Morre Linda Brown, primeira criança a quebrar a segregação racial escolar nos EUA


Linda Brown, uma mulher do Kansas que na década de 1950 ficou conhecida por um processo que proibiu a segregação racial nas escolas dos Estados Unidos, morreu aos 76 anos, segundo informaram na segunda-feira (26/3) meios de comunicação locais.
Nascida em Topeka, capital do Kansas, Brown tinha 9 anos quando o seu pai, o reverendo Oliver Brown, tentou inscrevê-la em 1950 na escola pública primária mais próxima à casa da família.
A recusa da escola Summer School a aceitá-la por ser negra provocou quatro anos mais tarde a histórica decisão do litígio “Brown vs. Board of Education”, com o qual o Tribunal Supremo pôs fim à doutrina “segregada, mas igual” que regia na educação pública americana desde 1896.
O Supremo determinou que “separar (as crianças negras) de outras de idade e qualificações similares unicamente pela sua raça gera um sentimento de inferioridade quanto à sua posição na comunidade que pode afetar seus corações e mentes de um modo improvável de reverter”.
Além disso, concluiu que a segregação era uma prática que violava a cláusula de “proteção igualitária” prevista na Constituição.
Embora Brown tivesse dado o nome, o litígio agrupava vários casos recompilados pela Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor (NAACP, em inglês) de estudantes afro-americanos rechaçados em instituições educativas ao redor do país. A causa recebeu, inclusive, ajuda de Thurgood Marshall, primeiro advogado negro a ser membro Suprema Corte americana.

As escolas, a garantia dos direitos humanos e o combate às fake news

O assassinato da vereadora Marielle Franco no Rio de Janeiro deu margem a algumas manifestações distorcidas. Além de informações falsas sobre a vida da vereadora, também foram veiculados discursos como “morreu por defender bandido” em clara perseguição à sua atuação política e dedicação aos direitos humanos.

 
Para o professor e pesquisador associado ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), Vitor Blotta, alguns fatores podem explicar o fato dos direitos humanos não serem entendidos como universais e, portanto, para todos. Um deles remete à história do País. “A formação europeia do Brasil, com uma cultura colonialista imperial, escravista e uma república com forte influência militar desde o início, tem mais dificuldade em aceitar essas concepções mais inclusivas de direitos humanos que surgem no mundo a partir da metade do século XX”, coloca.
“É explicável que uma sociedade acostumada historicamente com estamentos burocráticos, desigualdades, privilégios e favores tenha reações tão contrárias aos direitos humanos, sobretudo quando eles buscam significar realmente direitos de todas as pessoas, independente de minoria ou maioria”, pondera.
Blotta ainda considera a dimensão da individualidade atrelada à agenda que, em sua análise, tem relação com a sociedade capitalista, individualista e voltada ao consumo.  “Há uma percepção de que, para alguém conquistar os direitos humanos, alguém tem de perdê-los”.
Por fim, também credita as distorções à “incapacidade do Estado de atuar pela garantia desses direitos, o que faz com que a sociedade entenda que quando eles são acessados para defender determinada pauta ou resolução de conflitos, parte dela não está contemplada”, avalia.
A superação de tais estigmas, na visão de Blotta, passa por um conjunto de investimentos em diversas áreas da política pública tanto de responsabilidade municipal quanto estadual.  Ele retoma a ideia defendida pelo pesquisador Paulo de Mesquita Neto, que defendia o conceito de segurança cidadã.
“Para defender os direitos humanos precisamos ser pragmáticos e mostrar que, em longo prazo, é muito mais custoso ter uma política de enfrentamento no estilo de uma guerra do que ter inteligência, participação da comunidade, engajamento, descentralização das políticas e alocamento dos recursos necessários”.
Uma das pastas fundamentais nesse sentido é a educação, que deve contar com o apoio sensível das escolas. Para Blotta, as escolas, enquanto “agências de socialização”, são espaços fundamentais para promover a inversão desses valores e construir a chamada participação cidadã, orientada para os direitos humanos.
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O pesquisador aposta em um trabalho pedagógico capaz de envolver não só os estudantes, mas toda a comunidade escolar, como diretores, gestores, professores e famílias. Corrobora com o pensamento, a socióloga e pesquisadora Miriam Abravomay, também coordenadora da área de Estudos sobre Juventude e Políticas Públicas da FLACSO Brasil.
“A perspectiva da não violência nem sempre está clara para os adultos da escola, por isso, é preciso pensar essa formação de maneira mais ampla, prevendo a convivência escolar”. Muitas escolas ainda reproduzem a lógica da meritocracia e do enfrentamento violento de discursos, o que só potencializa as distorções acerca dos direitos humanos.
Abramovay explica que, na prática, é preciso que gestores e professores aceitem que os jovens não são apenas “receptores de aulas, regras e formas de comportamento”. “A escola tem que dialogar com eles e combinar a sua cultura escolar à juvenil”, coloca, reforçando a necessidade de adolescentes e jovens levarem para dentro das escolas as suas realidades e modo de ser.
“Hoje, o que temos visto é uma dificuldade desse diálogo, com escolas enfrentando problemas para debater temas como gênero, homofobia e política, fundamentais para a vida e formação desses jovens”.
Na prática
Há um ano, o NEV-USP iniciou o projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas. A atuação, dada em caráter piloto com duas escolas de São Paulo, uma municipal e uma estadual, tem buscado inserir no cotidiano escolar uma literatura sobre os direitos humanos.
“Isso é feito em correlação com a vida dos estudantes. Propomos vivências, sensibilizações, oficinas e também um trabalho orientado para a busca de informações e referências sobre o tema”, coloca o pesquisador, que também reforça a importância das escolas atuarem contra a disseminação das fakenews, uma das principais contribuintes para os discursos falsos como no caso da vereadora Marielle.
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Blotta reforça que uma das áreas previstas pelo Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos é a educação crítica para a mídia e entende que isso dá abertura para as escolas atuarem nessa perspectiva. “A lógica deve ser a da troca de informações, da pesquisa, da credibilidade”, coloca o educador, sugerindo que as escolas se afastem de possíveis censuras ou proibições desses temas em sala de aula.
O diálogo é a principal estratégia utilizada pelo Centro de Ensino Fundamental 01 de Planaltina (CEF 01), em Brasília, conhecido como Centrinho. Em 2013, a escola iniciou o projeto Diversidade na Escola, hoje integrado ao projeto político pedagógico da instituição.
“A ideia nasceu do reconhecimento de que a escola, como um microcosmo da sociedade, também precisa lidar com questões urgentes como machismo, lesbofobia, racismo e sexismo”, explica a supervisora da unidade, Lúcia Pedroza.
O assassinato da vereadora Marielle Franco não deixou de repercutir entre os estudantes e durante os momentos em sala de aula. O tema foi acolhido pela professora Maria Alzira, que já desenvolve com os jovens um trabalho sobre interseccionalidade. “O caso dela pode ser visto de diversos prismas, ela era mulher, negra, de baixa classe social, lésbica, propomos esses cruzamentos e com isso vamos afastando possíveis distorções”
Para Alzira, o trabalho orientado para os direitos humanos é fundamental para a formação identitária dos estudantes. “É fundamental para a vida deles. Nossos estudantes são, em maioria, jovens, negros e de periferia, ou seja, fazem parte de vários grupos de vulnerabilidade. Eles precisam saber de seus direitos, se verem como parte da sociedade e verem a escola como um local de acolhimento”, explica.
A agenda dos direitos humanos também é entendida como intrínseca às escolas pela educadora Renata Ferraz, fundadora do Pé na Escola, coletivo que busca criar conhecimento, materiais e metodologias de educação política e em direitos humanos para impulsionar a autonomia das escolas nesse sentido.
Para Renata, além das escolas se reconhecerem como garantidoras dos direitos humanos, é fundamental que as unidades valorizem as culturas minoritárias, busquem o diálogo, se posicionem diante dos fatos, busque referências sobre o tema e permita a existência de consensos e dissensos nas atividades, dentro de um contexto democrático.

