Roda Viva: Lista de jornalistas teria sido submetida à aprovação de Sergio Moro
Jornalista: Maria Carla
Em carta aos assinantes, editor do site ‘The Intercept’ afirma que apurou que ministro aprovou lista de entrevistadores para o programa da próxima segunda (20)
São Paulo – A lista com os nomes dos jornalistas que “entrevistarão” o ministro da Justiça, Sergio Moro, no programa Roda Viva da próxima segunda-feira (20) teve a aprovação do próprio entrevistado, segundo informa The Intercept Brasil em texto enviado aos seus assinantes neste sábado (18).
Desde que foi anunciada a presença de Moro no programa, na primeira edição comandada por Vera Magalhães, uma mobilização nas redes sociais cobra a presença de jornalistas que atuaram na chamada Vaza Jato, investigando denúncias que envolvem o ministro, na bancada do Roda Viva.
Pressionada, a equipe do programa chegou a afirmar no meio da semana que “não pedimos sugestões nem submetemos a bancada ao entrevistado”. O Intercept afirma que, ao contrário, os jornalistas que estarão no programa da próxima segunda foram previamente aprovados pelo ministro.
“Ele, assim como Bolsonaro, vê parte da imprensa como inimiga. Logo ele, que tanto usou a imprensa para seu projeto de poder. Pra Moro, jornalista só serve se escreve notícias de joelhos”, afirma o editor do site que liderou as investigações da Lava Jato, Leandro Demori.
O programa vai ao ar a partir das 22h30 e, como ficaram de fora da bancada, os jornalistas do Intercept prometem comentar ao vivo em seu canal no YouTube.
Presidente da Casa da Moeda destitui comitê para nomear amigo que mora com ele
Jornalista: Maria Carla
Presidente da estatal, Eduardo Zimmer Sampaio, divide uma casa no Condomínio Vivendas da Barra, o mesmo do presidente Jair Bolsonaro, com o diretor da estatal, Saudir Luiz Filimberti, diz a Folha de S. Paulo
O presidente da Casa da Moeda, Eduardo Zimmer Sampaio, substituiu os integrantes do comitê de elegibilidade da empresa para aprovar a nomeação do amigo dele, Saudir Luiz Filimberti, para o cargo de diretor de Inovação e Mercado, com salário superior a R$ 40 mil por mês, traz nesta sexta-feira (17), o jornal Folha de São Paulo
Segundo a reportagem, Filimberti , divide uma casa com o presidente da estatal, no condomínio Vivendas da Barra, no Rio de Janeiro, o mesmo de Jair Bolsonaro.
O nome de Filimbert, ex- diretor do Detran do Rio Grande do Sul, foi rejeitado pelo comitê encarregado pela análise do currículo de indicados à diretoria da Casa da Moeda, por não possuir os requisitos necessários para ocupar o cargo.
Inconformado, o presidente da Casa da Moeda, no mesmo dia em que o amigo foi rejeitado, consultou o departamento jurídico da companhia sobre a possibilidade de destituição do comitê de elegibilidade, que era composto por dois funcionários do departamento jurídico e um auditor, como recomenda o estatuto da empresa.
Eles foram substituídos pelo atual chefe de gabinete e superintendente de recursos humanos.
Esta não é a primeira vez que Zimmer coloca na direção da Casa da Moeda, profissionais que não foram aprovados pelo antigo comitê gestor.
O atual diretor de gestão, Fábio Rito, também havia sido rejeitado. Rito foi responsável pela crise com os funcionários da Casa da Moeda ao dar uma entrevista, no último dia 13, em que defendeu a privatização da estatal e o enxugamento do quadro funcional. Após as declarações, os trabalhadores ocuparam a Casa da Moeda e a direção foi obrigada a sair sob escolta dos seguranças.
A Casa da Moeda é uma das 19 estatais que Jair Bolsonaro promete vender para a iniciativa privada.
Desmatamento da Amazônia aumenta 103,7% em novembro e quebra recorde
Jornalista: Maria Carla
Área destruída na região mais que dobrou em relação a novembro de 2018 e chegou a 563,03 km²
O desmatamento na Amazônia cresceu 104% em novembro deste ano, em relação ao mesmo mês do ano anterior. Segundo dados do sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), divulgados nesta sexta-feira (13), a destruição do bioma cresceu 103,7%. Foram 563,03 km² destruídos entre 1° e 30 de novembro, um recorde para o mês de desde o início da série histórica, em 2015.
Os dados chamam a atenção porque o mês de novembro é o início de uma época chuvosa na maior parte da Amazônia, quando os índices supostamente diminuiriam.
Desde o fim de 2018, o sistema aponta um crescimento significativo dos números de desmatamento. Os dados do Inpe, no entanto, foram questionados pelo presidente Jair Bolsonaro. A polêmica culminou na exoneração do então diretor do instituto, Ricardo Galvão, em agosto.
Em junho, também em relação ao mesmo mês do ano anterior, o crescimento foi de 90%. Em julho, agosto e setembro, os números foram ainda mais expressivos: 278%, 222% e 96%, respectivamente.
Desde janeiro, a destruição teve um aumento de 83,9%, em relação ao período de janeiro a novembro do ano anterior: 8.974,31 km², contra 4.878,7 km² destruídos em 2018.
FUP convoca ato contra o fechamento de fábrica em Araucária-PR nesta sexta (17)
Jornalista: Maria Carla
Ato terá participação de petroleiros de todas as unidades da Petrobrás do Paraná, além de diversas categorias e representantes das centrais sindicais e movimentos sociais do estado
Nesta sexta-feira, 17, a FUP e seus sindicatos realizam um grande ato nacional em Araucária, no Paraná, em frente à Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), que está na iminência de ser fechada pela gestão da Petrobrás, que já anunciou a demissão sumária de cerca de 1.000 trabalhadores da unidade. O ato contará com a participação de petroleiros de todas as unidades da Petrobrás do Paraná, além de diversas categorias e representantes das centrais sindicais e movimentos sociais do estado.
Nas demais bases da FUP, também haverá atos em diversas unidades do Sistema Petrobrás, contra as demissões e o fechamento da Fafen-PR. Já estão confirmados atos no Amazonas (Reman), no Rio Grande do Norte (Polo Guamaré), em Pernambuco (Refinaria Abreu e Lima e Terminal de Suape), na Bahia (Ediba), no Espírito Santo (Terminal de Vitória/Tavit), em Duque de Caxias (Reduc), em Minas Gerais (Regap), em São Paulo (Replan e Recap) e no Rio Grande do Sul (Refap).
