Comissão aprova abertura de escolas públicas nos finais de semana e feriados

A Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados aprovou proposta que acrescenta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9.394/96) a possibilidade de as escolas públicas de todo o País abrirem nos finais de semana, feriados e recessos letivos. A ideia é que, nessas ocasiões, sejam oferecidas atividades culturais, esportivas e de reforço escolar à comunidade.
Foi aprovado o substitutivo da Comissão de Educação ao Projeto de Lei 3917/08, do Senado. O texto alternativo retirou a obrigatoriedade – prevista na proposta original – de os colégios fornecerem alimentação aos estudantes durante esse período extra de utilização das unidades escolares. A justificativa para a mudança é que a merenda nessas datas poderia trazer impacto financeiro aos cofres públicos.

Divulgação/Prefeitura Municipal de Itanhaém
Esporte - Geral - jogos escolares estudantis futebol prática esportiva
Pela proposta, atividades esportivas serão uma das opções a serem oferecidas à comunidade fora do período de aulas

Relatora na Comissão de Finanças, a deputada Leandre (PV-PR) defendeu a aprovação do substitutivo. Segundo ela, a liberação da abertura das escolas nos finais de semana representa uma demanda da sociedade. “Hoje, temos várias tentativas no País, algumas funcionando, outras não. A autorização expressa em lei facilitará o trabalho do gestor público, que não terá mais dúvidas se poder abrir o colégio ou não”, destacou.
Também defensor do projeto, o deputado Enio Verri (PT-PR) afirmou que a previsão em lei pode servir de argumento para as prefeituras convencerem os funcionários da educação que ainda resistem à ideia. “Todo prefeito, indiferentemente do partido, promete que vai deixar as escolas abertas no final de semana, para a comunidade usar as quadras e a biblioteca. Isso até colocar um secretário ou uma secretária municipal de educação que impõem uma série de dificuldades para implementar a medida. O corporatismo acaba prevalecendo”, declarou.
Integração
Atualmente, algumas escolas públicas já abrem em dias não letivos. É o caso, por exemplo, do Centro de Ensino Médio do Núcleo Bandeirante, cidade distante 20 km do centro de Brasília. O diretor do colégio, Dreith Ribeiro, contou que, no começo, teve receio de abrir as portas da instituição para os vizinhos. Tinha medo de haver mais gastos com água, luz e depredação. Mas, com o tempo, a desconfiança foi embora. Principalmente, segundo ele, por causa da consciência de que a população paga impostos e, por isso, também tem direito de usar o espaço, porque é público.
“Abrir a escola nos finais de semana é um ganho duplo: para a instituição e para a sociedade. A comunidade passa a ver o colégio como mais um ponto de encontro, lazer, cultura; deixa de ser aquele espaço só de sala de aula, conteúdo. Com isso, os moradores acabam cuidando melhor do local”, comentou o diretor.
Fausto Pfall, 40 anos, é um dos moradores do Distrito Federal que aproveitam a abertura dos colégios públicos para a comunidade. Ele participa de aulas de capoeira nos finais de semana. “Também frequento, durante a semana, oficinas para aprender a tocar atabaque, berimbau, e pandeiro. A escola é o espaço onde a gente tem condições de abrigar todas as pessoas interessadas em fazer atividades com essas”, apontou.
Tramitação
A proposta, que tramita em caráter conclusivo e em regime de prioridade, será analisada ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Íntegra da proposta:

(da Agência Câmara)

Inscrições para o Sisu estão abertas e vão até quinta-feira (14)

A partir de hoje (11) até quinta-feira (14) estão abertas as inscrições para a primeira edição de 2016 do Sistema de Seleção Unificada (Sisu). As inscrições são feitas exclusivamente pela internet, no site do Sisu. Nesta edição, o programa vai oferecer 228 mil vagas em 131 instituições públicas de educação superior.
Pode se inscrever o estudante que participou da edição de 2015 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e obteve nota acima de 0 na prova de redação. É necessário informar o número de inscrição e a senha usados no Enem de 2015.
Ao se inscrever no Sisu, o participante pode escolher até duas opções de curso, por ordem de preferência. É possível mudar essas opções durante todo o período de inscrição. O candidato também precisa definir se deseja concorrer às vagas de ampla concorrência, às reservadas à lei federal de cotas ou àquelas destinadas às demais políticas afirmativas das instituições de ensino superior.
Uma vez por dia, o Sisu calcula a nota de corte que é a menor nota para o estudante ter a chance de ficar entre os potencialmente selecionados. Ela é calculada para cada curso com base no número de vagas disponíveis e no total dos candidatos inscritos naquele curso, por modalidade de concorrência. O número é apenas uma referência para o candidato monitorar sua inscrição e não garante seleção para as vagas ofertadas.
O resultado da chamada regular será divulgado no dia 18 de janeiro. Os selecionados deverão fazer a matrícula na instituição nos dias 22, 25 e 26 de janeiro. Assim como na edição anterior, só haverá uma chamada regular.
Quem não foi selecionado ou foi selecionado apenas para sua segunda opção de curso pode aderir à lista de espera que estará disponível na página do Sisu na internet de 18 de janeiro até as 23h59 do dia 29. O interessado só pode se inscrever na lista de espera para o curso que marcou como primeira opção na inscrição. A convocação dos candidatos em lista de espera pelas instituições de ensino começa a partir do dia 4 de fevereiro.
O Sisu é o sistema informatizado do Ministério da Educação por meio do qual os estudantes participantes do Enem concorrem a vagas de ensino superior em instituições públicas. As notas do Enem foram divulgadas no dia 8 de janeiro.
(da Agência Brasil)

Dilma: “Não se muda o País fechando escolas e reprimindo movimentos pacíficos”

