lei, é que pode tratar do tema “trabalho”, e não o presidente da República por meio de decretos.
Os decretos são normas de hierarquia inferior à lei e só podem complementá-la; não podem divergir dela nem suprir as lacunas que sejam reservas de legalidade estrita. Não se compreende como “decretos” possam alterar a reforma trabalhista empreendida pela Lei nº 13.467/2017. No máximo, o governo poderá esclarecer alguns pontos da reforma por meio de Decretos, como detalhes do trabalho intermitente, mas sem destoar uma linha que seja do texto legal, sob pena de invalidade da norma presidencial.
Nesta confusão jurídica, vai-se constatando, aos poucos, os equívocos da reforma trabalhista, que, ao final, não gerou empregos, não estimulou as negociações coletivas, não contribuiu para a retomada da economia e, ainda por cima, acarretou precarização nas relações de trabalho.
*Francisco Gérson Marques de Lima é doutor, professor da Universidade Federal do Ceará e Procurador Regional do Trabalho
(da Carta Capital)

Esquivel defende Nobel a Lula, e alerta para risco à democracia na América Latina

Os povos da América Latina não caminham isolados, seja para o progresso ou para o atraso: há muitos paralelos na história dos países da região. É o que se extrai do pensamento do arquiteto, escultor e ativista pelos direitos humanos Adolfo Pérez Esquivel. O argentino está em visita ao Brasil para se encontrar com lideranças políticas e impulsionar sua campanha para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja indicado para o Nobel da Paz de 2019 (as candidaturas para este ano já foram encerradas). Esquivel recorda que recebeu o prêmio em 1980, “quando estava preso (pela ditadura argentina), assim como Lula está detido agora por questões políticas”. No Rio de Janeiro, ele visitou o JORNAL DO BRASIL e participou de ato em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (PSOL), realizado no Complexo da Maré. “As favelas daqui são as ‘chabolas’ venezuelanas”, comparou. 
As semelhanças, porém, não se limitam a miudezas. Para Esquivel, muitos países da América Latina conseguiram nos últimos anos progressos notáveis no combate à pobreza e à desigualdade social. No entanto, segundo ele, as conquistas da região estão hoje ameaçadas por “golpes de Estado brandos, como aconteceu em Honduras, Paraguai e agora no Brasil”, e também pela força do “poder econômico” e pela “ditadura do pensamento único”.
>> Esquivel homenageia Marielle e Anderson, ratifica seu apoio a Lula e fica à vontade na favela

Nobel para Lula 
“Conheço o Lula desde os anos 70, por seu trabalho como sindicalista no ABC, em São Paulo. Nem sempre tivemos uma relação direta, mas seguia seu trabalho, sua luta, até chegar à Presidência da nação. Lula está preso, mas quando meu nome foi indicado para o Nobel, eu também estava preso, acusado de ser subversivo e terrorista. Mas por que a indicação? Porque Lula, com suas políticas sociais, tirou da pobreza extrema mais de 30 milhões de brasileiros. Uma façanha. Não conheço outro exemplo dessa magnitude. Além de um feito único, é um feito humanitário, de responsabilidade social, cultural e política com seu povo. Em setembro vou apresentar oficialmente sua candidatura ante o comitê do Nobel, enfatizando que ele se encontra preso. Lula é acusado, porém sem provas. O prêmio seria o reconhecimento a um nome com uma luta social e política muito forte. Ele não busca enriquecer, e sim servir ao seu povo e à humanidade. Esse é o eixo central de sua candidatura. Pedimos autorização para um encontro com ele em Curitiba, mas ainda não tivemos nenhuma resposta. Ao meu lado viaja um grupo de deputados do Parlamento do Mercosul e congressistas argentinos. Caso consiga encontrá-lo, vou lhe dar um abraço e falar que é preciso resistir”. 
Brasil e a América Latina 
“Vemos com muita preocupação não só a situação no Brasil, mas em toda a América Latina. Houve golpes de Estado encobertos, que chamamos de golpes brandos, em Honduras, no Paraguai e no Brasil, com a destituição de Dilma Rousseff, sem nenhum tipo de justificativa. E agora o ataque a Lula, que pretende neutralizá-lo e impedi-lo de participar das eleições. Isso tem a ver com as políticas que estão sendo implementadas em todo o continente, e que também se relaciona com a política dos Estados Unidos para a América Latina. Não há casualidade.”