“É mentira o argumento de que a Fafen-PR dá prejuízos”
“A luta é para preservar os empregos e direitos dos trabalhadores e manter a unidade funcionando, pois não há justificativas para o fechamento da fábrica. É mentira esse argumento da direção da Petrobrás de que a Fafen dá prejuízos. A gestão da empresa fez uma escolha de encarecer a própria matéria prima para produzir os fertilizantes. Foi uma decisão política e não técnica”, afirma o diretor da FUP, Gerson Castellano, funcionário da Araucária Nitrogenados e diretor do Sindiquímica-PR.
Segundo o presidente do Sindipetro-PR/SC, Mário Dal Zot, a gestão da Petrobrás faz uma manobra contábil para tentar justificar o fechamento da Fafen, afetando a vida das mil famílias de trabalhadores da unidade e ignorando os impactos econômicos que esta decisão terá para a região de Araucária. “A empresa mente descaradamente ao afirmar que a Fafen dá prejuízo. Isso não acontece em hipótese alguma, pois a fábrica utiliza como matéria prima o RASF, um refugo da Repar (refinaria da Petrobrás em Araucária), ao qual agrega valor, transformando em ureia, um fertilizante do qual o Brasil é extremamente dependente”, explica.
Impactos na economia
Inaugurada em 1982, a Araucária Nitrogenados (Fafen-PR) tem capacidade de produção diária de 1.975 toneladas de ureia, 1.303 toneladas de amônia e 450 metros cúbicos de ARLA 32. A planta produz ainda 200 toneladas por dia de CO2, além de 75 toneladas de carbono peletizado e seis toneladas de enxofre.
Com o fechamento da fábrica, o Brasil terá que importar 100% dos fertilizantes nitrogenados que consome. Além disso, o país ficará dependente da importação de ARLA 32, reagente químico usado para reduzir a poluição ambiental produzida por veículos automotores pesados.
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo e, com o desmonte da Petrobrás, tornou-se ainda mais dependente das importações, o que compromete a soberania alimentar. O país importa mais de 75% dos insumos nitrogenados, na direção contrária de outras grandes nações agrícolas, cujos mercados de fertilizantes estão em expansão.
“Com a Petrobrás saindo do setor de fertilizantes nitrogenados e ainda se sujeitando aos movimentos políticos dos EUA, o Brasil corre o risco de desabastecimento de fertilizantes. E isso tem impacto direto na alimentação. A ureia é utilizada na pecuária, na produção de cana, feijão e batata, que são alimentos básicos do povo”, alerta Gerson Castellano.
Soma-se a isso, os prejuízos que a desativação da Fafen-PR terá para o município de Araucária, que sofrerá uma redução de R$ 75 milhões anuais em arrecadação. Serão menos fertilizantes produzidos no Brasil e mais importação, com mais riscos à soberania alimentar e, provavelmente, aumento nos preços dos produtos agrícolas.
Privatização dos Correios pode gerar 40 mil demissões
Jornalista: Maria Carla
Apesar da urgência de Jair Bolsonaro em privatizar os Correios, ele não sabe o que fazer com o contingente de desempregados que vai se formar com a venda da estatal. A estimativa é que cerca de 40 mil servidores percam o emprego.
De acordo com reportagem desta quarta-feira (15) do Painel, da Folha de S. Paulo, Bolsonaro não pretende absorver os demitidos, para evitar que medida similar tenha que ser adotada em expurgos das estatais vendidas no futuro.
Outro agravante é a dívida de cerca de R$ 3 bilhões do plano de saúde dos funcionários. Uma das opções que Bolsonaro tem considerado é descontar do valor a receber, mas a medida ainda não foi definida. Por conta da complexidade das decisões a serem tomadas, a data prevista para a apresentação do formato final de privatização ficou para o fim de 2021.
Os Correios são um dos principais alvos na esteira de privatizações do governo. “Se pudesse privatizar hoje, privatizaria. Mas não posso prejudicar o servidor dos Correios. É isso”, disse Bolsonaro na semana passada.
“Você mexe nessas privatizações com centenas, dezenas de milhares de servidores. É um passivo grande. Você tem que buscar solução para tudo isso. Você não pode jogar os caras para cima. Eles têm que ter as suas garantias. Tem que ter um comprador para aquilo. É devagar. Tem o TCU com lupa em cima de você. Não são fáceis as privatizações”, acrescentou.
A empresa é uma das 17 incluídas no plano de privatizações de Paulo Guedes, que abarca também Eletrobras, a EBC e a Casa da Moeda, entre outras.
“O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história da economia”
Jornalista: Maria Carla
Vale a pena ver de novo para poder refletir. No ano passado, o El País fez uma entrevista com o economista Ha-Joon Chang, considerado de direita na Coreia do Sul e de esquerda na Inglaterra, ele fez uma série de críticas aos rumos das políticas brasileiras e defendeu protecionismo nos países emergentes
Confira a entrevista após o primeiro ano do governo Bolsonaro e faça suas comparações.
Entrevista
Você se considera de esquerda? Mesmo acostumado a dar entrevistas, essa pergunta ainda faz gaguejar Ha-Joon Chang, professor de economia da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, que se tornou conhecido por expor os problemas do capitalismo. “Bem…eu possivelmente sou”, respondeu um pouco reticente o acadêmico, como quem confessasse um pecado. Para ele, no mundo polarizado de hoje, admitir-se de qualquer tendência ideológica pode significar uma sentença de morte para um potencial diálogo. Além disso, em diferentes países, a percepção de direita e esquerda é diferente. “Na Coreia do Sul e Japão, por exemplo, o tipo de política industrial que defendo é considerada de direita. Já na Inglaterra, onde vivo hoje em dia, é uma política de esquerda”, afirmou o autor sul-coreano do best-seller Chutando a Escada: A Estratégia do Desenvolvimento em Perspectiva Histórica (Editora Unesp), que veio ao Brasil participar do Fórum de Desenvolvimento, em Belo Horizonte. Ha-Joon Chang conversou com o El PAÍS sobre polarização política, história econômica e o futuro do sistema econômico mundial, que, para ele, não é nem capitalista, nem socialista.
Pergunta. Como a polarização política afeta o desenvolvimento econômico?
Resposta. A polarização é a pior coisa que pode acontecer para a economia. Tudo se torna simbólico. Você começa a se opor a determinada política simplesmente porque ela está associada a um partido de esquerda ou direita. Os debates estão se tornando cada vez mais difíceis. Ambos os lados, ao invés de debater, gritam uns com os outros. Eu gosto de me descrever como um pragmatista. Não importa de onde vem determinada política para o desenvolvimento econômico, contanto que ela funcione.