Durante a abertura da 3ª Conferência Nacional de Juventude, realizada na quarta-feira (16) em Brasília, a presidenta Dilma Rousseff ressaltou que há muitas formas de mudar o Brasil, mas que o caminho não seria fechar escolas ou reprimir movimentos pacíficos.
“Não mudaremos o Brasil fechando escolas, isso é certo. Sabemos que fechar escolas é extinguir sonhos, é romper relações estabelecidas, é fragilizar de alguma forma o futuro. Nós também não vamos mudar o Brasil reprimindo movimentos pacíficos com forças policiais”, disse, em possível referência às atitudes tomadas pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo, para oprimir manifestações estudantis.
Dilma destacou os investimentos em educação como um dos principais instrumentos de mudança no Brasil, citou a participação social como necessária para o governo e lembrou a importância dos jovens nesse processo. “Eu não podia deixar de falar aqui sobre uma outra conquista que é o Estatuto da Juventude. É uma verdadeira carta de direitos dos jovens desse País. Essa política está sendo construída com a participação de vocês, por meio do Conselho Nacional da Juventude e da Secretaria Nacional da Juventude”, discursou.
(do Portal Forum)

Mariana e a mercantilização do meio ambiente

A catástrofe de Mariana e a ação criminosa desenvolvida pelas empresas Samarco e Vale trazem ao centro da cena o debate a respeito do processo de mercantilização crescente da ação do ser humano sobre o meio ambiente. O aprofundamento da tendência de acumulação de capital em escala planetária tem transformado, de forma crescente e alarmante, a exploração dos recursos naturais em mais um espaço de multiplicação dos ganhos econômicos e financeiros.
Na perspectiva da reprodução ampliada da acumulação do capitalismo, tudo se transfigura. Água não é mais apenas água. Mar deixa de ser simplesmente mar. Atmosfera passa a significar muito mais do que a mera atmosfera. A definição de subsolo extrapola o limitado sentido de tudo que está baixo do solo. Alguém aí mencionou preocupação com equilíbrio ecológico sistêmico ou com os riscos para o futuro do planeta? Bobagem! Don’t worry, my dear! A eficiência racional do empreendimento privado nos assegura que tudo o que for feito será para o bem de todos.
Mercantilização: dos serviços públicos ao meio ambiente.
No caso brasileiro, a onda neoliberal dos anos 1990 conseguiu avançar na privatização de importantes setores que, tradicionalmente, eram encarados como sendo de fornecimento de bens e serviços públicos. Dessa forma, os horizontes de investimento capitalista se ampliaram para além da energia, das comunicações, dos transportes, da segurança, da previdência, da educação e da saúde – só para citar apenas alguns exemplos. Passaram todos a se constituir em ramos de possível acumulação de capital.
Esse movimento se combina à ampliação também do potencial de exploração “empreendedora” sobre o meio ambiente. A opção por definir políticas públicas prioritárias para o novo modelo de exploração pós-colonial (re) transformou nosso País em explorador e exportador de produtos primários. Sejam eles associados às atividades do complexo do agronegócio concentrador e espoliador, sejam aqueles associados à extensa rede da extração de produtos minerais.
O desastre de Mariana revela justamente toda a maldade e a crueldade envolvidas na gestão de um grande empreendimento econômico cujo único foco seja a maximização de resultados para os ganhos exclusivos de seus proprietários e acionistas.  Ao contrário do que tentou divulgar uma parte dos meios de comunicação, não existiu nada de “natural” nem de “inevitável” naquele terrível acidente. Ou que a empresa teria sido, ela também, “vítima” do imponderável, como chegou a declarar um secretário do governo de Minas Gerais.
Eficiência (sic) privada leva à catástrofe.
Muito pelo contrário, todos os indícios apontam para a negligência da Samarco e de órgãos públicos municipais, estaduais e federais envolvidos no tema. As licenças e autorizações de funcionamento da mina e da barragem haviam vencido meses antes do ocorrido e nada foi feito para corrigir essa falha. Outras minas e barragens semelhantes apresentam riscos parecidos e a população da região próxima vive, há tempos, um clima de tensão permanente a respeito da possibilidade de novas rupturas.
No entanto, como a dinâmica empresarial se move apenas pela lógica da maximização de resultados, as corporações solenemente ignoram a necessidade de realizar despesas para minimização de riscos ou mesmo interromper as atividades para evitar eventos indesejados. Não! Em busca do lucro, aceleram-se os padrões de exploração dos minérios, custe o que custar.
Frente ao desastre acontecido, desnudam-se os interesses envolvidos. Governo federal e governo estadual calam-se, evitando dar os nomes aos bois. Afinal, a Samarco é uma empresa cuja composição acionária é 50% da Vale e 50% da BHP Billiton, um poderoso grupo anglo-australiano do ramo. As relações incestuosas entre setor público e setor privado são de tal ordem, que as ações pós-acidente continuaram a ser coordenadas pela própria empresa e não pelos órgãos do poder público responsáveis pela gestão desse tipo de crise .