Retrocessos no continente 
“Há um forte retrocesso na América Latina, aumento da pobreza e da repressão. Acredito que estão se perdendo direitos. A democracia está se enfraquecendo, pois os direitos dos povos e os direitos humanos são agredidos. Vemos isso bem claro em todo o continente. E democracia e direitos humanos são valores indivisíveis. A solução para os problemas não são a intervenção do exército e da polícia, nem a repressão. São as políticas sociais, educação, saúde, trabalho e meio ambiente. É preciso encontrar alternativas para a situação que os povos vivem atualmente. Existe uma exploração indiscriminada, que querem confundir com desenvolvimento. No entanto, desenvolvimento e exploração não são a mesma coisa. Uma coisa é o desenvolvimento, que ajuda a melhorar a vida dos povos, e outra a exploração, que rouba todos os recursos, como estão fazendo muitas empresas multinacionais. A democracia na América Latina está em perigo”.
Ditaduras econômicas 
“Não acredito na volta dos militares à região, mas sim na ditadura econômica, nas quais governos autoritários se disfarçam de democráticos. Temos democracias mais formais do que reais. Por isso é importante mudar o sistema, de democracias delegativas para democracias realmente participativas. Todos sabemos o que são as monoculturas, de pinus, soja, trigo… Mas existe uma monocultura mais perigosa que todas essas. É a monocultura das mentes. A imposição do pensamento único, que nos está sendo imposto todos os dias. É a droga mais tóxica da humanidade atualmente. 
Argentina 
Na Argentina há uma perseguição muito grande aos povos originários, como é o caso dos Mapuches, assim como a algumas organizações sindicais e sociais e a jornalistas. A repressão tem aumentado. Existem grandes empresários e marcas, como a Benetton, que possui um milhão de hectares de terras no país. Boa parte roubada dos Mapuches. E o governo defende esses latifundiários. Ninguém pode possuir um milhão de hectares em uma nação, no caso da Argentina abrangendo três províncias da Patagônia. Há ainda outros empresários que têm extensões enormes de terras. Logicamente, as comunidades indígenas reivindicam seus direitos a elas. Uma vez viajei a Roma com um casal Mapuche e encontrei Benetton (Luciano Benetton), que me disse: ‘mas eu comprei as terras de boa-fé, o que posso fazer é doar uma parte delas’. O casal respondeu: ‘Não podem doar nada, pois as terras são nossas’”. 
Venezuela e Honduras 
“Conheço a Venezuela há 50 anos. Estive nos morros, nas ‘chabolas’ (favelas), onde as pessoas viviam sob plástico e papelão. A política de Hugo Chávez, que os Estados Unidos nunca aprovaram, inclusive tentaram derrubá-lo, como fazem agora com Nicolás Maduro, deu saúde, educação e moradia digna para as pessoas. A Unesco declarou a Venezuela livre do analfabetismo, como a Bolívia. Agora há que se ter em mente a queda dos preços do petróleo, assim como a pressão dos Estados Unidos. O país vive dificuldades, não podemos negar, mas outra coisa são as tentativas golpistas. Quando abrem instâncias de diálogo e convocam eleições, a oposição diz que não vai se apresentar. Se tem força política para se opor, que assim o faça. Há uma campanha muito forte contra a Venezuela. Por outro lado, ninguém fala de Honduras, onde existem grandes violações aos direitos humanos por parte do Estado. Jornalistas assassinados, presos e no exílio, a morte de Berta Cáceres (ativista indígena)… Mas não está na agenda dos grandes meios de comunicação.
Hegemonia americana 
Os grandes interesses econômicos estão por trás de muitas tentativas de derrubar governos na América Latina. Os interesses do petróleo, por exemplo. A hegemonia dos Estados Unidos na região não pode permitir que um país escape, como aconteceu com Cuba. Barack Obama quis fazer muitas coisas, mas não pôde. Ele quis fechar a prisão de Abu Ghraib, no Iraque, e Guantánamo, em Cuba, como prometeu na campanha, mas não conseguiu, pois essas questões quem decide é o Congresso, que está nas mãos dos republicanos. Obama foi o primeiro presidente americano a visitar Cuba, ele tinha vontade, mas quem dominava era o complexo industrial-militar, que promove guerras em nome da liberdade e da democracia, como no Iraque, onde estive e vi o horror, e Síria. Donald Trump, por outro lado, é patético. Estive em Berlim antes e depois da queda do muro, pensávamos que após 1989 o mundo seria renovado com diálogo, mas os EUA não permitiram. Trump promove a xenofobia. O tal do muro na fronteira com o México, que consequências em termos de racismo e intolerância pode ter?
Fonte: Jornal do Brasil

Mobilização em defesa de Lula e da Democracia


Considerando os acontecimentos da última semana, as deliberações do Conselho Nacional de Entidades – CNE/CNTE e as orientações da CUT e da Frente Brasil Popular, a CNTE assume o compromisso de participar concreta e efetivamente das ações em defesa da democracia e por Lula Livre.
