Fim do auxílio-moradia para deputados, senadores e juízes tem apoio de mais de 540 mil pessoas
Jornalista: Leticia
O Congresso Nacional pode discutir, em breve, o fim do auxilio moradia para deputados, senadores e juízes. Em consulta pública realizada pelo portal e-Cidadania, a sugestão legislativa é a que tem maior apoio popular — mais de 540 mil votos a favor — e aguarda relatório do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH).
Qualquer cidadão pode apresentar uma ideia legislativa. Mas somente as ideias que receberem o apoio de 20 mil internautas em um prazo de quatro meses se transformam em Sugestão Legislativa. Elas são encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), onde passam a tramitar. Depois disso, são debatidas pelos senadores e receberão parecer pela sua transformação ou não em projeto de lei ou outro tipo de matéria legislativa.
Quando estava na condição de ideia legislativa, apresentada pela cidadã Marcela Tavares, do Rio de Janeiro, a proposta de dar fim ao auxílio-moradia de parlamentares e juízes obteve mais de 250 mil apoios. Foi transformada então na SUG 30/2017. A proposta recebeu então ainda mais apoio dos cidadãos pela internet. Tem até o momento mais de 540 mil apoios. Pouco mais de 2,5 mil pessoas se posicionaram contra a extinção do benefício.
Na Câmara dos Deputados e no Senado Federal o auxílio moradia é o reembolso das despesas com estada ou moradia no Distrito Federal. Os senadores que não ocupam apartamentos funcionais podem optar por um auxílio-moradia no valor mensal de R$ 5.500,00, com a finalidade de cobrir despesas com aluguel ou diária de hotel. O valor para os deputados é de é R$ 4.253,00.
O auxílio-moradia é pago mediante a apresentação da nota fiscal emitida pelo estabelecimento hoteleiro ou do recibo emitido pelo locador do imóvel residencial ocupado pelo parlamentar.
e-Cidadania
O e-Cidadania é um instrumento de interatividade criado para aproximar a população da elaboração das leis. O processo para apresentar uma ideia é simples: basta preencher um formulário disponível no portal, que não exige conhecimento de técnica legislativa. Depois de apresentada, a proposta passa por uma avaliação técnica para verificar se fere alguma cláusula pétrea da Constituição ou fere os termos de uso do portal.
(da Agência Senado)
Judith Butler responde aos ataques de ódio sofridos no Brasil
Jornalista: Leticia
A filósofa norte-americana Judith Butler, que foi alvo de ataques de ódio durante sua passagem pelo Brasil na última semana, respondeu às manifestações de intolerância que sofreu nos últimos dias. Em vídeo publicado pela TV Boitempo, Butler comenta os discursos agressivos dos quais foi vítima e aponta para a escalada mundial conservadora.
“O mundo que os conservadores querem destruir, o mundo gay e lésbico, o mundo trans, o mundo feminista, já é muito poderoso. Eles não têm nenhuma chance de destruí-lo”, disse a intelectual de 61 anos. Butler também afirmou que esse mundo “está sendo cada vez mais aceito e, quanto mais é aceito, com mais raiva eles ficam”.
“É muito difícil para as pessoas que têm se beneficiado dessa dominação e se beneficiado do caráter hegêmonico do casamento heterossexual entender que outras pessoas que não são heterossexuais possam querer se casar, ou pessoas que não querem se casar, mas querem viver juntas e ter filhos, ou que mulheres possam querer ter filhos por conta própria através do uso de tecnologia reprodutiva, ou trabalhadoras do sexo possam querer ter direitos pelo trabalho que fazem e aposentadoria quando forem idosas”, disse Butler.
“Todas essas reividicações (…) embaralham a família heterossexual”, afirmou a filósofa que, entretanto, salientou que “existem heterossexuais casados e com filhos que também apoiam o casamento gay e lésbico, ou apoiam pessoas transexuais, ou apoiam pessoas intersexo, ou apoiam, mães solteiras, ou tecnologia reprodutiva, (…) então nem todos os heterossexuais são tão defensivos, nem todas as famílias heterossexuais pensam: ‘Ah, toda família deve se parecer exatamente como a nossa'”. Assista ao vídeo completo publicado pela TV Boitempo.
Intolerância
Butler veio ao Brasil para promover seu mais recente livro publicado no Brasil, “Caminhos divergentes: judaicidade e crítica do sionismo”, lançado pela editora Boitempo neste ano, e para participar do seminário “Os Fins da Democracia”, realizado no Sesc Pompeia, na última terça-feira (07). Durante o seminário, manifestantes se reuniram em frente ao Sesc Pompeia para protestarem contra a presença e as ideias de Butler.
Enquanto outros manifestantes se juntavam para dar apoio à filósofa, cartazes com discurso de ódio e insultos eram proferidos pelos conservadores, que também queimaram um boneco de pano com o rosto de Butler.
Na manhã da última sexta-feira (10), Butler foi agredida ao embarcar no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Segundo relatos de testemunhas, a escritora estava na área de check-in quando foi perseguida por uma mulher que segurava um cartaz com a foto desfigurada de Butler e gritava repetidos xingamentos, além de empurrá-la com o cartaz feito de madeira e cartolina.
(do Brasil de Fato)
Reforma pode criar aberrações no trabalho de professores
Jornalista: Leticia
Presidentas das duas maiores centrais sindicais de Minas, CUT e CTB, são também as presidentas dos sindicatos dos professores da rede pública e da rede particular no estado, respectivamente. E isso pode não ser uma coincidência. “O mesmo golpe que aprova a reforma, está querendo comprometer o projeto de educação do país”, afirma Valéria Morato, presidenta da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) e do sindicato dos professores da rede particular (Sinpro).
Os 100 artigos da CLT modificados pela Lei 13.467, a Reforma Trabalhista, passam a valer na prática a partir de 11 de novembro (sábado) e traz duras consequências às salas de aula. A primeira delas, segundo lembra Valéria, é justamente remunerar o trabalho do professor apenas pelas horas que ele está em sala. “O professor tem um fazer diferente”, explica, “precisa conhecer sua turma, corrigir provas e trabalhos, enviar e-mails, traçar projeto pedagógico”, lista Valéria.
O não pagamento pelo trabalho extraclasse pode ser possível através do contrato por trabalho intermitente. Até abril, o acordo coletivo que rege a maior parte das escolas particulares de Minas Gerais prevê que o contrato de professor é anual, com adicional de 20% pelo trabalho extraclasse, adicional por tempo de serviço e de 16% por repouso remunerado. Tudo isso estaria em cheque com a contratação intermitente, terceirização e negociação individualizada.
“Vai funcionar da mesma forma que o fast food”, explica Valéria, lembrando da empresa terceirizada que já anuncia o pagamento de R$ 4,45 por hora. “Vamos imaginar um curso semestral. A escola pode organizar todo o módulo de português em alguns dias. Contrata o professor por esses dias como pessoa jurídica e depois o dispensa”, afirma.
Segundo o Sinpro, professores podem perder a mínima estabilidade no emprego, o décimo terceiro salário, as férias remuneradas, um mês completo de férias (estabelecido geralmente em janeiro) além de ter que negociar individualmente seu salário e adicionais com o patrão. Mudanças que Valéria classifica como “aberrações”. A Reforma para professores estaduais
Mesmo tendo legislação própria, professores da rede estadual devem sofrer com a Reforma, acredita Beatriz Cerqueira, presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT Minas) e do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação (SindUTE MG). “Nós temos uma tradição de se aplicar no setor público a legislação do setor privado”, lembra Beatriz, em que o principal impacto deve ser também na contratação.
“Traz a terceirização irrestrita. Nós corremos o risco de rapidamente deixar de ter políticas de concurso público e contratações diretamente feitas pela administração pública em lugar do aumento de uma rede de terceirização, inclusive para as atividades fins. Traduzindo: um professor pode ser terceirizado. Todas as atividades da escola podem ser terceirizadas”, crava.
O segundo grande impacto, segundo Beatriz, é o ataque que a reforma faz à organização dos trabalhadores, hoje representada pelos sindicatos. “O objetivo de acabar com a organização sindical não é pelo motivo financeiro, mas para fragilizar o trabalhador e garantir que o empresário possa impor a sua vontade, impor a sua dinâmica de negociação sem que tenha resistência e organização coletiva”, diz.
Os principais artigos que impactam os sindicatos são a negociação direta do trabalhador com patrão, a extinção do imposto sindical obrigatório, a demissão em massa sem acordo com sindicato e as comissões de trabalhadores que poderão substituir o sindicato. Destes itens, as presidentas da CUT Minas e CTB Minas concordam que a retirada do sindicato das negociações é sem dúvida das mais preocupantes.
“Na negociação individual é claro que o trabalhador vai perder em relação ao patrão, que tem poder econômico e no nosso caso [rede pública estadual] também político. Isso atinge o setor público que já não tinha regulamentação da negociação coletiva. Com essa Reforma Trabalhista nós estaremos ainda mais sujeitos a uma negociação que anule os sindicatos ou a completa ausência destas negociações”, alerta Beatriz Cerqueira.