Doações eleitorais e rabo preso.
Pouco a pouco, à medida que as informações relativas a doações para campanhas eleitorais começam a ser reveladas, percebe-se de forma mais cristalina o impressionante poder que a Samarco e a Vale exercem sobre os agentes públicos. Quase todo mundo – em todos os níveis da administração pública e em todos os grandes partidos políticos – estava de rabo preso. Haviam recebido recursos milionários para custear as despesas do pleito e não ousavam aplicar à Samarco as regras da lei e as punições cabíveis.
Pessoas que morreram ou se feriram por conta do acidente? Comunidades próximas que sofreram e sofrerão consequências de toda a ordem por conta do impacto ocorrido? Cidades e populações que estão sentindo os efeitos secundários da passagem do mar de lama e o envenenamento do Doce e demais rios da região? Os efeitos danosos para as atividades econômicas ao longo de toda a faixa de extensão continental de Minas Gerais e Espírito Santo? Os impactos da chegada da lama sobre o delta do rio e a faixa litorânea do Oceano Atlântico? Tudo isso parece não fazer o menor sentido face à necessidade de preservar os interesses da empresa.
 Os valores de multas inicialmente aventados revelam-se insuficientes face à dimensão dos malefícios causados e tornam-se irrelevantes frente a casos comparáveis em outros locais e países. Por outro lado, os valores tornados públicos para promover as indenizações relativas à reparação de danos e perdas humanas, materiais e ambientais tampouco são suficientes para dar conta das necessidades contabilizadas.
O que é mais bilionária: indenização ou sonegação?
A British Petroleum, por exemplo, fez um acordo para pagar US$ 21 bilhões ao governo norte-americano, como indenização das consequências do acidente provocado por vazamento de óleo no Golfo do México em 2010. Ora, esse montante equivalente a R$ 75 bi é muito superior aos levantamentos iniciais de R$ 10 a 14 bi para o que ocorreu com a mina da Samarco. E a maioria dos especialistas avalia que os impactos do caso brasileiro são muito mais custosos do que o da BP. Mas os espaços dedicados na imprensa ao tema costumam chamar a atenção para as dificuldades da empresa – coitadinha! – em dar conta de tal responsabilidade.
Pouco se fala a respeito de possibilidade de cobertura do sinistro recorrendo ao expediente do resseguro. Esse procedimento é obrigatório em empreendimentos desse porte e a sociedade brasileira gostaria de saber a quantas anda esse dossiê. E mesmo, no limite, nada se debate sobre alternativa da União se valer do expediente da estatização do patrimônio da empresa concessionária e de sua controladora para fazer face a tal obrigação. Esses são casos típicos em que se pode aplicar o recurso à desapropriação de ativos privados. Inclusive pelo fato de que a Vale encabeça a lista dos maiores grupos devedores à União, com quase R$ 42 bilhões de dívidas tributárias não quitadas. Em português claro: crime de sonegação.
Afinal, nunca é demais recordar que a Cia Vale do Rio Doce foi privatizada a preço de banana em maio de 1997, tendo sido sua propriedade entregue ao capital privado por apenas R$ 3,3 bilhões. A título de comparação, para se ter uma noção de quão irrisório foi o valor da negociata, naquele mesmo ano, o lucro líquido da Vale foi quase 4 vezes superior ao valor da venda de seu patrimônio: R$ 13 bi. E na sequência, os lucros anuais foram sempre bilionários, atingindo o recorde histórico em 2011, quando chegou à cifra de R$ 37 bi.
É claro que não se pode assegurar que, fosse a Vale ainda uma empresa estatal do governo federal, um acidente desse porte jamais teria acontecido. No entanto, o fato de ela estar na esfera pública, de forma mais transparente e direta, certamente poderia contribuir para um sistema mais adequado de controle de seu desempenho operacional. Isso porque a situação atual – por mais contraditório que possa parecer – da trama de poder da Vale envolve uma participação acionária majoritária do BNDES e de fundos de pensão vinculadas a empresas estatais. Isso significa dizer que a União teria 60,5% do poder na assembleia de acionistas. Ou seja, a velha estória de recursos públicos sendo apropriados e comandados pelo capital privado.
Enfim, seja a Vale um empresa estatal ou privada, o fato relevante é que as orientações de sua exploração sobre o solo e subsolo de nosso País devem passar por uma profunda reavaliação. Isso significa recuperar a natureza pública de nossos recursos naturais e romper com a lógica mesquinha da mercantilização desse potencial estratégico. Afinal, exportar minério de ferro extraído do Brasil a preços aviltantes para uma empresa do grupo na China e importar os trilhos lá manufaturados para construir as suas ferrovias em território brasileiro não é a melhor solução.
(da Carta Maior)
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

