Um Baile no Etarismo

Por Edna Rodrigues Barroso*

Existem corpos que não pretendem parar de dançar, de se movimentar, de se divertir, de cantar, mesmo que alguém lhes declare que já não têm a mesma flexibilidade, a mesma leveza, a mesma agilidade.

Existem corpos que não pretendem parar de militar, de se envolver, de se posicionar, de reivindicar, mesmo que alguém lhes afirme que o mundo mudou, a sociedade mudou, a categoria mudou.

O menosprezo aos envelhecimentos tem se mostrado um preconceito crônico, especialmente no caso brasileiro. É uma subestimação que pode assumir contornos paternalistas, como a infantilização, e/ou inadmissíveis, como o desrespeito.

Por isso, cada vez mais, o Estado e a sociedade civil têm o dever de elaborar e adotar políticas públicas e ações que venham contrapor-se ao etarismo e às suas múltiplas e complexas manifestações, tendo o bom senso de nem romantizar e nem dramatizar o envelhecimento. Porque, como cantou Juca Chaves: “Idade não é culpa; Velhice não é desculpa; Nem mesmo a juventude é profissão”.

O Bailes das(os) Aposentadas(os) do Sinpro-DF é um exemplo da força e da mobilização daquelas e daqueles que se dedicaram ao magistério e à militância sindical e hoje usufruem de um direito social: a aposentadoria.
Direito esse (re)conquistado com muita luta por quem estava a bailar.
Ainda que haja a crítica de que a iniciativa possa parecer segregacionista, é preciso entender que a categoria é numericamente grande e que aposentadas(os) e não aposentadas(os) são segmentos distintos que formam uma única base.

Vendo e participando do Baile, é impossível não se emocionar ao ver tantos e tantas que consagraram (e ainda o fazem) parte significativa do seu cotidiano para causas coletivas. E como disse Gonzaguinha: “E eu não quero esquecer; Essa legião que se entregou por um novo dia.”
Nosso Baile é um contraexemplo ao etarismo, ao capacitismo, ao preconceito de gênero. As mulheres marcaram presença majoritariamente, retratando a categoria, quantitativa e qualitativamente. São mulheres que não se intimidam em dançar sozinhas ou acompanhadas das amigas, riem em grupo, cantam em coro e se alegram em encontrar as companheiras e companheiros de profissão, arrumam-se e perfumam-se para si, ou ignoram o “dress code”. Pessoas que vivem plenamente, em par ou ímpar.

Nosso Baile é, antes e acima de tudo, um espaço/tempo de celebração coletiva e de prazeres compartilhados. Sem saudosismos, mas com reverência a todas e todos que alimentaram (e alimentam) o “fogo da esperança” por dias melhores.

Agradecemos à Secretaria de Assuntos de Aposentados e Aposentadas pelo Baile de 2023. Que nosso sindicato esteja atento ao fato de que uma entidade classista constitui-se de razão e emoção.

Que venham outras e novas ações que promovam os interesses desse segmento da categoria, articulando-os aos que ainda não se aposentaram.
Aposentadoria sim! Inatividade nunca! Segue o baile.

*Edna Rodrigues Barroso é professora aposentada da SEEDF

 

Paulo Freire e a luta por uma educação pública de qualidade e um país soberano

(*) Por Raimundo Kamir

Se estivesse vivo, o Patrono da Educação Brasileira, Paulo Freire, faria 102 anos no dia 19 de setembro de 2023. A data de nascimento de Freire, reconhecido mundialmente como um dos maiores e mais profundos educadores do planeta, tornou-se momento importante para a reflexão sobre a importância e a necessidade de defendermos a educação pública, gratuita, democrática, popular, laica, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada para o Brasil conseguir ser uma nação desenvolvida e soberana.

O legado de Paulo Freire é imenso e, entre o espólio de seu aporte literário, destaco a defesa da educação como um ato político e transformador, capaz de empoderar as pessoas e promover um modelo de sociedade livre de opressões. Quando pensamos a escola brasileira a partir de uma perspectiva freiriana, entendemos que é preciso existirem condições de vida e de trabalho favoráveis aos(às) educadoras(es), estudantes e trabalhadoras(es) da educação a promoverem as práticas pedagógicas com mais autonomia.

O problema é que, quando o neoliberalismo ataca a educação, como um todo, como aconteceu recentemente no Brasil, durante os governos federais entre 2016 e 2022, dificulta e, muitas vezes, impedem a construção do “ser mais” de Paulo Freire, limitando e impedindo, como está acontecendo, atualmente, no Estado de São Paulo, o desenvolvimento de uma educação voltada para capacitar as pessoas para a cidadania e a construir seres humanos sujeitos(as) críticos(as) que possam desfrutar de uma cidadania plena.

O movimento dos professores(as) e orientadores(as) educacionais e seus sindicatos no País afora, com seu papel fundamental na luta em defesa dos direitos dos(as) trabalhadores(as) da educação por condições mais adequadas de trabalho e valorização profissional, corrobora a ampliação das condições materiais que vão ao encontro de uma prática pedagógica crítica e emancipadora. Esse compromisso com a luta em defesa do legado de Paulo Freire é de extrema importância para a garantia de uma educação pública de qualidade socialmente referenciada, democrática e inclusiva.

O fomento às formações sindicais na educação visa a fortalecer a ideia de uma educação como práxis emancipadora, contribuindo para a construção de uma consciência crítica para o enfrentamento das desigualdades presentes no sistema educacional. Esse processo só é possível quando todos(as) os(as) atores(as) da escola e ao redor dela estiverem construindo, como sujeitos e sujeitas, essa ruptura com o modelo de sociedade que produz e reproduz a lógica da miséria, da desigualdade social, do machismo, do racismo, da LGBTfobia, dentre outras opressões estruturais.

Nesta comemoração dos 102 anos de natalício do Patrono da Educação Brasileira, seus ensinamentos nos trazem reflexões preciosas para um período de reconstrução do País, que estamos vivendo agora, e para o fortalecimento da luta pela Educação libertadora. A conjuntura atual abre mais espaços para proposições que defendem a educação pública, contudo, isso não significa que a luta deve enfraquecer. O momento é de propor e de disputar um modelo de educação pública e gratuita, construído e forjado para transformar o mundo em um lugar mais justo, solidário e amoroso e nosso país em uma nação soberana.
Viva Paulo Freire!

