Reforma Trabalhista é legalizar o "vale tudo" sobre os direitos

O relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) sobre a reforma trabalhista (PLC 38/2017) foi aprovado no início da noite desta terça-feira (6) pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Para Carlos D’Incao, 42 anos, historiador e empresário, especialista em mercado financeiro internacional, a reforma trabalhista contém uma contundente lógica de submissão aos interesses das grandes empresas e do capital estrangeiro.
Ele critica o fato de o governo sinalizar com possíveis mudanças no texto e diz que a reforma causa uma enorme insegurança jurídica. “Enquanto um verdadeiro golpe está em curso, os tucanos (junto com Temer) sinalizam manter alguns direitos como “o horário do almoço de 1 hora” e o imposto sindical”, afirmou.
Brasil de Fato: Você elencou na reforma trabalhista 120 ataques aos direitos dos trabalhadores. É possível apontar quais são os maiores absurdos no projeto?
Carlos D’Incao: Diferentemente daquilo que a grande imprensa está divulgando, essa não é uma simples reforma, mas uma profunda alteração das relações de produção que vão alterar toda a estrutura de funcionamento do Judiciário e das empresas. Tudo isso em benefício único do capital. Há uma contundente lógica de submissão aos interesses das grandes empresas e do estrangeiro. Destacaria as novas formas de organização empresarial. O que se planeja é o início de uma nova era de fraudes tributárias que atingem a Previdência, a seguridade social e o trabalho.
O governo está prometendo vetar pontos e editar medida provisória. Você acha que isso pode melhorar o texto?
As águas profundas da reforma não estão sendo postas à luz do dia. Eu afirmo categoricamente que, de forma maliciosa, o atual governo sinaliza recuar em questões pontuais para aprovar, na surdina, uma nova estrutura produtiva para o país. Para os grandes empresários o valor da força de trabalho é uma variável que pode ser trabalhada ao longo do tempo.
O que interessa de fato a eles é uma nova estrutura empresarial que estabeleça a legalização do “vale tudo”, e que permitirá manobras contábeis e jurídicas para declinar de grande parte da carga tributária hoje existente. É isso o que o grande capital almeja. Em uma só tacada essa reforma trabalhista maximiza os lucros das grandes empresas e condena o sistema previdenciário e toda a seguridade social que serão, a partir dessa reforma, necessariamente privatizada. Enquanto um verdadeiro golpe está em curso, os tucanos (junto com Michel Temer) sinalizam manter alguns direitos como “o horário do almoço de 1 hora” e o imposto sindical.
Pela reforma, estão previstas mudanças que podem sufocar o direito do trabalhador de recorrer à Justiça, inclusive com o fim da prerrogativa da jurisprudência. Qual a extensão dessas medidas?

Essas medidas possuem um carácter revogatório, isto é, se aplicará inclusive a processos que estão em andamento. Tudo nessa reforma vai na direção de tornar o processo mais moroso, em detrimento ao trabalhador. Com o fim da prerrogativa da Jurisprudência, além de se abrir uma nova era de insegurança jurídica para o trabalhador, encerra-se também um mecanismo que antes dava celeridade aos processos. Não por acaso, essa reforma trabalhista é chamada por muitos de “reforma empresarial”.
Outro ponto muito criticado é a chamada prevalência do negociado sobre o legislado. Na prática, o que pode acontecer com o trabalhador?

Esse ponto é uma gigantesca anomalia porque o texto é claro quando abre inúmeras possibilidades de se negociar inclusive aspectos garantidos na Constituição. Logo, na prática, o próprio Direito Constitucional estará sendo lesado com essa reforma. No fim, tudo estará nas mãos das grandes empresas que, auxiliados por um bom departamento jurídico, poderão fazer uma série de manobras jurídicas.
Na prática será possível se extinguir os direitos constitucionais mais elementares como o 13º salário e as férias acrescidas de 1/3. Isso tudo sem contar o fato de que a própria possibilidade de se estabelecer a chamada “livre negociação” entre trabalhadores e empresários é por si só uma grande farsa. Essa reforma quer retroceder os trabalhadores às condições análogas ao século XIX.
Um dos argumentos do governo para votar a reforma é que ela irá gerar emprego. Qual a sua avaliação sobre isso?
Ao contrário do que o governo proclama, essa reforma tem a tendência de, a curto prazo, precarizar as condições atuais de trabalho e, a longo prazo, aumentar o desemprego. Trata-se de uma relação lógica: se a reforma trabalhista permite aos empresários explorar sua mão de obra por mais tempo e de maneira mais abusiva, haverá cortes e não mais contratações, como alega o governo.
O governo diz que os empresários não contratam porque os custos dos trabalhadores são muito altos. Ao que parece Temer e os tucanos estão observando os trabalhadores de outro país, talvez os trabalhadores franceses… Porque a mão de obra brasileira é uma das mais baratas do mundo… Além disso, é importante salientarmos que essa reforma ocasionará um aumento significativo da rotatividade da mão de obra, uma vez que demitir se tornará um processo ainda mais barato.
A base aliada de Temer tem dito que as reformas previdenciária e trabalhista são importantes para dar um sinal ao mercado financeiro. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou isso bem claro. Como você vê um governo preocupado com o mercado em detrimento dos direitos dos trabalhadores?
Se havia alguma dúvida de que esse governo tinha como principal meta atender aos interesses do mercado, parece bem claro que ela já foi há tempos dirimida. A questão é que o suposto “sinal” para o mercado financeiro não atende a todo o capital existente no planeta. Na verdade, é um sinal para um tipo específico de capital financeiro que aposta em um Brasil “mexicanizado”, onde o custo-trabalho se torna muito baixo. Trata-se de um capital volátil que não pensará duas vezes antes de se retirar de nossa economia caso haja qualquer possibilidade de mudança dessa atual conjuntura. 11 contra. Em seu parecer, Ferraço não fez nenhuma mudança no texto recebido da Câmara, depois de duas sessões marcadas por intensos embates entre governo e oposição. A estratégia do governo para conseguir votos e aprovar a reforma é vetar pontos considerados mais polêmicos, mas a manobra não é aceita nem pela oposição e nem por especialistas da área.
(do Vermelho)