P. Desde o Consenso de Washington, no final da década de 1980, muitos países pobres abraçaram as recomendações internacionais para propagar o livre comércio como uma das formas de combater a miséria e se desenvolver. Como você avalia o resultado dessa medida?
R: Hoje, quando olhamos para os países ricos, em sua maioria, eles praticam o livre comércio. Por isso, é comum pensarmos que foi com esta receita que eles se desenvolveram. Mas, na realidade, eles se tornaram ricos usando o protecionismo e as empresas estatais. Foi só quando eles enriqueceram é que adotaram o livre comércio para si e também como uma imposição a outros Estados. O nome do meu livro, Chutando a escada, faz referência a um livro de um economista alemão do século XIX, Friedrich List, que foi exilado político nos Estados Unidos em 1820. Ele critica a Inglaterra por querer impor aos EUA e à Alemanha o livre comércio. Afinal, quando você olha para a história inglesa, eles usaram todo o tipo de protecionismo para se tornar uma nação rica. A Inglaterra dizendo que países não podem usar o protecionismo é como alguém que após subir no topo de uma escada, chuta a escada para que outros não possam usá-la novamente.
P: Como se deu o desenvolvimento dos países ricos na prática?
R:Estes países cresceram com base no que Alexander Hamilton [1789-1795], primeiro secretário do Tesouro dos Estados Unidos [que estabeleceu os alicerces do capitalismo norte-americano], defendeu como o argumento da indústria nascente. Do mesmo jeito que mandamos nossas crianças para a escola ao invés do trabalho quando são pequenas, e as protegemos elas crescerem, os Governos de economias emergentes têm que proteger suas indústrias até que elas cresçam e possam competir com as indústrias de países ricos. Praticamente todos os países ricos, começando pela Inglaterra no século XVIII, Estados Unidos e Alemanha, no século XIX, Suécia no começo do século XX, além de Japão, Coreia do Sul e Taiwan…todos estes países se desenvolveram usando protecionismo, subsídios estatais, controle do investimento direto estrangeiro, e em alguns casos, até mesmo empresas estatais.
P: Como esse passado dialoga com as medidas atuais de austeridade, que se tornaram fetiche em todo mundo como promessa de crescimento?
R: A receita de austeridade usada na Grécia é a mesma tentada na América Latina, na África e em alguns países da Ásia nas décadas de 1980 e 1990, e que criou desastrosos resultados econômicos. Investir em política de austeridade é contraproducente. As pessoas que defendem esse tipo de política entendem que, quando você tem uma grande dívida pública, um jeito de reduzir essa dívida é cortar os gastos do Governo a fim de reduzir o déficit fiscal. Mas um jeito melhor de reduzir o déficit é fazer a economia crescer mais rápido. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha tinha uma dívida mais de 200% de seu PIB [Produto Interno Bruto], mas sua economia estava crescendo rápido. E depois de algumas décadas, isso deixou de ser um problema. Hoje, a Inglaterra tem tentado uma política de austeridade, mais amena que a da Grécia, é verdade, mas também sem sucesso em reduzir o déficit público proporcionalmente a renda nacional. Isso porque o PIB está crescendo muito lentamente. Se você corta os gastos, seu endividamento pode ficar um pouco menor, mas a renda precisa crescer.
P: O país corre o risco de ficar estagnado?
R: Exatamente. O que é incrível é que essa política vem sendo usada várias vezes, como no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, e nunca funcionou. Albert Einstein falava que a definição de loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar resultados diferentes. O problema é que muitos economistas que defendem essas medidas, quando sua teoria não funciona, culpam a realidade. Como se a teoria nunca estivesse errada.
P: Você é bastante crítico da desindustrialização dos países emergentes. Por que é tão ruim ser dependente das commodities?
R: As pessoas têm que entender como é séria a redução da indústria de transformação no Brasil. Nos anos 80 e 90, no ponto mais alto da industrialização, esse setor representou 35% da produção nacional. Hoje não é nem 12% e está caindo. O Brasil está experimentando uma das maiores desindustrializações da história, em um período muito curto. O país tem que se preocupar. E eu não estou dizendo nada novo. Muitos economistas latino-americanos já levantavam o problema da dependência de commodities primárias na década de 1950 e 1960. Quando você é dependente de commodities primárias há uma tendência de que o preço dos produtos caia no longo prazo em comparação com os produtos manufaturados. Além disso, os países dependentes de commodities não conseguem controlar seu destino.
P: Por exemplo?
R: Quando alguém inventa uma alternativa para o seu produto, isso pode devastar o valor de sua economia. A indústria brasileira de borracha foi um grande hit até que os americanos e russos inventaram a borracha sintética nos anos 1930 e 1940. Quando os alemães inventaram a chamada síntese de Haber-Bosch para a produção de amônia, a ser usado na fabricação de fertilizantes, Chile e Peru, que costumavam ganhar muito dinheiro exportando o fertilizante natural guano, que foi o mais valioso fertilizante nos século XIX, tiveram anos de estagnação econômica. Isso sem contar o potencial lento de crescimento das commodities e relação a outras indústrias, como a de tecnologia.
P: Mas o caso do Brasil não seria diferente, já que o país investe em tecnologia na área agrícola, e não só extração de commodity?
R: Para ser justo, eu sei que o Brasil tem tido algum sucesso na área agrícola, como produzir soja no Cerrado, que é uma região muito árida, onde tradicionalmente esta espécie não cresceria. É realmente impressionante. Mas quando você se especializa em soja você não pode aumentar sua produtividade da mesma forma que um país especializado em alta tecnologia, que pode aumentar sua produtividade em 20%, 30% ao ano. Sinceramente, o Brasil é um dos países que parece estar voltando no tempo no seu desenvolvimento econômico.
P: Como você avalia o papel do Estado neste cenário?
R: Ao contrário de outros países em desenvolvido, o Brasil tem a habilidade de fazer as coisas acontecerem por meio da intervenção governamental. A Embraer, por exemplo, é uma empresa de economia mista. A agricultura no Cerrado é subsidiada com recursos do governo. Em vários setores, o país já mostrou que quando quer fazer uma coisa, ele consegue. Infelizmente, os responsáveis por fazerem as políticas públicas parecem que perderam o rumo. Eles basicamente desistiram do modelo de desenvolvimento econômico por meio de um upgrade na economia, com investimento em indústrias de alta tecnologia.
P: Onde você acha que a política pública falhou?