A promiscuidade obscena dos políticos donos de rádio e TV

A Constituição Federal determina que senadores e deputados não podem manter contratos com concessionárias de serviço público, tais como rádios e TVs, entre outros. Usando uma concessão pública de mídia em causa própria, eles podem desequilibrar a democracia, favorecendo interesses pessoais, atacando adversários políticos, facilitando a sua própria eleição e a sua perpetuação no poder. Pedi para Pedro Ekman, conselheiro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação e produtor audiovisual independente, escrever um texto para este blog explicando uma ação movida pelo Ministério Público Federal em conjunto com organizações da sociedade civil para cassar as licenças de rádio e TV de 40 políticos donos de mídia no país:
A promiscuidade obscena dos políticos donos da mídia, por Pedro Ekman
O Ministério Público Federal paulista iniciou um processo que pode por fim ao relacionamento mais promíscuo e obsceno da curta história da democracia brasileira: o casamento da mídia com a política. Na última quinta (19), o MPF acionou na Justiça os três deputados federais radiodifusores do Estado de São Paulo: Antônio Bulhões (PRB), Beto Mansur (PRB) e Baleia Rossi (PMDB). Eles são os primeiros de uma lista de 40 parlamentares que incluem, entre outros, os senadores Aécio Neves (PSDB-MG), dono de uma retransmissora da rádio Jovem Pan, e Fernando Collor (PTB-AL) e Agripino Maia (DEM-RN), donos da Globo e da Record em seus estados.
O artigo 54 da Constituição Federal determina explicitamente que senadores e deputados não podem manter contratos com concessionárias de serviço público, tais como rádios e TVs, entre outros. Sim, pode não parecer, mas a radiodifusão é um serviço público.
Estaria no fim um relacionamento promíscuo pela forma como os interesses privados e a comunicação de massa se lambuzam na condução da agenda e do debate político. “Não tive mais espaço nos canais controlados pelos meus adversários políticos”, confessa o ex-deputado Marçal Filho (PMDB-MS) no processo que o condenou por falsificar documentos que omitiam o fato dele ser dono de mídia em seu estado. Para a Ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber “há um risco óbvio na concentração de poder político com controle sobre meios de comunicação de massa”.
Apesar de óbvio, o obsceno ilícito acontece em plena luz do dia e aos olhos e ouvidos de todos. Os nomes dos 40 parlamentares constam simultaneamente em documentos oficiais do Ministério das Comunicações e nos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. O resultado desta promiscuidade vai ao ar obscenamente todos os dias no rádio e na TV. Basta ligar os aparelhos para se constatar.
Mesmo beirando pornografia explícita, a questão sempre foi solenemente ignorada por todos os governos até então por motivos óbvios. O Ministério das Comunicações sempre optou pela miopia ensurdecida para que se mantenha o equilíbrio político de governabilidade e apoio eleitoral, tal como a não fiscalização das empresas de comunicação que poderiam revidar em seus noticiários.
A certeza da impunidade e a naturalização do ilícito como legítimo é tamanha, que, para se defender da acusação de serem políticos donos da mídia, alguns acabam confessando outras infrações como resposta para o problema. “A Concessão não é minha, eu tinha comprado e já vendi”, “ela só existe no papel, nunca funcionou” ou ainda “já transferi a rádio para uma igreja há mais de dez anos”. Uma verdadeira orgia em praça pública. Pela omissão histórica, além dos parlamentares, o Ministério das Comunicações também engrossa o banco dos réus na ação judicial.
A movimentação do MPF é resultado de um esforço conjunto com a sociedade civil para moralizar setor. Na manhã desta segunda (23), as organizações Andi – Comunicação e Direitos, Associação Juízes para Democracia, Artigo 19, Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Levante Popular da Juventude, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e a Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor protocolaram uma representação pela cassação das licenças de rádio e TV dos 40 políticos donos da mídia.
A lista poderia ser bem maior, mas a opção foi pelo questionamento judicial apenas dos parlamentares que possuem documentos comprovando a incompatibilidade do cargo com a concessão do serviço público. Uma vez ganha essa batalha, o caminho está aberto para estender essa interpretação para governadores, prefeitos, outros parlamentares e de seus parentes próximos.
O Brasil tem um longa dívida com a sua democracia e vai demorar para conseguir pagar. Alguns passos já foram dados.
(Do Blog do Sakamoto)

“Samarco comanda a apuração do crime que cometeu, controlando políticos, vítimas e jornalistas”

Após 12 dias do rompimento das duas barragens de rejeitos da Samarco/Vale/BHP, em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou a primeira audiência pública, em Belo Horizonte, para debater o assunto.
Em tese, seria o momento para que deputados estaduais ouvissem os atingidos pela tragédia e órgãos do governo e de fiscalização colhessem informações para os trabalhos da Comissão Especial recém-criada.
Mas a audiência se transformou na mais demagógica atividade protagonizada por nossos políticos. Era uma audiência conjunta com a Câmara dos Deputados. Mas estes, após tirar fotos, dar entrevistas à imprensa e falar primeiro, foram embora.
Tiveram o mesmo comportamento no dia anterior, na cidade de Mariana, durante a audiência da Comissão de Direitos Humanos: falaram, não ouviram ninguém e foram conduzidos pelas mãos bondosas da Samarco para conhecer o local da tragédia.
Na capital mineira, assistimos a uma deprimente reunião conduzida de modo a não ter efeito nenhum, apesar do esforço isolado de alguns deputados comprometidos com os movimentos sociais.
Ouvimos o Ministério Público falar em “acidente” e se vangloriar de um Termo de Ajustamento de Conduta com o qual a mineradora rapidamente concordou para melhorar sua imagem e cujos termos todos desconheciam. Ouvimos também o representante do Governo de Minas dizer que não podemos “satanizar” as mineradoras.
Poucos prestaram atenção quando uma convidada explicou que a empresa errou ao calcular os possíveis impactos do rompimento de barragem, considerando que atingiria apenas o distrito de Bento Rodrigues e não outras dez localidades, além de toda a bacia do Rio Doce.
Poucos se importaram com a fala do representante dos trabalhadores, que denunciou desconhecer as condições a que estão submetidos os 20 trabalhadores que estão na linha de frente da barragem de Germano, que está trincada.
Aliás, quem informou quantos trabalhadores estavam desaparecidos foi a empresa, livremente, sem qualquer fiscalização, pois ela impede que se tenha acesso à informações detalhadas.
Os deputados não entenderam nada do que o Padre Geraldo disse, de que é preciso respeitar os atingidos, os verdadeiros protagonistas dessa história. Só que, infelizmente, os protagonistas foram os próprios deputados, na maioria preocupados em falar e não em ouvir.
Enquanto isso o povo atingido está nas mãos da Samarco, que atua livremente em Mariana e região. Onde está o Estado? Ainda não chegou. A Samarco já está presente, contrariando o lamento da deputada desavisada que reclamou da suposta ausência da Samarco. O desconhecimento da realidade leva a equívocos assim.
A Samarco está mais presente do que nunca: demitiu no dia anterior à audiência 90 trabalhadores terceirizados, dos quais muitos já eram vítimas da tragédia, pois suas famílias perderam tudo na lama.
A Samarco controla todo o acesso aos atingidos que estão nos hotéis e pousadas da cidade, impedindo que se organizem livremente.
A Samarco reúne-se com os atingidos sem nenhuma proteção do poder público. Nas horas das infinitas reuniões com a população, não há Ministério Público nem Governo do Estado presentes e os movimentos sociais são impedidos de acompanhar.
A Samarco controla a cena do crime e chega a selecionar quais jornalistas podem entrar. Assim como controla o acesso da população ao Comando de Operações da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros, que funciona dentro da sede da empresa.
Livremente, a Samarco chantageia a cidade de Mariana pelo poder econômico e pelos impactos que a suspensão do seu trabalho na região causará, como se não tivesse que dar assistência à cidade por todos os prejuízos causados.
Pelo que se vê, muita gente já está dando retorno ao investimento que as mineradoras fizeram nas eleições de 2014. Na verdade, quem está pagando esta conta é povo!
* Beatriz Cerqueira é presidenta da CUT/MG e coordenadora-geral do Sind-UTE/MG
(Do Portal Forum)