Relator da ação contra chapa Dilma-Temer defende reforma do sistema político

Depois da rejeição de quatro de 10 pedidos preliminares na ação que avalia se a chapa eleitoral Dilma-Temer de 2014 deve ser cassada ou não por abuso de poder econômico e eleitoral, o relator do processo, ministro Herman Benjamin, suspendeu o julgamento para retomada dos trabalhos, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a partir das 9h desta quarta-feira (7). Primeiro, será dado o voto de Benjamin sobre as demais preliminares e o voto dos ministros. Logo depois, será dado o voto de Benjamin quanto ao mérito da questão em si.
A sessão de hoje (6) durou mais de três horas e se destacou pela fala do relator, que disse que o processo todo é resultado de um sistema político que precisa ser reformado. De acordo com o magistrado, não é possível mais se cogitar solução apolítica para a crise institucional observada no Brasil.
“A partir de 2003 (referência feita por ele ao ano do início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva) nos libertamos de receios de julgar e aplicar a Constituição e as leis de maneira igual para todos. Não podemos querer uma solução que não seja política numa vã esperança de que um autocrata ou déspota venha libertar o país”, afirmou o magistrado.
O julgamento teve um momento tenso quando o presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, fez uma observação durante a fala do relator. Mendes alertou os colegas no sentido de que o colegiado precisa ficar atento para a ordem política e institucional, uma vez que, a seu ver, “o tribunal está cassando mais políticos do que na época da ditadura”.
Numa resposta imediata, Herman Benjamin rebateu afirmando que isto significa que o Brasil vive uma democracia. “O grande problema é garantir o voto do eleitor. Antes se cassava contra a democracia. Agora se cassa pela democracia”, ressaltou.

Preliminares julgadas

Sobre a inversão da ordem das testemunhas, o relator afirmou que a ordem respeitou o que prevê a legislação. O ministro também não achou que deveriam ser acatados os pedidos para que a ação fosse arquivada em razão de a presidenta Dilma Rousseff ter sido afastada do cargo no ano passado, pedidos para desmembramento das ações e o questionamento sobre se o presidente da República podem ser julgados pelo TSE.
Neste último item, o magistrado afirmou que a interpretação da lei não deixa dúvidas de que a proibição de julgamento do presidente diz respeito à hipótese de infração comum ou crime de responsabilidade cometido pelo presidente, o que não está relacionado ao que dizem os autos em questão. “O comportamento do Presidente da República não poderia permanecer alheio do controle da Justiça eleitoral”, acrescentou. Pelo menos até agora, todos os integrantes do tribunal votaram conforme a posição do relator.
Mais cedo, o procurador eleitoral, Nicolao Dino, deu parecer pela cassação da chapa completa Dilma-Temer. Dino afirmou que nenhuma das preliminares apresentadas pelas partes se justifica e que, em sua avaliação, o volume de recursos mencionados pelo empresário Marcelo Odebrecht para a campanha da chapa, configura uma doação que considerou como “completamente ilícita”.
Também surpreendeu a todos a atitude do ministro relator no início da sessão, que mudou a ordem do julgamento. Herman Benjamin deixou a análise das preliminares, que estava prevista para o início da sessão, para ser feita somente depois da fala dos advogados das partes. E começou os trabalhos com a leitura do seu relatório, ao contrário do que se esperava.
Muitos advogados, representantes de entidades, estudantes de Direito, assessores e políticos que acompanharam os trabalhos já estão deixando o tribunal e se preparam para retornar amanhã. A expectativa de várias destas pessoas é que o julgamento pode se estender até a quinta-feira (8).
Alguns ministros ouvidos no final da sessão deram a entender que o colegiado tem conversado em reservado no sentido de evitar que algum dos integrantes do tribunal peça vistas do processo, por considerarem ser importante para o país o processo chegar ao fim ainda esta semana. Não se sabe, entretanto, se esta será de fato a posição de todos os ministros até o final do julgamento.
(da Rede Brasil Atual)

Por 14 a 11, comissão aprova relatório de reforma trabalhista

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou no início da noite desta terça-feira (6), por 14 votos a 11, o relatório sobre o projeto de “reforma” trabalhista (PLC 38). O colegiado também rejeitou destaques e emendas. Antes de ir a plenário, texto terá de passar ainda pelas comissões de Assuntos Sociais (CAS) e de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Casa.
Durante a sessão, que começou às 10h e terminou por volta de 19h, mesmo senadores que disseram ver pontos positivos se pronunciaram contra o projeto. Houve crítica mesmo de parlamentares identificados com o Executivo. A rigor, nenhum se manifestou a favor. Vários criticaram a postura do relator, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que não acatou nenhuma emenda. Para evitar retorno do texto à Câmara – aprovado em abril como PL 6.787 –, ele apenas sugeriu vetos que seriam feitos pelo presidente Michel Temer, mediante “acordo” com o governo.
Kátia Abreu (PMDB-TO), por exemplo, disse que não era “carimbadora da Câmara”. Já Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) afirmou que Ferraço abria mão de sua prerrogativa de legislador.
Paulo Paim (PT-RS) lembrou de debates entre “abolicionistas” e “escravagistas” e reafirmou que ninguém havia se manifestado a favor do PLC 38, mas mesmo assim o projeto era aprovado. “Não entendo como a Casa revisora se recusa a fazer mudanças que considera obrigatórias.” Para ele, agora não poderá haver “atropelo” na tramitação da matéria na Comissão de Assuntos Sociais. “Dou um voto de confiança antecipado à senadora Marta Suplicy (PMDB-SP)”, acrescentou, referindo-se à presidenta daquele colegiado.
“Eu me sinto totalmente constrangido em votar a favor dessa matéria”, afirmou Otto Alencar (PSD-BA). “É a primeira vez que eu vejo uma matéria vir da Câmara dos Deputados e o relator, senador Ricardo Ferraço, que me supreendeu, recomenda que o presidente Michel Temer vá vetar ou mande uma medida provisória”, acrescentou, lembrando ainda do julgamento da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior do Eleitoral, a pedido do próprio PSDB – partido que, segundo Alencar, está “com o pé em duas canoas”, já que agora é governista.
Ele se referiu ao líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), como “primeiro-ministro” do governo Temer. “Vamos tirar essa matéria de pauta, primeiro-ministro. Essa matéria não vai livrá-lo (ao presidente) dos problemas que ele tem com a Justiça”, afirmou.
Entre as emendas apresentadas, a senadora Vanessa propôs vetar o item que possibilita à mulher gestante ou lactante trabalhar em ambiente insalubres. Quase gritando, Jucá disse que o tema seria vetado por Temer. “Essa matéria está resolvida”, afirmou, no esforço para evitar emendas e, com isso, garantir que o projeto não voltasse à Câmara. No final, a emenda foi rejeitada, também por 14 a 11.
José Serra (PSDB-SP) afirmou que votaria com seu partido, e propôs que o governo formalizasse, por escrito, quais são as mudanças a serem feitas no projeto via medida provisória. Ele criticou o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central por ter sinalizado com um andamento em ritmo menor da queda de juros, por causa da tramitação mais lenta das reformas. “Com isso, o que fazem é dar dimensão a essa crise. Ou seja, jogando contra, gol contra”, afirmou. Para Serra, a questão central da economia é reduzir os juros.
Nesse ponto, ganhou apoio de José Pimentel (PT-CE). “Não é na relação trabalhista que está o problema da nossa economia”, disse o senador petista, acrescentando que o país chegou a ter “pleno emprego” em período recente, com a mesma legislação que agora é questionada.
Líder do PMDB no Senado, em conflito com o Planalto, Renan Calheiros (PMDB-AL) disse ter defendido com o governo um “pacto, acordo, consenso, para fazer todas as reformas que o país precisa”, em vez de aprovar um projeto como o de hoje. Segundo ele, o custo do trabalho não é o maior entre os custos de produção. “Era muito melhor que aproveitássemos esta circunstância, aprovando flexibilização e aprofundando a crise, e construíssemos um pacto pelo interesse nacional.”
Para Ferraço, que também será o relator na CAS – ou seja, deverá seguir o padrão –, o projeto irá a plenário no final do mês. As centrais sindicais aprovaram nova greve geral, contra esta reforma e a da Previdência, para o dia 30.
(da Rede Brasil Atual)