(da Carta Educação)

"Educação de adultos a distância só vai gerar exclusão"

A proposta em discussão no Conselho Nacional de Educação – que prevê a oferta a distância de 40% do currículo do Ensino Médio– também pretende direcionar totalmente a Educação de Jovens e Adultos para este modelo. Só em 2017, na modalidade do Ensino Médio, o Brasil registrou cerca de 1,4 milhões de matrículas na etapa, segundo dados do Laboratório de Dados Educacionais da UFPR, a partir dos microdados do Censo Escolar 2017.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), de fato, traz vários desafios ao Brasil mesmo no formato presencial, como explica o coordenador executivo adjunto da Ação Educativa, Roberto Catelli. Para ele, o País conta com atendimento a um grupo ainda minoritário, já que parte dos estudantes não consegue acompanhar a oferta noturna, maioria nos sistemas educacionais. No entanto, alerta que estabelecer o modelo a distância como única alternativa é uma “medida criminosa, que só vai gerar mais exclusão”.
“Precisamos lembrar que grande parte do público demandante da EJA é de pessoas que já saíram há algum tempo da escola e têm um problema sério com o seu valor social, devido a relações traumáticas. Então não basta sentar diante de um computador para estudar: é importante o contato presencial”.
Confira a entrevista.
Carta Capital: Como você vê a possibilidade da Educação de Jovens e Adultos ser ofertada 100% à distância?
Roberto Catelli: Um dos problemas da EJA é o modelo de oferta, mas restringir a um único modelo também não é algo positivo. A gente tem hoje um atendimento presencial ainda direcionado a um grupo muito minoritário de pessoas, já que poucas conseguem ficar das 19 às 23 horas na escola e acompanhar a oferta majoritariamente noturna. Já somos limitados com a oferta presencial como único modelo. Por exemplo, na cidade de São Paulo existe um outro modelo, que é o Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (CIEJA), que são duas horas e quinze por dia de aula. É um modelo presencial de outro tipo que atende um outro grupo.
Outra possibilidade bastante alimentada pelo governo federal são os exames como o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos, Encceja. No entanto, eu pesquisei esse assunto e a evidência é que ele favorece as pessoas mais jovens e mais escolarizadas, ou seja, aqueles que saíram a menos tempo da escola. Também não se aplica para a grande massa de pessoas que estão fora da escola e tem suas deficiências. Onde eu quero chegar?
A educação a distância pode ser uma outra oferta, para algumas pessoas que não conseguem frequentar uma escola presencial, não acho que ela seja impeditiva. O problema é se você transforma isso na principal política. Seria algo criminoso, que só vai gerar exclusão e não inclusão. Outra questão é que, sendo 100% a distância, você abre mão de um espaço de sociabilidade, de contato presencial com professores que possam permitir outro tipo de interação a esses indivíduos. Precisamos lembrar que grande parte do público demandante da EJA são pessoas que já saíram há algum tempo da escola e têm um problema sério com a questão do valor social que a escola tem, devido a uma relação traumática estabelecida. Então não basta sentar diante de um computador para estudar, é importante esse contato presencial.
CC: Acredita que esses estudantes não teriam autonomia para tocarem seus estudos sozinhos dado o tempo fora da escola?
RC: Não se aplica, por isso disse que o modelo a distância como única alternativa vai mais excluir do que incluir. Isso serviria só a um pequeno grupo, que provavelmente é o mais escolarizado, mais jovem e tem alguma habilidade com as novas tecnologias. Talvez esse seja um perfil que torne a proposta defensável. No caso de não poderem cursar o presencial por impeditivo do trabalho, por exemplo, o modelo serviria.
CC: Quais os desafios educacionais para que a formação oferecida contemple jovens e adultos em sua integralidade?
RC: Um ponto bastante importante é a questão curricular. Nas escolas de EJA hoje não temos desenhos curriculares específicos para esse público. É um um desafio colocado. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a EJA ficou de fora, o que é muito ruim e, para além disso, não temos no País nenhuma orientação curricular específica que indique as especifidades da modalidade e aponte para uma formação de professores. Com isso, outra pergunta que faço é: que conteúdo teria essa formação a distância?
CC:  O que avalia ser fundamental nesse desenho curricular para a modalidade?
RC: O currículo deveria ter mais foco na experiência de vida das pessoas e naquilo que, eventualmente, pode ser pensado como vinculação ao mundo do trabalho e com construções do mundo cotidiano, e não seguir uma lógica totalmente escolarizada como a aplicada a crianças e adolescentes.
CC:  Quais os desafios que o País tem diante da EJA no que diz respeito ao direito à educação dessa parcela da população?
RC: É uma dívida social que o Estado brasileiro tem com o cidadão. Quando a gente diz que 65 milhões de pessoas acima de 15 anos não tinham Ensino Fundamental em 2010 e outras quase 20 milhões não concluem o Ensino Médio depois dos 18, não estamos falando de um pequeno grupo de pessoas que fracassam na escola, mas da metade da população brasileira jovem e adulta. Então isso exigiria da parte do Estado investimentos muito substantivos para reparar essa dívida social. Isso não aconteceu e hoje ainda menos.
Estamos em um momento em que você tem o Programa Brasil Alfabetizado com recursos mínimos, com uma redução grande de turmas, uma escassez de propostas efetivas para a modalidade pelo governo federal, cortes na Secretaria de Educação, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), o Programa Nacional do Livro Didático sem novos editais. A gente vê um sucateamento da política de educação de jovens e adultos, apesar do grave quadro social, sem contar a própria Base que descartou a etapa do processo de construção. Não estou dizendo que deveria ser a mesma BNCC direcionada a crianças e adolescentes, mas isso faz com que de fato a EJA fique fora da política pública.
(da Carta Capital)

Argentinos ocupam as ruas no Dia da Memória, Verdade e Justiça

A manifestação teve como cenário central a simbólica Plaza de Mayo e suas ruas vizinhas, onde convergiram organizações sociais, movimentos de defesa dos direitos humanos e familiares dos sobreviventes.
Uma das organizações conveniadas, a Assembléia Permanente dos Direitos Humanos (APDH), marchou em repúdio ao terrorismo de Estado e em comemoração ao Dia Nacional da Memória pela Verdade e Justiça.
Várias têm sido as iniciativas para este ano, como as Mães da Praça de Maio que convocaram os argentinos a pintarem nas ruas, veredas e praças. “Ante o avanço do governo em apagar a memória, pintemos os lenços que nos recordam aos 30 mil desaparecidos e como estão presentes em cada jovem que luta”, destaca a campanha das Mães.
“O chamado à unidade é necessária para exigir a libertação dos presos políticos, para denunciar os retrocessos nas políticas estaduais de Memória, Verdade e Justiça (…)”, declararam treze organizações de direitos humanos, em um comunicado.
(do Vermelho)

Projeto 'Mulheres Inspiradoras' vira política pública em escolas do DF

Entre muitas outras virtudes, e tal como mencionado pelo pedagogo Paulo Freire, ensinar exige alegria e esperança. Essa foi a máxima que a professora Gina Vieira Ponte tinha em mente quando criou, em 2014, o projeto Mulheres Inspiradoras. A iniciativa não se trata apenas de um programa inovador, premiado nacional e internacionalmente. Ela configura a primeira proposta aplicada em sala de aula e, posteriormente, incorporada pelo GDF. A ideia se tornará política pública a partir de abril. A meta é permitir que, com o tempo, o trabalho alcance um número cada vez maior de instituições de ensino públicas do Distrito Federal.