A presidenta da CUT Minas comenta ainda que, com a Reforma aprovada, passa a ser fundamental pressionar que governos progressistas não façam adesão dos novos artigos contra os funcionários públicos. Os eletricitários de Minas Gerais já reivindicam, por exemplo, que a empresa estatal Cemig assine uma cláusula de que não vai utilizar a Reforma Trabalhista contra seus 6 mil funcionários. Ao caminho: à luta
Centrais sindicais, movimentos populares e partidos fazem em 10 de novembro o Dia Nacional de Paralização e Mobilização, com atividades marcadas em todos os estados. O objetivo é dialogar com a população sobre os estragos que a Reforma Trabalhista e a Lei de Terceirização estão para causar. Além disso contribuem para retomar com a população o debate sobre a o trâmite da Reforma da Previdência, que entra novamente na pauta do Congresso Nacional.
(do Brasil de Fato)
No leilão do pré-sal realizado na sexta-feira 27, a Petrobras e o Brasil perderam, mas multinacionais como a Statoil fizeram o negócio do século. O presidente da empresa, Pedro Parente, mostrou um desconhecimento espantoso sobre o setor petrolífero e ajudou concorrentes com informações estratégicas, acusa o renomado geólogo Luciano Seixas Chagas.
O resultado desastroso evidencia o enorme dano ao País resultante da retirada da obrigatoriedade de participação daquela estatal em todos os ativos do pré-sal, diz Chagas.
Funcionário da Petrobras por 31 anos e consultor há 14, atuou em cerca de 60 negócios no pré-sal e em áreas terrestres, domésticas e da Austrália e da Nicarágua, entre outros países. Empresas brasileiras e da Noruega, Japão, Estados Unidos e Reino Unido fazem parte da carteira de clientes de Chagas, que concedeu a entrevista a seguir. CartaCapital:Como o senhor analisa as declarações do presidente da Petrobras, Pedro Parente, sobre o leilão do pré-sal? Luciano Seixas Chagas: Nunca vi um presidente falar previamente, emitir opiniões e revelar estratégias sobre onde vai competir num leilão de exploração, antecipando, inclusive, de quais áreas participará e as estratégias que adotará no caso, por exemplo, quanto à quase obrigatoriedade, autoimposta, de participação permanente com parceiros.
Agora podemos enxergar com clareza os riscos a que fomos submetidos com a retirada da obrigatoriedade de participação da Petrobras em todos os ativos do pré-sal dentro do seu polígono de ocorrência, principalmente nas áreas unitizáveis. Estas não oferecem riscos de qualquer ordem, pois a descoberta já existe e a estrutura com petróleo prolonga-se para outra área geográfica adjacente, visto que as estruturas cheias de óleo não respeitam os limites geográficos.
A eliminação da obrigatoriedade de participação da Petrobras no pré-sal e a “inocência” do presidente da Petrobras e do seu séquito, em um leilão recheado de raposas do mundo dos negócios, tiveram graves consequências. CC:Quais são elas? LSC: A mais grave é a não participação da Petrobras no melhor ativo ofertado, o de Carcará Norte, unitizável, deixando-o para a concorrência, que avidamente fez ofertas. Tivesse a Petrobras a obrigatoriedade referida, ficaria com ao menos 30% do ativo leiloado.
Com sua ausência, depreciou os demais ativos não selecionados, ajudando a concorrência. Isso porque, se aquela que mais e melhor conhece o pré-sal, no caso a Petrobras, abdica de determinados ativos, a concorrência, com menor acervo de dados para as suas análises, tende a acompanhar as posições da empresa dominante e a buscar associações nas parcerias, pois sabe que assim diminuem, obviamente, os riscos do negócio.
O que foi feito é algo inusitado no mundo dos leilões de petróleo e ocorreu em todas as áreas ofertadas, tanto as unitizáveis quanto as de maiores riscos. CC:Qual o resultado para o País? LSC: O Brasil perdeu, pois, em algumas áreas de maior risco, apesar de ainda atraentes, não foram feitas ofertas. Em outras, onde a Petrobras já tinha previamente se posicionado, as empresas fizeram ofertas associadas à da Petrobras ou isoladas, quando tinham conhecimento prévio ou feito estudos detalhados.Foi o caso da oferta de 50% em óleo excedente da Shell, segunda colocada isoladamente no ativo unitizável Carcará Norte, pois a empresa já teve, no passado, 20% do ativo Carcará, contíguo, a Sul, justo o que foi vendido à Barra Energia (10%) e Queiroz Galvão (10%).
A razão da oferta generosa e perdedora (segundo lugar) da Shell em Carcará Norte foi uma decorrência do conhecimento prévio que tinha e da sua análise do mau negócio que fizera ao vender a sua participação em Carcará.
Em resumo, perderam o Brasil e a Petrobras e, em minha opinião, o açodamento de Parente foi a principal razão da não oferta de Pau-Brasil, de maior risco, situada em área limítrofe do polígono do pré-sal, mas com grandes possibilidades de ter petróleo numa nova fronteira.
Fica difícil entender a atuação de uma companhia que prima em ajudar a concorrência e desvalorizar a si própria, como fazem os brilhantes “gestores” também em outras áreas da Petrobras, em nome de supostas boas práticas negociais e gerenciais. Algo inusitado.
Na Bahia, diz-se que, se algo surreal acontece no Brasil, isso ocorreu antes naquele estado. O Brasil de Temer, Pedro Parente e seu séquito, em que até mesmo noções mínimas de ética há muito foram para o espaço e perdeu-se completamente a noção de honradez, é surreal no mundo. CC:Parente disse, em entrevista, que a Petrobras não participou do Campo de Carcará, o mais bem avaliado, porque teria de fazer investimentos em equipamentos especiais, haveria muita pressão no campo e um alto nível de gás carbônico. LSC: Chama atenção a sua absoluta falta de conhecimento sobre o setor, evidente em tudo o que diz sobre petróleo e gás. Nunca li tantas asneiras ditas à mídia, e tudo para justificar o injustificável.
É inadmissível, por exemplo, que o presidente de uma companhia do porte da Petrobras não saiba que em Carcará não existem os contaminantes gases carbônico e sulfídrico, muito presentes no restante do pré-sal e que corroem todas as tubulações, exigindo equipamentos especiais, mais caros, para a produção.
Essa condição especial é rara, proporcionará uma economia extraordinária e, portanto, uma lucratividade excepcional ao projeto Carcará. Não é admissível, ainda, que considere como campo aquilo que é apenas uma acumulação, apesar de ter reservas já delimitadas pelos três poços já perfurados.
Nenhum deles foi, entretanto, perfurado na base da estrutura, conforme recomendam as boas técnicas e o planejamento. Isso significa que a acumulação ainda não está delimitada em todo o seu potencial e essa é mais uma restrição à venda do modo como foi feita. CC:Qual é o potencial de Carcará? LSC: Exatamente pela elevada pressão comprovada existente nos seus reservatórios e a garantia da continuidade da acumulação a níveis inimagináveis, a julgar pelo já constatado nos dados de pressão comunicados, esse projeto proporcionará a melhor antecipação de caixa, algo quase utópico e desejado por todos que conhecem o pré-sal.E o que Parente diz? Justamente o contrário. Não é só isso. Se examinarmos as ofertas para a Petrobras vis-à-vis àquelas feitas às outras empresas que obtiveram áreas, unitizáveis ou não, veremos quão díspares foram os comportamentos de cada uma delas, no que se refere aos valores pagos. CC:Houve alguma surpresa? LSC: Surpresa foram os exorbitantes valores em óleo ofertados pela Petrobras para a União, bastante diferentes dos oferecidos pelo consórcio capitaneado pela Shell, de 11,53% em óleo excedente e existente na continuidade Sul do Campo de Gato do Mato, dela própria.
Exorbitam quando comparados aos 80% oferecidos pelo consórcio da Petrobras pelo entorno do Campo de Sapinhoá, ou aos 67,12% do consórcio formado pelas Statoil, a Exxon e a portuguesa Galp. Nesse último, entretanto, estamos falando do melhor ativo unitizável ofertado, vizinho da acumulação de Carcará, que teve os 66% de participação que a Petrobras detinha vendidos por ela à Statoil, por valor absurdamente irrisório.
Em termos volumétricos, é quase consenso entre quem avaliou a acumulação de Carcará – e tem coragem e a liberdade de dizer – que os volumes são da ordem de 2 bilhões de barris, com uma probabilidade de ocorrência maior que 80%, segundo as análises probabilísticas e as determinísticas também. Àqueles que consideram essa estimativa fantasiosa, informo que a Galp o confirmou na terça-feira 10. CC:Como analisa a atuação da Statoil? LSC: Provavelmente, foi o negócio do século para uma empresa estrangeira e uma das transações mais lesivas ao patrimônio da Petrobras e do Brasil, desde o início da exploração do petróleo. Considerando o volume mais provável, a Statoil pagou à Petrobras 2,5 bilhões de dólares por 66% de um volume total de 2 bilhões de barris.Foi esse o preço pago por cerca de 1,32 bilhão de barris, portanto, que ao preço do barril hoje, em torno de 5 dólares – cotação estimativa internacional para o petróleo comprovado pela descoberta de alguns poços e com boas imagens sísmicas –, valem cerca de 6,6 bilhões de dólares. Esse valor é bem compatível com os preços internacionais para negociação de ativos com o porte do volume descoberto e avaliado.