A eleição indireta será a nova crise

O tensionamento nacional extremo, a polarização política e o esgarçamento do tecido institucional, além do desemprego avassalador, atingiram o paroxismo, e voltaram-se como bumerangue contra seus antigos beneficiários, a exemplo do ilegítimo presidente Michel Temer e do revanchista senador Aécio Neves. O fato político evidente é que Temer já era, acabou. Mas as forças conservadoras agora preparam a permanência e renovação da crise política com a eleição indireta para o restante do mandato presidencial. Eis a nova peça central do desmonte do país, em prejuízo direto ao povo.
A queda de Temer, em si mesma, é um fato alvissareiro para a democracia. Remove-se a maior expressão do golpe do impeachment contra a presidente Dilma. O afastamento de Temer significa uma grande derrota para as correntes direitistas na sociedade brasileira. Esse revés não deve ser subestimado. Temer era o condutor das reformas trabalhista e previdenciária, que assim ficam chamuscadas. O colapso do governo Temer é um alívio temporário importante para as forças progressistas, até há pouco acossadas, acuadas, massacradas, pelo ataque concentrado e permanente do consórcio político, judiciário e midiático.
Dois fatores abalaram a unidade e o controle da iniciativa política pelo conjunto das forças conservadoras:
– o repúdio estrondoso da grande maioria da população à reforma da Previdência, desde março passado,
– e o episódio no dia 17 de abril das negociatas de Temer com Joesley Batista, em registro gravado.
A cena política mudou. Agora, é a vez dos holofotes mirando a atração principal, o espetáculo patético do governo Temer em estrebucho, nas ânsias da morte. Os dias que retardam a queda do usurpador dilaceram ainda mais o campo das forças da direita. Rachou a aliança conservadora, inclusive com a divergência dentro do monolítico partido da mídia, entre a Globo, de um lado, e a Folha, Estadão, de outro lado. Posto em marcha, o atual curso político ganha vida própria, dinamismo, surgem o tempo todo novo fatos, desdobramentos, encadeamentos, a exemplo de prisões de mais assessores de Temer, do pedido de prisão de Aécio e assim por diante. Por enquanto, é o movimento político, que se autoalimenta, irrefreável, de dificuldades para os direitistas. É nesta nova dinâmica essencialmente política que podem ser mobilizados aquelas grandes massas trabalhadoras que até o momento têm mantido uma atitude geral passiva, sem participação direta, sem intervenção nos acontecimentos principais da vida pública nacional. Os fatos políticos vão despertando o interesse, a atenção, o envolvimento dessas camadas mais profundas da nossa sociedade, afastando confusões, desinformação e narrativas conservadoras.
De onde veio essa crise de Temer? Foi uma ação autônoma da Procuradoria Geral da República, de Janot, no embalo da onda messiânica e moralista de procuradores? Foi por causa do “pânico que bateu” em Joesley Batista, dono da JBS? Três motivos e circunstâncias, uns mais aparentes do que outros, produziram a crise Temer, sem falar na recessão econômica.
Primeiro, há uma persistente crise de natureza política desde as jornadas de junho de 2013. A crise política continuou na polarização das eleições de 2014. Radicalizou-se quando jogaram gasolina no incêndio com a campanha pelo impeachment de Dilma entre 2015 e 2016, culminando na usurpação da presidência por Temer e seus aliados direitistas. As reformas ultraliberais (Lei do Teto do Gastos contra as políticas sociais e em favor dos ricos parasitários da dívida pública; Trabalhista; Terceirização; Previdenciária) tomaram a forma de insulto imperdoável ao povo, provocaram a indignação popular, quando foram tocados nos parcos direitos da aposentadoria dos trabalhadores, em um país com extremos clamorosos de desigualdades sociais.
Segundo, a realidade de um governo sem qualquer respaldo popular, com um presidente cercado de ministros investigados por corrupção, com uma política provocadoramente antinacional, antissocial e antidemocrática.
Terceiro, a necessidade urgente das forças conservadoras de descartar Temer para reciclar a dominação política direitista no país e salvar o projeto de reformas ultraliberais contra os trabalhadores, de entrega do patrimônio nacional, a exemplo de partes da Petrobras e do pré-sal, de desmonte da saúde e da educação e de cerceamento das liberdades das manifestações e entidades populares.
Como fica claro na atitude da Globo, a queda de Temer e a eleição indireta terminam colaborando para limpar o caminho para a condenação de Lula e evitar sua candidatura a presidente, com o discurso de que a Justiça atinge a todos, até o presidente Temer. Não é só o PT, é também o PSDB, com Aécio e outros, repete a retórica conveniente da Globo neste momento.
Temer reaglutinará a maioria das forças conservadoras e sobreviverá? Não dá mais. Contra Temer há: (i) as deserções partidárias (PSB, PPS, PTN e os diretórios estaduais do PSDB no RJ e RGS etc.); (ii) a dinâmica do inquérito dos três crimes de Temer (corrupção passiva, obstrução da justiça e organização criminosa), sem ambiente político para recuos do STF; a impossibilidade da Globo voltar atrás e defender o Fica Temer; o isolamento perante as entidades da sociedade civil, como patenteia-se no pedido de impeachment da OAB e na oposição da CNBB à reforma da Previdência; e a expectativa de aumento das manifestações de rua contra o usurpador e suas reformas.
Os acontecimentos políticos refutaram uma tese em voga até há pouco: a impopularidade do presidente Temer como vantagem para impor medidas contra o povo. Depois do explosivo repúdio social à reforma da Previdência, os setores mais astutos da direita descobriram agora que precisam de alguém, supostamente, com um verniz de apoio, credibilidade, reputação. Estão em procura frenética deste nome para a eleição indireta. No instante em que a maioria dos líderes conservadores chegar a um acordo a respeito deste nome, Temer sai do Palácio do Planalto.
O principal argumento contrário à eleição indireta é que ela será um instrumento para a reciclagem do ataque sobre os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários da grande maioria população brasileira, sob os auspícios de um novo governo das mesmas forças conservadoras que colocaram Temer na presidência. Neste sentido, de forma substantiva, a eleição indireta é ataque às condições materiais de vida dos trabalhadores.
As políticas e as reformas ultraliberais contra os trabalhadores e os interesses nacionais são a razão de ser da aliança entre políticos conservadores, a mídia, o empresariado e o mercado financeiro. Para eles, a Constituição de 1988 tem direitos de mais. A CNI e a FIESP querem recuperar suas margens de lucro, através da redução de custos resultante dos cortes de direitos trabalhistas. Os bancos e o mercado financeiro querem a reforma da Previdência para manter intocado o assalto bilionário do dinheiro público para os juros da dívida pública. Os banqueiros estão salivando à espera do suculento prato dos lucros da sua previdência privada em lugar da previdência social. A Globo e a Folha de São Paulo estão unidas, todo o partido da mídia está coeso na defesa do liberalismo econômico radical. Feita a eleição indireta, todo o bloco direitista, conservador, da sociedade brasileira, em todas as suas esferas, vão desencadear a mais obstinada ofensiva em favor das reformas trabalhista e previdenciária.
Ademais, o pior, o mais reacionário, o mais corrupto Congresso da história do país não tem a mínima autoridade para sustentar a eleição indireta. O Congresso do impeachment e das reformas contra o povo não tem legitimidade para escolher presidente da República. A grande maioria dentro Congresso já provou sobejamente sua insensibilidade e seu ódio de classe contra os trabalhadores.
A Constituição que tem sido modificada facilmente para atentar contra a democracia e os direitos sociais, pode agora ser alterada, trocando a eleição indireta, agora por eleições livres, diretas e gerais, para Presidente e para o Congresso Nacional. O poder delegante e soberano é do povo. A saída da crise política tem que ser colocada nas mãos do povo. Como condição de legitimidade do processo eleitoral, é preciso previamente descartar as reformas trabalhista e previdenciária. A eleição indireta, se imposta, tomará o sentido de um insulto, uma provocação, contra o povo, como ocorreu com a proposta da reforma da Previdência. A eleição indireta, se vingar, será a fonte da renovação da crise política, em desfavor do Brasil.