Reorganização dissocia escola da vida no bairro, apontam especialistas

Em frente à ETEC Guaracy Silveira, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, estudantes conversam em diversas rodas sobre táticas de mobilização, o que pensam sobre a ocupação da escola e o futuro da educação do estado. Logo na entrada, urnas recebem uma longa fila votantes. A Guaracy é a primeira Escola Técnica ocupada, em uma lista de mais de 67 escolas estaduais sob controle estudantil em São Paulo, cifra que não para de subir.
“Desculpa moço, você não pode ficar aqui. Só estudante”, explica uma aluna com uma câmera fotográfica a tira colo. Do lado de fora da escola, sentada em um gramado, ela pondera, junto com os demais colegas, que a mídia não tem dado a atenção necessária às ocupações. Pede ajuda na divulgação e explica a situação da escola, que irá perder turmas de ensino médio e há anos atravessa dificuldades estruturais. Questionada sobre as urnas, responde que elas estão ali para que os alunos decidam se a ocupação será mantida ou não.
“Eu acho que não, as pessoas tão com medo de perder aula, de ofuscar as escolas que serão fechadas”, explica um de seus colegas. A Guaracy parou em apoio às demais escolas e para protestar contra a “direção autoritária, sucateamento e fechamentos das turmas”.
A consulta à comunidade escolar sobre o fechamento temporário da unidade revela uma sensibilidade dos estudantes que parece ter faltado à secretaria estadual de educação na condução da reorganização da rede de ensino. Essa também é a opinião de Ulisses Araújo, professor da Escola de Artes e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo e autor do livro “Autogestão na sala de aula: as assembleias escolares”.
Segundo Araújo, o processo foi conduzido de maneira “inábil e atabalhoada”. “Você até pode discutir os méritos de uma reorganização, mas sem diálogo, sem participação, de uma hora para a outra, não vai conseguir. É comprar uma briga não com o sindicato, mas com as famílias, com a organização de vida delas”, defende.
Araújo aponta que “não é trivial para certas famílias que seus filhos não estudem mais na mesma escola”. O aumento dos deslocamentos e a falta de consideração com as realidades locais, fez com que o governo comprasse uma briga com a comunidade. Há inclusive relatos de mães e pais que se licenciaram de seus trabalhos para apoiar os filhos nas ocupações.
Familiares levam alimentos para alunos acampados no E.E.Prof° Josepha P. Chiavelli
O professor também considera que a mudança foi feita para atender critérios de gestão e eficiência das contas do estado e que os estudos sobre organização por faixa etária não indicam necessariamente uma melhora do aprendizado. Araújo acredita que o governo terá que retroceder.
“Se mostrassem que o fechamento da escola poderia se traduzir em uma melhora para comunidade, se negociasse transporte, fizesse um museu, uma escola infantil, um espaço público de educação continuada, enfim, planejassem, poderia ser que a comunidade acatasse. Mas desse jeito, eu acho que não será possível”, acredita.
Escola: centro da comunidade
“Esse processo de reorganização é a antítese do planejamento cidadão”, afirma o urbanista Kazuo Nakano. Para ele, as escolas podem e devem ser transformadas, pois a demografia dos bairros não é estática. Mas isso não se efetiva de cima para baixo.

“Essa é uma visão que dissocia a escola da vida do bairro e entende que ela é apenas um depósito de alunos. Mas não, ela é um lugar de vida coletiva. Se, ao invés de ser fechada, investisse na relação dela com o bairro, ela seria aperfeiçoada, reinaugurada. A dimensão pública da escola é que deveria ser reforçada”, aposta.

Para exemplificar, Nakano lembra que após a Proclamação da República, a construção de escolas passou a ser prioridade no planejamento urbano. Como exemplo, temos a extinta Caetano de Campos, que hoje serve como Secretaria de Educação, na praça da República, centro de São Paulo.
“Você via que a escola, pela própria arquitetura, tinha um papel fundamental. Havia um reconhecimento social do professor, um entendimento do seu papel. Claro que era uma escola pública para poucos, mas a universalização poderia ter acompanhado essa qualidade”, avalia.
Nas últimas décadas, analisa o professor, as escolas foram se fechando cada vez mais, “escondendo” sua vocação pública numa cidade pautada pelo medo e pela insegurança. Mas cada vez mais, acredita Nakano, principalmente desde junho de 2013, tem havido uma valorização da dimensão pública da vida e da importância da educação.
“Porque não pensar em escolas multisetoriais, que acolham o que o bairro tem? Que ajudem a impulsionar cooperativas locais, ativismos diversos, que acolham reuniões e a comunidade?”, indaga.
Retomada
Para a arquiteta e educadora Beatriz Goulart, o momento é propício para reflexões sobre a educação contemporânea. Ela considera que a escola é mais do que espaço físico e vaga: ela é uma relação. “Esse corpo que luta, com apoio das famílias, essa integração de sujeito usuários, é algo quase inédito. Com isso, os estudantes têm a dimensão do que é ter uma escola com participação da comunidade. Então é uma boa hora para se perguntar: que escola a gente quer?”