R: Eu conheci vários empresários irritados em São Paulo pois as pessoas no Governo não parecem estar preocupadas com o declínio da indústria manufatureira no país. Sei que muitos economistas defendem que não importa se você está exportando soja ou aviões, desde que esteja fazendo dinheiro. E, no curto prazo, isso pode até ser verdade. Mas no longo prazo, é muito ruim para a economia. Além disso, as políticas macroeconômicas têm sido muito ruins para o setor industrial, especialmente a alta taxa de juros, uma das maiores do mundo.
P: No Governo Dilma, vários setores receberam subsídio e mesmo assim, os empresários não pareciam estar satisfeitos. O que faltou?
R: O Governo de Dilma canalizou vários subsídios em alguns setores em particular. Mas isso só foi necessário por conta da política de alta taxa de juros, uma vez que as companhias brasileiras não conseguem competir no mercado global de outra forma. Não sei todos os detalhes. Mas sei que houve erros, corrupção. As metas governamentais também foram determinadas de forma equivocada…sempre privilegiando a estabilidade macroeconômica. Já o declínio da indústria não foi considerado um problema. Focou em ações como Bolsa Família, mas sem prestar atenção em dar um upgrade na economia.
P: A Coreia do Sul pode ser considerada um exemplo de economia que conseguiu dar esse upgrade?
R: Depende de qual Coreia do Sul que estamos falando. A Coreia do Sul depois da crise asiática de 1997 abraçou o neoliberalismo, não tanto como os países da América Latina, mas desregulamentou o mercado financeiro e alavancou políticas industriais. O resultado é que uma economia que costumava crescer 6%, 7%, 8% até 1990, agora está sofrendo para crescer 3%. Isso porque as mudanças que criaram líderes globais na área industrial, automotiva e eletrônica, também produziram baixo crescimento, falta de trabalho e não impediram que estas indústrias migrassem para outros países. E mesmo assim, não tivemos o colapso industrial que se vê no Brasil.
P: Qual foi o papel da educação no crescimento da Coreia do Sul?
R: No começo, a educação teve um papel muito importante. Até os anos 80, era possível alguém de uma família pobre se tornar juiz, governador ou cirurgião. Infelizmente, a partir dos anos 90, tivemos um sobreinvestimento em educação, com o crescimento dos negócios privados. Tínhamos o maior investimento em educação do mundo. Mas hoje, considerando o valor que estamos investindo, e o tempo que os estudantes estão gastando para conseguir suas qualificações…o sistema se tornou bem ineficiente. A mobilidade social caiu muito nos últimos anos, porque as políticas educacionais deixaram de ser coordenadas com políticas industriais.
P: Você comenta que estamos entrando no fim da abordagem neoliberal ao desenvolvimento. O Brexit seria um exemplo desse começo do fim?
R: Poderia ser. Mas temos que considerar que há três tipos de pessoas que votaram pelo Brexit. Um deles são os liberais que votaram para se livrar das regulamentações impostas pela União Europeia. Há ainda o grupo anti-estrangeiros e anti-imigração. E um terceiro grupo, os trabalhadores no Norte da Inglaterra, que já foi o centro produtor do país, e que experimentou uma desindustrialização massiva. Estas pessoas perderam seus trabalhos, e agora culpam trabalhadores da Polônia, Romênia e Hungria pela sua sorte. Podemos dizer que é o começo do fim no sentido em que isso aconteceu com a insatisfação que muitas pessoas têm com a globalização e o livre comércio.
P: Há algum lugar onde estaria sendo gestada uma solução para o modelo de desenvolvimento econômico dos países?
R: Cingapura é hoje o exemplo mais bem sucedido de um país com desenvolvimento pragmático e não ideológico. Quando lemos sobre Cingapura nos jornais The Wall Street Journal e na revista The Economist sempre ouvimos falar da política de livre comércio e o acolhimento positivo que o país tem com o investidor estrangeiro. O que é verdade. Mas não se fala que 90% das terras do país são de propriedade do Governo; 85% das casas são de propriedade do governo; e 22% do PIB é produzido por empresas públicas. Eles têm um modelo pragmático de economia, que mistura elementos do capitalismo de livre mercado e do socialismo. Eles não são capitalistas, nem socialistas. São pragmatistas. Uma de minhas frases favoritas é de Deng Xiaoping, o ex-líder Chinês: “Eu não ligo se o gato é preto ou branco, contanto que seja bom em pegar ratos”. Isso é o pragmatismo.
Seis pontos que reafirmam o lugar de Paulo Freire na educação
Jornalista: Maria Carla
O educador pernambucano segue sendo alvo de ataques pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro Abraham Weintraub
Entra ano, sai ano e o educador Paulo Freire segue sob ataque de integrantes do governo Bolsonaro. Ao longo de 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da educação Abraham Weintraub vincularam inúmeras vezes a baixa qualidade da educação brasileira ao pernambucano, e se esforçaram (muito!) em manchar a memória do educador. “Energúmeno” e “vodu, sem comprovação científica” são apenas alguns dos baixos predicados atrelados ao educador pela dupla bolsonarista.
Mentiras à parte, Freire segue com seu legado intacto e suas ideias seguem inspirando estudantes, professores e toda a comunidade educacional ao redor do mundo. Todos entendem a educação como política, não a partidária, mas aquela que emancipa e é capaz de formar cidadãos cientes de seus direitos e capazes de fazer uma leitura crítica do mundo. Para celebrar Paulo Freire, selecionamos alguns pontos da trajetória do educador que o solidificam como pensador que, de fato, contribuiu para a educação. Confira:
1. Alfabetização em Angicos (RN)
Em 1963, Paulo Freire supervisionou um trabalho de alfabetização de adultos na pequena cidade de Angicos, na região central do Rio Grande do Norte, a 170 km de Natal. Inédita no Brasil, a experiência tinha a ousada meta de alfabetizar cerca de 300 angicanos em 40 horas. Os estudantes eram, em maioria, trabalhadores rurais analfabetos e sem acesso à escola. Deu certo e a iniciativa ficou conhecida como “40 Horas de Angicos”.
Mais do que o letramento, o educador despertava nos estudantes o senso crítico, a partir das experiências de vida que tinham. Em vez de alfabetizar por meio de cartilhas e ensinar, por exemplo, “o boi baba” e “vovó viu a uva”, ele trabalhava as chamadas “palavras geradoras” a partir da realidade do cidadão. Por exemplo, um trabalhador de fábrica podia aprender “tijolo”, “cimento”, um agricultor aprenderia “cana”, “enxada”, “terra”, “colheita” etc.