O Poder Judiciário está comprometido com corporações internacionais e com interesses pessoais e partidários, gerando insegurança jurídica e indicando que, se não for por muita pressão, nossas lideranças terão o mesmo caminho de Lula: a prisão. Essa situação exige, mais do que nunca, de uma resistência firme e democrática. A suposta eficiência e rapidez de Sérgio Moro na Lava Jato tem foco e seletividade. É necessário reagir com firmeza diante dos desmandos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Mais do que exigir a liberdade de Lula e seu direito de participar das eleições 2018, a atuação da CNTE, enquanto entidade com cultura democrática e atuação constante em defesa do Estado de Direito, é reafirmar que o golpe é contra os trabalhadores e a luta é contra a ditadura pré-estabelecida no país e a ameaça à democracia.
Assim, nesse momento as principais orientações da Confederação são:
1. Fortalecer o Acampamento da Resistência em Curitiba
Os diretores da CNTE da Região Sul estarão revezando suas participações na capital paranaense. São eles:
APP/PR: Marlei Fernandes, Luiz Carlos Paixão, José Valdivino e Mario Sergio
SINTE/SC: Marta Vanelli e Luiz Vieira
CPERS: Selene Michielin e Luiz Veroneze
Os demais diretores que tiverem disponibilidade para participar da mobilização em Curitiba, solicitamos que encaminhem o período para a CNTE, para fazer uma agenda.
2. Criação de Comitês em Defesa da Democracia, por Lula Livre e pelo Direito de ser candidato
É fundamental que a pressão tenha corpo nacional. Para tanto, precisa ser efetivada nos estados. É importante ampliar as alianças com entidades sindicais de trabalhadores e organizações da sociedade civil, a criação e/ou fortalecimento dos Comitês de Defesa da Democracia e por Lula Livre.
3. Participar das Mobilizações nos Estados
Além de ser protagonista na articulação de ações da educação em defesa da democracia, é necessário que as entidades e suas direções participem das mobilizações organizadas nos estados. Nesta quarta-feira, 11 de abril, está previsto o Dia Nacional de Mobilização por Lula Livre.
4. Leia aqui as orientações da CUT
>>> ATENÇÃO
A reunião da IEAL sobre Defesa da Educação Superior, que acontece nos dias 21 e 22 de abril e que seria em Brasília, foi transferida para Curitiba para que as entidades dos países da América Latina também tenham a oportunidade de manifestar sua indignação diante da prisão do presidente Lula e prestar a ele seu apoio.

A Rede Record e o direito de resposta às religiões de matriz africana

Na tarde de 5 de abril de 2018, representantes do candomblé, da umbanda e de outras tradições de matriz africana ocuparam o auditório do Tribunal Regional Federal de São Paulo para acompanhar o julgamento da ação que visa garantir o direito de resposta das religiões afro-brasileiras contra as ofensas veiculadas na programação da Rede Record e outras emissoras ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus.
A questão se arrasta há 15 anos, desde que os representantes dos afro-religiosos ganharam a ação. Contudo, os inúmeros recursos e manobras judiciais impediram que o programa fosse ao ar. Dessa forma, os insultos e incitações à violência continuaram, aumentando e agravando os casos de intolerância.
Ao negar mais este recurso da Rede Record, o TRF-SP não só condena as emissoras a cumprir a decisão de direito de resposta, como torna mais patente os crimes cometidos contra a honra e a dignidade das religiões de matriz africana. Demonstra ainda como o racismo religioso tem sido praticado pela igreja universal, ultrajando toda cultura preservada pelo povo negro no Brasil.
Entre as ofensas exibidas nos programas da Record, a mais frequente é chamar sacerdotes da umbanda e do candomblé de pais e mães de encosto e tratar os orixás como demônios. A sentença prevê, entre outras sanções, a exibição na grade das emissoras de 16 horas de programação de conteúdo positivo e afirmativo sobre cultura e religiões de matriz africana.
A relatora e os demais desembargadores foram unânimes e julgaram improcedente o recurso, ratificando a sentença. Não se sabe, porém, quando os programas com o direito de resposta serão transmitidos e, ao que parece, ainda cabe recurso à Suprema Corte.
É, porém, justo que os povos tradicionais de terreiro comemorem. Trata-se de uma ação contra uma grande emissora de tevê e contra um conglomerado que movimenta verdadeiras fortunas. Sem falar do projeto político cada vez mais consolidado pelo grupo do bispo Edir Macedo.
A sustentação oral do advogado das religiões afro-brasileiras, Hedio Silva Junior, baseou-se na Constituição Federal e em toda legislação e jurisprudência vigentes, partindo da premissa de que vivemos num Estado laico. Teve que confrontar as alegações dos representantes da Record, que em boa parte de sua argumentação respaldaram-se na Bíblia e tentaram interpretar princípios jurídicos pelo viés religioso.