“Esse movimento vê a educação como direito, como lugar que se quer estar, o território como direito, é mais do que vaga e matrícula. Acho que se a escola pudesse falar, ela diria que está orgulhosa”

É nessa dimensão – do envolvimento do território e da comunidade na educação – que estariam surgindo os frutos mais duradouros desse movimento com as diversas demonstrações de solidariedade, o envolvimento das famílias, a forma de divulgação na internet, os pedidos de colaboração organizados autogestionadamente nas redes sociais. Uma iniciativa, que está circulando na web nesta quarta-feira chama os apoiadores das ocupações a oferecer aulas, do que quer que saibam, para os alunos.

“Meu sonho seria ver creche e ensino médio junto, EJA, tudo junto, com interação pedagógica. É tão obvio você conviver com pessoas de todas as idades. Isso já acontece na família, uma ensinando para outra”, diz Beatriz. “Esse movimento vê a educação como direito, como lugar que se quer estar, o território como direito, é mais do que vaga e matrícula. Acho que se a escola pudesse falar, ela diria que está orgulhosa”, finaliza.
(Do Uol)

Rio Doce: Não foi acidente. Foi violência

Sempre que eu vou a Porto Alegre é a mesma coisa. O taxista reclama que não pode fazer o caminho que ele quer porque um trecho da Avenida Anita Garibaldi ainda está fechado. Uma rua ia ser alargada para a Copa do Mundo, mas, no meio da obra, descobriu-se que não se podia mais continuar perfurando por que encontravam (veja bem) uma rocha no meio do caminho. Tudo ficou mais caro.
A Prefeitura dizia que é culpa da empresa, que deveria ter previsto o problema, mas a empresa queria que a prefeitura cobrisse o valor extra da obra. Aquele velho empurra-empurra. O buraco e seus desvios já viraram parte da paisagem da cidade. A obra está ali, já fazendo aniversário de três anos. E a sensação de todos que passam por tantas obras inacabadas ou malfeitas no Brasil é que elas nunca serão plenamente concluídas. E quem tem a sua vida transtornada somos todos nós – verdadeiros palhaços de um circo chamado Estado.
A velha aliança que se perpetua entre o Estado brasileiro e o capital – às vezes competindo, às vezes cooperando, mas sempre lucrando – é uma máquina de matar e deixar morrer. A estrutura burocrática e reguladora brasileira nos irrita, nos machuca e nos desrespeita. Mas esse modus operandi causa muito mais do que horas trancadas no trânsito ou a desilusão de ver uma cratera estampada. Ele também produz dor, sofrimento e morte.
Valores para as campanhas? Licitações facilitadas. Mais uma ponte caiu. A obra está cara? O Estado não fiscaliza? Mais uma barragem se rompeu. A empresa aérea sofre uma crise e cortam-se os custos da manutenção? Quem fiscaliza? Mais um avião caiu.
Choveu e abriu buraco na estrada? Passe-se aquele cimento mais barato. Assim, quando chover de novo, o Estado paga para tapar os buracos e a empresa ganha sempre. Afinal de contas, para que investir em material duradouro se o Brasil é país tropical em que quase nunca chove forte? O resultado dessa ganância é perverso: acidentes, corpos mutilados e vidas interrompidas por causas que poderiam ter sido evitadas, mas que são naturalizadas como “acidente”.
Não se trata de acidente. Trata-se de um crime praticado pelo Estado e pelas empresas que deveriam ser controladas pelo Estado, mas que, na verdade, controlam o Estado.
Trata-se, portanto, de violência estrutural – conceito adotado por antropólogos como Veena Das, Arthur Kleinman, Paulo Farmer e Akhil Gupta para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais: pelo descaso, pela corrupção e pela ausência do Estado na fiscalização (o mesmo Estado que sabe fazer-se onipresente e ostensivo quando se trata de correr atrás de camelô por que os lojistas da cidade estão pressionando).
A dor causada a milhares de pessoas e a morte de milhares ou milhões de animais ao longo do Rio Doce não foram acidentais. Não foi um desastre natural inevitável. Violência não é apenas o ato deliberado de força, mas também os atos invisíveis da incompetência ou má fé judicial, política e administrativa. É preciso nomear claramente esta tragédia. Uma vez que admitimos que o que ocorreu na Vale foi um ato de violência – produzida pelo descaso e a ganância que “deixa morrer” – é preciso identificar os culpados, que, neste caso, são agentes específicos do mercado e das agências controladoras do Estado.
Não foi acidente. Não foi seleção natural. E a população brasileira não faz parte desse jogo em que se acredita que “os políticos corruptos são reflexo de um povo corrupto”. O taxista de Porto Alegre continua a se indignar, todos os dias. Eu me indigno. Você se indigna. Nós nos sentimos desrespeitados e impotentes.
As mídias sociais encorajam e nos ajudam a encontrar aqueles outros milhões de perdidos que também não querem esquecer. Não há milagre para romper com esse ciclo de violência estrutural que se perpetua na sociedade brasileira. Podemos contar somente com a mobilização e o engajamento no projeto democrático – que ainda estamos construindo às duras penas, mas que não desistiremos tão fácil. Por ora, cabe a nós entoar o grito “não foi acidente”, pressionar por medidas reparadoras e acompanhar a implementação.
(Da Carta Capital)

Comissão analisa parecer sobre Lei de Responsabilidade Educacional na quarta-feira (18)