*Renildo Souza é professor da Faculdade de Economia da UFBA

Agenda do governo é a do mercado, não a do povo

Ao discursar para empresários no Fórum de Investimentos Brasil 2017, em São Paulo, Rodrigo Maia não usou meias palavras. “A Câmara vai manter a defesa da agenda do mercado”, disse. No momento em que o presidente enfrenta uma grave crise, o parlamentar opinou que Temer garante “uma estabilidade muito maior” para o Congresso aprovar as reformas propostas pelo governo. 
No mesmo evento, o presidente Michel Temer ressaltou o compromisso nesse sentido e afirmou que “não há plano B” para o país. De acordo com ele, o seu governo recolocou o Brasil nos trilhos e o devolveu ao “caminho do desenvolvimento”. Entre os empresários, o sentimento majoritário tem sido o de que o importante é levar adiante as reformas, independentemente de quem as conduza.
Em entrevista ao Vermelho, Tonelli Vaz – que é assessor técnico da Câmara dos Deputados – avaliou que é preciso identificar quem se beneficia com os rumos definidos pela atual gestão.
“Quando Temer diz que não tem plano B, significa que o governo segue firme nas reformas, na destruição do Estado e das políticas sociais. Essa é a única agenda que esse governo tem. O caminho que está traçado é este: desemprego de 13%. Para ele, o país está nos trilhos porque a bolsa vai muito bem, algumas empresas lucram. Não é um projeto para o povo, com emprego, cidadania. Esse não é parâmetro que ele usa para dizer se o país vai bem ou mal”, declarou.
De acordo com o Valor Econômico, durante sua fala aos empresários, Temer disse ainda que deu “uma injeção de profissionalismo” nas estatais, colocou fim “ao equívoco da política dos chamados campeões nacionais” no BNDES e introduziu “racionalidade econômica” em “setores-chave, como o de petróleo e gás”.
“A racionalidade e a profissionalização de que ele fala quer dizer colocar as estatais a serviço do lucro e, não, a serviço da sociedade, de um projeto nacional. É por isso que a Petrobras não é mais obrigada a entrar na exploração do pré-sal, é por isso que o BNDES passa e ter mais dinheiro para a privatização que para investimentos”, apontou Tonelli.
Na sua avaliação, o fim da política de campeões nacionais é, na verdade, o fim da política de crescimento das empresas nacionais. “O que está colocado aí é a destruição da indústria nacional, da indústria naval, das grandes construtoras. É a desnacionalização da economia: não precisa ter empresa brasileira. O que estamos vivendo é a desnacionalização brutal da economia”, reiterou.
Segundo ele, toda a lógica da atual gestão é a de ampliar lucros de acionistas, independentemente das necessidades da população. “Um exemplo primário disso é que, durante o racionamento de água em São Paulo, a Sabesp distribuía lucro aos seus acionistas. Não tinha água para entregar ao povo, mas lucro tinha. É como a Petrobras, que pode estar vendendo ativos e produzindo lucros. Quando ela faz isso, os acionistas, especialmente os que estão em Nova York, adoram. Mas, para o governo, o que não pode é a Petrobras pegar seu lucro e investir no país, que aí os acionistas não gostam”, criticou.
Para Tonelli, quando Temer fala que há avanços, é preciso ver para quem são estes avanços. “Não investir no pré-sal e ter lucro é avanço para quem? Para os donos das ações em Nova York? Porque para o país não é. Avanço para o povo brasileiro seria continuar com a nacionalização da produção do petróleo, desenvolvendo a indústria naval, da construção civil, o emprego no Brasil”, opinou.
“Temer defende a agenda de menos Estado para o povo, portanto pode destruir os direitos sociais, os direitos trabalhistas, para que os empresários tenham mais lucro. Pode precarizar saúde e educação para que sobre mais dinheiro para os mesmos”, condenou.
Tonelli defendeu, contudo, que se o atual governo conseguirá ou não levar adiante essa agenda só depende do povo nas ruas. “O presidente faz uma análise de conjuntura e de futuro que exclui o povo como agente político, detentor de direitos e vontades. Esse tipo de análise não leva em conta que o povo na rua pode querer ditar o seu futuro. Para eles, não existe nós, o povo; existe nós, o banco, o mercado”, afirmou.
O especialista em políticas públicas analisou que as recentes mobilizações já têm surtido efeito no debate sobre as reformas e que o crescimento dos protestos é decisivo. “O povo na rua muda essa agenda, como já mudou. Houve o ato em Brasília no dia 24, a greve geral, o ato pelas Diretas Já no Rio, que agora vai ter em São Paulo no domingo. O movimento pelas diretas cresce. Esse são elementos que vão construir o futuro e suas alternativas. Assim a sociedade pode exigir do governo um outro futuro. Se esse governo não quiser dar, que saia da frente”, encerrou.
Fonte: Portal Vermelho

Safatle: “Nos resta a desobediência sistemática a todas as ações governamentais”

“Uma das bases da democracia é não submeter a soberania popular nem a decisões equivocadas feitas no passado, nem a instituições aberrantes. O povo não é prisioneiro dos erros do passado, mas sua vontade é sempre atual e soberana. Ele pode desfazer as leis que ele mesmo fez e destituir instituições que se mostram corrompidas.”