(*) Raimundo Kamir é diretor do Sinpro-DF e professor de Artes na rede pública de ensino do Distrito Federal.

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Educação e consciência negra: para além do 20 de novembro

Uma consciência negra e educativa é possível todos os dias? Pensemos no diálogo saudável ao trazer às reflexões, por um lado, a educação e, por outro, o seu poder de abrir caminhos trilhados há — pelo menos — 18 anos da Lei nº 10.639/03. Se uma lei controla, impõe ou obriga, ela também legitima e conforta um determinado segmento social e, posteriormente, surge uma diretriz para orientar ou estabelecer ações sobre a referida norma.

Em 2004, foram publicadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Conforme o documento, é preciso “salientar que tais políticas têm como meta o direito de os negros se reconhecerem na cultura nacional, expressarem visões de mundo próprias, manifestarem com autonomia, individual e coletiva, seus pensamentos” (pg. 10). Frente a esse documento, o que temos a oferecer como profissionais da educação ao olhar para o sujeito que possui sua história, suas marcas
e seu cotidiano, no que tange à consciência negra?

O fato é que a escola começa a ter consciência da lei e a agir. Componentes curriculares de história, geografia, artes trazem a questão e a África “passou” a ser mais conhecida. Para além do continente, era preciso um outro tipo de consciência, a negra. E como pensar a consciência negra no contexto escolar? Eis que surge um desafio: é preciso transcender os livros escritos e chegar até a alma, conforme Rubem Alves (2015): “Os livros escritos com sangue mexem com o corpo e a alma. Os outros mexem só com a cabeça”.

Então, vem mais um passo. Sair dos livros e ir para a vida. A arte, em sua linguagem específica, vem fazendo essa jornada por meio das músicas, teatros em forma de psicodramas e imagens. Em relação a estas últimas, Nelson Inocêncio enfatiza: “Sem minimizar a cultura escrita, a imagem orienta por uma intenção ou uma reflexão inicial” (2001). Surgem, frente à organização dos trabalhos escolares, as catarses, a coletividade, e com esses, as transferências, recalques, atos falhos e as necessidades das escutas pedagógicas sensíveis.

Como nos diz Franz Fanon (2008): “Em toda sociedade, em toda coletividade existe, deve existir um canal, uma porta de saída, pela qual as energias acumuladas, sob forma de agressividade, possam ser liberadas”. São essas forças de trabalho na escola, enquanto retomada de uma consciência negra, que vão abrir as possibilidades de os estudantes buscarem suas subjetividades, suas histórias e, consequentemente, uma escuta generosa e solidária. Ao mesmo tempo, qualificar as pessoas envolvidas com a educação para escutas qualificadas, não do lugar de psicólogos ou psicanalistas, mas do lugar delas mesmas, de modo a estarem sensíveis a isso, significa buscar qualidade de saúde mental para essas pessoas, por meio de políticas que vislumbrem um trabalho de qualidade.

Para tanto, é preciso criar uma identidade própria, onde mulheres e homens negros possam alcançar, como diria Stuart Hall, um “fortalecimento das identidades locais”, e a comunidade escolar é um excelente começo. Desta forma, Dias da Consciência Negra acontecerão, com tomadas de consciência de si, do outro ser humano e dos seus desafios. Cada pessoa se sentindo pertencente ao grupo e ao todo, em espaços de trocas e em seus lugares de falas e escutas.

Acabado o 20 de novembro, passaram-se as lives, os teatros, os cartazes, as pessoas da comunidade escolar voltam para aulas comuns. Onde estão os estudantes que participaram desses eventos? Saíram dos seus lugares de protagonismo e viraram novamente os meros espectadores ou vítimas do racismo? Vão-se os cartazes para o lixo, os teatros e as lives para os canais on-line… e você, criança, jovem, pessoa adulta negra que se envolveu no processo, onde está?

A pergunta do divã é: o que nós faremos com isso? A questão que fica é a seguinte: para a próxima sessão, se as pessoas voltaram aos seus comportamentos racistas e você ficou sem vez de fala e escuta. Qual a interpretação que você faz disso? Qual o sentimento de não pertencimento, de não reconhecimento, de não conexão? Bem-vindo, bem-vinda ao dia de amanhã, quando se encerraram as atividades alusivas ao 20 de novembro, mas não acabam aqui, há 365 dias pela frente para somar forças, porque o racismo não dá trégua.

E, para você, que leu e trouxe para si essa reflexão, deixo aqui, parafraseando Carl Jung: você pode sublimar suas ações e seus sentimentos, pode recalcá-los, esquecê-los ou torná-los simbólicos, mas frente às consciências necessárias para uma sociedade em equidade, seja apenas uma alma humana.

 

Mariana Almada é professora da SEEDF, arte-educadora, fotógrafa e psicanalista.

Educação empreendedora na infância e na adolescência?

Por Gina Vieira Ponte de Albuquerque (*)

 

Mais uma vez me perguntaram o que eu acho da Educação Empreendedora na Educação Básica. Eu respondo sempre com outras perguntas: “E o que você entende por Educação Empreendedora? Como você concebe educação na infância e adolescência? De que concepção de Educação você está partindo quando propõe que, na infância, se ensine Educação Empreendedora?”

Preocupa-me muito ver que o Currículo da Educação Básica, que é um campo de disputa permanente, venha perdendo espaço da educação integral, lúdica, criativa, crítica, inclusiva e socialmente referenciada, e esteja dando espaço para formar o sujeito empreendedor e não o sujeito ambiental, o sujeito consumidor e não o sujeito cidadão.

Lutamos tanto contra o trabalho infantil e agora ensinamos desde cedo noções enviesadas da relação com o trabalho: “Para que ser empregado se você pode ser patrão?” Este tipo de discurso é sobre formar patrões ou sobre formar sujeitos que acreditam que são patrões e, por isso, podem abrir mão de direitos trabalhistas e condições dignas de trabalho e, acreditando que são patrões praticam o empreendedorismo de sobrevivência porque não têm outra alternativa?