Talvez os advogados da Record tenham subestimado a outra parte ou mesmo a corte que julgava o recurso. Pelo jeito, nem se deram ao trabalho de se inteirar dos autos. Mencionaram a Bíblia como se num Estado laico um livro religioso pudesse se sobrepor à Carta Magna.
Argumentos pífios que, em vez de refutar, confirmaram os ataques e ofensas contra as religiões afro-brasileiras. Segundo os advogados, os programas apenas exerciam uma prerrogativa bíblica e o direito à liberdade de consciência, de crença e de expressão.
Só se esqueceram de uma coisa: um adepto de qualquer religião não pode evocar suas convicções religiosas para se eximir de obrigações legais impostas a todos, conforme prescrito no inciso VIII do artigo 5° da Constituição.
Obviamente, o entendimento dos desembargadores foi de encontro ao que sustentaram os advogados da Record e da TV Mulher, e a vitória por unanimidade deu às religiões de matriz africana um grande mote de união e luta.
Nada nunca foi fácil para o povo negro. Nossas manifestações religiosas e culturais sofreram todo tipo de perseguição, inclusivo do próprio Estado. Contudo, a possibilidade de ver uma rede de televisão exibir um direito de reposta dessa magnitude é um acontecimento histórico e deve mobilizar muitos adeptos da umbanda e do candomblé se ainda houver um recurso ao Supremo.
Desde que 21 de janeiro foi oficializado como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, há mais de 10 anos, a quantidade de denúncias e os casos emblemáticos só cresceram.
A morte de Mãe Gilda, vítima de intolerância e racismo religioso, emprestou à data um tom de revolta e a relacionou diretamente aos ataques sofridos pelos povos tradicionais de matriz africana.
Além disso, o caso de Kailane Campos, de 11 anos, atingida por uma pedrada enquanto retornava de uma celebração do candomblé, as invasões e depredações de terreiros promovidas por traficantes associados a igrejas evangélicas, tudo isso tem alimentado um clima de guerra e prejudicado o diálogo inter-religioso.
Não se pode prever um tempo de paz, sobretudo neste clima de polarização em que jaz o País. Os dias de luta ainda seguem e serão duros, principalmente para as minorias, mas não se pode negar a uma cultura de resistência a prerrogativa de reivindicar justiça e igualdade.
Valer-se das instituições jurídicas para garantir o que está previsto na Constituição mostra um tempo de maturidade e organização entre os devotos dos orixás e inscreve o Brasil na perspectiva do Estado Democrático de Direito. Resta saber se, ao fim e ao cabo, com Supremo, com tudo, a sentença será cumprida.
(da Carta Capital)

Ocupar as urnas!

No final de março, milhares de jovens americanos realizaram a impressionante “Marcha pelas nossas vidas” exigindo o controle do comércio de armas nos EUA. Foi um sopro de esperança na participação juvenil e na renovação da vida política. Em seus discursos sofridos, maduros e contundentes eles traçaram estratégias com vistas às eleições americanas que se aproximam.
No Brasil, desde 2013 as juventudes manifestaram-se para pedir aquilo que parece existir para jovens americanos: educação cidadã e de qualidade. Os jovens foram às ruas contra a corrupção, contra a PEC do teto de gastos (EC 95/2016), contra a reorganização dos sistemas escolares, contra a reforma do ensino médio que não os ouviu.
No entanto, a soma desses “contra” aponta uma afirmação: eles exigem escolas onde se sintam acolhidos e respeitados, escolas com infraestrutura, aulas efetivas e pertinentes. Se não estava claro que educação queriam, sabiam exatamente que ambiente escolar desejam. A atitude de jovens em todo o país mostrou que essa geração está atenta e quer agir sobre seu presente e seu futuro. As eleições de 2018 serão o momento de traduzir protestos em propostas.
Não bastasse o clamor das juventudes, o Brasil tem sido alertado por outras vozes quanto à necessidade e urgência de responder aos desafios educacionais. Um documento recente produzido pela OCDE sobre o PISA 2015 (“Competências na Ibero-américa” OCDE & Fundação Santillana, 2018) apresenta fatos e argumentos que contribuem para o debate.
É hábito destacar nesses relatórios poucas e más notícias. Ainda que sejam verídicas, elas não dão conta da riqueza das informações disponíveis, nem dos avanços registrados. A participação brasileira no exame já representa 71% dos jovens de 15 anos, enquanto em 2003 representava 56%, ou seja, há muito mais estudantes nas escolas. Nossos resultados nas provas de ciências, leitura e matemática permanecem entre os mais baixos dos 70 países participantes. No entanto, de 2003 a 2015 jovens brasileiros de melhor rendimento elevaram sua pontuação em 10 pontos a cada triênio. O relatório conclui que a ampliação do acesso à escolarização não reduziu a qualidade média da educação dos alunos de 15 anos.