Intitulado Programa Mulheres Inspiradoras — Políticas de valorização de processos autorais em leitura e escrita na rede pública de ensino do Distrito Federal, o projeto agora dependerá de aporte da Secretaria de Educação (SEDF). A maior parcela do dinheiro reservado para o programa será investida na aquisição das obras literárias selecionadas para as escolas participantes. A outra parte será destinada à compra de materiais necessários para a realização do curso de formação de professores, que serão selecionados por meio de edital de chamamento público.
Na quinta-feira, Gina e outras quatro professoras, que gerenciam, acompanham e executam os trabalhos do projeto, enviaram à pasta uma proposta de edital para avaliação da assessoria jurídica. Se o documento for aprovado sem modificações,  será encaminhado para aprovação da Subsecretaria de Educação Básica e para publicação no Diário Oficial do Distrito Federal até o fim de março. O próximo passo consistirá em escolher 30 professores de turmas de 9º ano do ensino fundamental de 15 escolas, em um processo seletivo previsto para abril. As atividades do Mulheres Inspiradoras serão desenvolvidas pelos educadores durante e após um curso preparatório realizado no Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (Eape), na 907 Sul.
Expansão
Em 2017, um acordo de cooperação internacional firmado entre o GDF, o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) permitiu que o projeto se expandisse e atendesse 15 escolas — além do Centro de Ensino Fundamental 12 de Ceilândia, onde nasceu. O banco investiu US$ 20 mil para compra dos livros. A OEI ficou responsável pela gestão do recurso, e o GDF, pela capacitação dos 30 professores selecionados por meio de edital. Seis regiões administrativas foram atendidas pela iniciativa (leia Memória).
A idealizadora do Mulheres Inspiradoras, Gina Vieira Ponte, conta que, mesmo com a limitação a apenas 30 educadores, dezenas de outros professores participaram como ouvintes. Eles estiveram presentes no curso de formação para tentar descobrir formas de desenvolver em sala de aula, na chamada Parte Diversificada (PD), a metodologia proposta durante os 30 encontros de capacitação. “As escolas têm a liberdade de usar esse componente curricular da forma que melhor atender à comunidade. Trata-se de um projeto de identidade. Com ele, os alunos percebem que o ensino deve dialogar com a realidade.”
Além disso, a aplicação do projeto não precisa se resumir à disciplina de língua portuguesa ou da área de humanas. “O conteúdo pode ser aplicado só na disciplina de língua portuguesa ou de maneira interdisciplinar. O conteúdo das aulas é a leitura, interpretação de texto e a escrita autoral. O feminismo e as questões de gênero entram como temas transversais nesse processo”, explica Gina.
Ela acrescenta que as atividades executadas com base na iniciativa favorecem uma conexão dos conteúdos ensinados na escola com os contextos sociais dos alunos. Segundo a professora, com o Mulheres Inspiradoras, os estudantes se tornam protagonistas do processo de educação, fato que tira a centralidade do professor na sala de aula e torna o aprendizado um desenvolvimento coletivo.
 
Processo seletivo
O edital que estabelecerá a política pública teve como base o documento do ano passado. Segundo Renata Parreira Peixoto, diretora de Educação do Campo Direitos Humanos e Diversidade da Subeb, o processo seletivo ainda não tem calendário definido, uma vez que o edital está em fase de análise. A previsão é alcançar todos os estudantes da última série do ensino fundamenta até 2021. No edital que está prestes a ser lançado, mais duas coordenações regionais de ensino, de 14 que existem no DF, serão atendidas pelo projeto — além das seis contempladas no ano passado.
“Vejo um elemento muito potencializador nesse projeto, porque trabalha com minorias e identidade. A partir do momento em que trabalham histórias de mulheres inspiradoras, eles percebem que também têm, dentro do próprio núcleo familiar, mulheres inspiradoras, protagonistas, que despertam admiração dos próprios entes queridos. Essa transformação é fundamental nas escolas”, observa Renata. A diretora acrescenta que uma proposta de ampliação para alunos do ensino médio está em discussão.
Modelo que deu certo

O projeto Mulheres Inspiradoras foi pensado com foco em alunos de 9º ano. Em 2017, as escolas selecionadas para receber a iniciativa pertenciam a seis regiões administrativas do Distrito Federal. No entanto, no ato das inscrições, não houve professores suficientes para preencher as 30 vagas. Por isso, docentes de alunos do ensino médio puderam participar do processo seletivo e, posteriormente, do curso de capacitação. Foi o caso das professoras Dilvanice Carvalho e Luana Viana, do Centro de Ensino Médio (CEM) 1 do Riacho Fundo 1.
Dilvanice é professora de língua portuguesa. Já Luana ensina matemática, mas discutiu as obras lidas na disciplina de português por meio de debates nas aulas da Parte Diversificada (PD). No ano passado, as duas foram selecionadas e desenvolveram, de abril a dezembro, a metodologia do Mulheres Inspiradoras com turmas de 1º ano do ensino médio. “Eles tiveram resistência no início. Alguns chegaram a dizer que se tratava de ‘apologia ao feminismo’, mas, quando viram que o foco eram as leituras, debates e o desenvolvimento de um posicionamento crítico, começaram a se soltar. As produções escritas e as argumentações orais melhoraram, e tudo de forma natural, sem imposição”, diz Dilvanice.
Orientadora educacional do CEM 1, Denise Mold comenta que não apenas Luana e Dilvanice perceberam as transformações, mas outros professores também. A melhora foi além da notas. “No conselho de classe, comentava-se sobre uma mudança de postura. Os alunos estavam mais comportados e maduros. Agora, precisamos nos organizar para dar continuidade à proposta.”
Transformação
Estudante do 2º ano do ensino médio, Ana Carollina Nogueira, 15 anos, relata que não se sentiu interessada quando soube do projeto inicialmente. No entanto, depois das leituras, debates e tarefas dentro e fora de sala, o olhar da adolescente mudou. “Antes, eu não tinha uma mente muito aberta. Depois das aulas, mudei bastante minha forma de falar, pensar e enxergar o mundo. Não só ajudam com os conceitos para quando pedem nossa opinião, mas esses tipos também contribuem como lição de vida”, comenta a jovem, cujo livro favorito entre os propostos foi O Diário de Anne Frank.
Colega de classe de Ana Carollina, João Victor Rodrigues, 15, também viu benefícios na proposta. Ele afirma que a obra de que mais gostou foi Quarto de despejo: diário de uma favelada, livro de 1960, escrito por Carolina Maria de Jesus. “Fora da escola, podíamos acessar a sala virtual, para quando chegássemos em casa. A gente debatia e algumas pessoas compartilhavam histórias. Tirei muito proveito e pude perceber como a vida é mais difícil para uma mulher.”
Também alunas do 2º ano, Emily Camille Silva e Stefany Silva, ambas de 15 anos, se identificaram com as obras por se tratarem de relatos do ponto de vista feminino. “Foi uma experiência incrível, que me trouxe conhecimento sobre histórias de mulheres que eu não conhecia e se tornaram um espelho para mim. Parecia que os relatos eram meus”, analisa Emily. “Eles me ajudaram muito emocionalmente. Há várias outras pessoas tentando superar dificuldades. Eu não entendia muito sobre preconceito, mas, quando lia tudo o que elas sofriam, eu me identificava com as narrativas”, completa Stefany. (JE)