A Educação Empreendedora inclui uma reflexão crítica sobre os modos de produção capitalista, ou se ocupa apenas de reforçá-los como única possibilidade de organização social? A Educação Empreendedora na Educação Básica sobre a qual se fala é para ensinar a empreender ou sobre submeter crianças e adolescentes a discursos que naturalizam a uberização, condições precárias de trabalho e subempregos disfarçados de “empreendedorismo”?

A Educação Empreendedora na Educação Básica é honesta o suficiente para provocar os estudantes a pensarem sobre os efeitos dos modos de produção capitalista no meio ambiente e o seu impacto nas questões climáticas? Investimos em Educação Ambiental, Educação em e para os Direitos Humanos, tanto quanto temos investido em Educação Empreendedora? Um dos papeis mais importantes da educação é formar as novas gerações não apenas para se adaptar ao mundo que existe, mas para contestá-lo e transformá-lo para melhor. A Educação Empreendedora de que se fala, se ocupa disso?

(*) Gina Vieira Ponte de Albuquerque é professora da rede pública de ensino do Distrito Federal

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Você tem fome de quê?

Por Rodrigo Rodrigues, presidente da CUT-DF

Estudo do Dieese mostra que, para a maioria dos trabalhadores da capital federal,
a relação entre cesta básica e salário é uma conta que não fecha

Qual item de supermercado você deixou de comprar neste mês porque não coube no orçamento? Se você é trabalhador ou trabalhadora, o preço dos alimentos é um dos problemas da sua vida financeira. Para a maioria de nós, a relação entre cesta básica e salário do mês é uma conta que não fecha.

De um lado temos as estratégias de produção do agronegócio, voltadas ao mercado internacional. A atuação desse setor dificulta que as políticas públicas que garantam a segurança alimentar possam se consolidar. Além disso, ainda temos a enorme desigualdade social, gerada, sobretudo, com a concentração de renda nas mãos de muito poucos. Estes são fatores que refletem nos preços estampados nas gôndolas dos supermercados e vão contra os rumos da política socioeconômica adotada pelo governo federal; o outro lado dessa disputa entre o lucro e a segurança alimentar.

Para o povo do Distrito Federal, a situação vem se agravando. Estudo realizado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostra que, em agosto deste ano, das 17 capitais pesquisadas, apenas uma apresentou aumento no valor da cesta básica: Brasília. Em todas as outras, o valor conjunto dos alimentos essenciais diminuiu.

No ranking das capitais do Brasil com a cesta básica mais cara, Brasília subiu mais uma posição em comparação com o mês de julho deste ano, e está em sexto lugar. Aqui, quem comprou (ou quis comprar) os 13 itens básicos para se alimentar durante um mês, teve (ou teria) que desembolsar R$ 689,98.

A variação do preço da cesta básica de julho para a gosto foi de 0,35%. Mas antes de afirmar que este é um percentual pequeno, é importante analisar a conjuntura colocada para as trabalhadoras e os trabalhadores do Distrito Federal.

Uma das principais características socioeconômicas do DF é a disparidade de renda. Em regiões administrativas como o Lago Sul, por exemplo, a renda mensal é uma das maiores do Brasil. Em comparação, no Sol Nascente, a maior favela do país, a renda de uma família no mês é menor que um salário mínimo.

É fato que aqui no DF há um número maior de servidores púbicos do que no resto do Brasil: 22% dos trabalhadores no emprego formal estão no funcionalismo, segundo a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). Mas a grande maioria ainda está no subemprego, na informalidade, atuando como autônomos em carrinhos de cachorro quente, em pequenas tendas ao lado de paradas de ônibus, vendendo bolo e marmita na rua.

A Pesquisa de Emprego e Desemprego no DF (PED-DF) ainda mostra que, em maio deste ano, eram 277 mil pessoas desempregadas, um número que tem em sua maioria, jovens e negros.

Diante dos dados, é possível vislumbrar quão prejudicial é qualquer variação para cima no preço da cesta básica. De acordo com o Dieese, os R$ 689,98 pagos em 13 itens alimentares básicos representam mais de 56% do total de um salário mínimo, ou seja, mais da metade do que recebem no mês milhares de trabalhadores e trabalhadoras do DF. E o mais assustador: pela pesquisa, os produtos adquiridos são suficientes para alimentar apenas um adulto durante 30 dias. A pesquisa do Dieese ainda mostra que, para comprar uma cesta básica (estamos falando de arroz, feijão, batata, tomate), o trabalhador e a trabalhadora do DF precisam trabalhar 115 horas: mais da metade de um mês de trabalho para quem tem jornada de 8 horas diárias.

É incontestável que a valorização do salário mínimo, com ganho real, como foi neste ano, é uma das chaves para garantir que o povo possa colocar comida no prato. Entretanto, há outras ações imprescindíveis para que se chegue a esse resultado.

Uma delas é a discussão sobre os estoques reguladores de alimentos, que são mecanismos de estabilização do preço dos itens da cesta básica, pois garantem o abastecimento de alimentos em situação de escassez ou de aumento de preços.

Também é urgente questionar e combater o atual modelo do agronegócio: altamente voltado para a exportação, o que diminui a oferta doméstica e eleva o preço dos alimentos no mercado interno; monopolizado; com alto custo de produção; monocultor. Tudo isso reflete na elevação do preço de alimentos básicos.

É preciso criar cadeias globais produtivas, criar tecnologias de produção de alimentos e, sobretudo, valorizar a agricultura familiar, que gera emprego, renda e dinamiza as economias locais.

Indigna ter a certeza através de prova numérica que o direito à alimentação vem sendo negado ao povo do DF e do Brasil, no país que é uma das maiores produções alimentares do mundo. O sentimento, entretanto, torna-se combustível para fazer a luta por emprego, renda, alimentação digna e saudável, lazer, saúde, educação, habitação.

A gente quer viver e não apenas sobreviver!

“A gente não quer só comida. A gente quer comida, diversão e arte.”

Vamos à luta!

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Por que celebrar e lutar pela independência

Há poucos dias, comemoramos os 201 anos de independência do Brasil. Um fato importante, este ano, foi o resgate da data, que havia sido sequestrada por interesses privados de uma setor da sociedade capitaneado pelo bolsonarismo. Em 2023, o Dia da Independência voltou a ter caráter de celebração nacional, ou seja, de todos os brasileiros e brasileiras, e não uma festa particular de autoexaltação de uma pequena parte.