Ato contínuo, a Statoil adquiriu mais 10% da Queiroz Galvão, pelo mesmo valor, de acordo com o porcentual, e tornou-se a mais provável ofertante para a continuidade da acumulação no ativo Carcará Norte, com volumes estimados – também com probabilidade de 80% – em torno de 2 bilhões de barris.
Como a área Norte ainda era bastante promissora, a Statoil sabiamente levou a Exxon, ávida por estrear no mercado brasileiro, a fazer um carrego (quando uma empresa, além de pagar um valor, custeia outras fases do projeto em nome das sócias detentoras prévias da concessão) em 36,5% no ativo Carcará, sendo 33% dos 66% da Petrobras e 3,5% dos 10% da Queiroz Galvão.
A Statoil recebeu 1,3 bilhão de dólares, ficou com 760 milhões de barris em Carcará e deixou a Exxon com o mesmo montante no ativo, a portuguesa Galp com 400 milhões de barris e a Barra Energia com 200 milhões de barris. CC:Qual foi o resultado final para a Statoil e a Exxon? LSC: A Statoil e a Exxon, ao preço de 5 dólares por barril, têm em mãos, em óleo recuperável a ser ainda extraído, cerca de 5,11 bilhões de dólares cada; a Galp, 2,66 bilhões de dólares e a Barra Energia, 1 bilhão de dólares com o óleo a ser extraído.
Por tudo isso, a Statoil pagará apenas 1,78 bilhão, incluídas neste valor as despesas já feitas em Carcará pelo antigo consórcio. A Petrobras deveria ter feito com o ativo Carcará carregos do mesmo tipo realizado pela Statoil com a Exxon e a Galp, em vez de vendê-lo por preço de banana podre. Aprendam, senhores “gestores eficientes” da Petrobras! CC:A Petrobras comemora, entretanto, o negócio. LSC: A Petrobras, por inação e ignorância dos seus dirigentes, teve uma atuação desastrosa e foi a grande perdedora, apesar de Parente e seu séquito se jactarem de terem feito um bom negócio. Apesar disso, a mídia elogia a gestão mentirosa da empresa e endeusa Pedro Parente. Vá entender!
(da Carta Capital)
No domingo 5, milhares de alunos que faziam a prova do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) foram surpreendidos com o tema da redação, que este ano contemplou a discussão sobre a inclusão dos surdos na educação. A questão gerou polêmica entre estudantes e professores e reverberou na redes. O principal ponto de contestação é o de que a inclusão não é debatida, dentro e fora das salas de aula, e que apenas os textos fornecidos na prova eram insuficientes para a argumentação dos concorrentes.
A prova já foi, mas a pergunta fica: afinal, quais são os desafios para inclusão dos surdos no sistema educacional brasileiro? Segundo a educadora Fernanda Cortez, que é diretora da Escola de Educação Bilíngue para Surdos (Derdic), da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), é primordial compreender que a Língua Brasileira dos Sinais, a Libras, não é uma mera tradução da língua portuguesa por meio de gestos, mas se configura como uma língua própria, com características particulares.
“O português é a segunda língua do surdo, e nem todos têm o mesmo nível de fluência. É como a segunda língua para nós. Temos níveis de domínio diferentes do alemão, do inglês, do francês. Os surdos têm de aprender português e bem, porque é dessa maneira que eles vão se inserir, arrumar empregos, viver em sociedade. Mas não é a língua natural deles”, explica.
É nesse contexto que entendemos porque os surdos têm direito a intérpretes para auxiliar na compreensão da prova do Enem, por exemplo. “Muitos surdos têm seus direitos fundamentais feridos desde o início da experiência escolar. Diagnósticos atrasados e crianças que passam anos sem a atenção necessária, além de escolas e professores sem recursos e preparo para educar. Pensando que temos então duas línguas totalmente distintas a inclusão também se dá no nível cultural”, afirma a educadora, lembrando que este ano completa 15 anos que a Libras foi reconhecida como segunda língua oficial no Brasil.
Outro ponto importante é a invisibilidade dos surdos. Até que a pessoa que não ouve passe a se comunicar em sinais, ninguém a nota. Elas se constituem como uma minoria, e para especialistas em acessibilidade, como uma minoria dentro de outra. “O uso de tecnologias é importante, mas a formação dos professores para uma pedagogia cuidadosa com os surdos é o fundamental. Os surdos podem fazer a leitura facial, mas eles têm de se comunicar plenamente em português e em libras. Só assim eles serão agentes da própria comunicação. Poderão trocar, que é a base do aprendizado.” De perto e de dentro
Quem também nos ajuda a entender essa realidade ainda tão hermética para os não surdos, é a jovem professora Pâmela Mattos. Pâmela é única mestra surda do Pará, leciona na educação superior, e fez sucesso esta semana depois que publicou um vídeo criticando o comentário de uma professora que lhe deu aulas. A professora disse que o tema da redação do Enem era “um golpe.”
“Nos iniciais anos iniciais da escola, quarta e quinta série, eu era muito mimada. Todos me achavam fofa, bonitinha, faziam carinhos em mim, mas não me incluíam. Os professores não falavam libras e não se importavam, assim como a diretoria. Passavam boa parte da matéria apenas oralmente, e se movimentavam a aula toda, eu não conseguia nem fazer a leitura facial. Insistia muito para o meus pais me trocarem de escola, e eles não entendiam o meu desejo, porque aparentemente eu era muito querida na escola e todos eram legais.”
Pamela só encontrou a inclusão quando foi para escola pública, a partir da figura da orientadora educacional. “Nem todos os professores sabiam libras, mas eles eram orientados como trabalhar comigo e isso já fazia muito diferença. Foi na escola pública que conheci meu primeiro colega surdo, e quando comecei a fazer a bagunça na sala, porque até então eu tinha que ser fofa e frágil para ser aceita. Meus amigos da escola pública me acolhiam de verdade, bancavam minha surdez e me ajudavam a compreender a aula.”
Pâmela ensina ainda que os surdos são serem capazes de exercer qualquer atividade que desejarem, e têm por direito o acesso a todos os mecanismos que potencializem suas habilidades. “Educar surdos não é golpe, discutir o assunto não é golpe. Educar surdos é desafiador e possível.”
(da Carta Educação)
Visita de Judith Butler ensina: ideologia de gênero e bruxas não existem
Jornalista: Leticia
“Temos que buscar espaços sem censura e medo (…) A maior parte das pessoas que convivem comigo passa por um momento de angústia política. Temos dores na cabeça e no estômago. Isso acontece quando passamos a perder esperanças e começamos a viver a injustiça”, afirmou a filósofa norte-americana Judith Butler nesta terça-feira (7). Uma das principais pensadoras na atualidade em questões como gênero e ética, ela está em São Paulo, onde ministrou palestras ontem (6) e hoje.
Sua presença despertou a ira de setores conservadores e de fundamentalistas cristãos brasileiros, que chegaram a promover uma petição para tentar censurar a palestrante. Não tiveram sucesso. Na noite de ontem, Judith falou no auditório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), na Vila Mariana, zona sul da capital. Hoje, foi a vez do bairro da Pompeia, na zona oeste, receber no período da manhã a filósofa, na unidade local do Sesc.
Como esperado, os grupos que defendiam a censura compareceram à porta do Sesc. O resultado da perseguição foi o oposto. Coletivos em defesa da democracia também marcaram presença para garantir o debate, e compareceram em maior número. Enfim, o debate não só aconteceu como o previsto, como ganhou maior visibilidade. Auditórios lotados, milhares de espectadores via internet e centenas de pessoas escutaram Judith na calçada da rua Clélia, em frente à sede do Sesc Pompeia.
De um lado, antes da fala da filósofa, os presentes debateram, com um microfone aberto, os perigos da radicalização e do fundamentalismo. “Estamos vendo uma questão delicada, vivendo um período de censuras. Isso nos faz enxergar como a democracia está em risco. Esse movimento tem um objetivo político e fala sobre ‘ideologia de gênero’, o que não existe”, disse a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira.
“Esse movimento aproveitou a visita de Judith Butler para tentar impor sua agenda política, que vem sendo construída nos últimos tempos, como se viu na questão dos museus. Vivemos um conjunto de eventos que foi preparando para esse cenário trágico”, completou. A tragédia em questão ganhou fortes símbolos em meio aos conservadores. Eles carregavam crucifixos e bíblias, e queimaram uma boneca de bruxa com o rosto de Judith. “Queima no inferno, bruxa! Jesus tem poder”, diziam.
A voz de Judith
Em sua palestra, a filósofa afirmou que o “ódio vem do medo da diferença”. A pensadora possui uma carreira diversificada dentro das ciências sociais, e ganhou notoriedade por seus estudos sobre questões de gênero e feminismo, o que despertou o ódio que tentou censurá-la. Entretanto, o que esses movimentos talvez não soubessem é que o tema de suas palestras no Brasil nada tinha a ver com essas questões.