Conheça quem são as educadoras integrantes da equipe de Gestão e Formação do projeto Mulheres Inspiradoras:
Gina Vieira Ponte de Albuquerque 
Gina nasceu em Ceilândia. Dos 46 anos de idade, 38 deles foram dentro da escola pública: 11 como estudante e 27 como professora. É graduada em letras/português e respectiva literatura pela Universidade Católica de Brasília e mestranda em linguística pela Universidade de Brasília; especialista em educação à distância; desenvolvimento humano, educação e inclusão escolar; e letramentos e práticas interdisciplinares nos anos finais. Atua como professora efetiva da Secretaria de Educação desde abril de 1991. “Precisamos de uma escola que respeite a identidade do aluno, que garanta a ele o direito à aprendizagem e ao desenvolvimento, e que colabore para que ele abrace grandes projetos de vida.”
Ana Claudia Souza Dias
Ana Claudia sempre estudou em escola pública e atua como professora da Secretaria de Educação há 20 anos, tendo se dedicado à formação de leitoras e leitores da educação infantil ao ensino médio. Nasceu em Taguatinga e atuou em diversas regiões do DF. Foi aluna da primeira turma do curso de formação do projeto e o colocou em prática no CED 7 de Taguatinga. “Não é receita de bolo nem camisa de força. O professor é um intelectual transformador da própria prática pedagógica e o programa possibilita a valorização desses profissionais e o protagonismo dos estudantes no processo educativo.”
Bruna Paiva de Lucena
Bruna nasceu e cresceu em Brazlândia. Das escolas públicas da cidade saiu rumo à Universidade de Brasília, onde cursou graduação, mestrado e doutorado em letras e literatura. Neta e filha de duas mulheres do sertão, é mãe de uma menina e, hoje, dedica-se ao projeto como professora da Secretaria de Educação. Também trabalha como pesquisadora nas áreas de literatura, leitura, histórias de livros e biográficas. “O projeto propicia que a escola chegue de alguma forma à casa dos alunos. A partir do momento em que você conhece a história do seu colega, há diálogo e a construção de outras narrativas. Muita gente relatava que não lia. Por isso, a formação do leitor é nosso principal ganho.”
Cristiane Portela
Cristiane é historiadora, goianiense e mãe. Ela veio para Brasília em 2005 para trabalhar como professora da Secretaria de Educação. É mestre pela Universidade Federal de Goiás e doutora pela Universidade de Brasília, além de professora do curso de história do UniCeub e orientadora de mestrado na Universidade de Brasília. “Propomos uma metodologia de trabalho que articule as ações de gestão da política pública com a formação de professores e o estímulo à autoria nas ações que ocorrem lá na raiz: a sala de aula e o chão da escola, que são os lugares mais importantes e em que as mudanças efetivamente acontecem na educação básica.”
Valéria Gomes
Nascida e criada na periferia do Rio de Janeiro, onde foi aluna do sistema público de ensino, Valéria é professora da Secretaria de Educação desde 2009 e dedica-se, desde o início, à formação de leitores e escritores. Mestre em linguística pela Universidade de Brasília, teve como objeto de pesquisa o Mulheres Inspiradoras, no qual agora atua como articuladora e formadora. “Esse é um projeto que mobiliza pessoas em torno de um trabalho inovador com a escrita e a leitura, em articulação com temáticas urgentes. Ele mostra a força dos saberes construídos na prática diária de docentes, a partir de um exercício intelectual crítico que promove transformação.”

Memória
Incentivo à escrita autoral

O projeto nasceu com o objetivo de promover um estímulo à leitura e à escrita autoral e fortalecimento à interpretação de textos entre estudantes dos últimos anos da educação básica. A proposta consiste em trabalhar com os alunos obras  escritas por mulheres e que abordam temas como violência, racismo, empoderamento, diversidade, igualdade de gênero e representação feminina. O conteúdo programático pré-definido para escolas é mantido.
A professora Gina criou o projeto em 2013 e aplicou em cinco turmas para as quais lecionava língua portuguesa em 2014. No ano seguinte, deu continuidade à proposta, em sete turmas. Também fazia parte da proposta solicitar aos adolescentes que produzissem uma redação falando sobre uma mulher inspiradora na vida deles. Em março de 2016, os relatos dos alunos do  Centro de Ensino Fundamental (CEF) 12 de Ceilândia foram transformados em livro.


As obras

Veja quais são as sete obras literárias escolhidas para o programa no ano de 2018:
A mulher de pés descalços 
Scholastique Mukasonga
A outra face: história de uma garota afegã
Deborah Ellis
Diário de Bitita
Carolina Maria de Jesus
Metade cara, metade máscara
Eliane Potiguara
Não vou mais lavar os pratos
Cristiane Sobral
Ponciá Vicêncio
Conceição Evaristo
Um verso e Mei
Meimei Bastos
As escolas
Confira quais escolas desenvolveram o projeto no ano passado:
Ceilândia
» CED 7
» CEF 14
» CEF 20 (Voluntária)
» CEF 31
» CEF 34
» CEM 2 (Voluntária)
» CEM 12
» INCRA 9
» CILC
Gama
» CEF 1
» CEF 15
Plano Piloto
» Cean
» Cesas
Riacho Fundo
» CEM 1
Samambaia
» CEM 414
Taguatinga
» CED 7
» Cemab
O reconhecimento
O projeto foi reconhecido nacional e internacionalmente, confira as premiações:
Internacionais
» 1º Prêmio Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos (Organização de Estados Ibero-Americanos), 2017
» 1º WED Brazil (Women’s Entrepreneurship Day Organization), 2017
Nacionais
» 4º Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos (Ministério da Educação e Secretaria de Direitos  Humanos da Presidência da República), 2014
» 8º Prêmio Professores do Brasil (Ministério da Educação), 2014
» 10º Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero (Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República), 2015
Locais
» Medalha do Mérito Buriti (Governo do Distrito Federal), 2017
» 1º Prêmio Igualdade de Gênero na Cultura (Secretaria de Cultura do Distrito Federal), 2017
» 3º Prêmio Mulher Educadora Cidadã do Mundo (Sindicado dos Professores do Distrito Federal), 2015
» Prêmio Grandes Educadores (UniProjeção), 2017
* A iniciativa foi reconhecida também pelo Prêmio Professor Nota 10 como um dos 50 melhores trabalhos do Brasil em 2015, e foi finalista do Prêmio Cláudia, em 2017, concedido a mulheres da América Latina.
Para saber mais
O que são políticas públicas

De acordo com Ana Claudia Farranha, professora da Faculdade de Direito da UnB, uma política pública se trata de ação governamental com o objetivo de atender demandas que não são capazes de serem resolvidas pela sociedade nem pelo mercado. “São um conjunto de diretrizes para a resolução do problema e têm origem em demandas sociais. Não é qualquer tipo de demanda. É necessário ser um tema da agenda pública que requeira intervenção.” As etapas seguintes até a implementação envolvem tomada de decisão e formulação de instrumentos. Por fim, após a execução, é necessário avaliar os resultados.