Devemos obedecer a um governo ilegítimo? Devemos aceitar ordens de quem, de forma explícita, se mostra capaz de servir-se do governo para impedir o funcionamento da Justiça ou para fazer passar leis que contrariam abertamente a vontade da maioria? Essas perguntas devem ser lembradas neste momento. Pois a adesão pontual do povo a seu governo não se dá devido à exigência da lei, mas devido à capacidade dos membros do governo de respeitarem a vontade geral.
Essa capacidade está definitivamente quebrada. Não. Na verdade, ela nunca existiu. Se quisermos ser mais precisos, devemos dizer que apenas se quebrou a última de todas as aparências. O desgoverno Temer não consegue nem sequer sustentar uma aparência de legitimidade. Cada dia a mais desse “governo” é uma afronta ao povo brasileiro. O que nos resta é a desobediência sistemática a todas as ações governamentais até que o “governo” caia.
Temer entrará para a história brasileira não apenas como o primeiro vice-presidente a ter conspirado abertamente contra sua própria presidenta até sua queda final. Ele será lembrado como o primeiro presidente a ser pego operando diretamente casos de tráfico de influência (o caso de seu antigo ministro da Cultura sendo obrigado a liberar uma licença para viabilizar o apartamento de Geddel Vieira) e de pagamento para silenciar presos.
Exatamente no mesmo momento em que esse senhor exigia do povo brasileiro “sacrifícios” ligados à destruição de condições mínimas de trabalho e garantia previdenciária, ele pedia ao dono da Friboi que continuasse a dar mesada para presos ficarem calados. O mesmo que entregará o país com 14 milhões de desempregados e mais 3,6 milhões de pobres garantiu lucros recordes para os bancos brasileiros no último trimestre.
Agora, alguns acham que o Brasil deve seguir então “os procedimentos legais” e empossar o investigado Rodrigo Maia para que convoque uma eleição indireta para presidente.
De todos os disparates nesta república oligárquica, este seria o maior de todos. Em um momento como o atual, o país não deve recorrer a leis claramente inaceitáveis, ainda mais se levarmos em conta a situação em que vivemos. Afinal, como admitir que um presidente seja escolhido por um Congresso Nacional de indiciados e réus, fruto de um sistema incestuoso de relações entre casta política e empresariado que agora vem a tona?
Uma das bases da democracia é não submeter a soberania popular nem a decisões equivocadas feitas no passado, nem a instituições aberrantes. O povo não é prisioneiro dos erros do passado. Sua vontade é sempre atual e soberana. Ele pode desfazer as leis que ele mesmo fez e destituir instituições que se mostram corrompidas.
Por essa razão, o único passo na direção correta seria a convocação extraordinária de eleições gerais, com a possibilidade de apresentação de candidaturas independentes, para que aqueles que não se sentem mais representados por partidos possam também ter presença política.
Que o Brasil entenda de um vez por todas: em situações de crise, não há outra coisa a fazer do que caminhar em direção ao grau zero da representação, convocar diretamente o povo e deixá-lo encontrar suas próprias soluções. Toda democracia é um “kratos” do “demos”, ou seja, o exercício de uma força (“kratos”) própria ao povo em assembleia. Essa é a única força que pode abrir novos horizontes neste momento.
Pois que não se enganem. Como já dissera anteriormente aqui, Temer não existe. Esse operador dos escaninhos do poder, acostumado à sombras e aos negócios escusos, sempre foi politicamente ninguém.
Quem governa efetivamente é uma junta financeira que procura reduzir o Estado brasileiro a mero instrumento de rentabilização de ativos da elite patrimonialista e rentista. A mesma junta que impõe ao país “reformas” que visam destruir até mesmo a possibilidade de se aposentar com uma renda minimamente digna. Ela tentará continuar no governo independentemente de quem seja o manobrista no Palácio do Planalto. Ela tentará o velho mote: “Tudo mudar para que nada mude”. Mas, para isso, precisará deixar o povo afastado de toda decisão política.
* Artigo publicado originalmente no jornal Folha do S.Paulo em 19/05/2017 com o título “O povo pode desfazer as leis que ele mesmo fez e destituir instituições.
*Por Vladimir Safatle é professor livre-docente do Departamento de Filosofia da USP, bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), professor visitante das Universidades de Paris VII e Paris VIII, professor-bolsista no programa Erasmus Mundus. Escreveu A paixão do negativo: Lacan e a dialética (São Paulo, Edunesp, 2006), Folha explica Lacan (São Paulo, Publifolha, 2007), Cinismo e falência da crítica (São Paulo, Boitempo, 2008) e co-organizou com Edson Teles a coletânea de artigos O que resta da ditadura: a exceção brasileira (Boitempo, 2010), entre outros. Atualmente, mantem coluna semanal no jornal Folha de S.Paulo e coluna mensal na Revista CULT. Em 2012, teve um artigo incluído na coletânea Occupy: movimentos de protesto que tomaram as ruas (Boitempo, 2012), publicada pela Boitempo Editorial em parceria com o Carta Maior.