O aprendizado se dava em três etapas. Na primeira, a da investigação, o educador levantava um universo vocabular com base na vida e na sociedade ao qual pertencia o aluno. Na segunda, a de tematização, os estudantes codificavam e decodificavam esses temas, buscando o seu significado social, tomando assim consciência do mundo vivido. Por fim, ocorria a fase da problematização, quando os estudantes buscavam superar uma primeira visão mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a transformação do contexto vivido.
2. Patrono da educação brasileira
Freire passou a ser reconhecido como patrono da educação brasileira em 2012, pela lei 12.612, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff. A homenagem foi proposta pela deputada federal Luiza Erundina, que, quando prefeita de São Paulo (1989-1993), o nomeou secretário de Educação. “O título de Freire como patrono da educação é para nós, brasileiros, uma forma de homenagearmos o grande educador, mestre que foi. Ele não precisava de título para oferecer ao mundo o que fez”, declarou Erundina à CartaCapital.
3. Secretário de Educação em São Paulo
Paulo Freire foi Secretário de Educação em São Paulo durante o governo de Luiza Erundina, de 1989 a 1992. Na cidade, ajudou a construir uma política de educação marcante, com legados memoráveis como o Estatuto do Magistério, importante não só aos docentes como a todos os profissionais da educação.
“Foi a fase que a política de educação na cidade de São Paulo mais avançou, nos índices de aprovação, na redução dos índices de desistência e de qualidade reconhecida não só internamente no País, mas fora. Há estudos e análises da experiência de educação de Paulo Freire em São Paulo em teses de doutorado, pós doutorado…”, lembrou a ex-prefeita.
4. Construção de organizações e movimentos de massa
Paulo Freire influenciou diversas organizações e movimentos sociais, caso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A ideia de uma educação feita com base na vivência das pessoas influenciou positivamente o movimento, que passou a repensar o tipo de abordagem educacional ofertada. O educador ainda mostrou que era preciso reconhecer a trajetória das crianças dos movimentos sociais, protegendo-as de estigmas que criminalizavam sua existência.
5. Reconhecimento por suas obras dentro e fora do país
Paulo Freire foi agraciado com 48 títulos, entre doutorados honoris causa e outras honrarias de universidades e organizações brasileiras e do exterior. É considerado o brasileiro com mais títulos de doutorados honoris causa e é o escritor da terceira obra mais citada em trabalhos de ciências humanas do mundo, Pedagogia do Oprimido. O educador é estudado em universidades americanas, homenageado com escultura na Suécia, nome de centro de estudos na Finlândia e inspiração para cientistas em Kosovo.
6. Autor de obras importantes, como Pedagogia do Oprimido
Publicada há 51 anos, Pedagogia do Oprimido continua sendo o principal marco do pensamento freiriano, condensando boa parte das ideias do educador. O livro propõe uma pedagogia dialógica como base de uma nova forma de relacionamento entre professor, estudante, e sociedade, ao passo que critica os pressupostos da educação bancária como instrumento de opressão. Segundo um levantamento do pesquisador Elliott Green, professor da Escola de Economia e Ciência Política de Londres, na Inglaterra, o livro é o terceiro mais citado em trabalhos acadêmicos na área de humanidades em todo o mundo.
Em “Educação como Prática de Liberdade” (1967), Freire fala sobre a palavra como instrumento de transformação do homem e da sociedade. Ele reforça o papel da escola de ensinar o aluno a ler o mundo e nele intervir positivamente. Na obra Pedagogia da Autonomia (1996), o educador reforça os princípios da ética, do respeito à dignidade e do estímulo à autonomia dos estudantes como base para uma educação emancipadora.
Mulheres são linha de frente no combate a ações predatórias em quilombo no Pará
Jornalista: Maria Carla
Comunidade paraense resiste a uma série de intervenções: subestação de energia elétrica, ferrovia e poluição fluvial
Na Comunidade quilombola do Abacatal, em Ananindeua, no Pará, as mulheres tomam a frente na resistência para impedir o avanço de projetos sobre o território. Elas são maioria na associação que move processos judiciais contra as empresas em obras como de subestação de energia, ferrovia, uma rodovia, um gasoduto e até um lixão.
A luta protagonizada por mulheres no Abacatal não começou hoje. Ela vem desde o surgimento do quilombo, no século 18, quando o conde português Coma de Melo, que não gerou filhos com a sua esposa legítima, teve três filhas com Olímpia, uma escrava.
Relatos orais contam que o conde tinha uma casa onde hoje é a comunidade. A informação integra o livro No caminho de pedras de Abacatal, das professoras Rosa Acevedo e Edna Castro, da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Apesar de herdeiras, as três filhas do conde com Olímpia não tiveram direito ao território de imediato e, por quase três décadas, o espaço foi alvo de disputas. Apenas em 1999 a comunidade teve suas terras regularizadas pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa). O território possui 318 hectares, onde vivem 121 famílias. No século XVIII, o acesso ao local era feito, somente, pelo igarapé Urobiquinha, que desemboca no rio Guamá. Hoje, o acesso é feito também pela Estrada Santana do Aurá, distante oito quilômetros do centro de Ananindeua.
Nascidos da luta para provar a legitimidade de suas terras e da resistência à escravidão, o Abacatal hoje é guardado por um portão. Para passar por ele, é preciso autorização. Do contrário, o visitante fica do lado de fora.
A medida de contar com membros da comunidade em um sistema de rodízio para fazer a vigilância foi tomada há seis anos, quando uma série de ameaças tornava o cotidiano na comunidade ainda mais difícil: tráfico de drogas; pistoleiros; poluição; desmatamento.
A medida foi tomada em conjunto pela Associação de Moradores e Produtores de Abacatal e Aurá (AMPQUA), formada por dez membros. Dos dez cargos, nove são ocupados por mulheres. Para além da luta travada por elas em outras frente, no Abacatal, elas também encabeçam lutas contra um sistema violento que quer apagá-las da história.
Muitos projetos, uma só luta
A reportagem do Brasil de Fato visitou o local em um sábado, dia em que seria feita uma assembleia para discutir o que fazer com o avanço de determinados empreendimentos na comunidade e também a prestação de contas aos associados.
Vanuza Cardoso, uma das coordenadoras da Associação, estava visivelmente exausta. Há menos de uma semana ela tinha integrado um grupo que foi ao Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) pedir providências contra uma declaração racista do procurador da república, Ricardo Albuquerque, afastado do cargo de ouvidor do MPPA depois de dizer que o Brasil não tinha dívida histórica com negros, porque ninguém tinha navio negreiro. Apesar de afastado, ele continua recebendo salário de quase R$ 30 mil por mês. “É luta a todo momento”, disse de imediato.