A comissão especial que analisa o projeto (PL 7420/06) que cria a Lei de Responsabilidade Educacional reúne-se nesta quarta-feira (18) para apreciação do parecer do relator, deputado Bacelar (PTN-BA).
O projeto, da ex-deputada Professora Raquel Teixeira, estabelece critérios obrigatórios para garantir a qualidade da educação básica e também a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção.
A lei é uma exigência do Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 13.005/14), aprovado em 2014, e já deveria estar em vigor desde junho.
A reunião está prevista para as 14 horas, no plenário 15.
(Da Agência Câmara)

Entre o luto e a saudade: um panorama do maior desastre ambiental do Brasil

Quem chega em Gesteira, distrito rural no município de Barra Longa (MG), nunca vai imaginar que antes passava um córrego com água cristalina e havia um campo verde amplo na frente, onde bois e cavalos pastavam. Porque quem chegar hoje em Gesteira não verá um pasto, nem um animal ou um riacho. Verá apenas uma gigantesca lagoa de barro escuro onde antes era um vale. Os moradores descrevem para mim, entre o luto e a saudade, a paisagem onde cresceram e que, provavelmente, nunca mais verão na vida.
“Antes esta paisagem daqui era tudo verdinho com uma pastagem e tinha um rio com água clarinha. Acabou tudo” ,  diz o morador de Gesteira Claudiano da Costa.
Mais de dez dias após a queda das barragens da mineradora Samarco, ainda se desconhece todas as extensões do impacto ecológico liberado na forma de 62 milhões de litros de lama residual da mineração. O barro de rejeitos saiu de Bento Rodrigues, na cidade histórica de Mariana, em Minas, e ainda percorrerá mais de 850 quilômetros até chegar ao mar, deixando um rastro de destruição à fauna, à flora e às comunidades que estiverem em seu caminho. Só é preciso observar a área destruída  – seja do leito do rio, seja do espaço  –  para compreender que é um dos maiores desastres ambientais na história do Brasil.
No entanto, ainda há muitas perguntas buscando entender como esta tsunami de lama afetou todo um ecossistema. Aqui está um panorama do que já sabemos.

Lama tóxica?

Para ter compreensão do impacto é preciso primeiro entender qual é o conteúdo da enxurrada de lama que vem das minas. Segundo a mineradora Samarco, as barragens apenas continham rejeitos de minério de ferro e manganês, misturados basicamente com água e areia. A empresa insiste que o material é inerte, não causando danos ao ambiente ou à saúde. No entanto, análises do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Baixo Guandu (ES) mostram a presença de diversos metais pesados na água do Rio Doce, como arsênio, mercúrio e chumbo.
Estes elementos são extremamente tóxicos ao ambiente e à saúde humana, sendo absorvidos nos corpos dos diferentes organismos e dificilmente eliminados. Normalmente, eles acumulam nos tecidos de seres vivos e, com o tempo, na própria cadeia alimentar. Ao ingerir a carne ou folhas contaminadas, o metal pesado não é processado, envenenando o bicho ou pessoa que consumiu a comida intoxicada. Com o tempo, os metais pesados podem gerar problemas sérios à saúde, como câncer, úlceras e danos neurológicos.
Na tarde de sábado (14), o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), apresentou um laudo da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) negando a existência de metais pesados na água e contrariando os laudos de Baixo Guandu.
Na quinta-feira (12), uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também foi coletar amostras da lama e da água no Rio Doce para apurar o grau da devastação e verificar, entre outros aspectos, a presença de metais pesados. Ainda resta esperar os resultados da investigação dos cientistas mineiros, que devem chegar no decorrer da semana.

Douglas Resende e Rafael Lage/Jornalistas Livres 1-AJ4THvocKqvLV1ukbU-ehA.jpeg
Mais de dez dias após a queda das barragens, ainda se desconhece todas as extensões do impacto ecológico

Fim da vegetação

No entanto, mesmo sem arsênio e mercúrio e ao contrário do que a mineradora sugere, a lama está longe de ser inofensiva. Apesar da presença do ferro e manganês não significar um perigo à saúde, esses elementos causam consequências profundas à terra.
“O ferro (e o manganês) tem uma facilidade muito grande de reação, sendo um ligante por sua própria natureza. No caso, essa lama vai formar uma capa muito dura devido à presença do ferro. A tendência é fazer uma ligação muito forte e ficar sobre a superfície formando uma crosta” , diz a professora do Instituto de Geociências da UFMG e especialista em geologia ambiental Leila Menegasse. Segundo ela, esta cobertura poderá impedir a infiltração da água e também cobrirá a própria vegetação, tornando o ambiente estéril.
“As raízes ficam soterradas, desaparece a possibilidade da fotossíntese porque a água fica muito turva e as folhas ficam todas fechadas pela deposição de materiais. As plantas que entrarem em contato com essa lama certamente irão morrer”, acrescenta o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG Francisco Barbosa.

Rio Doce morto

Quem se aproximar do Rio Doce – seja em Minas, seja no Espírito Santo –, verá ele amarronzado, escuro e com diversos detritos boiando. Essa imagem não é apenas feia e desagradável, ela também é extremamente danosa à vida aquática. Esse barro, mesmo diluído, torna a água turva e barra a passagem de raios solares, escurecendo o rio e impedindo que algas façam fotossíntese. O baixo nível de oxigênio na água é insustentável para os animais, fazendo com que, em um ato de desespero, muitos peixes simplesmente pulem fora do rio.
Os mananciais oriundos do Rio Doce são usados para abastecer diversas comunidades rurais, seja para o uso pessoal, seja para irrigação de plantações ou consumo pelo gado. Essas comunidades rurais serão profundamente afetadas e não poderão recorrer ao rio mais. Mesmo considerando apenas a população urbana, a enxurrada de lama passa por, no mínimo, 23 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo, o que representa meio milhão de pessoas com as torneiras secas.