Fonte: Blog da Boitempo
Publicado em 19/5/2017

O bem-sucedido projeto antibullying que a Finlândia está exportando à América Latina

Não importa se são públicas ou particulares, em bairros privilegiados ou em regiões mais pobres na China, no Reino Unido ou no Brasil. Na maioria das escolas do mundo há – em maior ou menor medida – casos de bullying.

Nem mesmo a Finlândia, país considerado uma liderança em educação, é uma exceção.
Mas, desde 2009, o bullying nas escolas do país vem diminuindo drasticamente graças a um método revolucionário para combater situações nas quais um estudante ou um grupo hostiliza de forma sistemática um colega.
Segundo levantamento com 30 mil estudantes entre 7 e 15 anos, o modelo adotado, desenvolvido na Universidade de Turku, no sudoeste do país, chegou eliminar completamente o bullying em até 80% das escolas e reduziu a prática em outras 20%.
O sucesso do método – batizado de KiVa (acrônimo de Kiusaamista Vastaan, que quer dizer “contra o bullying” em finlandês) – não passou despercebido na Europa, onde foi implementado em cerca de 20 países.
Além do continente europeu, algumas instituições de ensino de países da América Latina – entre eles Argentina, China, Colômbia e Peru – também decidiram adotar o programa.
A chave do KiVa seria que, diferentemente das metodologias tradicionais, que trabalham com as vítimas e os responsáveis pelo bullying, o programa também “incorpora as testemunhas”.
“(O programa) leva em conta as pessoas que ficam caladas e sofrem passivamente com os insultos. Porque embora ninguém goste de participar de uma situação na qual uma pessoa é violentada, muitas crianças não sabem o que fazer para sair do problema ou como defender a vítima”, explica a psicopedagoga Francisca Isasmendi, responsável pelo KiVa no Colégio Santa María de Salta, um dos pioneiros no uso do método na Argentina.
Ainda que as testemunhas não sejam os protagonistas mais óbvios da história, o silêncio e as risadas dessas pessoas reforçam o poder do agressor.
Por isso, trabalhar com esses observadores para que eles tomem consciência do seu papel nesta situação e encontrem formas de mudar seus comportamentos faz com que agressor acabe perdendo seu público.
“E quando um grupo deixa de apoiar o agressor e este fica sozinho, ele para”, explica a psicopedagoga.
Pelo método, uma vez que é identificado um caso de bullying, uma equipe treinada trabalha seguindo um protocolo específico com a vítima, o agressor e as testemunhas de forma individual, sem enfrentá-los.
“O impacto do sistema se sente sobretudo nos agressores, porque se as atitudes dos demais envolvidos muda, agredir passa a não ser mais tão divertido”, explica a diretora do programa KiVa no Instituto Escalae na Espanha Tiina Mäkelä, que também realiza treinamentos sobre o programa em países de língua espanhola.
Outro componente fundamental do programa – e do qual todos participam – é a prevenção.
“Isso inclui lições e atividades que acontecem duas vezes por mês, durante 45 minutos, onde se não falam de casos particulares, mas de conceitos gerais”, explica Mäkelä.
Todas essas atividades servem para criar um ambiente amável, generoso e respeitoso com os demais. As crianças são ensinadas a diferenciar um conflito entre colegas (aceitável) de uma situação de bullying, que não deve ser tolerada.
Iván Galindo, proprietário e diretor do Colégio Erik Erikson, em Querétaro, que fica perto da Cidade do México, conta que atuar antes que o bullying ocorra – ou seja, prevenir essa prática – foi importante para melhorar o bem-estar dos alunos da escola.
“Antes nós só atuávamos quando nos dávamos conta de que algo errado estava acontecendo, quando o leite já havia sido derramado. Agora nós antecipamos o problema e é mais fácil de identificá-lo do que antes”, conta ele à BBC Mundo.
Isasmendi concorda sobre a importância da prevenção.
“Os alunos agora sabem que se estão em uma situação na qual não se sentem cômodos ou se sentem violentados podem pedir ajuda”, disse.
O trabalho de prevenção e conscientização envolve ainda pais e os professores, além dos alunos.
“É preciso mudar a cultura, porque aqui muitas vezes o bullying é tratado como se fosse algo normal e dizem que é ‘coisa de criança, elas que se resolvam entre si’. E, como consequência disso, muitos passam toda a vida escolar se sentindo mal”, afirma.
Apesar de reconhecer os resultados, Isasmendi afirma que é um trabalho lento, ainda que paradoxalmente atualmente, segundo sua experiência, pareça haver mais casos de bullying.
Segundo ela, isso acontece porque “agora os casos aparecem mais porque há uma maior consciência de que não se trata de algo normal”.
Mas em que medida um método criado para uma cultura e sociedade tão diferentes da latino-americana pode trazer os mesmos resultados?
Para Mäkelä, ainda que alguns aspectos da metodologia precisem de mais ou menos atenção em determinadas regiões, “há problemas básicos que são iguais em todos os países”.
“Os professores aqui na América Latina precisam de mais apoio do que na Finlândia porque lá eles têm mais autonomia e mais tempo de preparar suas aulas.”
Outra diferença é a colaboração com as famílias.
“Muitas vezes na América Latina, em vez de se colaborar, se buscam os culpados: a família culpa a escola e vice-versa. Em vez disso, é preciso buscar soluções”, afirma.
No caso da escola de Salta (Argentina), envolver as famílias nos processos ajudou a agilizar as transformações.
“Precisamos que as famílias participem porque notamos que, com elas, as mudanças eram muito mais rápidas”, conta.
Passado pouco mais de um ano desde a adoção do método, ainda é cedo para quantificar o impacto do KiVa na Argentina, mas a julgar pelos testemunhos dos alunos e professores, a melhoria do ambiente escolar já é evidente.
“O KiVa me fez sentir mais seguro e confiante. As aulas do métodos me fizeram mais sociável e com mais empatia”, disse um aluno.
“A prática motivou aos alunos a serem mais reflexivos e a tomar mais conta um do outro”, afirmou uma coordenadora escolar.
Para Isasmendi, se trata de muito mais do que uma ferramenta válida para interferir no ambiente escolar.
“É mais que um programa antibullying. É uma filosofia de vida que visa o bem-estar escolar, a criação de um clima de trabalho onde os alunos possam ter tolerância e respeito.”
(da BBC)