O que podemos aprender sobre cultura afro-brasileira com duas escolas

Uma pesquisa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) divulgada nesta quarta-feira (21) mostra que 24% das escolas públicas do Brasil ainda não discutem o racismo com seus alunos, mesmo tendo passado 15 anos de aprovação da lei 10.639, que institui a inserção de conteúdos de história e cultura afro-brasileira nos currículos escolares.
As escolas que trabalham questões raciais e da cultura afro-brasileira estão “desconstruindo um sistema-mundo que existe desde o século 16”. “A formação das secretarias de Educação sobre o tema é importante, mas a construção do conhecimento do professor com a gestão é tão importante quanto”, afirma a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. “São revolucionárias essas experiências que estimulam o aluno a aprender para construir, e não aprender para repetir”.
Petronilha foi relatora da comissão que elaborou o parecer que regulamenta a lei 10.639/2003 e estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A lei entrou em vigor há 15 anos, mas a inserção de temas da cultura afro-brasileira ainda não são discutidos em todas as salas de aula. Duas escolas, uma do Pará e outra da Bahia, elaboraram projetos para turmas do Ensino Médio com foco na cultura afro-brasileira. Conheça esses projetos:
Uma consciência construída ao longo dos anos
A professora Odalícia Conceição é especialista em aplicação da lei 10.639, mas ela enfrenta um desafio: sua formação é em Matemática. Quando chegou à EEEFM Jornalista Rômulo Maiorana, na cidade de Ananindeua, no Pará, a professora percebeu que a escola não falava sobre consciência negra sequer no feriado nacional, dia 20 de novembro, mesmo tendo em sua população uma ampla maioria de descendentes de negros e indígenas.
Aos poucos, Odalícia conseguir despertar na escola o interesse pelas temáticas afro-brasileiras. Em 2007, foi realizado um evento “Raça e saberes africanos” no dia 20 de novembro. Para quem não costumava sequer tocar no assunto, já era um avanço.
No ano seguinte, a professora tanto fez que conseguiu convencer os colegas a pensar em um projeto que rendesse trabalhos ao longo do ano. Em 2009, veio sua ideia de relacionar sua disciplina com a cultura afro-brasileira, e assim foi feito o projeto de jogos de tabuleiro e a Etnomatemática.
Mas Odalícia queria mais: seu objetivo era engajar os demais professores a também contribuírem com seus conhecimentos específicos das áreas. Estudou por conta própria a relação da cultura afro-brasileira com diferentes disciplinas e deu sugestões de aplicação em sala de aula, como uma forma de presente. Ela sabe que o ideal é que a iniciativa parta dos próprios professores e da gestão da escola. “É necessário que a gestão seja democrática, que os gestores insiram esse tema no PPP da escola, para que todas as disciplinas contribuam com conhecimentos interdisciplinares”
Para verificar se haveria um ganho na aprendizagem de seus alunos, Odalícia aplicou os jogos com uma das turmas, e com outra não. Qual não foi a sua surpresa quando percebeu que não apenas o desempenho da turma que trabalhou relações étnicas havia melhorado, mas a autoestima das meninas também apresentava mudanças. Os índices de reprovação e de frequência na sala diminuíram. “Nenhum professor queria aplicar provas naquela turma porque os alunos só entregavam nos últimos minutos. Quando fomos investigar o porquê daquele comportamento, vimos que eles acreditavam que deviam dar o seu melhor”, conta, emocionada.
Quando a sociedade pauta a escola
Na Bahia, o diretor Francisco Cruz do Nascimento teve que lidar com uma triste realidade. Duas jovens negras, Núbia de Oliveira Santos e Leidiane dos Santos, desapareceram no município de Ibirapitanga. Ambas eram alunas do Colégio Estadual Paulo César da Nova Almeida. Alguns dias depois, o corpo de uma delas foi encontrado, mas uma segue desaparecida até hoje. “Os alunos da escola ficaram muito incomodados, pediam uma atitude da escola”, lembra o professor Antônio José Santana Jr.
Um terceiro episódio reforçou a necessidade de conversar sobre a história dos negros no país: a hostilização que alunos e alunas negros sofriam na escola. “Um dia, um aluno foi à escola portando um objeto do candomblé. Ele foi tão hostilizado que tivemos que parar nossas atividades para conversar a respeito”, diz Antônio.
Debates sobre história e cultura afro, empoderamento negro e religiões africanas ganharam espaço no cotidiano escolar. “Na escola, as questões raciais se tornaram prioridade. Incluímos o tema no projeto político-pedagógico da escola para dar a força de uma espécie de ‘lei interna’, que é criada e respeitada pela coletividade”, conta o diretor Francisco Cruz do Nascimento. Para ele, a escola não pode se ater à visão eurocêntrica dos livros didáticos, “que não nos representam”, e deve buscar fontes diversas de informação.
O projeto extrapolou os limites da escola e foi levado a um assentamento, com oficinas que promoviam o debate entre idosos e jovens, e à Câmara municipal e espaços públicos, através de protestos que pediam justiça pelo desaparecimento das meninas.
Para Antônio, dois sinais são os mais importantes para o sucesso. O primeiro, de que os jovens não se calam mais diante de atitudes preconceituosas. “Podemos não ter erradicado o preconceito, mas a juventude negra agora tem coragem de denunciar atitudes preconceituosas na escola e fora dela”, orgulha-se. O segundo, quando ouviu dois jovens, um cristão e um do candomblé, conversando respeitosamente sobre visões diferentes que suas religiões tinham sobre a homossexualidade e surpreendendo-se com as respostas.
“A escola não consegue e não deve se fechar em sua bolha, alheia aos acontecimentos da sociedade. Recentemente, os alunos quiseram debater a execução da vereadora Marielle [Franco], e em suas discussões, eles apontaram sinais de homofobia, racismo e feminicídio dos discursos e nas atitudes da sociedade atual”, resume Francisco.
O seminário “Gente que transforma a Educação: experiências de equidade racial e de gênero” é uma iniciativa do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) em parceria com o Instituto Unibanco, o Sesc e a Fundação Ford.
(da Nova Escola)

Reforma da previdência: Globo levou 1/3 dos 110 milhões que Temer queimou em publicidade; confira a lista

A intensa empreitada do governo Temer para aprovar a reforma da Previdência nadou, nadou e morreu na praia. Mas, antes, deixou mais gordos os cofres do maior conglomerado de mídia do país. Dados conseguidos pela agência Livre.jor com a Secretaria de Comunicação da Presidência, via Lei de Acesso à Informação, revelam que o Grupo Globo faturou R$ 38,6 milhões para propagandear a necessidade de mudanças nas regras de aposentadoria dos brasileiros. O valor equivale a pouco mais de um terço de tudo o que foi gasto com a campanha publicitária: R$ 110 milhões.
Clique aqui para ver a relação completa de pagamentos.
A maior parte do valor recebido pelas empresas da família Marinho foi para a Globo Comunicação e Participações, que agrega a Rede Globo, os canais Globosat, o portal Globo.com, a Editora Globo, a Som Livre e o site de imóveis Zap. Foram R$ 36 milhões.  O restante foi dividido entre rádios, Infoglobo – responsável pelos jornais O Globo, Extra e Expresso – e Valor.
A propaganda pela reforma se arrastou na mídia de dezembro de 2016 a fevereiro deste ano. Agora, após o foco ter se voltado para a intervenção na Segurança Pública do Rio, os R$ 110 milhões foram praticamente jogados fora, já que estão congeladas mudanças na Constituição, como é o caso da proposta apresentada pelo governo. Uma agenda econômica requentadasubstituiu a batalha pelas modificações no sistema de aposentadoria.

Quem quer dinheiro?