Os resultados confirmam percepções e desfazem mitos. Ficam evidentes os impactos das desigualdades sociais. Há uma estreita (e preocupante) correlação entre o índice PISA de riqueza e o rendimento em ciências. Essa relação expressa a transmissão intergeracional da vantagem social. Em outras palavras, o PISA constata que, entre nós, a educação de qualidade é antes uma herança do que um direito.
Mitos caem por terra: a pontuação dos estudantes status socioeconômico mais rico não é expressivamente superior. Em vários países da América Latina, o desempenho dos alunos mais pobres é equivalente ao dos estudantes do mesmo status nos países da OCDE. No entanto, os alunos de status e contextos mais ricos obtêm resultados abaixo dos estudantes ricos nos países da OCDE. No Brasil, em todos os status socioeconômicos o desempenho dos estudantes está abaixo do alcançado por similares nos países da OCDE.
O relatório reconhece conquistas nos resultados educacionais da região, mas alerta que são necessários esforços continuados para melhorar a qualidade, promover o acesso universal e garantir a equidade para todos.
No Brasil, o Plano Nacional de Educação (2014-2024) define o esforço continuado para alcançar as metas de qualidade, inclusão e equidade. Os desafios que o PNE se propôs a enfrentar e os caminhos que se propõe a percorrer são o mínimo que o país pode prometer a si mesmo.
Em pesquisa sobre percepções da desigualdade no Brasil realizada em 2017, em parceria da OXFAM e do DATAFOLHA, a educação é citada, ao lado da corrupção e do desemprego, como uma das principais causas das desigualdades. No entanto, a mesma educação, se receber os investimentos necessários, é apontada como o caminho para superá-las, ao lado do emprego e da reforma do sistema político.
A desigualdade social brasileira é uma das maiores do mundo e assegura sua reprodução pela precarização do sistema educativo. É preciso libertar a educação do jugo de ser um mecanismo ilegítimo de transmissão das desigualdades de renda e riqueza. A participação no processo político e nas eleições é um caminho. Emancipar a educação exige, portanto, que a juventude participe das eleições de 2018, não para legitimar interesses imediatistas, mas para construir alternativas em que os jovens se reconheçam e vejam ali os caminhos para sua própria emancipação cidadã.
André Lázaro, diretor da Fundação Santillana.
(da Carta Educação)

Oito livros para discutir gênero com crianças e adolescentes

Meninas brincam de boneca, meninos com carrinhos. Elas usam rosa, eles azul. Você já parou para pensar quem estipulou essas regras e de onde elas vêm? Na verdade, esse lugar determinado do que é ser menina e do que é ser menino não é algo natural, mas fruto de uma construção social que acaba por limitar o desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Meninos e meninas têm de lidar desde muito cedo com as expectativas que se depositam sobre cada experiência. Eles, provavelmente, serão cobrados para serem valentes e fortes. “Meninos não choram”, dizem. Elas, por sua vez, terão de ser delicadas e se comportarem como tal: “Senta direito, isso não é jeito de menina”.
Essa norma não é prejudicial apenas na infância e na adolescência, mas também na vida adulta. A conformação do lugar de homem e do lugar de mulher sofre ainda o peso do patriarcado histórico, que reconhece as figuras masculinas como dominantes. Isso explica o fato de mulheres terem salários mais baixos do que os homens e ainda enfrentarem dificuldades para chegar a cargos de liderança.
Por isso, a importância de se discutir gênero numa perspectiva de igualdade. É importante que crianças e adolescentes tenham acesso a outros discursos que não os dominantes, a outros repertórios e possam construir suas identidades com base na diversidade e no respeito ao próximo. Para apoiar o debate, confira uma lista de livros infanto-juvenis que pautam as questões de gênero.
1. Coisa de menina (Companhia das Letrinhas)
É na infância que as crianças acabam sendo condicionadas à ideia de que existem “coisas para meninas” e “coisas para meninos”. A autora e ilustradora Pri Ferrari quer justamente romper com essa lógica com a obra “Coisa de Menina”, lançada pela Companhia das Letrinhas. O livro incentiva que as crianças tenham liberdade na hora de escolher os seus brinquedos e não restrinjam suas escolhas aos determinismos que apontam, por exemplo, que meninas brincam de boneca e meninos de carrinho.