A pensadora veio ao Brasil para falar sobre sua mais nova obra: Caminhos Divergentes (2017), da editora Boitempo. No livro, Judith reúne conceitos judaicos e textos de pensadores palestinos para tentar encontrar formas de encerrar o conflito histórico na região. “O Estado de Israel não exemplifica o que as pessoas encontram no judaísmo, ao mesmo tempo, pode-se ler escritores palestinos para pensar com eles a dor do conflito e os futuros de uma coabitação”, disse.
O ponto central no livro é a proposição de uma coexistência pacífica entre os dois povos dentro do mesmo território. Um “Estado binacional”, como explicou. Isso para reverter injustiças promovidas pelo Estado israelense contra os palestinos. “Pode parecer estranho que escrevi um livro sobre o tema Israel e Palestina se você me conhece como pesquisadora de questões de gênero. Caminhos Divergentes é um livro que considero o que pode ser possível dentro da tradição judaica para estabelecer uma crítica ao Estado de Israel pela despossessão e subjugo do povo palestino desde sua fundação, em 1948”, disse.
Desde a formação do Estado israelense, mais de 5 milhões de palestinos foram expulsos de suas casas ou confinados em guetos modernos como Gaza. Judith, que é judia, argumenta que a crítica à política israelense nada tem de antissemita. “Alguns críticos suspeitam imediatamente: será que não é antissemita criticar o estado de Israel, pois ele representa o povo judeu? Talvez seja mais importante saber que muitos judeus que afirmam sua judaicidade não dão apoio ao Estado de Israel e não consideram que ele os represente. O motivo da crítica é que o Estado de Israel deveria ser democrático, tratando todos os cidadãos igualmente, independentemente de sua religião”, afirmou.
Os discursos da filósofa foram os mesmos ontem e hoje. Na Unifesp, ele foi acompanhado de uma apresentação da reitora da universidade, Soraya Smaili, também integrante do Instituto de Cultura Árabe, que trouxe Judith ao Brasil juntamente com a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade da Califórnia em Berkeley, o Sesc, e a revista CartaCapital. “Judith é conhecida por ser uma voz crítica e muito bem fundamentada em seus escritos. Como genuína pensadora, trata questões do contemporâneo com engajamento, diálogo, dentro e fora da academia, com uma boa dose de afeto e humanidade”, afirmou Soraya.
“Tornou-se extremamente conhecida por seus estudos de gênero, feminismo e teoria queer. Porém, é também uma voz ativa e engajada nas questões da violência e da injustiça social relativa às guerras, à transfobia, à tortura, à violência policial, ao antissemitismo e à discriminação racial de todos os tipos. Tem diversos livros publicados no Brasil, onde é particularmente querida e amada. Aqui, teremos a honra de ouvi-la falar sobre uma questão complexa do mundo contemporâneo, além de muito importante para a humanidade: a necessidade de uma convivência democrática radical entre israelenses e palestinos. Butler afirma que a judaicidade, em sua essência, está vinculada à justiça social e não à violência de Estado”, completou a reitora.
De fato, a filósofa usa como argumento, por exemplo, a Lei do Retorno de Israel, que permite aos judeus de todo o mundo cidadania no Estado israelense. Ela lembra que o país foi criado como um “santuário” para os refugiados judeus dos horrores do Holocausto durante a Segunda Guerra Mundial para que o povo pudesse ter o direito à cidadania. Direito que, de acordo com a pensadora, é suprimido dos refugiados contemporâneos e dos palestinos. “Acreditamos que os refugiados precisam de um lar, um lugar de pertencimento, algo que Israel foi para os judeus. Agora, se aceitamos o argumento para um grupo, temos que aceitar para o outro. Nenhum grupo pode ser destituído de pertencimento e cidadania. Falamos isso sobre o povo judeu e também dos palestinos, sírios, e do grande número de pessoas despossuídas”, disse.
“Todo judeu pode pedir cidadania em Israel, sob a chamada Lei do Retorno. Mas a demanda palestina pelo retorno é negada por Israel. Então, um grupo de refugiados tem o direito de formar um Estado em terras palestinas e tirá-los de suas casas, enquanto outros não têm o direito de formar um Estado ou de ficar em suas terras. O conflito nasce desta contradição. Também significa que precisamos de uma política de refugiados consistente na região. Isso está na coabitação, em nos vermos como iguais, na dissolução do poder colonial e na abertura de cidadania dupla”, concluiu.
(da Rede Brasil Atual)
Mãe Merinha foi bem rápida, amarrou um pano branco na roupa e colocou alguns colares fios-de-conta coloridos no pescoço. ‘‘O mais triste disso tudo é saber que eles não param’’, disse, enquanto prendia um tecido também branco na cabeça. Estava pronta, com sua vestimenta de mãe-de-santo. Sinalizou que poderia começar a entrevista e se apresentou, ‘‘sou Mãe Merinha de Oxum, fui iniciada no Candomblé há 36 anos, sou filha de Mima de Oxossi, do Ilê Axé Obá Ketu’’.
Há um ano e meio, Rosimere Lucia dos Santos abriu um terreiro de Candomblé em Belford Roxo, município do Rio de Janeiro, na Baixada Fluminense, onde também começou um trabalho social com crianças da região. No dia 27 de setembro, quarta-feira, completou 51 anos e, naquele mesmo dia, seu terreiro foi invadido e incendiado.
Os vizinhos, quando perceberam as chamas, chamaram o irmão de Mãe Merinha, que mora perto, para ajudar a apagar o fogo. O incêndio foi controlado a tempo de não afetar a edificação principal, mas, no dia seguinte, Mãe Merinha percebeu que colocaram fogo bem na casa do meio, onde ficavam os donativos, roupas de santo e os orixás. Os criminosos furtaram também uma TV, celular e rádio.
O Registro de Ocorrência foi feito uma semana depois, já na segunda tentativa: ‘‘A delegacia estava muito cheia, fiquei umas três horas lá, tava muito enfraquecida, chocada com tudo, fui buscando força, aí retornei na quinta-feira’’.
Queimaram também livros sobre religiões de matriz africana e as fotos da história da família no Candomblé. ‘‘O que mais me entristece é o material de trabalho e as fotografias. Eu tenho toda uma história de santo, de quando era dirigido por minha mãe’’. Mãe Merinha é descendente de negros e indígenas, e a religião veio pela avó materna que foi para o Rio de Janeiro fugindo do marido violento, no Espírito Santo.
Lavadeira, a avó conseguiu comprar um terreno em Belford Roxo e destinou parte para o orixá da filha. ‘Tinha até algumas fotos da minha mãe com trouxa na cabeça quando elas chegaram no município de Belford Roxo’’, relembra. ‘‘Levei tudo que eu tinha no decorrer desses anos para esse local, é toda uma história de vida do sagrado’’.
Mãe Merinha é uma das vítimas mais recentes da violência contra adeptos das religiões de matriz africana no Estado do Rio de Janeiro. De acordo com os dados do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir), das 52 denúncias de intolerância religiosa ao Ceplir – de dezembro de 2016 a agosto de 2017-, 34 foram de pessoas do Candomblé, Umbanda e outras denominações de religiões de matriz africana no Estado do Rio.
Em cinco anos, as denúncias de discriminação por motivo religioso no Brasil cresceram 4960%. Foram de 15, em 2011, para 759, em 2016, de acordo com os dados do Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). Em 2016, 69 eram candomblecistas (9,09%), 74 eram umbandistas (9,75%) e 33 são descritas como “religião de matriz africana” (4,35%), totalizando 23,19%.
Segundo relatório da Pew Foundation, o país deixou de ser um dos países mais populosos com menor taxa de Hostilidade Social por motivações religiosas, em 2007, para um dos países com alta taxa em 2014, passando da 2ª posição para a 9ª neste período.
Em agosto e setembro deste ano, uma nova onda de ataques a terreiros de Candomblé e Umbanda na Baixada Fluminense comprovou que os crimes de ódio por motivo religioso estão crescendo no estado que tem, pela primeira vez, um bispo evangélico governando a sua capital – em janeiro, Marcelo Crivella (PRB), bispo de Igreja Universal do Reino de Deus, assumiu a prefeitura do Rio de Janeiro.
Em resposta à violência, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos (SEDHMI) lançou o Disque Combate ao Preconceito para facilitar as denúncias. Nos meses de agosto e outubro foram feitas 43 denúncias: uma de um espírita kardecista, uma de um evangélico, dois islâmicos e 39 umbandistas e candomblecistas, representando 90% do total. Foram seis tipos de violações identificadas, entre eles invasão/atentado a instituições religiosas (11), discriminação/difamação (10), agressão física (6), incitação ao ódio (6), agressão verbal (6), ameaça (4). Inquisição do tráfico na Baixada
Dentre as denúncias contra religiosos de matriz africana, 12 ocorreram na Baixada Fluminense. A região reúne 13 municípios do Rio de Janeiro e abriga ao menos 274 terreiros, do total de 847 no Estado, de acordo com a pesquisa Mapeamento das Casas de Religiões de Matrizes Africanas, realizada pela PUC-Rio com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR/PR), entre 2008 e 2011.