Apesar das batalhas, Vanuza diz que não pode esmorecer. Ela explica que a luta pela existência do seu território não é uma questão de escolha, mas de sobrevivência, principalmente em um momento em que o desmonte de políticas públicas para o povo quilombola, indígena, ribeirinho está tão escancarado.
“Todo o tempo a gente está lutando e com conjuntura que está posta é bem mais complicado, porque é uma política de morte para essas comunidades. Eu estive em um evento em que um companheiro nosso falou que o governo atual descobriu a fórmula de acabar com a pobreza, que é matando os pobres”, diz.
A morte para um povo que vive da agricultura familiar e do trabalho artesanal vem de várias formas e uma deles é o avanço de empreendimentos sobre o território. Atualmente, uma linha de transmissão de 129 quilômetros de extensão de 500/230 kV, que atravessa dez municípios paraenses: Acará, Ananindeua, Barcarena, Belém, Benevides, Castanhal, Inhangapi, Marituba, São Francisco do Pará, Santa Isabel do Pará causa vários problemas aos moradores.
A Equatorial, concessionária de energia do Pará, conseguiu em agosto de 2018 a licença prévia e a de instalação junto a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), além de autorizações de Fauna e de Supressão de Vegetação, de acordo com o seu site.
Apesar dos documentos não apresentarem nenhuma irregularidade aparente, a coordenadora da comunidade afirma que uma pessoa já morreu em decorrência da construção da subestação e que há risco principalmente para as crianças. Ela afirma que a obra deveria estar mais distante de onde residem as pessoas, mas o projeto inicial ignorou a existência da comunidade.
“No projeto, esse empreendimento não deveria estar a 8 km de um território habitado e ele está a 1 km da comunidade. Em questionamento no Ministério Público, perguntamos para a Aneel porque um empreendimento tão próximo da comunidade e eles falaram que não tinham conhecimento de comunidades no entorno, que eles tiram a foto pelo GPS, mas a verdade é que não é de interesse deles fazer essa sua busca”, disse.
Para tentar as reparações necessárias, a associação entrou com um processo junto a defensoria pública do estado do Pará para serem consultados. “Apesar do empreendimento já estar implantado não impede que seja feita a consulta”, diz ela.
Além dos 10 municípios paraenses impactados, há também 18 comunidades quilombolas atingidas, mas nenhuma delas é citada no site do empresa ou no guia informativo da Linha de Transmissão. Vanuza diz que não há dúvidas de que a empresa agiu e age de má-fé com a população quilombola, já que muitas comunidades não tinham conhecimento da Convenção 169, que versa sobre a consulta prévia.
A convenção, da qual o Brasil é signatário, prevê que povos indígenas e outras comunidades tradicionais devem ser consultadas antes da implantação de qualquer empreendimento que possa lhes impactar direta ou indiretamente. Contudo, no Brasil, a convenção é constantemente desrespeitada.
O Brasil de Fato entrou em contato com a Equatorial, empresa responsável pela subestação construída próxima a comunidade, mas foi informado que a Fundação Cultural Palmares é quem responde pelo assunto. A empresa passou o contato do responsável da Fundação, que não atendeu nossas ligações.
Vanuza diz que, apesar de lutar pela sua comunidade e seus descendentes, a ideia é fortalecer a luta entre outras comunidades quilombolas. No Abacatal foi construído um Protocolo de Consulta Próprio no qual eles informam como, quando e de que forma devem ser consultados quando um empreendimento for atingi-los. O documento foi construído em parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).
Governo que não ouve a comunidade
A subestação da Equatorial; a Rodovia Liberdade, uma parceria público-privada que vai afetar a comunidade; o Aterro Sanitário de Marituba; e o gasoduto. Para Vanuza, todos esses empreendimentos deixam claro um alinhamento do poder público com projetos que visam o lucro, já que, apesar do impacto, a comunidade não foi chamada para dialogar.
“O governo não tem a sensibilidade de ouvir as comunidades, de olhar para o lado ancestral, o lado cultural, o lado de todo um laço afetivo que essas comunidades têm com esses territórios, porque pra nós o território não é, somente, a terra. Tem todo um envolvimento, tem toda uma vida, uma troca: pessoa, território, pessoa, natureza. Para gente é um processo muito violento que a gente não está tendo como respirar. Nem a nível nacional, nem a nível estadual”, resume.
A Ferrovia Paraense é um exemplo de que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é comumente desrespeitada. Oficialmente, o governador Helder Barbalho (MDB), anunciou que o projeto foi atualizado de modo a não impactar as comunidades. “Atualizamos o traçado da ferrovia, com a preocupação de que não haja qualquer tipo de conflito com áreas quilombolas e de assentamento”, disse.
“Um dos requisitos é que todas as populações, os povos originários e povos tradicionais quilombolas, agroextrativistas, o governo deve consultá-los de uma forma prévia antes de qualquer licenciamento. As pessoas que vão ser afetadas têm que ser bem informadas e isso não está acontecendo”, esclarece.
Além da ferrovia, uma rodovia chamada Liberdade ameaça um direito da população do quilombo determinado na Constituição Brasileira: o de ir e vir. A Rodovia Liberdade é estadual é outra parceria público-privada que, segundo o governo do Pará, interligará Belém à Santa Maria do Pará.
“A rodovia é mais grave, porque ela quer fechar o ramal da comunidade e quer abrir uma via para Marituba, para um outro município para gente voltar para Ananindeua, sendo que as políticas públicas da comunidade são todas em Ananindeua e a gente está resistindo a isso”, afirmou.
O Governo do Estado do Pará foi procurado pela reportagem, mas não se pronunciou sobre os impactos causados pela Rodovia Liberdade aos moradores da comunidade até o fechamento dessa matéria.
Poluição do rio
Dona Maria Alves da Conceição é da quinta geração do quilombo. Com 70 anos, ela tem pai negro e mãe índia. Enquanto conversava com a reportagem, Dona Maria debulhava um cacho de açaí branco para o almoço. Ela é mãe de 15 filhos, dos quais apenas dois ainda moram em sua casa.
Ao lembrar do passado, ela diz que quem a ajudou a criar os filhos foi o igarapé Uriboquinha, hoje tão impactado. Na época, ele não era poluído e ela mesmo pescava no local.
A lembrança da infância dos filhos se mistura com a dela. A mãe teve 25 filhos e, assim como ela, trabalhou desde cedo e viveu de plantar colher e pescar no igarapé. Hoje, resta não somente saudade, mas também um pouco de tristeza.