2. 50 Brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer (Galera Record)
Você sabia que a primeira mulher eleita deputada federal do Brasil, em 1934, se chamava Carlota Pereira de Queiroz? Ou ainda que a primeira pessoa no Brasil a ter uma licença de paraquedista foi uma mulher? Ada Rogato conseguiu o título em 1950 e também foi a primeira a pilotar um planador e a tirar o brevê de pilota. Essas e outras 48 histórias são narradas no livro 50 Brasileiras incríveis para conhecer antes de crescer, de autoria da jornalista e cientista política Débora Thomé. A obra procura romper com a ideia dos heróis masculinos e conta a história real de heroínas que ajudaram a mudar o campo das artes, política, ciências e da sociedade. O livro reúne nomes como Cora Coralina, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Chica da Silva, Princesa Isabel, Clementina de Jesus, Nise da Silveira, Pagu, Lygia Clark e Maria da Penha.
3. Histórias de ninar para garotas rebeldes (V&R)
Lançado no Brasil em fevereiro de 2017, a obra aposta em uma narrativa “antiprincesas” e traz histórias que começam com “era uma vez” e terminam ressaltando a grande mulher que cada uma das personagens se tornou. São ao menos cem histórias, em forma de fábula, de mulheres que marcaram a história, como Frida Kahlo, Nina Simone, Cora Coralina e outros nomes de representatividade como Evita Peron, Michelle Obama e Hillary Clinton. A obra foi escrita pelas italianas Elena Favilli e Francesca Cavallo e conta com a contribuição de 60 mulheres artistas do mundo todo nas ilustrações.
4. Do jeito que a gente é (Ática)
O livro da autora Márcia Leite cruza a história de dois adolescentes. Beá é uma menina de 14 anos que não lida bem com a sua aparência, por se achar muito magra e alta. Além disso, vive uma crise com a mãe que quer torná-la mais vaidosa. Chico, por sua vez, tem 17 anos e passa por um momento delicado: o melhor amigo reagiu mal quando ele disse ser gay. A vida dos dois adolescentes se cruzam quando seus pais resolvem se casar.
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5. Tal pai, tal filho? (Scipione)
O livro, da autora Georgina Martins, narra a história de um garoto que sonha em ser bailarino. A questão é que, pra buscar o seu desejo, ele terá que enfrentar o preconceito do próprio pai. Muito severo, o homem vive a contar ao menino histórias de homens valentes, “cabras-machos”, caracterizando o seu entendimento sobre a masculinidade dominante.
6. A história de Júlia e sua sombra de menino (Scipione)
De tanto ouvir seus pais dizerem que tinha jeito de menino e que se comportava como tal, Julia um dia percebe que sua sombra se transformara, ficando com o formato de um menino. Sem entender o porquê dos julgamentos, Julia passa a ser uma garota triste, que não se reconhece em si mesma e busca entender o que precisa mudar para ser aceita por todos. A obra, do autor Christian Bruel, traz uma reflexão sobre a importância do respeito e da valorização das identidades.
7. Amor entre meninas (Panda Books)
Direcionada para a educação sexual de adolescentes, a obra da autora Shirley Souza aborda o amor entre iguais, a possibilidade de experimentação e autoconhecimento e também os conflitos relacionados às descobertas e desejos comuns à adolescência.
8. Meu crespo é de rainha (Boitempo Editorial)
Publicado originalmente em 1999 em forma de poema rimado e ilustrado, esta delicada obra apresenta às meninas brasileiras diferentes penteados e cortes de cabelo de forma positiva, alegre e elogiosa. Um livro para ser lido em voz alta, indicado para crianças a partir de três anos de idade – e também mães, irmãs, tias e avós – se orgulharem de quem são e de seu cabelo “macio como algodão” e “gostoso de brincar”.
Hoje em dia, é sabido que incontáveis mulheres, incluindo meninas muito novas, sofrem tentando se encaixar em padrões inalcançáveis de beleza, de problemas que podem incluir desde questões de insegurança e baixa autoestima até distúrbios mais sérios, como anorexia, depressão e mesmo tentativas de mutilação ou suicídio. Para as garotas negras, o peso pode ser ainda maior pela falta de representatividade na mídia e na cultura popular e pelo excesso de referências eurocêntricas, de pele clara e cabelos lisos. Nesse sentido, Meu crespo é de rainha é um livro que enaltece a beleza dos fenótipos negros, exaltando penteados e texturas afro, serve de referência à garota que se vê ali representada e admirada.
(da Carta Educação)

Professora impediu destruição de mineradoras em mais de 40 cidades do norte do Paraná

Verdadeiros tanques de 35 toneladas e que geram vibrações capazes de abalos sísmicos para analisar o solo a mais de 3 mil metros de profundidade. Essas máquinas, chamadas de caminhões vibroseis, foram vistos há dois anos pelos habitantes de Cornélio Procópio, no interior ao norte do Paraná, mas aos primeiros olhos interpretados como conjunto de obras públicas e para estradas.