Depois do Grupo Globo, o topo da lista da propaganda da reforma segue com a Record (R$ 12,1 milhões) e o SBT (R$ 9,8 milhões). Em janeiro, quando o governo ainda tentava um último fôlego para colocar o tema em votação no Congresso, Temer chegou a ir no programa de Sílvio Santos, de quem ganhou um nota de 50 reais no palco.
A campanha pela reforma também repassou recursos para o Facebook. Quarta na lista dos que mais receberam verbas publicitárias na empreitada fracassada de Temer, a empresa de Mark Zuckerberg faturou R$ 3,6 milhões, que vitaminaram a exibição de postagens e anúncios na rede social. É quase o dobro do que recebeu a Bandeirantes, quinta na lista, que ficou com R$ 1,9 milhão.
Outros veículos que se alinharam editorialmente com a proposta, como o jornal O Estado de S. Paulo ou a rádio paulistana Jovem Pan – onde o presidente emedebista costuma ser recebido para entrevistas laudatórias – ficaram com R$ 1,06 milhão e R$ 883 mil, respectivamente.
Quase o mesmo dinheiro entregue aos veículos de mídia da Igreja Sara Nossa Terra (TV Gênesis e rádio Rede Sara Brasil), que pertencem ao  ex-deputado federal Robson Rodovalho. Elas receberam pagamentos que somam R$ 862 mil por espaço publicitário para a reforma. Foi num culto na Sara Nossa Terra, em Brasília, que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, falou a fiéis em defesa das mudanças na Previdência.

Até tu, Doria?

A lista de agraciados com as verbas publicitárias da reforma é bastante extensa. Ao todo, são 1.300 nomes. Se for somada a produção dos materiais, há outras 50 empresas que foram contempladas. Até a Doria Editora, que pertence ao grupo ligado ao empresário e prefeito de São Paulo João Doria, levou seu quinhão: R$ 136 mil.
Além do Facebook, outras duas grandes redes sociais, o Twitter e o Linkedin, receberam respectivamente R$ 848 mil e R$ 145 mil. Bem mais que o gasto com anúncios em portais tradicionais, como e Yahoo! (R$ 169 mil) e Terra (R$ 74 mil). O governo também apelou para conteúdos específicos para Smart TV, como os oferecidos pela Smartclip. Essa conta ficou em R$ 234 mil.
Ao todo, a campanha para tornar palatável a defunta reforma da Previdência teve quatro fases de produção. Ora reforçando a linguagem mais formal, ora mudando ares nos vídeos, adicionando personagens, simulando cenas reais.
Das quatro fases, a segunda foi a que mais consumiu dinheiro (R$ 70 milhões para produção e veiculação de peças), entre fevereiro e junho de 2017, após o governo Temer receber os resultados de uma pesquisa realizada pela Mood Pesquisas, que avaliou que as peças veiculadas até então foram consideradas por entrevistados como “genéricas demais, imprecisas, superficiais e para alguns até mesmo mentirosas”.
(do The Intercept)

Não, Marielle não foi casada com Marcinho VP, não engravidou aos 16 e não foi eleita pelo Comando Vermelho

Uma série de informações falsas circulam nas redes sociais desde a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL) na noite da última quarta-feira (14). Uma corrente de WhatsApp reproduzida pela desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Marilia Castro Neves e um tweet do deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) replicaram o boato de que Marielle foi casada com um traficante e tinha associação com o crime. O tweet do deputado foi deletado, mas o estrago já estava feito: nada disso é verdade.
Veja, abaixo, o que Aos Fatos checou — e continua apurando ao longo do dia.


FALSO

Engravidou aos 16 anos.

Morta na última quarta-feira (14), Marielle tinha 38 anos de idade e uma filha de 19, chamada Luyara Santos. Isso significa que ela engravidou entre os 18 e 19 anos — e não aos 16.
“Mataram a minha mãe e mais 46 mil eleitores! Nós seremos resistência porque você foi luta! Te amo”, escreveu sua filha nas redes sociais.


FALSO

Ex-esposa do Marcinho VP.

Conforme já mostrou o site Boatos.org, Marielle nunca foi casada com ex-traficante — seja lá qual Marcinho VP a corrente de WhatsApp insinua ser. É que existem dois Marcinhos: Márcio Amaro de Oliveira, traficante carioca que atuava na favela Santa Marta, em Botafogo, zona sul do Rio, e Márcio dos Santos Nepomuceno, traficante carioca do Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense.
O primeiro morreu em 2003, dentro do presídio de Bangu 3, e é o personagem central do livro “Abusado”, do jornalista Caco Barcellos. Integrante do Comando Vermelho, estava preso desde abril de 2000, quando foi encontrado no Morro do Falet, no Rio Comprido, zona norte do Rio. Ele estava foragido desde 1997 fora do Rio. Ou seja, a cronologia não bate: na época de sua prisão, Marielle tinha em torno de 20 anos, já tinha uma filha e estudava em pré-vestibular comunitário na Maré. Antes disso, ele sequer estava no Rio.
O Marcinho VP menos midiático é Márcio dos Santos Nepomuceno, preso desde 1997. Foi capturado em Porto Alegre, mas, desde então, também já esteve em Mossoró, no Rio Grande do Norte, e em Catanduvas, no Paraná. A data e os locais também inviabilizam a narrativa de que Marielle fora casada com o traficante.
Até uma imagem tem sido distribuída nas redes afirmando ser de Marielle e algum dos Marcinhos VPs. No entanto, ela não retrata nenhum dos dois. Um leitor enviou à equipe o rastro original da imagem: um fotolog com uma publicação de 13 de agosto de 2005.
Ainda segundo a divulgação de sua candidatura, registrada junto ao TSE(Tribunal Superior Eleitoral), Marielle é solteira.
No ato de registro de candidatura, Marielle também apresentou certidão da Justiça Federal no Rio de Janeiro que certifica que: “em pesquisa nos registros eletrônicos armazenados no Sistema de Acompanhamento e Informações Processuais, a partir de 25/04/1967, até a presente data, exclusivamente na Seção Judiciária do Rio de Janeiro, com sede na Cidade do Rio de Janeiro, que contra: MARIELLE FRANCISCO DA SILVA, ou vinculado ao CPF: 086.472.877-89, NADA CONSTA, na Seção Judiciária do Rio de Janeiro”. Outras certidões de mesmo teor estão aqui e aqui.
Amigos da vereadora morta no Rio também negam a informação e repudiam a tentativa de associá-la ao tráfico de drogas. No Facebook, a sobrinha de Marielle, Annie Caroline, afirma: “por favor, não compartilhe áudios de outras pessoas dizendo que é minha tia. Por favor, não diga que ela era envolvida com o Comando Vermelho. E, essencialmente, não vá nas postagens da minha prima dizer que ela é filha do Marcinho VP e que minha tia engravidou aos 16. Isso foi o cúmulo pra perceber o quanto as pessoas são insensíveis com a dor de uma filha”.
Reportagem do G1 publicada neste sábado (17) mostra, inclusive, que Marielle ajudou na apuração da morte do policial civil Eduardo Oliveira em 2012. À época, Marielle era assessora da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e lotada no gabinete do deputado Marcelo Freixo (PSOL).
“Tenho pena por escreverem esse absurdo. Deveriam orar mais para que não aconteçam com elas. É triste ver o que a pessoa fez por outras e não ter reconhecimento. ‘Ah porque não fez para X, Y, Z’. Ela fez por muita gente, para família de policiais. Porque eu sou de família de policial. Fico muito triste com o que escrevem, não era nem para levar a sério”, disse a mãe do policial, Rose Vieira.
Marielle morava com sua mulher e sua filha na Tijuca, na zona norte do Rio.


FALSO

Eleita pelo Comando Vermelho.