A SEDHMI recebeu quatro denúncias de ataques a terreiros realizados por traficantes de agosto a outubro, três delas de ocorrências na Baixada Fluminense – duas em Nova Iguaçu e uma em Itaguaí. Segundo a secretaria, as quatro vítimas informaram que por ordem da facção criminosa é proibida a prática de religiões de matriz africana na área dominada pela facção. Todas as pessoas que denunciam casos de intolerância religiosa são orientadas a fazer o registro na delegacia da região, mas algumas vítimas não o fazem por medo.
Em setembro, o terreiro da mãe de santo Carmen de Oxum foi atacado em Nova Iguaçu. O traficante, que ainda registrou o crime com a câmera de um celular, dá ordens para destruir os objetos sacralizados: ‘‘quebra tudo, apaga as velas, pelo sangue de Jesus tem poder… Todo mal tem que ser desfeito em nome de Jesus’’.
Segundo o diretor-Geral da Polícia da Baixada Fluminense, Sérgio Caldas, o caso está sendo investigado pela 58ª DP e já foram identificados, como executores, dois traficantes do Terceiro Comando Puro, facção criminosa conhecida por ameaçar candomblecistas e umbandistas. ‘‘Essa pessoa veio de uma outra comunidade para pressionar os terreiros de candomblé’’, disse Caldas à Pública, acrescentando que as condições “não são favoráveis” para a investigação. “Quando ocorre em comunidade conflagrada, a vítima fica com medo de se expor’’.
Os indiciados deste caso serão penalizados pela Lei 7.716, de 1989, conhecida como “Lei Caó’’, que determina a punição para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, como crime inafiançável e imprescritível. A pena é de dois a cinco anos de reclusão.
O babalaô Ivanir dos Santos, fundador da Caminhada em Defesa da Liberdade Religiosa e porta-voz da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, diz que as primeiras ações de destruição de terreiros por traficantes aconteceram na década de 1990, no Morro do Urubu, em Pilares, Zona Norte do Rio.
Depois, outros casos ocorreram no Morro do Dendê (localizado na Ilha do Governador), no Lins de Vasconcelos e na Cidade Alta. “É um fenômeno compreensível. Toda religião que cresce vai influenciar algumas esferas sociais’’, diz. Ivanir acredita que a presença de igrejas evangélicas nos presídios do Rio é um fator de influência para o surgimento do que chama de “tráfico evangelizado’’. ‘‘O cara tá lá preso, vira evangélico e vai sair por bom comportamento, isso diminui a pena do sujeito… Quando sai da prisão, nem todo mundo muda de vida”, diz.
As igrejas evangélicas devem se tornar ainda mais presentes nos presídios fluminenses. Em fevereiro, a Igreja Universal do Reino de Deus firmou acordo com o Governo do Estado para a construção de templos em unidades penitenciárias, custeados pela instituição religiosa. O acordo permite que a Universal construa ou reforme templos ecumênicos nas 51 unidades prisionais do Estado, dependendo de autorização do diretor da unidade. Até o momento, graças ao convênio, 15 templos foram inaugurados ou reformados, nos Complexos de Gericinó, Campos, Resende e Água Santa.
A Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Sistema Prisional e Direitos Humanos do Rio de Janeiro visitou as unidades prisionais onde foram construídos os templos religiosos para apurar a validade do acordo. Segundo o promotor de Justiça Murilo Nunes de Bustamante, os espaços não deveriam ser vinculados à religião específica, mas o padrão arquitetônico encontrado por eles se assemelha ao usado pela Igreja Universal.
‘‘Apesar da previsão de ser ecumênico de ter o livre uso pra qualquer um, os próprios internos só admitiriam que algumas religiões realizarem seus cultos no local’’. A investigação da Promotoria ainda não foi concluída. “Os indicativos são no sentido da identidade arquitetônica dos espaços, o que será debatido com as igrejas atuantes no sistema prisional’’, esclareceu.
Em resposta à Pública, a Igreja Universal do Reino de Deus informou que o programa social Universal nos Presídios (UNP) atende 80% da população carcerária do Brasil, aproximadamente 500 mil pessoas, do total de 622 mil detentos, segundo o Infopen de 2014,‘‘oferecendo cursos e apoio aos detentos e seus familiares, realizando um trabalho de ressocialização que é reconhecido pelas autoridades em todos os estados da Federação, inclusive no estado do Rio de Janeiro’’.
Oito homicídios por intolerância religiosa
Os dados disponíveis no Relatório de Intolerância e Violência Religiosa, da Secretaria Especial de Direitos Humanos,detalha o que ativistas pela liberdade religiosa chamam de ‘‘Guerra Santa’’. O Relatório mostra que, entre 2011 e 2015, 27% das denúncias feitas nas ouvidorias do país eram de pessoas da religião de matrizes africana, 16% de evangélicos, 8% de católicos e a 7% de espíritas.
Em relação à religião dos agressores, informada pela vítima, as informações indicam que 17% eram evangélicos. Católicos aparecem em segunda posição, porém muito distantes, com 3%, seguidos de Testemunhas de Jeová (1%) e Espíritas(1%), Matriz Africana (1%). Em 73% dos casos não foram registradas informações sobre a religião do agressor.
Também foram identificados no Relatório oito homicídios por motivo religioso, segundo investigações da polícia civil ou do Ministério Público. Quatro mortes envolveram lideranças de candomblé, em Londrina (PR) e em Manaus (AM), e quatro foram mortes de uma mesma família de evangélicos, em Itapecerica da Serra (SP). Todos os assassinatos foram realizados por uso de facas, e os agressores e vítimas eram próximos.
O professor Jayro de Jesus, coordenador da Escola Livre Ubuntu de Filosofia e Teologia Afrocentrada, explica que os neopentecostais entendem que a fé traz saúde, bem estar e prosperidade material. Já as doenças, desemprego e pobreza resultam do ‘‘mal’’ e de uma vida em pecado. ‘‘É o mal que prejudica a vida alheia. E o mal é tipificado nas religiões afro’’, explica. ‘‘Os neopentecostais, hoje, contam com a ajuda da própria população que encontra justificativa para acabar com o mal que é o seu vizinho, o seu entorno.’’
Jayro, figura histórica na luta contra a violência às religiões de matriz africana, coordenou nos anos 80 o Projeto Tradição dos Orixás, que visitava os terreiros na Baixada para ouvir relatos de intolerância, e encaminhava para as delegacias. ‘‘Eram 20 jovens que saiam por toda a Baixada. Levantamos 3 mil terreiros com queixa de invasão, xingamentos, apedrejamentos, surras de bíblia’’, relembra. “A perseguição vinha essencialmente da Igreja Universal’’, diz.
Os relatos ao grupo foram reunidos no Dossiê ‘‘A Guerra Santa Fabricada’’, primeiro entregue ao Governo Federal sobre o assunto, protocolado na Procuradoria-Geral da República em 1989. Mas nada foi feito, garante Uilian Portella, advogado do grupo. ‘‘O dossiê denunciou reiteradas atitudes agressivas das igrejas evangélicas neopentecostais, notadamente a denominada Universal do Reino de Deus… Os adeptos dos cultos de Matriz Africana vinham sendo apedrejados, espancados e surrados com Bíblias ‘para expulsar capetas’”.
Em 2015, as emissoras de televisão Rede Record e a Rede Mulher (comprada pela Record), de Edir Macedo, fundador e líder da Igreja Universal, foram condenadas pela Justiça Federal a exibir quatro programas de televisão como direito de resposta às religiões de matriz africana por ofensas contra elas no programa “Mistérios” e no quadro “Sessão de Descarrego”.
Procurada pela reportagem, a Universal afirmou que a acusação de que seus membros perseguiam outros cultos na década de 80 é “mentirosa”. “A Igreja Universal do Reino de Deus defende, de modo intransigente, a liberdade de pensamento, de crença e de culto, conforme assegurado por nossa Constituição Federal”. A Igreja diz que prega o contrário. “Orientamos nossos adeptos a respeitarem as convicções das outras pessoas, pois são exatamente os bispos, pastores e milhões de simpatizantes da Universal as maiores vítimas do preconceito religioso no Brasil”, afirmou, por nota. ‘‘É como se tivessem arrancado um filho”
Às 22h do dia 4 de outubro deste ano, Mãe Vivian de Souza estava em casa, em Nova Sepetiba, quando recebeu a ligação de um vizinho do seu terreiro, em Seropédica, na Baixada. Por telefone, ele disse que entraram na casa dela e, até aquela hora, muitas imagens e objetos já deveriam estar quebrados. O vizinho repassou a ameaça de que se ela não retirasse os pertences o mais rápido possível, iriam destruir tudo. Mãe Vivian entrou em desespero. Sua casa fica a uma hora de distância de carro.
Há quase dois anos, Mãe Vivian se mudou com a família para Nova Sepetiba e transformou a sua casa em Seropédica em Casa de Candomblé. Não visitava o terreiro com regularidade, mas podia ficar uma ali uma semana inteira ou apenas um fim de semana, ‘‘o tempo que a obrigação religiosa exigir’’.