“Por causa desse lixão a gente tem dificuldade e tendência é cada vez mais acabar. Eu criei meus filhos com a ajuda desse rio”, lembra.
O Uriboquinha é, de acordo com a comunidade, afetado pelo aterro sanitário que recebe o lixo de Belém, Ananindeua e Marituba desde 2015, e trata aproximadamente 40 mil toneladas de resíduos por mês.
Em maio deste ano, a empresa Guamá Tratamento de resíduos que administra o espaço, ameaçou fechá-lo porque queria receber mais para tratar a tonelada de lixo. A Prefeitura de Belém pagava R$ 60 por tonelada e a empresa queria receber R$ 114.
Desde junho de 2019, a empresa cumpre decisão acordada durante audiência de conciliação na Justiça do Estado. A Guamá prosseguirá com a operação por mais 24 meses, a partir da data do acordo. Segundo a empresa, durante esse tempo, as prefeituras e autoridades competentes podem avaliar, definir e implantar uma solução para a gestão dos seus resíduos sólidos.
Para a quilombola e coordenadora da comunidade Vanuza Cardoso, com ou sem operação, os impactos estão postos e ameaçam comunidade. “Deveria ser um aterro sanitário, mas é um lixão, que também está a um quilômetro da comunidade, onde o chorume transborda das bacias. Já mudou a coloração do igarapé, mudou a coloração da água e já encontramos peixes mortos”, resume.
A Guamá Tratamento de Resíduos utiliza critérios construtivos de engenharia de modo a garantir a segurança ambiental e a qualidade das águas subterrâneas, superficiais e solo, seguindo padrões da legislação e normas específicas. A empresa disse ainda que periodicamente é realizado monitoramento e análise ambiental da água superficial e subterrânea em laboratórios acreditados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
Segundo a companhia, a existência por décadas de múltiplos espaços insalubres e pontos de descarte irregular, podem originar impactos ambientais ao município, que ainda carece de estruturas básicas de saneamento e infraestrutura urbana.
A água é fundamental para a comunidade, que sobrevive da agricultura familiar, da venda de farinha d’água, do tucupi, da maniva, de plantas medicinais, e de frutos como o açaí, a pupunha, o cupuaçu, a laranja, a banana, a acerola. Sábado, além de ser dia de se reunir com a associação era também dia de escoar a produção na feira do Produtor de Ananindeua, localizada no centro do município.
Cercado por projetos que os ameaçam, a comunidade luta para que a poluição não chegue aos seus alimentos e segue alimentando o seu povo e a população de Ananindeua, que, mesmo sem saber, coloca diariamente em suas mesas um pouco da luta dessas guerreiras quilombolas.
Nove vezes em que Abraham Weintraub se mostrou inimigo da educação
Jornalista: Maria Carla
Ao longo de 8 meses no comando do MEC, o ministro da Educação acumula gafes, polêmicas, acusações sem provas e muitos insultos
Em 8 meses no comando do Ministério da Educação, Abraham Weintraub acumula polêmicas. O ministro fez acusações sem provas, cometeu gafes, perseguiu e provocou os seus “inimigos”. Nas redes sociais, ofendeu internautas e protagonizou cenas que muitos gostariam de esquecer, no melhor estilo “meu twitter, minhas regras”. Weintraub age como se não fosse uma figura pública que deve explicações à sociedade.
CartaCapital selecionou alguns momentos em que o ministro da Educação passou do tom e causou vergonha geral.
1. Universidades têm plantações extensivas de maconha
Em novembro, durante entrevista ao Jornal da Cidade Online, o ministro afirmou que as universidades federais do Brasil possuem plantações extensivas de maconha a ponto de precisar de borrifador de agrotóxico. “Você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas de algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico. Porque orgânico é bom contra a soja para não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda tecnologia à disposição”, declarou. Weintraub não esclareceu de quais universidades falava ou demonstrou a existência das plantações.
2. Égua sarnenta e desdentada
O ministro reservou o xingamento a um usuário do Twitter que o questionou sobre as publicações feitas no dia 15 de novembro, quando o País completava 130 anos da Proclamação da República. Na data, Weintraub dedicou a maioria de suas postagens no Twitter para enaltecer figuras monárquicas. Em uma de suas publicações, chegou a dizer que a República foi uma “infâmia” contra Pedro II, “um patriota, honesto, iluminado, considerado um dos melhores gestores e governantes da História”, escreveu.
As postagens geraram reação dos internautas que acusavam o ministro de desconhecer a história do País. O Weintraub chegou a responder alguns comentários de maneira bastante agressiva. Uma internauta postou: “Se voltarmos à monarquia, certamente vocês será nomeado bobo da corte”. Ao que o ministro respondeu: Uma pena, prefiro cuidar dos estábulos, ficaria mais perto da égua sarnenta e desdentada da sua mãe”.
3. Deboche com estudantes e movimentos estudantis
Antes de anunciar oficialmente as carteirinhas estudantis digitais, e assumir a intenção de desidratar as entidades estudantis como UNE e Ubes, o ministro já direcionava seus ataques aos estudantes. Em um de seus posts no Twitter, Weintraub anunciava “desespero na UNE” com o “fim da mamata”. Ainda satirizava o grupo que, segundo ele, “adora grana/vida fácil” e sugere artesanato como uma das atuações possíveis para a entidade.
4. Ataques a Paulo Freire
Weintraub nunca escondeu sua antipatia por Paulo Freire. Já em seu discurso de posse no MEC, o ministro questionou o legado do educador pernambucano. “Se temos uma filosofia de educação tão boa, Paulo Freire é uma unanimidade, por que temos resultados tão ruins?”, disparou, em abril. Não espanta a sequência de ataques. Também em suas redes sociais, o ministro reservou uma publicação para satirizar um mural com a imagem do educador em frente ao MEC, ofertando-o a Eduardo Bolsonaro que, na época, era cotado para assumir a embaixada brasileira em Washington, nos EUA. Depois, em entrevista ao programa Morning Show, da Jovem Pan, Weintraub declarou não ter raiva de Paulo Freire, ao que emendou: “Tem até um mural muito feio dele no MEC, assustando a criançada que passa por lá”.