Para além de recuperar esse significado, a noção de independência é muito cara para as elaborações do campo progressista, tanto num nível macro – como quando falamos de um país – como no micro, nas relações interpessoais.

O feminismo, por exemplo, fala há muito tempo sobre a necessidade de se construir a autonomia das mulheres sobre seus corpos e suas vidas. Isso significa que as mulheres são donas dos próprios corpos para vestirem o que quiserem e para que ninguém as toque sem seu consentimento. Também significa que a autonomia financeira das mulheres, ou seja, garantir-lhes a renda necessária para que cuidem de si e de seus filhos, é, por exemplo, um passo importante para combater a violência doméstica. Quando elas são donas da própria vida, é menor a chance de ficarem reféns de um ciclo violento de relações intrafamiliares.

Num âmbito mais geral, hoje em dia, falar da independência de um país nos leva a pensar no conceito de soberania. Um país soberano toma e encaminha decisões sem interferência dos interesses de outros países. Um país soberano cuida de seu meio ambiente, da sua população mais vulnerável, de sua Saúde, de sua Educação, de sua Economia de acordo com os interesses de seu povo, sem sofrer chantagens políticas ou econômicas internacionais.

Para a formação de uma criança, construir sua autonomia é fundamental. Ter seu pensamento livre, conforme seus princípios, conforme sua vivência, seus valores. Confrontar seus valores com os do colega, expor-se à convivência, tudo isso constrói a identidade de um ser humano, constrói sua autonomia. E a escola é um espaço fundamental de mediação desse encontro: o indivíduo com ele mesmo, para que ele possa ser livre.

Assim dizendo, podemos associar a noção de independência com autonomia e soberania. E a consequência de todas elas é a liberdade. Por um país livre, de homens e mulheres livres. Que sempre celebremos a liberdade nos 7 de setembro vindouros.

 

*Por Rosilene Corrêa, dirigente da CNTE.

Vida longa à CUT

Artigo do presidente da CUT-DF, Rodrigo Rodrigues, reconduzido ao cargo no último Cecut (Congresso da CUT-DF), sobre os 40 anos da CUT. Rodrigo é professor e foi diretor do Sinpro. No texto, ele fala do período de resistência vivido pela classe trabalhadora nos últimos anos, das perspectivas que se abriram com a vitória eleitoral de Lula em 2022 e a necessidade latente de reconstruir o Brasil.

 

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Vida longa à CUT

por Rodrigo Rodrigues

 

Lembro como se fosse hoje daquele 8 de novembro de 2019. O primeiro dia do CECUT – Lula Livre marcaria o início de uma nova gestão onde eu assumiria a presidência da Central Única dos Trabalhadores no Distrito Federal. Se parássemos por aí, esse já seria um marco na minha vida. Mas também foi naquele 8 de novembro que, depois de 580 dias preso, Lula ficou novamente livre. A esperança estava de volta. E nos enchia de coragem para enfrentarmos a conjuntura construída com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff , a chegada de Bolsonaro à presidência da República e, para nós do DF, com Ibaneis governador.

De 2019 para cá, vivemos um trágico ciclo de desregulamentação das relações de trabalho, amordaçamento da justiça trabalhista, asfixiamento financeiro dos sindicatos; sucateamento dos serviços e das políticas públicas. Voltamos a viver o Brasil da miséria avassaladora, habitado por uma multidão de desempregados, famintos, subempregados e desalentados; um Brasil dos sobreviventes que foram obrigados a ver com os próprios olhos e de barriga vazia a ampliação da concentração da renda dos muitíssimos poucos.

Enfrentamos a pandemia e o oportunismo cruel de quem a utilizou para gerar ainda mais lucro – e desespero. Superamos tristezas insuperáveis. A classe trabalhadora foi o alvo principal da morte gerada pela ausência completa de políticas públicas e pelo chorume do fascismo. Teimamos. Percorremos bairros, colocamos carros de som para conversar com a população, exigimos Equipamento de Proteção Individual para quem não pôde deixar o trabalho presencial. Reinventamo-nos nas redes sociais e na organização das categorias de trabalhadores. Gritamos em defesa da vacina e do SUS, e a nossa pauta principal unificou-se em defesa da vida.

Entramos em 2022 determinados a vencer. Mudamos nosso lema de “Lula Livre” para “Lula Presidente” e assim fizemos uma reviravolta na história do Brasil, sem jamais termos a ilusão de que isso seria fácil. Fomos às ruas com vontade, conscientes de que deveria ser radicalizada a unidade da classe trabalhadora, dos movimentos sociais, dos sindicatos, da periferia, dos partidos políticos que ainda prezavam pela democracia; a unidade de tudo mais que se insurgisse contra o que estava dado em um tom verde-oliva de ditadura e morte.

Vencemos! No dia 1º de janeiro de 2022, Lula recebeu a faixa presidencial “das mãos do povo brasileiro”, e chorou ao lembrar que nas ruas do Brasil, “trabalhadoras e trabalhadores desempregados exibem, nos semáforos, cartazes de papelão com frases de pedidos de ajuda que nos envergonham”. Não tenho dúvidas de que a reviravolta que começou a ser dada com a saída de Lula da prisão naquele 8 de novembro de 2019 nos motivou a chegar até aqui. Mas é certo que foram a nossa luta e a nossa unidade que nos fizeram resistir.

Estamos agora diante do desafio de reconstruir o Brasil, onde o bolsonarismo ainda esperneia e grita estridente. Pela frente, muitas tarefas que exigem o respeito aos princípios da CUT: autonomia, liberdade sindical e solidariedade de classe. Para sair da rota da precarização, é urgente uma reforma estrutural dos sindicatos, que passe a dar conta das transformações do mundo do trabalho.

Precisamos lutar para que tenhamos sindicatos mais amplos, representativos, unificados e fortes. É urgente entender quem é a classe trabalhadora hoje. Independente das mudanças geradas pelos mais diversos fatores, é preciso insistir no trabalho de base, com diálogo sempre. Os trabalhadores e as trabalhadoras querem ser ouvidos e também querem ter instrumentos de fala.