Quando chegou à casa, próximo da meia noite, viu o portão arrombado, o Orixá Bará no chão, os Exus quebrados. Conseguiu um caminhão para tirar o que sobrou. No dia seguinte, alugou uma casa em Sepetiba para começar a construção de um novo espaço dedicado aos orixás. Para o anterior, não quer voltar mais: ‘‘É como se tivessem arrancado um filho meu’’. Além dos orixás, destruíram a própria estrutura da casa e outros objetos, ‘‘coisa que pra gente tem muito valor. Um búzio, uma moeda pra gente vale, pra outras pessoas talvez não, mas é muito ruim’’, contou.
A casa nova é menor; objetos simbólicos foram armazenados em um quarto, e a outra parte em uma sala, com os atabaques e colchões que conseguiu levar. ‘‘Não dá pra entender tanto ódio. Parece que eu tô no tempo dos meus antepassados, da gente ter que se esconder na mata, como meus avós fizeram pra continuar cultuando a nossa religião. Eu tô acuada, eles estão nos acuando cada vez mais.’’
Mãe Vivian foi até a Delegacia em Sepetiba para fazer a denúncia, mas foi orientada a fazer o Registro de Ocorrência online ou ir à delegacia de Seropédica. “A forma que eles agem é como se você fosse culpado por aquilo que tá acontecendo, ‘porque a senhora não tava lá na hora?’. Não sou eu que tenho que saber quem foi.’’ Para ela, não há interesse da polícia em realizar uma investigação de fato. Com a crise, o fim do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa
Mãe Vivian buscou ajuda no Centro de Promoção da Liberdade Religiosa e Direitos Humanos (Ceplir) que, de 2012 até este ano, atendeu às vítimas de intolerância no Estado Rio com acompanhamento psicológico, jurídico e assistência social.
Porém, Flávia Pinto, que era diretora da instituição até esta semana, explicou à Pública que o Centro deixou de receber recursos do Governo do Estado em 2016. ‘‘Com a crise do Estado, o Ceplir ficou sucateado.
Conseguimos recurso com a Fundação Cultural Palmares [do Governo Federal] e colocamos o Ceplir pra funcionar por mais um ano na UFF [Universidade Federal Fluminense], mas esse recurso acabou’’, informou. ‘Estamos conscientizando as pessoas de que intolerância religiosa é crime. A política de liberdade religiosa ainda é embrionária no país. As pessoas ainda não têm o entendimento de que ser discriminado pela sua religiosidade é crime’’.
O secretário estadual de Direitos Humanos, Átila Alexandre Nunes, rebate as críticas. Segundo ele, a Secretaria estadual de Proteção e Apoio à Mulher e ao Idoso passou a ser Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Políticas para Mulheres e Idosos (SEDHMI) e, com a mudança, a secretaria vai incorporar os técnicos do Ceplir já em novembro ‘‘pra que seja uma estrutura permanente, consolidada e que não dependa de recurso de terceiros’’.Mesmo assim, a Ceplir não terá atendimento em novembro, mês da Consciência Negra, segundo Flávia. Ela agora vai trabalhar na Secretaria Municipal de Direitos Humanos da capital.
Em agosto, o secretário anunciou que o Estado vai criar uma delegacia policial especializada em combate a crimes raciais e delitos de intolerância, a DECRADI, com um grupo capacitado para realizar as investigações e os atendimentos com as vítimas de crimes de ódio.
Ainda há muito o que melhorar no atendimento, comenta Flávia Pinto: “Os casos de intolerância ainda são interpretados pela polícia como brigas de vizinhos, aí a pessoa não tem atendimento correto e os dados não são gerados’’.
Sobre o problema orçamentário, o secretário acredita que a ação pode desafogar as delegacias regionais que vão poder encaminhar para a especializada a investigação. ‘‘Estamos falando de uma estrutura mais enxuta, a Secretaria de Direitos Humanos disponibilizaria os técnicos de psicossocial pra fazer o atendimento e ajudar nesse acolhimento das vítimas’’. ‘‘Infelizmente, estamos vivendo um outro momento que traficantes estão perseguindo os terreiros, a lógica agora é uma lógica territorial por conta desses traficantes’’, diz o secretário.
A violência por parte dos traficantes estimula o aumento do número de casos não notificados e dificulta o trabalho da polícia. ‘‘No caso da mãe Carmen, foram quase 10 traficantes, segundo o relato dela. A gente até acompanhou ela até a delegacia, mas ela não quis assinar o depoimento por receio”, conta. Ele diz ainda que há uma sensação de impunidade por esses casos não serem tratados com seriedade e notificados como intolerância religiosa.
O Delegado Henrique Pessoa, da 151º DP de Nova Friburgo, coordenou o Núcleo de Combate a Intolerância da Polícia Civil que centralizava as informações de ocorrências recebidas pela Comissão de Combate à Intolerância Religiosa.
“Esse assessoramento nas delegacias. A nossa função era devolver à polícia a consciência da relevância da investigação. O problema não pode ser enfrentado de uma forma banal. Mas, lamentavelmente, a polícia trabalha em condições precárias, de forma inadequada.’’ O núcleo foi extinto em 2012, durante a reestruturação da polícia civil, no governo de Sérgio Cabral (PMDB).
Mãe Elaine e Pai Márcio
Mãe Elaine Dias Pereira, mãe Elaine de Oxalá, mora em Nova Iguaçu há 30 anos – e há 30 anos sofre perseguição pela sua religião. Ela conta que logo que começou a casa em Santa Rita, bairro de Nova Iguaçu, já colocaram fogo nas colunas da casa. Ainda hoje, jogam constantemente pedras nas telhas.
Até dezembro do ano passado, ela nunca tinha feito uma denúncia ou registro de ocorrência na delegacia. Mas, daquela vez, explodiram uma bomba no relógio de luz do terreiro enquanto ocorria uma cerimônia religiosa. ‘‘Tinha muita gente, muitos filhos aqui na casa, tinha criança, mulher grávida, e a explosão foi assustadora, naquele momento da explosão a gente não tinha noção do que estava acontecendo’’.
Ela foi à delegacia da Posse (58º) para relatar o caso. ‘‘Para minha surpresa, fui muito bem atendida e foi registrado como intolerância religiosa, foi uma vitória, cheguei aqui feliz porque tinha conseguido fazer isso’’. Um inspetor de polícia visitou a casa no dia seguinte. ‘‘O caso não foi adiante, não houve uma investigação até o fim’’, conta. Depois do episódio, ela resolveu colocar duas câmeras na frente do terreiro, o que inibiu as agressões.
Pai Márcio Virginio também precisou colocar uma câmera no quintal de seu terreiro, na Penha, Zona Norte no Rio de Janeiro, para identificar os autores das pedradas e restos de lixo que são frequentemente jogados na Casa de Candomblé. A Casa está aberta há três anos e, a partir do segundo ano, os ataques começaram em dias certos, segunda-feira e sábado – sempre em momentos de cerimônia.
‘‘As pedras vêm do prédio do lado, sendo que a câmera não é tão boa, então vou gastar mais dinheiro pra comprar uma câmera melhor.’’ Além de quebrar partes do telhado, os agressores já quebraram uma imagem do Caboclo, orixá cultuado na casa. ‘‘Quando a gente vê uma imagem de santo quebrada eu fico pra baixo, porque é a casa do nosso sagrado.’’
Foi necessário colocar lona na parte aberta do quintal para que as pessoas não fossem atingidas pelas pedras no momento das cerimônias religiosas. ‘‘Minha casa tem muitos idosos, gente que vem com cadeira de roda. A pessoa já chega com medo’’.
Pai Márcio foi até a delegacia quando as agressões começaram a ficar mais frequentes. “Na primeira vez não abriram o boletim de ocorrência. Só na segunda vez’’. Ele conta que foi pelo menos 20 vezes à delegacia para fazer mais denúncias. “Não fizeram nada”, diz.
Os defensores da liberdade religiosa veem uma ligação entre a inação da polícia e o preconceito. Ivanir dos Santos argumenta que um passo ainda pendente seria a instituição do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, segundo a Lei 10639. A culpa é, também, do desconhecimento. “Não adianta colocar a conta só nos neopentecostais porque não são só eles. Para a sociedade brasileira nós somos feiticeiros, macumbeiros e do mal”, resume.
No dia 27 de setembro, o Supremo Tribunal Federal autorizou ensino religioso confessional nas escolas públicas – ou seja, as aulas podem seguir os ensinos de religiões específicas. Para Ivanir dos Santos, o efeito da ação será aumentar a discriminação e a perseguição às religiões afro-brasileiras.
“Isso é referendar o papel da igreja como elemento do estado, isso é igualzinho na Colônia e no Império’’, comenta. Jayro concorda que o ensino religioso reforça a dualidade entre o bem e mal. ‘‘As igrejas se sentem detentoras do bem, não só da alma, mas da vida social. Então o ensino religioso nas escolas é um incentivo a essa dualidade’’, comenta.