Até a professora Izabel Cristina Marson buscar saber o que era e decidir informar a população da sua cidade e de outras 45 mais da região. A máquina é usada para identificar reservas de petróleo e para a extração de minérios, como o xisto, e era o princípio para a atuação seguinte de mineradoras, que participariam de licitações, e poderiam acabar definitivamente com o solo reconhecido por todo o Brasil como um dos mais férteis do mundo.
“Os caminhões vieram para a BR 369, passando por Cambará, Andirá, Santa Mariana. Quando eles chegaram em Cornélio Procópio, eles começaram não só a fazer a parte de sondagem, como logo em seguida já vinham caminhões com outras características e faziam a segunda e terceira etapa, que eram as medições e o início das perfurações bastante profundas, de 1.500 metros de profundidade, para a retirada da amostra de xisto”, narrou ao GGN.
Mas o que é o Fraturamento hidráulico ou “Fracking”?
Eles fazem essa perfuração de 1.500 metros de profundidade, bem estreita, perfuração de menos de 30 centímetros de diâmetro. Depois, eles abrem lá embaixo, como se fosse um queijo suiço no subsolo, e fazem outras escavações de 1.500 metros na horizontal. Nessa cratera, eles colocam milhões de litros de água. Tem operações que vão 15, 20 milhões de litros de água, entre 600 e 700 tipos de produtos químicos, incluindo metais pesados e toneladas de areia, para impulsionar a quebra da rocha, onde existe o xisto. Quando se arrebenta, explode a pedra de xisto, o gás vem para essa composição com os elementos químicos e eles vão bombear toda essa água, areia e produtos para o meio ambiente. Nos caminhões, eles separam o xisto e essa água é jogada em qualquer lugar, sem nenhum tipo de tratamento, na rua, asfalto, rodovia, aonde eles podem, eles jogam isso. Na Argentina, a lateral das plantações de maça estão queimadas, morreram porque jogaram a água do fracking. Chegará um momento em que não haverá mais água, mais solo, não se consegue respirar, porque nessas operações ainda tem queima de CO2 vinte e quatro horas por dia.
Após uma investigação feita pela professora, que entendeu a extensão do perigo, a preocupação virou projeto de lei, que pelo alerta e urgência do tema, imediatamente conquistou o apoio de vereadores de 33 partidos diferentes, da sociedade civil, líderes religiosos, escolas, universidades e sindicatos.
“Em Cornélio Procópio foi muito fácil, muito tranquilo. As quatro bancadas da Câmara votaram por unanimidade, ninguém queria a mineradora aqui. Quando Cornélio Procópio sancionou, eu já tinha conversado com mais quatro cidades. Procurei vereadores que eram diretores de escolas ou maridos de professoras que eu conhecia e fui entregando os projetos de lei. Ia às Câmaras para fazer uma fala, para explicar o que era o fraturamento hidráulico, o fracking. Para a minha surpresa, depois de ter feito quatro, cinco primeiras cidades, as pessoas foram me pedindo para visitá-las, professores, padres, movimento estudantil, e isso formou uma onda de proposições”, disse.
O resultado disso foi a aprovação de uma proteção municipal que impedisse a atuação de mineradoras nos territórios das cidades, por tempo indefinido. “Nós somos a única região do planeta que retirou uma mineradora num processo pacífico. Não havia conflito entre os vereadores. Todo mundo queria a mineradora fora daqui”, afirmou.
O trajeto de Izabel foi largo: Nova América da Colina, Santa Amélia, Santa Cecilia do Pavão, Uraí, Abatiá, Barra do Jacaré, Cambará, Conselheiro Mairinki, Curiúva, Guapirama, Ibaiti, Jaboti, Joaquim Távora, Quatiguá, Santana do Itararé, Sâo José da Boa Vista, Siqueira Campos, Tomazina, Carlópolis, Sâo Jerônimo da Serra, Pinhalão, Arapoti, Jaguariaíva, Assaí, Bandeirantes, Congonhinhas, Leópolis, Nova Fátima, Rancho Alegre, Santa Mariana, São Sebastião da Amoreira, Sertaneja, Jacarezinho, Ribeirão do Pinhal, Santo Antonio da Platina, Wencesleu Braz e outras.
Todas as cidades percorridas em seu carro próprio, negando receber qualquer aporte de ajuda de custo de políticos ou fundos legislativos municipais, com a única meta de, após contatados representantes políticos, sindicatos ou convites partindo dos próprios vereadores e departamentos jurídicos das Câmaras Municipais, visitar os municípios e expor o cenário em audiência pública, para em seguida aprovar o projeto de lei, com a quase unanimidade adesão dos políticos.