É preciso lembrar que todas as conquistas são importantes quando se é trabalhador em um sistema socioeconômico letal. É preciso resgatar e celebrar a nossa história. A CUT é herdeira da resistência ao escravagismo; da organização dos primeiros sindicatos, da primeira greve geral de 1917. Nossa Central nasceu da luta pela redemocratização pós golpe e contra a ditadura militar.

A CUT é resultado da insistência da classe trabalhadora brasileira em ter direitos, democracia e justiça social. Chegamos aos 40 anos querendo muitos outros. As lutas que travamos nesses anos nos lembram que tudo que veio antes, faz com que estejamos aqui hoje, e dão a certeza de que somos parte de um processo – e de um projeto – que segue em expansão.

Vida longa à CUT.

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POR QUE NÃO SE RESPEITA A PROFESSORA E O PROFESSOR O QUANTO SE RESPEITA A JUÍZA E O JUIZ?

Um dia desses uma amiga, gestora em uma escola pública, me contou que recorrentemente há pais e outros parentes de estudantes que insistem em entrar sem camisa na escola, fato que ela não permite e orienta que voltem em casa, se vistam para serem bem recebidos na escola. Não raro, revoltam-se furiosos contra a medida e, quando não persistem na atitude, retiram-se da escola coléricos com ela. Essa professora é digna dos meus aplausos mais veementes.

É sabido que historicamente não há equivalência no respeito que a sociedade dá a professores e a outras profissões, como a de juízes. Você já viu alguém tratando de forma desrespeitosa um juiz ou juíza? Você conhece caso de alguém dizendo ao juiz ou a juíza como devem atuar? E a nós?

Convocaram-me para compor o tribunal do júri da minha cidade por um mês. Éramos trinta pessoas representativas de diversas classes sociais, profissões, etnias, gênero e idades. Um fator nos fez igual: o rigoroso respeito e reverência ao juiz, ao espaço físico e simbólico do tribunal de justiça, começando com a roupa que nos vestíamos. Mais que cordial, o tratamento era de deferência, de reverências absolutas. Mesmo nos momentos que antecediam as sessões, só nos dirigíamos ao juiz se quando solicitados e com a formalidade e os pronomes de tratamento que a situação exigia. Qualquer pedido de informação era dirigido aos demais funcionários do tribunal. Aliás, a suntuosidade do prédio e suas instalações já são intimidatórias. São lembretes de como lá se comportar. A escola pública nem precisava disso tudo, um tantinho já seria o suficiente para que lá se entrasse com um pouquinho de cerimônia, um tantinho de respeito, já que ambos são equipamentos públicos igualmente importantes para a sociedade. Eu, como professor há 33 anos, sempre me indago com muita indignação porque não se trata a escola, professores e professoras da mesma forma que se trata juízes e tribunais.

Me pautarei neste exemplo. A falta de equivalência no respeito dado a professores e juízes sabemos que se origina de múltiplos e complexos fatores culturais, sociais e históricos. Algumas das principais razões para essa disparidade são as percepções que se tem dos papéis de cada uma destas profissões na sociedade. A função do juiz é vista como essencial para a manutenção da ordem e da justiça. Juízes são responsáveis por tomar decisões legais importantes que afetam a vida das pessoas e garantem o cumprimento da lei. A importância do papel do professor é subestimada, apesar de ser fundamental para o desenvolvimento do país. A magistratura é associada a um alto prestígio social. O magistério não tem o mesmo prestígio. Agora vejam: magistratura e magistério vêm da mesma raiz etimológica primária, do latim: magister, que significa mestre, chefe, funcionário do poder público investido de autoridade. Daí vem as derivações: magistratura passa a denominar a carreira pública cuja atribuição constitucional é administrar a Justiça no exercício do Poder Judiciário. E magistério, é o ofício do professor.

Fato relevante é que juízes recebem salários mais altos e têm benefícios que professores não tem. Isso acaba indicando o nível de valorização que a sociedade atribui a essas profissões. Juízes são vistos como figuras de autoridade e poder, enquanto professores são associados a um papel mais submisso ou de menor importância. Embora professores desempenhem um papel crucial na formação dos indivíduos, suas decisões não têm impacto tão imediato e visível como as decisões dos juízes. A desobediência ou desrespeito a um juiz resulta em sérias consequências legais. Por outro lado, o desrespeito ao professor não tem consequências graves, o que leva a um comportamento menos respeitoso. Para se promover um maior respeito pelos professores e valorizar nossa função na sociedade, o poder público precisa para ontem potencializar os recursos destinados à escola pública, resolver a sobrecarga de trabalho que afeta a qualidade social do ensino, impactando a imagem do professor perante os alunos e a comunidade, aprimorar as condições de trabalho, de remuneração e reconhecer publicamente as contribuições essenciais dos professores da escola pública para o crescimento e progresso da sociedade. E nós, de nossa parte, pararmos de nos diminuirmos ainda mais perante a sociedade. Não raro, presencio colegas se afirmando “sofressores, sofressoras”, caricaturando sua profissão com piadas grotescas. E se isso não fosse o bastante, ainda temos muitos gestores, colegas da mesma categoria, adotando atitudes antiéticas e desumanas contra seus pares. E nem temos um código de ética, como profissionais do direito, jornalistas, médicos, enfermeiros.

Professores enfrentam desafios e dificuldades em seu trabalho, que os juízes não têm. Além dos baixos salários e a falta de infraestrutura dos espaços escolares, somos assombrados pela violência escolar, indisciplina, desinteresse e evasão dos estudantes. Esses fatores afetam a motivação, a autoridade e a autoestima do professor, que nem sempre conta com o apoio da família, da comunidade ou do poder publico para o enfrentamento a tais desafios. Já o juiz, além do status social elevado, remuneração atrativa, carreira prestigiada tem uma função de poder. Tem um código de ética que define seus deveres e responsabilidades, bem como a linguagem e o comportamento adequados. O juiz é visto como um representante da lei e da ordem, que deve ser respeitado e obedecido. Ah, e todos são doutores sem, necessariamente, terem cursado um doutorado. E o magistério?

O respeito ao juiz é uma norma social imposta pela lei. O juiz tem o poder de julgar, condenar ou absolver as pessoas. Há vários fatores que influenciam o respeito ao professor e ao juiz, profissões distintas e igualmente importantes e isto temos que bradar, fazermos campanha para que sejamos valorizados e reconhecidos pela sociedade da mesma forma, pois ambos temos um papel fundamental na construção de um país melhor.