Representação de LGBTs na mídia: entre o silêncio e o estereótipo

As noções de representação e representatividade são complexas e caras aos movimentos e minorias sociais. No regime da visibilidade em que vivemos, “ser visto” é também uma forma de pressionar instâncias governamentais por mais direitos e políticas de igualdade, a fim de garantir a dignidade humana de grupos sociais cotidianamente vilipendiados. Daí um dos papéis fundamentais da mídia na contemporaneidade: é o espaço da visibilidade por excelência.
Além disso, a aglomeração de identidades e sexualidades distintas sob o mesmo guarda-chuva, como é o caso da sigla LGBT, é um indicativo de disputas. O movimento de lésbicas possui pautas que nem sempre serão observadas pelo movimento gay, assim como as travestis e pessoas trans possuem reivindicações específicas relativas às identidades de gênero. Já temos aí a ponta do iceberg da representação: o seu limite em retratar e (re)criar o outro.
Há 43 anos, o primeiro personagem gay surgia na televisão brasileira, na novela “O Rebu”, da TV Globo. A trama girava em torno de um misterioso assassinato. O pesquisador Luiz Eduardo Peret destaca que “até o fim da primeira metade da novela, o público não sabia quem havia morrido, nem se era homem ou mulher. Só no último capítulo se revelava que o rico Conrad Mahler matara a jovem Sílvia por ciúmes dela com seu ‘protegido’ Cauê. A homossexualidade estreou na telenovela através do crime ‘passional’ e da dependência financeira de um jovem por um homem mais velho”.
Nesse mesmo período, tivemos a primeira “onda” de movimentos LGBTs no Brasil, formados majoritariamente por gays e travestis, como resposta ao silenciamento imposto pela “moral e bons costumes” da época.
Desde então, muita coisa mudou, outras nem tanto. É fato que, nos últimos anos, a população LGBT tem conquistado cada vez mais espaço na mídia brasileira, seja nas telenovelas, em reportagens pedagógicas da mídia impressa e online ou programas humorísticos e de variedades. Mas quando pensamos nisso, quais personagens LGBTs vêm à mente?
Em um breve esforço, lembramos de Rafaela e Leila, o casal de lésbicas mortas na explosão de um shopping, em Torre de Babel (1997); Clara e Rafaela, de Mulheres Apaixonadas (2003), cujo final contava com uma apresentação teatral do trágico “Romeu e Julieta”; um personagem ou outro interpretando o “gay afeminado” e “afetado” em programas de humor; a travesti Sarita, integrante do núcleo cômico de Explode Coração (1995); Júnior e Zeca, de América (2005), que tiveram o beijo censurado no último capítulo; o casal Niko e Félix, de Amor à Vida (2013), cujo beijo no final da novela rendeu inúmeras discussões, e por aí vai.
Outra questão vem à tona, além de como são representados os personagens LGBTs: entre eles, quantos são interpretados por pessoas LGBTs? Quantas travestis estão no elenco da Globo, do SBT, da Band ou da Record? Quantos homens trans ocupam espaços de poder na mídia? Quantas lésbicas participaram da produção do roteiro das telenovelas em que são representadas? Provavelmente, a resposta não se distanciará muito do zero.
Recentemente, a nova produção de Glória Perez para a TV Globo ocupou os noticiários com uma polêmica que tocava exatamente nesse ponto. “A Força do Querer”, que estreou no mês passado, buscará representar o processo de transição de um homem trans, interpretado por uma atriz cisgênero (pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento).
Ao anunciar isso, a autora e a emissora foram bombardeadas com críticas do movimento LGBT, que alertava para a importância de um homem trans ocupar esse espaço. Apesar de não conseguirem reverter a situação, a militância LGBT deixou um recado: “queremos falar, ocupar, e não ficaremos calados diante do uso das nossas vivências como álibi para responsabilidade social da emissora”.
Democratizar a mídia não implica somente em ampliar o acesso e buscar a pluralidade nas representações. Em outras palavras, não se trata apenas de democratizar o produto, mas também o processo de construção dessas representações, que servem como um mapa social de leituras e condutas sociais, indicando quem deve ter sua existência respeitada e quem simboliza uma ameaça ao status quo.
De acordo com o relatório anual do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2016 foram mortas 347 pessoas vítimas de LGBTfobia, quase uma por dia. Para chegar a esse número, o GGB realizou um levantamento a partir da mídia e de informações que recebeu de familiares e amigos das vítimas. Nota-se, portanto, que esse dado reflete apenas uma parcela dos atos de violência motivados por homofobia, lesbofobia, bifobia ou transfobia.
Maria Clara Araújo, figura importante do movimento recente de mulheres trans no Brasil, ressalta que “quando se fala em representar, é sobre existir, de fato, em uma sociedade em que 90% das mulheres trans e travestis estão na prostituição como um lugar condicionado”. A representação nas telas pode ser parte de uma ficção, mas as consequências nas vidas dos grupos representados irresponsavelmente são reais.
Carlo Ginzburg, no ensaio “Representação: a palavra, a ideia, a coisa”, sublinha a dupla função de representar uma ausência e continuar uma existência, destacando uma ruptura e uma continuidade. Ginzburg nota que “a substituição precede a intenção de fazer um retrato, e a criação, a de comunicar”, mostrando que as representações não são apenas constituídas da “imitação” de algo ou alguém, mas do duplo processo de substituição e (re)criação daquilo ou daquele que se representa, de figuração e produção de sentidos, de simbolização e significação. Logo, representar é o processo de criar e substituir.
Imaginem quantas vidas seriam poupadas ou quantas pessoas não poderiam ter suas visões de mundo ampliadas se a mídia optasse por representações mais humanizadas, inclusivas, focadas na construção de empatia entre os diferentes e não em publicidade ou lucro? Essa pode não ser a solução, mas certamente é um caminho que a grande mídia brasileira poderia tomar, caso estivesse interessada em erguer uma sociedade que saiba reconhecer e conviver com as diferenças.
*Gyssele Mendes é jornalista, mestra em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e militante LGBT.
(da Carta Capital)