5. Bate-boca em Alter do Chão
De férias no destino turístico no estado do Pará, o ministro da Educação se envolveu em um bate-boca com manifestantes que o esperavam nas imediações de um restaurante em que Weintraub estava com a família. Moradores utilizaram um microfone em uma praça próxima para criticar as últimas ações do ministro frente ao Ministério da Educação. “Não somos balbúrdia, cota não é esmola, bem-vindo a Alter do Chão”, diziam os manifestantes ao microfone. Eles também entregaram ao ministro uma prato de cafta, satirizando a gafe do gestor ao confundir o alimento árabe com Franz Kafka, o escritor tcheco.
O ministro se dirigiu ao microfone da praça e rebateu os manifestantes, acirrando o bate-boca. “Eu queria só mostrar a diferença da esquerda e de quem não é de esquerda. Eu com a minha família aqui, três crianças pequenas. Nunca roubei, não sou do PT, nunca recebi bolsa, e vocês vem tentar me humilhar em frente aos meus filhos”, disse.
6. Kafka ou cafta?
Ao participar de uma sessão com os senadores membros da Comissão de Educação para explicar as prioridades do MEC sob a sua gestão, Weintraub cometeu um tremendo escorregão. Ele falava sobre as sanções administrativas que sofrera na Unifesp, onde dava aulas de Economia, quando fez a confusão. “Eu sofri na pele um processo inquisitorial. E fui inocentado. Durante oito meses eu fui investigado, processado e julgado num processo inquisitorial e sigiloso. Que eu saiba, só a Gestapo fazia isso. Ou no livro do cafta ou na Gestapo”, disse, criticando a falta de acesso ao caso. Na verdade, o ministro quis se referir ao livro “O Processo”, obra famosa do escritor tcheco Franz Kafka. E não ao churrasquinho árabe.
7. Singing in the rain
Os fãs do romance musical Cantando na Chuva e conhecedores da clássica cena em que o ator Gene Kelly dança sob a chuva, tiveram que se contentar com a recriação da cena feita por Weintraub. O ministrou usou as dependências do MEC e um guarda-chuva para protagonizar o que chamou de “chuva de fake news”. A atuação do ministro foi para rebater uma reportagem do UOL sobre a influência do MEC em um corte orçamentário de 12 milhões nas obras do Museu Nacional.
8. Chocolatinhos para explicar corte
Após anunciar contingenciamento de 30% para universidades e institutos federais sobre os gastos discricionários, e explicar o corte em transmissão ao vivo no Facebook, ao lado do presidente Bolsonaro, o ministro da educação espalhou cem unidades de chocolates sobre a mesa, tirou três deles do bolo e comparou o corte no MEC a uma ‘separação’: “Estou pedindo para que se coma esses três chocolatinhos e meio depois, em setembro, só isso. Isso é segurar um pouco. E agora ficam espalhando que a gente fica fechando tudo”, disse.
Com chocolates, ministro cita porcentagem bem menor de bloqueio nas universidades
9. Balbúrdia
Em maio, o ministro da educação anunciou corte de recursos para universidades que não apresentassem rendimento acadêmico esperado e, ao mesmo tempo, promovessem ‘balbúrdia’ dentro de seus campus. Inicialmente, Weintraub condenou as federais de Brasília (UNB), Federal Fluminense (UFF) e da Bahia (UFBA). À época ele afirmou que era comum encontrar sem-terras dentro dos campus e gente pelada. Após críticas, o MEC expandiu o corte para todas as universidades federais do País.
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Educação tem de ser protegida da ‘guerra cultural’
Jornalista: Maria Carla
O enfrentamento ideológico que o bolsonarismo move contra adversários políticos convertidos em inimigos, como faz todo movimento radical e autoritário, infelizmente atinge a área da educação, vital para o futuro da sociedade. E pior, quando o Brasil patina na instrução de uma população jovem ainda numerosa. Por fatalidade demográfica, sua representatividade no conjunto dos brasileiros tende a diminuir, enquanto aumenta a dos idosos. Fenômeno universal, esta tendência ao envelhecimento da maioria tem várias implicações. Na educação, significa que começa a se esgotar o tempo a fim de que o país instrua da melhor forma possível seus jovens, para que, ao entrarem no mercado de trabalho, aumentem a produtividade da economia. É a fórmula do desenvolvimento.
O Brasil corre risco de não aproveitar esta oportunidade única. A janela demográfica começa a se fechar. Enquanto isso, a qualidade do ensino básico não avança. O último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) manteve o Brasil na parte de baixo do ranking em Leitura, Matemática e Ciências. O exame, aplicado periodicamente pela Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE), em que se congregam países ricos, e da qual o Brasil deseja ser membro pleno, testa estudantes na faixa dos 15 anos de idade.
A virtual estagnação dos brasileiros no Pisa é péssimo sinal. Mas o país não está na estaca zero. Desde a gestão de Fernando Henrique Cardoso, passando pelas de Lula e Dilma, cujo mandato foi completado pelo vice Michel Temer, até janeiro de 2019, foram 24 anos de razoável continuidade.
A educação conseguiu unir forças políticas e partidos diversos em torno de uma pauta comum. Neste período de quase duas décadas e meia foi alcançada a universalização na matrícula, criaram-se sistemas de acompanhamento da evolução da qualidade do ensino e lançaram-se os fundos (Fundef e Fundeb) que melhoraram a distribuição dos recursos em estados e municípios. Primeiro, no ensino fundamental, e depois, no básico como um todo.
O êxito da democratização da matrícula no ciclo fundamental trouxe uma queda no aprendizado, porque milhões de crianças das faixas mais pobres chegaram à escola. Um progresso que pressiona as estruturas de ensino para que não deixem esses jovens para trás. Esta barreira ainda está para ser vencida. Continua difícil, mas é preciso persistir.
Há várias experiências bem-sucedidas no país, também apoiadas por organizações da sociedade. Não existe fórmula secreta para a boa educação. Ela é conhecida. A dificuldade está em replicá-la na velocidade e extensão necessárias, em um país continental, com desníveis variados.
O Brasil está neste estágio, quando é deflagrada a “guerra cultural”. Ela atrapalha o difícil enfrentamento do problema da qualidade do ensino brasileiro, que vem acontecendo por meio de uma frente política mais ampla do que a visão estreita que reduz a realidade ao conflito entre “direita” e “esquerda”.
Não deve importar a tendência política do educador, mas como ele pode contribuir para ajudar o Brasil a sair deste estágio de virtual estagnação na melhoria do padrão de ensino. Não se trata de falta de um projeto. Sabe-se a direção a seguir. Até porque parte do caminho já foi percorrida. Mas é insuficiente. Há o currículo único e a reforma do ensino médio, por exemplo, a serem implementados. Converter a educação em campo de batalha entre extremistas é no mínimo falta de inteligência e de civismo.