Outros fatores dos quais não posso deixar de falar são a influência dos meios de comunicação: a forma como somos retratados nos meios de comunicação e nas redes sociais desempenham significativo papel no modo como somos percebidos pela sociedade. Estereótipos negativos e caricaturas em memes e shows de humor de gosto duvidoso afetam nossa imagem; a falta de envolvimento efetivo das famílias na educação dos filhos e a falta de apoio da comunidade à escola também contribui para a falta de respeito ao professor. Males dos quais o poder judiciário não padece.

Somos desrespeitados todos os dias. Não me chegam notícias disso quanto a profissionais da magistratura e não é para haver mesmo. Todas as profissões precisam ser respeitadas. Resumirei o que considero pontos fulcrais deste problema social, que devem ser priorizados para que a distância entre estas duas profissões seja ao menos relativizadas. Lembro-lhe que esta minha análise comparativa focou a carreira da magistratura como exemplo, em razão do impacto que passei na experiência da convocação para compor o tribunal do júri da minha cidade. Poderia ter escolhido a medicina (de onde saem doutores, sem doutorado), a engenharia, a veterinária, que segundo pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) feita pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), publicada no Jornal Estado de Minhas nesta semana, são as três profissões com maior prestígio social no Brasil, nesta ordem. Então, vamos às cinco situações desrespeitosas que vivemos cotidianamente e que precisamos combater de forma tenaz:

A desvalorização salarial é um desrespeito: a remuneração do magistério não condiz com a importância do trabalho educacional e social desempenhado, o que implica no desrespeito à profissão. Um Juiz de Direito Substituto do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios tem salário inicial de R$ 32 mil, somados à diversos benefícios adicionais, chega a R$ 40 mil no início da carreira. Um professor no Distrito Federal, no fim de carreira, com doutorado e 40 horas de jornada semanal, não recebe mais que R$ 10 mil.

A falta de reconhecimento efetivo do poder público e, por tabela, da sociedade é um desrespeito: não somos reconhecidos pelo trabalho árduo e pelo impacto positivo que temos na formação da sociedade. Precisamos, de nossa parte, termos orgulho da nossa profissão, pois o reconhecimento à magistratura é indiscutível.

Agressões à nossa categoria, claro, são desrespeitos. Somos recorrentemente vítimas de violências físicas e simbólicas por parte de estudantes, famílias, gestões das escolas e poderes públicos. No campo das violências simbólicas o assédio moral é uma modalidade expoente. Em um fórum isso teria severas consequências.

A falta de recursos e infraestrutura adequada nas escolas é um desrespeito, pois dificulta nosso trabalho e afeta o aprendizado dos alunos. Dos recursos e das estruturas dos fóruns nem preciso falar.

As interferências no nosso trabalho são desrespeitos. Enfrentamos críticas e interferências constantes da sociedade, das famílias, da mídia e de outros setores, que se arvoram em determinar nosso trabalho, desconsiderando o quanto estudamos para estar ali, que o que fazemos é com embasamentos teórico-metodológicos. Atitudes que levam ao sentimento de desvalorização e desrespeito ao nosso trabalho. Você tem notícias de desvairado que tenha olhado no olho do juiz e determinado o que ele deve fazer?

Sabemos que não se muda um cenário destes com um decreto, tampouco apenas com nossa vontade. As mudanças históricas requerem paciência histórica e luta constante. Poder público, sindicato, categoria, sociedade, mídias, precisam ressaltar todos os dias que professores desempenham papel fundamental e insubstituível na sociedade, que somos essenciais para o desenvolvimento intelectual, emocional e social dos estudantes. Somente construindo o respeito e o reconhecimento merecido e adequado, será possível construirmos uma educação de qualidade social e uma sociedade mais justa e igualitária.

Então, por que não se respeita o professor o quanto se respeita o juiz?

 

Prof. Simão de Miranda, Pós-Doutor em Educação. (Youtube|Instagram: simaodemiranda)

ELEIÇÕES NAS ESCOLAS PÚBLICAS: FORTALECER A DEMOCRACIA PARA TRANSFORMAR A REALIDADE

É ano de eleição para gestor/a e conselhos escolares das escolas públicas do Distrito Federal, a se realizar no dia 25 de outubro de 2023. Formulação de Proposituras (propostas de ação), debate qualificado e votação são três pilares do processo eleitoral. Cada candidato/a precisa reconhecer que não há mágica, messianismo e tábula rasa na educação, nem a necessidade de inventar a roda. Há, sim, um Projeto Político-Pedagógico em andamento que precisa ser respeitado e reconhecido como uma mediação histórica que orienta os rumos do fazer pedagógico, administrativo e financeiro.

As eleições para gestor/a nas escolas públicas do Distrito Federal representam um ganho na luta empreendida pelo SINPRO/DF, a categoria como um todo e alguns deputados/as distritais, para chegar à Lei 4.751, de 07 de fevereiro de 2012 – Lei de Gestão Democrática. Entre os princípios a serem observados, destaco dois:

“I – Participação da comunidade escolar na definição e na implementação de decisões pedagógicas, administrativas e financeiras, por meio de órgãos colegiados, e na eleição de diretor e vice-diretor da unidade escolar. II – Respeito à pluralidade, à diversidade, ao caráter laico da escola pública e aos direitos humanos em todas as instâncias da Rede Pública de
Ensino do Distrito Federal”.

A eleição tem primazia sobre a indicação. Ao ser eleito/a, presume-se que se tenha interdependência, algo diferente de uma dependência cega, subserviente às instâncias maiores do poder público.  Neste sentido, as relações entre Gestor/a escolar, Diretor/a Regional de Ensino, Secretária de Educação e Governo do Distrito Federal precisam ocorrer de maneira respeitosa, dialogal, democrática e livre de qualquer subordinação vertical. Livre dos ditames que provêm de uma rigidez hierárquica, capaz de pôr em risco a integridade e autenticidade dos órgãos colegiados e a própria eleição como tal.