Educação sobre sexualidade e gênero previne violência sexual, diz especialista

Ensinar e debater nas escolas sobre sexualidade e gênero, para além dos aspectos biológicos, pode contribuir de forma eficaz para a redução da violência sexual contra crianças e adolescentes. A afirmação é da doutora em educação Maria América Ungaretti, representante no Brasil da Rede Ecpat (sigla em inglês para Fim da Prostituição Infantil, Pornografia Infantil e Tráfico de Crianças para Propósitos Sexuais), uma coalizão de organizações da sociedade civil que trabalha para a eliminação da exploração sexual de crianças e adolescentes.
Ela defende a educação sobre sexo e gênero nas escolas e considera um retrocesso o aumento da polêmica e das críticas a essa formação.
“Na hora que eu crio uma criança, desde pequenininha, sabendo o que é sexo, o que é sexualidade, qual é o direito que ela tem, você vai preparar essa criança para que, em qualquer abordagem que ela sofra, indicando para um uso indevido do seu corpo, ela reage, não aceita. Muitas vezes a criança confunde, acha que aquilo é afeto, carinho. Se ela tem controle do seu corpo e sabe o que podem fazer com o corpo dela ou não fazer, evidentemente que você vai contribuir para uma redução [da violência sexual]”, afirma.
Para Maria América, a “vivência ampliada da sexualidade”, exemplificada nas pessoas homossexuais, travestis ou transexuais, é um avanço da sociedade moderna na “construção do uso do seu corpo para o prazer”. Mas, segundo ela, o tema ainda é reprimido nas escolas.
“As escolas estigmatizam e reprimem todos os adolescentes que querem viver a sexualidade diferentemente. No meu ponto de vista é um retrocesso o que estão impedindo. E é uma questão religiosa”, diz, em referência à influência das igrejas na formação da sexualidade.
Outras medidas
Maria América participou hoje (17) do Seminário de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, comemorado amanhã (18). Ela defendeu ainda que o Estado integre as áreas de saúde, educação e assistência social para fortalecer a garantia de direitos sexuais e de gênero.
No seminário também foram apresentados casos de boas práticas de enfrentamento à violência sexual. Um deles é o Centro de Atendimento ao Adolescente e à Criança (Caac), da Delegacia de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítima (Dcav), que atende as vítimas dentro do Hospital Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, e grava as entrevistas para serem usadas posteriormente em juízo. A medida evita a revitimização da criança, ao evitar que tenha que repetir a história de agressão para a Justiça, como preconiza a lei 13.431, publicada no mês passado, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.
O 18 de maio foi instituído como Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes pela lei 9.970/2000, em homenagem à menina Araceli, de 8 anos, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada no Espirito Santo no dia 18 de maio de 1973.
(da Agência Brasil)

Alunos soltam a voz em “The Voice Kids” criado pela EC 53 de Taguatinga

O “The Voice Kids”, programa de TV famoso em vários lugares do mundo, incluindo o Brasil, chegou a Taguatinga. A iniciativa é da Escola Classe 53 (EC 53) e faz parte do Projeto Escola Dó Ré Mi, criado há sete anos. A competição já está na terceira fase e tem a participação de 40 crianças. As batalhas entre os candidatos vão acontecer nos dias 29 e 30 de maio.
A professora de música da escola e idealizadora do projeto, Sidileide Rabelo Casagrande, 31 anos, conta que as crianças adoram fazer parte do programa, tanto as que estão competindo quanto as que vão só para assistir. Ao todo, 150 alunos se inscreveram e, agora, restam 40 na disputa.
Conforme a professora, a ideia surgiu da vontade de encontrar as melhores vozes da escola para aperfeiçoar a cantata, um evento natalino realizado na instituição de ensino.
O projeto é desenvolvido em horário oposto ao das aulas e tem como objetivo atrair alunos para o projeto Dó Ré Mi, que oferece curso de iniciação musical com flauta doce. “O ‘The Voice’ surgiu para encontrarmos os talentos da nossa escola e ensiná-los a apreciação pela música”, disse ao Metrópoles.
Sidileide é a apresentadora do “The Voice”, que conta ainda com quatro jurados, um palco inspirado no programa e até mesmo uma plateia. “As etapas são fechadas apenas para os alunos da escola, mas a final do programa, que vai acontecer em julho, será aberta à comunidade” contou a professora.
Serviço: 
29 e 30/5: batalhas – os participantes cantam em dupla.
23/6: semifinal – 16 participantes, 4 de cada time. Cantam individualmente disputando as 4 vagas para a final.
7/7 – Final do The Voice 53
(do Metrópoles)

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