Não fica claro o que significa ser “eleita pelo Comando Vermelho”. O Complexo da Maré, onde Marielle se criou, é dominado por duas facções criminosas rivais: o Comando Vermelho, que detém o poder de regiões como Nova Holanda e Parque Maré, e o Terceiro Comando Puro — que se concentra em regiões maiores, como a Baixa do Sapateiro, a Vila do Pinheiro, a Vila do João. Há também regiões dominadas por milícia, mas são minoritárias.
Marielle mantinha fortes laços sobretudo na Baixa do Sapateiro, no Morro do Timbau e no Conjunto Esperança, onde passou sua infância, juventude e vida adulta — e onde o domínio sequer é do Comando Vermelho.
Trata-se de uma comunidade que, com a ausência de policiamento e de políticas do Estado, está conflagrada. As duas facções criminosas disputam o local — e o TCP parece estar em situação mais favorável.
No entanto, não há qualquer nexo entre a disputa de territórios do CV na Maré e a eleição de Marielle. A vereadora foi eleita com 46,5 mil votos, dentre os quais apenas 1,6 mil foram de eleitores da Maré e arredores. A informação é do jornal Extra e demonstra que outros candidatos das favelas não conseguiram se eleger para a Câmara de Vereadores sem os votos de outras regiões da cidade. Para se ter uma ideia, o Complexo da Maré tem mais de 130 mil habitantes, segundo o Censo 2010.
O eleitorado de Marielle, segundo mapa do jornal O Globo com base em dados do Tribunal Regional Eleitoral do Rio, se concentrou sobretudo nas zonas eleitorais do Leblon e da Gávea, de Copacabana e de Copacabana, Ipanema e Lagoa — regiões ricas da cidade. Botafogo, Urca, Humaitá e Jardim Botânico também tiveram forte participação em sua eleição, assim como as zonas eleitorais do Catete, da Glória e da Lapa, além daquelas no Maracanã e na Tijuca.
As bandeiras defendidas por Marielle vão ao encontro daquelas endossadas por movimentos que lutam pelo fim da violência perpetrada pelo tráfico e pelas incursões policiais na região. Sem UPPs (Unidades de Polícias Pacificadoras), a estratégia de combate ao crime em suas comunidades não é permanente. Policiais entram em suas favelas com regularidade em situação de conflito, o que expõe a população local e os próprios agentes da polícia. Era contra essa vulnerabilidade que Marielle militava.
“Do tráfico não se cobra a lei e o respeito. Eu cobro essa postura é do Estado”, disse Marielle no Twitter.


FALSO

E ela foi eleita pelo Comando Vermelho. A favela bancou ela. O tráfico, o tráfico bancou ela, o tráfico colocou ela lá dentro.

A frase consta de um vídeo divulgado nas redes sociais e que essencialmente reproduz as falsidades já desmentidas nesta checagem. No Youtube, em um perfil que defende intervenção militar, tem mais de 3 mil visualizações, mas um leitor de Aos Fatos, que sugeriu a checagem, recebeu uma versão por WhatsApp. A afirmação sobre o financiamento da campanha da vereadora é, conforme Aos Fatos apurou, falsa.
Segundo dados disponíveis no TSE, a campanha à vereadora de Marielle Franco arrecadou R$ 92.193,33. 23% do financiamento veio da Direção Municipal e Estadual do PSOL, 8%, de doação da campanha à prefeitura de Marcelo Freixo e 3%, de recursos da própria candidata.
O restante da receita da campanha da vereadora foi financiado por 48 pessoas físicas. Desse total, 11 delas fizeram doação de prestação de serviço somando um valor estimado de doação de R$ 18.200. Entre as pessoas físicas que doaram mais de R$ 2 mil, estão dois professores, três pesquisadores de institutos de pesquisas, um advogado e dois funcionários estaduais. Nenhum deles é ou foi parte de nenhum processo judicial criminal, segundo os dados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro consultados a partir dos CPFs dos doadores. Os dados estão nas bases do TSE e podem ser consultados aqui.
(do Aos Fatos)

Em Ceilândia, professor usa banheiro para ensinar ciência e tornar aprendizagem mais divertida

Para estreitar a relação entre professor e aluno, um docente de Física do Instituto Federal de Brasília (IFB), do campus de Ceilândia, resolveu inovar: deu uma aula dentro do banheiro. A experiência surgiu a partir da necessidade de conhecer e adaptar a turma de primeiro ano do Ensino Médio Integrado ao Técnico em Eletrônico, que, mesmo novata, mostrou uma agitação com pedidos para tomar água e ir ao banheiro a todo momento.
O professor Pablo Diniz Batista uniu o útil ao agradável: a possibilidade de causar um estranhamento com uma aula dentro do banheiro e uma nova forma de aprendizagem. “Nós, professores, começamos a discutir o que podíamos fazer para que se pudesse parar com a inquietude dos alunos. Surgiram algumas ideias de regras, como colocar o limite de quantos alunos podiam sair por vez. Só que eu pensei o contrário: por que não fazemos do banheiro um local de aprendizagem?”, explica.
Toda a ideia veio na sexta-feira passada. Já na segunda-feira, ele colocou a proposta em prática com autorização da diretoria. Para compor o cenário, o profissional usou materiais recicláveis, como garrafas de refrigerante, madeira e isopor.

“Discutimos o conteúdo de Ciências da Natureza e como ele está ligado ao banheiro: a água, o chuveiro, a eletricidade”, Pablo Diniz Batista, professor.

“No fim de semana, percorri algumas regiões para tirar fotos de pichações, fiz experimentos relacionados à eletricidade estática, fenômenos de repulsão, atração, carga elétrica. E montei o espaço antes da aula, para eles não verem nada”, conta o professor. O material utilizado e as fotos de pichações urbanas foram pra causar espanto e estranhamento aos alunos.
Com o espaço pronto e a dinâmica definida, Pablo iniciou o plano na sala de aula. “Perguntei quem queria ir ao banheiro e liberava um grupo de cada vez. Uma ajudante segurava os alunos para eles não retornarem. Aí depois dizia ‘gente, o pessoal não voltou. Vão lá ver o que aconteceu’. No fim tinha uns dez alunos e eu escrevi no quadro que a aula seria no banheiro. Fui saindo e o restante veio atrás, desconfiado”, lembra.
Cidadania
Ao chegar ao toalete, Pablo deu uma aula não só de Física, mas de cidadania. “Apresentei o pessoal da limpeza, conversamos sobre a função dos funcionários, a organização, o que podemos fazer para preservar, discutimos a questão do trabalho, da dignidade”, afirma.
Os resultados foram imediatos. Já no segundo horário da aula, o professor conta que o conteúdo fluiu sem interrupções. “No banheiro eles interagiram da maneira deles. Na sala de aula, apresentei um vídeo que preparei no fim de semana e depois discutimos os experimentos. O interessante é que a segunda aula fluiu, coisa que não aconteceria se fossem duas aulas direto com conteúdo. Discutimos o conteúdo de Ciências da Natureza e como ele está ligado ao banheiro: a água, o chuveiro, a eletricidade”, detalha.
Criatividade e inovação devem ser constantes
Apesar da novidade, Pablo reconhece que nem todos os alunos se sentiram mais atraídos pelas matérias de Ciências da Natureza. “Teve uma aproximação maior, diminuiu a distância entre aluno e professor, como todos são novatos. Mas temos que ter essa criatividade constantemente”, afirma.
“Os professores discutem bastante, em nível nacional, inclusive. Muitos não acreditam mais no modelo conteudista de uma aula. O próprio IFB trabalha com projetos multidisciplinares, com a comunidade. E vamos continuar caminhando nessa direção. Só precisávamos mostrar aos alunos que a escola é diferente e vem dando certo em apostar num modelo em que eles podem aprender com eles mesmos. Tem que romper com o tradicional”, finaliza o professor.
Embora a aula tenha sido dada na segunda-feira, o banheiro segue intacto, com todos os materiais e explicações. A previsão é de que ele fique assim até que toda a instituição faça uma visita guiada. A ação vai servir de inspiração.
Alunos pedem mais
Há unanimidade entre os 40 alunos que participaram da performance: os docentes precisam investir em mais aulas fora do espaço tradicional. “A gente teve outra aula fora de sala, com a professora de Biologia. Acho que assim se aprende mais do que na sala, fica mais dinâmico”, resume o estudante Madison Pereira da Silva, de 15 anos.
Sua colega, Larissa Sales, 15, se assustou com a ideia de início. “Pensei que não caberiam todos dentro do banheiro”, pondera. Mas logo se convenceu de que o método funcionou para atrair os alunos. “Para mim, tenho mais facilidade de aprender quando vejo a pessoa fazendo do que quando o professor fica falando e falando, só na teoria. Foi superlegal”, defende.
O estudante José Antônio de Sousa Júnior, 16 anos, não tem medo de assumir que é um aluno que costuma pedir para ir ao banheiro e beber água durante as aulas. “Quando ele perguntou quem queria ir ao banheiro, fui o primeiro a levantar”, brinca. José alega ainda que, com a ação, ele passou a gostar de estudar circuito elétrico. Agora, ele espera que mais professores adotem aulas assim. “Ficou mais interessante”, conclui.
(do Jornal de Brasília)