Um mesmo entendimento pode ser estendido às relações na escola, em contexto democrático antes e pós-eleições: não deve haver verticalidade de poder entre equipe gestora, Orientação Educacional, professores/as, estudantes, Carreira Assistência à Educação e demais funcionários/a da Unidade Escolar. Formação humana e democracia participativa não combinam com autoritarismo, posturas autocráticas e fundamentalismo/moralismo religioso e normativo.

Entretanto, o primado da eleição sobre a indicação não é, necessariamente, uma prerrogativa para a gestão democrática, vez que essa exige postura dialógico-dialética, muito além da semântica. A palavra “democracia” deve ser assumida como práxis. Neste sentido, lei por si só não é sinônimo de democracia, mas sem ela, não seria possível adentrar os meandros de uma especificidade democrática dentro da escola. Ademais, é lamentável, que muitos candidatos/as não acessem a Lei de Gestão Democrática, o que enfraquece a propositura e esvazia a praticidade.

A postura democrática coloca em discussão o que fazer, com quais objetivos, de modo que a decisão seja coletiva. Por outro lado, a postura autocrática é aquela que, decide primeiro, para depois colocar a decisão tomada em votação. Um autoritarismo maquiado de democracia. O ato democrático não pode ser suprimido com a falsa alegação de que “o povo não sabe nem quer participar”, “o estudante não tem o que dizer de mais importante” e que “não se tem tempo para o processo democrático”.

O primeiro princípio posto pela Lei de Gestão Democrática é, essencialmente, uma orientação sobre como se deve perfazer e permear os rumos das escolas em três grandes dimensões: pedagógicas, administrativas e financeiras. E, se isso vai se dar de maneira autoritária e unilateral ou se vai acontecer de forma sustentada e efetiva, com a participação de toda a comunidade escolar. Ao articular essas dimensões, para que elas não exerçam uma posição mecanicista, é importante que sejam discutidas, planejadas e executadas dentro de uma visão de conjunto e como possibilidades reais de transformação social-política, cultural e educacional da comunidade escolar e, no nível de uma utopia, de transformação da sociedade brasileira contemporânea.

A Gestão Democrática, para ser viável e efetiva, terá que reconhecer e colocar em prática os mecanismos de participação constantes no Artigo 9º, por meio dos órgãos colegiados: “Conferência Distrital de Educação; Fórum Distrital de Educação; Conselho de Educação do Distrito Federal; Assembleia Geral Escolar; Conselho Escolar; Conselho de Classe; grêmio estudantil e Direção da Unidade Escolar”. Fora do compromisso com a praticidade, a gestão democrática resvala em verborragia.

A ação-reflexão e reflexão-ação devem estar incorporadas ao modus vivendi e modus operandi da educação pública, em geral, e de cada unidade escolar. A excelência do respeito, aqui tratado em quatro perspectivas, atinge seu ápice na ação cotidiana, com e para além da escola, um dos objetivos da educação escolar.

A escola, quando assume o compromisso de exercer sua função social, política, educativa, científica e cultural, passa a ser um inevitável território de disputa para alcançar a transformação que desejamos. Para que a escola seja capaz de exigir mudanças de fora, em âmbito societário, deve, necessariamente, mudar a sua práxis cotidiana, e abrir-se à democracia participativa. Esse é um dos caminhos para a consolidação da dignidade humana, que se consubstancia no respeito à pluralidade, no caráter laico da escola pública, n diversidade e nos direitos humanos.

Quem se propõe a ser um/a gestor/a escolar, deve, com urgência, conhecer o Projeto Político-Pedagógico da escola, promover uma gestão democrática, auscultar as demandas da escola e seu entorno, promover planejamento estratégico participativo e estar atento/a às grandes mudanças contemporâneas. O perfil de um bom gestor/a é, portanto, dinâmico, construído no enfrentamento diário de adversidades, injunções, desafios e, sem dúvida, na percepção das possibilidades.

O conhecimento e a aplicabilidade de alguns documentos são imprescindíveis neste processo de eleição, quais sejam: Constituição Federal Brasileira de 1988; Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.393/1996; Projeto Político -Pedagógico da Unidade Escolar; Estatuto da Igualdade Racial; Estatuto da Criança e do Adolescente; Lei nº 10.639/2003; Lei nº 11.645/2008; Lei Distrital nº 5.714/2016; Lei Distrital nº 6.325/2019; Lei Federal nº 11.133/2005; Lei Federal nº 12.612/2012 e Lei Distrital nº 6.846/2021.

A gestão democrática nas escolas públicas não começa nem termina com a eleição para gestor/a, em que pese a sua maior importância e significado comparada às indicações. O processo democrático é mais amplo e complexo, porque exige participação na eleição, nas discussões, decisões, no planejamento, execução e avaliação do tripé Gestão Pedagógica, Gestão Administrativa e Gestão Financeira. Certas concepções, posturas e práticas precisam ser consideradas ao se pensar na possibilidade de candidatura. Cito algumas:

  • Reconhecimento do caráter laico, democrático, plural e diverso da escola pública.
  • Busca de uma formação técnico-política para que se possa levar a cabo a complexidade de uma gestão colegiada.
  • Elaboração de proposta que contemple os quatro lados do respeito: laicidade, pluralismo, diversidade e direitos humanos.
  • Concepção de gestão escolar como um princípio de atuação democrática e não como um mecanismo de mando, onde prevalece a arrogância e a tomada de decisão unilateral.
  • Desmistificar a ideia de “ser gestor/a como status” e “ganho financeiro” e fortalecer a função de gestor/a como um serviço compartilhado de maneira colegiada para transformar a realidade.
  • Apreender o conceito de gestão escolar em sua circularidade, complexidade e possibilidade de promover a transformação político-social e econômica, tendo o Projeto Político-pedagógico como instrumento de mediação sócio-histórica e analítica.
  • Discutir o despertar de novas lideranças mais alinhadas com os processos democráticos, com e para além da Lei de Gestão Democrática (4.751/2012), no sentido de dar nova vitalidade às dimensões pedagógicas, financeiras e administrativas da escola.
  • Debater concepções e práticas, sem preciosismo ou saudosismo, reconhecendo as contradições, limitações e possibilidades do contexto financeiro, pedagógico e administrativo.
  • Suscitar o diálogo com as demais instâncias do poder púbico, a fim de buscar, em conjunto, as soluções para os problemas cotidianos.
  • Discutir os mecanismos de participação com a comunidade escolar, para que haja uma conscientização da importância dos colegiados, bem como o seu planejamento estratégico, no que couber, com as mãos e os distintos olhares dos sujeitos envolvidos na ação pedagógico-administrativa.
  • Ter em mente que todos ganham com uma gestão democrática na escola pública, sobretudo a sociedade brasileira, que teve experiência de ditadura civil militar (1964-1985) e, mais recentemente, tentativa de golpe de Estado e de violação do Estado Democrático de Direito, em 08 de janeiro de 2023.
  • A sociedade brasileira contemporânea clama por democracia, e o seu fortalecimento passa pela educação em seus diversos níveis, pelos movimentos sociais/populares, poder público, lideranças religiosas, lideranças políticas e outros setores efetivamente comprometidos com a democracia. A gestão democrática da escola pública é mediação, é embrionária nessa luta pelo fortalecimento da democracia. É tempo de proposições. É tempo de debate transformadores.