Sem conhecer a religião, é difícil à sociedade entender a seriedade desses ataques. Na visão de mundo africana, o assentamento dos orixás é uma espécie de ‘‘extensão do seu eu’’, da própria existência, explica o professor Jayro.
“A violência é muito mais vigorosa do que a gente imagina’’. Desrespeitar as lideranças religiosas e os símbolos representativos de matriz africana, diz ele, é entendido como uma forma de expulsão. Para muitas pessoas, depois da destruição, é necessário se reconstruir em outro espaço físico.
Para se reconstruir, Mãe Merinha contou com um mutirão de voluntários a limpar, fisicamente, a sua casa varrida pelas chamas. Agora, prepara o ritual de limpeza religiosa, com direito a preces para os Pretos Velhos. “Passamos por um momento de grande intolerância religiosa em nosso país, que a cada dia se agrava mais. Não sei se é de conhecimento de todos, mas o nosso espaço infelizmente também veio a fazer parte dessa estatística de ódio”, escreveu aos seus filhos. Um passado que volta
Em vários momentos da história brasileira, as religiões de matriz africana, cuja essência teológica e filosófica é baseada nos valores civilizatórios negroafricanos, sofreram repressão e foram tratadas como práticas primitivas e profanas. Até a Constituição Imperial, promulgada em 1824, que concedeu certa liberdade de culto aos não-católicos, foram alvo de perseguição do estado e consideradas criminosas. Neste período, os negros-africanos escravizados só podiam cultuar as divindades secretamente. A liberdade religiosa só passou a ser considerada um direito fundamental com a Constituição de 1988.
‘‘Hoje, o que o neopentecostalismo faz com os terreiros, a Igreja Católica fez na Colônia e no Império. A destruição dos terreiros tem essa lógica, de um passado que se presentifica’’, comenta o professor Jayro de Jesus.
Os mais de 130 anos de história do terreiro Ilè Așé Opò Afonjá, o mais antigo do Rio de Janeiro, revelam a resistência do Candomblé. Dois anos antes da abolição da escravatura, em 1886, mãe Eugênia Ana dos Santos, a mãe Aninha, se mudou de Salvador para a região portuária e se instalou na Pedra do Sal. Após a abolição, a repressão continuava, e polícia fazia prisões asseguradas pela Lei da Vadiagem.
A Lei punia a manifestações negro-africanas, como a capoeira, o samba e as práticas religiosas. ‘‘Hoje, eles vão mudando de lugar para preservar esse culto, assim como lá dentro da senzala’’, explica Sandra Brandão, 47 anos, pedagoga e Presidente da Sociedade Civil do Ilè Așé Opò Afonjá do Rio – nome que significa Casa de Força Sustentada por Xangô.
A Casa passou por diversos locais antes de se instalar em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, para fugir da intolerância religiosa. ‘‘O objetivo era se afastar dos grandes centros’’, conta a neta de Edgard Brandão, que veio de Salvador com mãe Aninha. ‘‘E mesmo nesse endereço que estamos hoje, também existia essa intolerância.
Tenho uma tia biológica de 89 anos que conta que quando criança, as crianças brincavam na frente da casa pra fazer barulho pro candomblé poder tocar atrás pra polícia não coibisse essa manifestação.’’ As prevenções continuam. Sandra diz que principalmente os mais idosos estão amedrontados – e que o medo já causou um efeito psicológico. “Quando a gente faz as práticas religiosas, a gente fala, olha o portão, tem que estar fechado’’, conta.
A maioria das Casas de Candomblé antigas no Rio de Janeiro continuam na Baixada Fluminense, como o Terreiro Alákétú e a Casa Branca. Mãe Beata de Iemanjá seguiu o mesmo caminho: foi de Salvador para o Rio em 1969 e fundou em 1985 o terreiro Ilê Omiojuarô, em Miguel Couto, Nova Iguaçu. Reconhecida pela militância em diversas causas, entre elas a liberdade religiosa, Mãe Beata morreu em maio deste ano em Nova Iguaçu, onde ‘‘encontrou seus laços, suas redes bem tecidas de apoio da população negra de terreiro’’, conta Pai Adailton, filho biológico de Mãe Beata de Iemanjá.
(da Carta Capital)
Estive em Oslo, entre 7 e 14 de outubro, a convite da embaixada norueguesa no Brasil. Participei de uma série de encontros com representantes do governo, sindicato de jornalistas, movimentos sociais, institutos de pesquisa. Foi uma experiência incrível de troca e aprendizado.
Um dos meus compromissos era ministrar duas palestras, uma na Universidade de Oslo e outra na Embaixada do Brasil, na mesma cidade. Nesta última, várias brasileiras que moram na capital norueguesa estiveram presentes. Ao fim do seminário, uma delas fez uma pergunta que me levou a refletir bastante.
Ela contou ser filha da mistura entre negro e branco, mas que, por ter a pele clara, era considerada branca no Brasil. Por conta disso, nunca refletia sobre o racismo. Ao morar na Noruega, percebeu que não era branca. Os habitantes do país não a viam como, e se confundiam em acertar sua origem. Na Europa, percebeu que era vista como o “outro”, aquela que não é branca e é estrangeira.
A partir desse choque de realidade, ela passou a questionar seu papel. Ao sentir na pele ser olhada como alguém que não se encaixa, percebeu a necessidade de se posicionar, e me perguntou: “Só fui perceber isso na vida adulta, mas, quando volto para o Brasil, sou bem tratada e com respeito, deixo de ser estrangeira ou estranha. Você, como mulher negra, sabe bem o que é sofrer com essa dupla violência, inclusive em seu próprio país. Como é para você ser estrangeira em seu próprio país?”
Demorei um tempo para processar a densidade daquela pergunta. É exatamente esse o sentimento que me acomete. É duro, inclusive, ter de admitir que na maioria das vezes sou mais bem tratada fora do que no próprio Brasil. Grada Kilomba, em seu livro Plantation Memories: Episodes of everyday racism, afirma que a mulher negra é o “outro do outro”, por ser essa dupla antítese de branquitude e masculinidade. Quem não é pensada a partir de si mesma, mas por meio do olhar masculino e branco.
A cada seguida de segurança na loja, olhar de estranhamento quando estou em lugares que julgam não ser para mim, a cada “você deveria ser passista e não estudar filosofia”, a cada reportagem mostrando os números absurdos de assassinatos de jovens negros, de mulheres negras assassinadas, sei bem o que essa moça quis dizer.
Quando ligo a tevê e vejo pouquíssimos negros, penso viver na Escandinávia. Ser negra brasileira é sentir-se estrangeira no próprio país.
Patricia Hill Collins, intelectual estadunidense, afirma que o local em que as mulheres negras ocupam dentro do movimento feminista é o de “forasteira de dentro”. Por estar e ao mesmo tempo não estar, entende esse lugar como um espaço de fronteira ocupado por grupos com poder desigual, pois, ao mesmo tempo que essas mulheres estão dentro de algumas instituições, não são tratadas como iguais.
Collins aponta, porém, a necessidade de se tirar proveito desse lugar. O fato de sermos estrangeiras nos possibilita também estar num espaço de fronteira, num “não lugar” que pode ser doloroso, e é, mas também um lugar de potência.
Reconfigurar o mundo por meio de outros olhares pode ser uma perspectiva potente desse lugar, pois tem o poder de gerar algum pertencimento que não seja o de pertencer a uma sociedade doente e desigual.
*Por Djamila Ribeiro
(da Carta Capital)
Comissão aprova incentivo ao esporte em escolas públicas
Jornalista: Leticia
A Comissão do Esporte aprovou, com emenda, projeto de lei que premia as escolas públicas bem colocadas nos jogos escolares organizados pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e garante incentivos para o aperfeiçoamento esportivo dos estudantes e professores.
O objetivo da proposta – Projeto de Lei 2084/15 –, segundo o autor, deputado Alexandre Leite (SP), é incentivar a prática de esportes na rede pública e a participação desses alunos em competições nacionais.
Pelo projeto, alunos do ensino público que forem campeões nos jogos escolares poderão levar uma premiação em dinheiro para a escola onde estudam, além de medalhas e troféus. A proposta também dobra a quantia de dinheiro que atualmente é repassada das loterias federais para o desenvolvimento do esporte escolar no País.
Atualmente, a Lei Pelé (Lei 9.615/98) determina que 2% do valor arrecado pelas loterias federais vão para o COB e para o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) e, desse total, 10% são destinados a Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBDE). Esses recursos são usados basicamente para realizar os Jogos Escolares Brasileiros (JEB).
Pelo projeto, esse montante passará a servir como prêmio para os alunos da rede pública que conquistarem os três primeiros lugares nas modalidades individuais e coletivas dessas competições.
Relator no colegiado, o deputado Alexandre Baldy (PODE-GO), defendeu a aprovação da proposta com duas emendas. Uma delas torna obrigatória a participação gratuita das redes públicas de ensino em todos os campeonatos promovidos pela CBDE. A outra emenda aprimora a redação do projeto.