A influência das mães de classe média na escola pública

O movimento de mãe e pais de classe média transferirem seus filhos de escolas particulares para escolas públicas tende a se aprofundar em momentos de crise econômica, como a que o país atravessa. Em 2017, 220.767 estudantes matriculados na rede estadual de São Paulo vieram da rede privada, um número 25,8% maior do que os que fizeram a mudança em 2012 (175.404). No mesmo período, o desemprego cresceu de forma alarmante, forçando a classe trabalhadora a abrir mão de serviços privados como educação e saúde.
Ainda que o peso das mensalidades no orçamento da família seja significativo, nem sempre é o argumento central a justificar esse movimento. Diversidade, melhores espaços físicos, alimentação adequada, e, principalmente, melhores mecanismos de envolvimento com as práticas escolares, são alguns dos pontos levados em conta por mães e pais, que aos poucos desconstroem a crença comum de que a educação privada é superior à pública em todos seus aspectos.
Desde a amamentação até a introdução de novos alimentos, a jornalista Liora Mindrisz, 32 anos, está atenta a nutrição da filha Adélia, hoje na eminência dos três anos. Livre acesso ao seio, alimentos manuseados com as próprias mãos, restrição do açúcar e farinha branca, tudo para que a pequena tenha uma boa relação com a alimentação.
Em 2017, Liora voltou a trabalhar. Anos fora do mercado de trabalho, desemprego na família, e a ideia de colocar a menina numa escola particular onde as opções educativas dos pais fossem preservadas foram ficando cada vez mais distantes. Ela procurou unidades privadas e públicas.“Gostei mais das públicas do que das particulares cujos valores não eram exorbitantes – mas ainda pesado para o orçamento atual -, mas que mais pareciam depósitos de crianças. Não tinha vaga na pública, e eu tinha que voltar a trabalhar, então encontramos (ela e o marido Odirlei Regazzo) uma escola particular e razoável. Era um valor que a gente conseguia pagar, mas que ainda assim impactava muito no nosso orçamento.”
Esse ano, a secretaria de Educação de Santo André chamou Adélia para uma vaga. Na nova escola, a expectativa é que muitas das demandas da mãe sejam atendidas: a unidade é grande e tem um bom espaço externo para brincar – já que a menina não é alfabetizada, e, portanto, sem justificativa para confinamento na sala de aula -, as refeições que priorizam os alimentos in natura, estante de livros na sala, acesso da mãe a todo o prédio – em geral, nas escolas particulares os pais deixam os filhos na porta da unidade, já na pública os pais podem deixar na porta da sala -, e, o principal para a mãe: Adélia conviverá com mais diversidade social e cultural nessa nova etapa. “Na antiga escola ela só tinha contato com mesmo tipo dela, e eu não quero que ela estranhe o outro porque não é um igual.”
A experiência da jornalista vai se moldando a partir de um senso de comunidade que vem de dentro.  “Eu recebi boas indicações dessa unidade, e por acaso uma amiga será a professora dela. Conheci a diretora e senti que ela faz boas opções ali. Não tenho ilusão de que não existam problemas, mas eu vou participar do Conselho Escolar. Quero me envolver em tudo.”
Mudando por dentro 
Participação é a chave da relação da arquiteta Ana Paula Lepori e da filha Sofia com a comunidade escolar. Ambas participam dos conselhos da escola; a mãe do Conselho Escolar, e a filha do Conselho Mirim. Segunda Ana Paula, a campanha interna que elegeu Sofia foi valoroso para o aprendizado dos alunos, reforçando a interação, além de estimular a apropriação da escola.
Embora o Conselho Escolar seja um dos principais mecanismos de participação dos pais, Ana Paula afirma que falta formação para que todos entendam a função das reuniões, de maneira a qualificar essa participação. “Estou há dois anos no Conselho, e temos problemas. Não são todas as unidades que os conselhos são efetivos. Falta o poder público formar politicamente a população para isso. Não do ponto de vista partidário, mas melhorar o entendimento de participação social”, disse.
A mãe é arquiteta, trabalha com políticas públicas, e o primeiro entrave para encontrar uma escola foi exatamente os espaços físicos. Também moradora de Santo André, a arquiteta visitou inúmeras unidades particulares de toda a região, e em nenhuma encontrou prédios adequados. “Para mim, o espaço também educa, e não dá para uma criança ficar confinada num lugar mal iluminado, cheio de grades, que raramente tem um jardim, e quando existe tem uma placa fincada pedindo para que ninguém pise na grama. As escolas particulares, em geral, são assim.”
No sistema público ela encontrou prédios vocacionados para o ensino infantil, e encontrou também a oportunidade da filha se inserir num espaço que, assim como Liora, ela classifica como microcosmo social, com colegas de diferentes condições sociais, de raça, além de necessidades físicas e psicológicas diversas.
Já a filha da Andressa Mimucci Penha, 32 anos, está há dois anos em uma unidade pré-escolar da capital paulista. Produtora audiovisual, Andressa não tem emprego fixo, e conta muito pouco com a ajuda do pai da menina, o que inviabilizou a ingresso da Manuela em uma escola particular. A alimentação foi prioridade na escolha, já que a menina passaria o dia todo na unidade para que ela pudesse trabalhar. “Até o ano passado alimentação era 80% feita com produtos orgânicos. Ela faz cinco refeições na escola e nunca comeu uma única salsicha”, conta.
A escola da Manuela não possui Conselho Escolar, mas Andressa sabe que os direitos da filha como aluna têm de estar sempre sob vigilância, e por isso frequenta as reuniões com professores e diretores. “Infelizmente essa não é a postura de todos os pais. Já fui a reuniões que eu era a única mãe. É uma pena, porque de modo geral os professores recebem bem as sugestões.”
A falta de espaços institucionais não impede, no entanto, que os pais se envolvam, e mais, se unam por um interesse comum a toda classe trabalhadora: a qualidade dos serviços públicos.
(da Carta Educação)

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