 

*Cristino Cesário Rocha

Professor da rede pública do DF. Formação filosófico-teológica. Especialista em: Administração da Educação – UnB; Educação na Diversidade e Cidadania com ênfase na EJA – UnB; Educação, Democracia e Gestão Escolar – UNITINS/SINPRO-DF e Culturas Negras no Atlântico: História da África e afro-brasileiros -UnB. Mestre em Educação – UnB. Membro do Grupo de Estudos em Materialismo Histórico Dialético e Educação, Coletivo Consciência Negra Dandara, Grupo Pós-Populares – Democratização do Acesso a Universidade Pública pelo Chão da Pesquisa. Coletivo Educação Antirracista (SEEDF). Coletivo Mestres e Doutores da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal. Colaborador na Formação de Educadores/as Populares – Centro de Educação Paulo Freire – CEPAFRE/Ceilândia/DF.

 

O Pai-Nosso na escola pública: pode ou não pode?

Por Simão de Miranda (*)

Afinal, pode-se ou não rezar o pai-nosso com as crianças na escola?

Eu poderia responder sem rodeios: Não! Nunquinha! Nem pensar! Pai-nosso e nenhum outro culto.

Mas aí, poderiam redarguir:

– Ora, mas o pai-nosso é oração universal!

Pois bem, responderei de forma cordial, gentil e amorosa, convidando a você professora, professor a pensarmos juntos dois pontos fulcrais:

1º ponto: A escola pública é laica porque o estado é laico! A escola pública é aparelho do estado. A laicidade está garantida na Constituição Federal, pelo menos em dois lugares: no inciso VI do artigo 5º que estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença e no artigo 18 que determina que toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. O laicismo é uma doutrina indicadora de que a religião não pode influenciar o Estado. Esta separação entre Igreja e Estado se potencializou com a Revolução Francesa (1789 – 1799). No estado laico não se apoia, nem se discrimina nenhuma religião. A laicidade do estado brasileiro está garantida desde a Constituição Federal de 1891. Você sabia que a palavra “laico”, sinônimo de “leigo”, origina-se do grego laos e refere-se a povo em sua totalidade, à população, sem exceção?

– Ora, querido professor Simão, a introdução da Constituição de 1988 invoca Deus!

– É verdade, amada professora, apreciado professor! O preâmbulo da Constituição de 1988 invoca Deus, mas não nos outorga o direito de rezar o pai nosso na escola. Vamos ver o que está escrito? Está assim “promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa Do Brasil”. Juristas já pacificaram esta discussão por pelo menos duas teses:

1ª tese: o texto do preâmbulo se situa na área política, e não na jurídica da carta magna;

2ª tese: o preâmbulo não possui força normativa. O STF já ratificou que este caso não afeta a laicidade do Estado brasileiro, não quer dizer de forma alguma que o Brasil é teísta. Significa que oficialmente se reconhece um ser superior de todas as religiões ou de repente de nenhuma.

Portanto, gente querida da educação, na sua individualidade, você tem todo o direito, inclusive constitucional, a professar sua fé em qualquer lugar. Mas não de promovê-la coletivamente no espaço da escola, e muito menos se valer de sua posição hierárquica enquanto professor(a), gestor(a), para impor sua fé pessoal aos estudantes. O estado não pode promover religião e você está a serviço do estado.

2º ponto: o pai nosso não é oração universal nem dentro do cristianismo, enquanto prece.

Ou seja, estimadíssimos colegas da educação pública, envolver os estudantes em qualquer culto religiosos no espaço público escolar, além de afronta à legislação, é ofensa inadmissível aos não praticantes daquele culto.

O fato de sermos um país majoritariamente cristão, não nos autoriza a desrespeitarmos estudantes de famílias não-cristas, como as praticantes de credos de matrizes africanas, ateus ou agnósticos. Insistir nesta prática é uma via de acesso para o racismo religioso. Esta prática intimidatória, abusiva, ilegal e desrespeitosa, alimenta as exclusões tão duramente combatidas pela sociedade. Nenhum agente educativo pode impor sua fé pessoal, isso é vilipendiar a liberdade de credo dos demais.

Então, minha gente, embora a escola tenha herdado lá dos seus primórdios os princípios da fé cristã na chegada dos jesuítas e nos planos de estudos da Cia de Jesus, elaborados por santo Inácio de Loyola e, ainda mais, tendo Cabral mandado rezar logo uma missa assim que pisou nas nossas terras, passa da hora e faz tempo que passa da hora de honrarmos nossos compromissos por uma sociedade justa e verdadeiramente inclusiva.

Concordo plenamente com a professora Roseli Fischman, autora do livro Estado Laico, Educação, Tolerância e Cidadania (São Paulo: Factash, 2012), “A escola é o primeiro contato da criança com o Estado e precisa garantir acolhimento e respeito, sem impor conteúdo de fé, seja ele qual for”.

A laicidade do estado e, portanto, da escola é condição inegociável para a cidadania. A escola pública conta conosco, profissionais da educação. Sigamos esperançando.

 

(*) Por Simão de Miranda, Pós-Doutor em Educação, professor e escritor.

simaodemiranda@simaodemiranda.com.br

www.youtube.com/simaodemiranda

 

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