A professora conta que as rádios locais, além do trabalho de boca em boca, foram a base para difundir o tema e conseguir chegar a cidades e conscientizar a sociedade civil. “Para evitar qualquer tipo de judicialização, buscamos um caminho pacífico, que era visitar cidade por cidade. Eu rodei 9 mil quilômetros, visitando 45 cidades, por uma jornada que durou 1 ano. Fomos a todas as Câmaras, feitas audiências, juris, uso de tribunas livres, tudo o que pudemos usar de recursos, diálogos com as próprias comissões de meio ambiente. Mobilizamos mais de 5.500 pessoas nessas visitas, em comissões, para pressionar as votações. São mais de 450 vereadores que votaram sim pelo projeto de lei para barrar a mineradora e nós protegemos 512 mil pessoas num processo que a gente gosta sempre de lembrar que foi pacífico”, resumiu.
Sabendo que a briga seria grande e que a guerra estaria perdida uma vez que as mineradoras já estivessem atuando no local, a estratégia foi buscar impor obstáculos e atrapalhar os processos iniciais, de até mesmo investigação do solo, barrando o início das atividades. A tática foi necessária para evitar confrontos diretos posteriores com as grandes empresas e também sem necessitar levar a pauta à Justiça.
“O projeto de lei dá proteção de tudo o que está sobre o solo: água, ar, fauna, flora, vida humana, tudo. Protegendo tudo o que está acima, tem uma imensa dificuldade de mexer com o subsolo. Esse é o objetivo do projeto. Votando no município, o texto é sancionado pelos prefeitos. Foi a solução que a gente encontrou, porque existem leis federais em vigor, apesar do golpe de Estado, que dão aos municípios esse direito de legislar sobre o meio ambiente. Ao proteger o meio ambiente, o projeto de lei impede o fraturamento hidráulico”, contou.
Entre as justificativas do projeto levado a todas as 45 cidades, está a competência do município, estabelecida pela nossa Constituição, de “controlar o emprego de técnicas que gerem risco para a vida, a saúde e o meio ambiente, assim como deve participar do processo de licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dentre outras atribuições”.
Por isso, a medida concede à cidade a possibilidade de controlar, regulamentar ou proibir a extração de minérios. Com base nisso, o Projeto de Lei sancionado por vários municípios, graças à mobilização de ruas e de comunidade partindo da professora, logrou “vedar a exploração não convencional e predatória de gás metano através das técnicas de fraturamento hidráulico, conhecida como fracking e do refracking, bem como as atividades de aquisição sísmica, dentre outras providências sobre as quais dispõe”.
A diversidade de adeptos, sendo oposição, governista, esquerda, direita, bancada evangélica, assentamentos e tribos indígenas, todos as frentes foram aceitas e conquistadas pelo objetivo em comum: “Na política local, ainda existe uma coisa importante que é um sentimento de comunidade. Foi uma corrente positiva de pessoas que não queriam a mineração no norte do Paraná”, defendeu.
“Havia, por exemplo, uma sala de uma bancada evangélica da Câmara que considerava heresia você não cuidar daquilo que foi dado a eles. Teve um presidente de Câmara do PSDB que fez um trabalho importantíssimo na cidade dele para barrar a mineradora. Cada partido, cada qual com seu discurso, encontrou um motivo para preservar a região. Isso foi muito importante, porque era um momento de polarização política muito pior do que agora no Brasil. O golpe acontece em 2016 e naquele ano nós já tinhamos mais de 30 partidos votando contra a mineração e 21 cidades protegidas. É um dado muito importante para mim”, frisou.
Para Izabel Marson, o que uniu a diversidade na luta contra a mineração e consequente destruição dos solos do norte do Paraná foi a consciência comunitária da região em relação à terra: “Eu atribuo isso muito a essa ideia de que o norte do Paraná tem de  ter as melhores terras do planeta, de ser uma região com solo fertil, de as pessoas aqui se orgulharem muito de morarem nessa região, dos rios, da qualidade da terra, da quantidade de grãos e cereais que elas produzem. Elas tem uma vaidade pessoal de morar num lugar onde você olha para o horizonte e agradece por viver ali. Um sentimento de pertencimento. De que essa terra boa, esses rios com essa água limpa, não podem ser contaminados por uma mineradora”, concluiu.
Os 9 mil quilômetros rodados com o projeto apresentado a cerca de 45 Câmaras Municipais e a aprovação com adesões em massa não terminaram entre 2016 e 2017. A professora e as mais de 5 mil pessoas mobilizadas, que lotaram as audiências e fizeram pressão para aprovar a pauta nas cidades do norte do Paraná afirmam que estão atentas aos desdobramentos do caso e continuarão lutando para impedir a atuação de mineradoras na região.
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