Lincon Zarbietti/O Tempo/Folhapress gov_valadares_agua.jpg
Exército montou ponto de distribuição gratuita de água em Governador Valadares: situação desesperadora

Milhares sem água

A cidade mais afetada pelos rejeitos da Samarco é também a maior da bacia do Rio Doce: Governador Valadares, em Minas Gerais, com 280 mil habitantes. Mesmo a 300 quilômetros de Mariana, sua SAAE, em laudo preliminar da água, encontrou um nível de turbidez 80 vezes maior do que o tolerável, além de níveis de ferro que chegaram a superar 13 mil vezes o tratável. Esta condição insalubre do rio fez com que o abastecimento de água fosse cortado no último dia 8. Dois dias após a interrupção, a prefeita Elisa Costa (PT) declarou estado de calamidade pública.
“Todo dia este caos. Todo dia gente transportando água. Todo mundo carregando água como pode”, descreve Marcos Renato, habitante da cidade. Em longas filas, a população gasta horas em pontos de distribuição de água, sofrendo, além da seca e da sede, com as altas temperaturas. “Estamos atendendo normalmente nas unidades de saúde e nos preparando para possíveis doenças que venham a surgir pela falta de água e pelo uso da água contaminada. Enfim, a situação aqui não está nada fácil” comenta Flávia França, médica local e membro da Rede de Médicas e Médicos Populares.
Segundo a prefeitura do município, as companhias Samarco e Vale fizeram poucos esforços – e fizeram mal – para ajudar a população. Na manhã de sexta-feira (13), em nota, ela comunicou que a mineradora só tinha aceitado pagar os caminhões-pipa. Mais tarde daquele dia, a primeira remessa de água, com 280 mil litros, estava contaminada com querosene, não servindo para consumo.
A situação só começou a melhorar no sábado, quando o governador de Minas anunciou o uso de um coagulante que permitirá o tratamento da água. A substância facilita a separação da lama e da água, permitindo assim que ela seja filtrada e volte a ser potável. A expectativa é que o abastecimento na cidade retorne aos poucos a partir de hoje (16).

Um oceano afetado

É importante lembrar que o rio não é só água em movimento, mas também funciona como transporte de nutrientes para o mar, que acabam sustentando diversos organismos. Coincidentemente, na foz do Rio Doce ocorre também o encontro de correntes marinhas do Sul e do Norte, formando um “rodamoinho” de água de cerca de 70 quilômetros de diâmetro. Esta área é rica em nutrientes e também reúne espécies marinhas de todo o mundo.
Por isso, segundo o diretor da Estação de Biologia Marinha, Augusto Ruschi, e o biólogo e ecólogo André Ruschi, a foz do Rio Doce se torna um dos maiores pontos de desova de peixes marinhos do mundo.
“É o maior criadouro do Oceano Atlântico. Todos os grandes peixes do oceano, do hemisfério sul e norte, vão para lá se reproduzir, sendo um fenômeno ímpar. É uma das regiões marinhas mais importantes do planeta e é a mais sensível de todas as da costa brasileira.”
A chegada de diversos rejeitos da mineração significa um risco para todo o ecossistema do oceano. Como ainda resta a chance da presença de metais pesados na lama, há a possibilidade de contaminação da imensa biodiversidade do local. Todos os seres vivos, desde o minúsculo plâncton ao gigante marlim, podem acabar envenenados por estes elementos.

Recuperação?

Restam ainda muitas dúvidas em relação a como e quanto o ambiente será afetado pela lama da Samarco. Mas uma merece destaque: é possível recuperar o estrago? Ainda é muito cedo para afirmar com certeza, porém, se estipula que o volume de água do rio talvez será o primeiro a normalizar.
“A natureza é muito mais forte do que podemos imaginar. Com o passar do tempo e muito lentamente os rios vão se recuperando. A vida dos tributários vai voltar a ocupar o rio e ele, em uma ou duas décadas, vai se recuperar. O que é muito tempo”, afirma o coordenador do Centro de Pesquisas Hidráulicas, Carlos Barreira Martinez.
No entanto, para que isso ocorra é necessário que a lama se dilua e escorra para outras áreas, o que só é possível com a ação da chuva. A estiagem que a região Sudeste enfrenta é um agravador deste cenário, atrasando muito uma possível revitalização do Rio Doce.
Obviamente, a biodiversidade animal e vegetal da região não pode esperar décadas para ver o rio novamente. “O conjunto de seres vivos vai estar todo ameaçado e vários desses organismos vão desaparecer, ainda que, vamos esperar, seja localmente.
Eventualmente, alguns desses organismos podem ter a chance de voltarem a colonizar essas áreas. Para que isso aconteça, vai precisar de tempo. No entanto, outros organismos não vão ter a chance de colonizar porque requer um tempo muito mais longo para que as cadeias alimentares se restabeleçam”, explica o professor do ICB da UFMG Francisco Barbosa. Ele estima que o começo dessa recuperação só irá acontecer em um futuro distante, precisando de 20 a 30 anos para a maioria dos diversos processos se sucederem.
Mas, se este prazo já é muito grande no continente, no oceano, ele é ainda maior. O especialista em biologia e ecologia marinha André Ruschi lembra que a chegada de nutrientes ao oceano depende dos ciclos da maré, definidos pelos movimentos dos astros, como a lua e o sol: “A cada onze anos, com as enchentes, as cheias carregam grandes quantidades do material do rio para o mar”.
Como a região também é onde ocorre a confluência de espécies e correntes de todo o Oceano Atlântico, sendo uma das áreas de maior biodiversidade no mundo, o impacto, segundo o cientista, representará um atraso de séculos ao ecossistema.
(Da Rede Brasil Atual)

Acessar o conteúdo