“A boa colocação dos alunos em competições esportivas certamente tem impacto na comunidade escolar daquela instituição e pode levar a que seu projeto político-pedagógico dê atenção especial ao desporto educacional, cuja promoção é uma das diretrizes previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, argumentou o relator. Tramitação
O projeto será ainda analisado conclusivamente pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Brasil tem preocupantes indicadores de risco à pluralidade na mídia
Jornalista: Leticia
Se o dono da TV que você assiste é um grande fazendeiro, que notícias você vai receber sobre o uso de agrotóxicos? Se o grupo proprietário do seu portal de notícias preferido tem investimentos no mercado financeiro, como será a cobertura sobre política econômica? E se o dono da sua rádio é proprietário de faculdades e escolas privadas, qual será a abordagem sobre a educação pública?
Conhecer quem são os proprietários da mídia, quais são seus interesses associados, negócios, ligações políticas e religiosas é fundamental para conseguir ler criticamente as informações que chegam até você.
Para ajudar a conhecer os donos da mídia no Brasil, o Intervozes realizou a pesquisa Monitoramento da Propriedade da Mídia no Brasil. O “MOM Brasil” (da sigla em inglês Media Ownership Monitor) é a versão brasileira de um projeto internacional da Repórteres Sem Fronteiras da Alemanha. O projeto já foi aplicado em 10 países, como Peru, Sérvia, Gana e Turquia. Em nenhum deles os indicadores de riscos à pluralidade na mídia foram tão preocupantes.
A pesquisa visa levar ao público em geral informações sobre os 50 maiores veículos ou redes de comunicação (em audiência) e os principais grupos e pessoas ligadas a eles. Foram analisados quatro tipos de mídia: impressos, online, rádio e televisão. Os resultados são disponibilizados em um site voltado ao público em geral. Concentração e marco regulatório
Não há democracia possível em um cenário de poucas vozes e pouca diversidade de discursos em circulação. Partindo desse entendimento, além de buscar dar transparência à propriedade dos meios de comunicação brasileiros, a pesquisa analisou a concentração na mídia no país. Dos 50 veículos maiores em audiência: 9 pertencem ao Grupo Globo, 5 pertencem ao Grupo Bandeirantes, 5 pertencem à família Macedo (controladora do Grupo Record e da Igreja Universal), 4 fazem parte da RBS e 3 veículos são da Folha de S.Paulo, para citar alguns.
O monitoramento traz indicadores sobre riscos à pluralidade na mídia. Alguns destes indicadores são, por exemplo, se há controle político dos meios de comunicação, se há controle político sobre o financiamento da mídia, se existe proteção legal para garantir diversidade e impedir a concentração na mídia e a elevadíssima oligopolização do mercado midiático.
Os resultados são alarmantes: é o pior conjunto de índices entre os países que realizaram o monitoramento. Um dos indicadores utilizados na pesquisa leva em consideração a audiência, que se confirmou estar concentrada em poucos grupos. No caso das TVs, a Globo concentra 43,86% do share de audiência, e os quatro primeiros grupos mais de 70%.
A propriedade cruzada dos meios de comunicação – com o mesmo grupo controlando rádios, redes de TV aberta e canais na TV paga, múltiplos jornais e revistas e portais na internet de grande audiência – foi confirmada pela pesquisa e se revela um problema grave quando se fala em concentração da mídia no país.
A concentração na mídia é também geográfica: três quartos das matrizes dos maiores grupos de mídia estão em São Paulo e mais de 90% das redes e veículos de mídia de maior alcance possuem seus centros de decisão na chamada “região concentrada” (Sul e Sudeste). Além disso, há desigualdade de gênero no controle da mídia, visto que apenas três mulheres foram encontradas como fundadoras de veículos de comunicação, no universo de 50 analisados.
Todo esse cenário preocupante para a pluralidade na mídia decorre de um marco regulatório antigo, permissivo e ineficaz – a principal legislação do setor é o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), Lei nº 4.117/1962 seguido pelos decretos 52.795/1963 e 236/1967. A pesquisa produziu um estudo específico sobre este marco legal, que também estará disponível no site. Todas as informações estarão em português e inglês, para permitir um debate internacional sobre a situação da concentração da mídia no país. Relações perigosas
A pesquisa também analisou as relações empresariais e outros negócios dos donos da mídia, percebendo que mercado financeiro, agronegócio e mercado imobiliário estão entre os principais setores de atuação dos proprietários de meios de comunicação. Dos 26 grupos controladores dos 50 veículos mapeados, 21 possuem negócios em outros setores da economia. E destes 21, sete têm em outras atividades seu negócio principal.
Oito possuem negócios no setor financeiro. Tem destaque nesse setor o Grupo Alfa, conglomerado formado pelo Banco Alfa, Banco Alfa de Investimento, Alfa Financeiro, Alfa Leasing, Alfa Corretora, Alfa Seguradora, Alfa Previdência, além de negócios em diversos outros setores, incluindo a mídia (Rede Transamérica de rádio).
Na área de educação básica e universitária, um dos grupos de destaque é o Grupo Objetivo, um dos principais conglomerados de educação privada do país, formado por escolas, cursos pré-vestibulares, universidades (UNIP – Universidade Paulista), editora de produção de material didático e agências de propaganda. É dono do Grupo Mix de Comunicação, composto pela rede de rádio Mix FM e por emissoras de TV.
As relações entre os grandes grupos de mídia brasileiros e o agronegócio, um dos principais setores econômicos do país, são antigas. Se algumas persistem desde a primeira metade do século XX, outras são articulações novas.
Destas, vale citar o Grupo SADA, proprietário dos jornais O Tempo e Super Notícia, que também possui empresas na produção de biocombustíveis, tais como a Deva Distribuidora de Combustíveis, a SADA Bio-Energia (usina de álcool de São Judas Tadeu), a Eber Bio-Energia e Agricultura Ltda. (usina de álcool de Montes Claros), a Berc Etanol e Agricultura Ltda. (usina de álcool de Aragarças) e a Jaíba Energética (usina de álcool de Jaíba).
Também foram investigadas as afiliações políticas no setor, demonstrando como operam os vínculos de várias ordens com partidos, políticos e o governo. O destaque fica por conta da família Macedo, que controla a Record e a Igreja Universal e também tem um partido político importante sob seu controle: o Partido Republicano Brasileiro (PRB).
A crescente presença religiosa na propriedade dos meios de comunicação também está presente nesse monitoramento. Dos 50 veículos analisados, 9 são de propriedade de lideranças religiosas – todas elas cristãs. E, dentre essas, 5 direcionam totalmente o conteúdo de sua programação para os valores de sua religião, ou seja, fazem proselitismo religioso. Pouca transparência
Se como já dito, há poucos instrumentos legais para regular o mercado de mídia no Brasil, outro problema é a falta de transparência sobre quem são os grupos que controlam o setor. Não é fácil obter esses dados, como destaca o artigo “O obscuro controle sobre a mídia no Brasil”, publicado por Patrícia Cornils que coordena o projeto pela RSF, no Brasil.
As empresas de mídia no Brasil não disponibilizam as informações e, geralmente, também não respondem aos pedidos de informações: nenhuma empresa forneceu aos pesquisadores dados sobre controle acionário, nem mesmo as concessionárias de rádio e TV. Um dos grupos chegou a afirmar: “por motivos estratégicos, as informações solicitadas não são públicas”. No entanto, as concessões são públicas, e os indicadores da pesquisa mostram um risco alto ligado à falta de dispositivos legais que garantam a transparência dessas informações.
Dizer que as concessões de rádio e televisão são públicas corresponde a afirmar que elas pertencem ao conjunto da sociedade brasileira. Mas, na prática, os empresários titulares das concessões agem como se fossem os proprietários privados dos canais de rádio e televisão.
Para realizar as transmissões, as emissoras utilizam o chamado espectro eletromagnético, que é um bem público e finito. Para usar determinada frequência deste espaço, as empresas de rádio e televisão precisam de uma autorização dada pelo Estado. Além disso, embora os veículos impressos e online não sejam concessões públicas, também aqui a diversidade de fontes de informação é imprescindível para a pluralidade de opiniões e pensamentos e, portanto, para a democracia.
O evento de lançamento acontece em São Paulo, dia 31/10, às 18h, na Rua Genebra, 25 (Sindicato dos Engenheiros). Além da apresentação dos resultados, haverá um painel sobre o que há de novo e de velho na concentração da mídia. Estarão presentes Franklin Martins (jornalista e ex-Ministro da Secretaria de Comunicação Social), Martín Becerra (professor da Universidade Nacional de Quilmes, na Argentina, e autor de muitas obras sobre concentração na mídia na América Latina) e Cynthia Ottaviano (presidenta da Organização Interamericana de Defensores da Audiência).
Esperamos que a pesquisa fomente um bom e sério diálogo sobre esse tema – que envolva cada vez mais pessoas e organizações da sociedade civil. André Pasti, Ana Claudia Mielke, Daniel Fonsêca, Jonas Valente, Luciano Gallas e Olívia Bandeira são integrantes do Intervozes e parte da equipe do Monitoramento da Propriedade da Mídia (MOM Brasil).
(da Carta Capital)